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Editorial

Asma e refluxo gastroesofágico

Asthma and gastroesophageal reflux

Mílton de Arruda Martins

Existe uma associação entre asma e refluxo gastroesofágico (RGE). A prevalência de RGE é mais alta em asmáticos do que em pessoas sem asma. Por outro lado, a presença de RGE está associada a sintomas respiratórios asmáticos. Em outras palavras, a asma piora o refluxo e o refluxo piora a asma.

Alguns autores(1) estudaram a presença de sintomas clássicos de RGE em asmáticos e observaram que pirose, regurgitação e disfagia foram relatadas, respectivamente, por 77, 55 e 24% dos entrevistados. Os mecanismos associados à elevada freqüência de sintomas de RGE em asmáticos estão relacionados a alterações ligadas à asma e a efeitos de medicamentos.(2) A disfunção do sistema nervoso autônomo, o aumento do gradiente de pressão entre o tórax e o abdômen e mudanças da posição do diafragma são alterações presentes na asma e que podem desempenhar um papel no aparecimento de hérnia hiatal e RGE. Outros autores(3) observaram que doses repetidas de salbutamol administradas por via inalatória resultavam em diminuição da pressão basal do esfíncter inferior do esôfago e ainda outros autores(4) observaram que o uso de 60 mg de prednisona por via oral durante sete dias aumentou o tempo de contato entre o ácido proveniente do estômago e o esôfago.

Na presença de RGE existe uma associação entre os episódios de refluxo e os sintomas respiratórios em pacientes com asma. Existem alguns possíveis mecanismos para explicar essa associação. A microaspiração de suco gástrico ácido poderia resultar em inflamação brônquica e broncoconstrição. Reflexos vagais originados em receptores do terço inferior do esôfago poderiam resultar em estímulo colinérgico em vias aéreas e também em liberação de alguns neuropeptídeos pró-inflamatórios.(2) Qualquer um desses dois mecanismos poderia resultar em aumento da hiperresponsividade pulmonar. Alguns estudos em laboratório sugerem que a microaspiração pode desempenhar um papel importante. Alguns autores(5) observaram em gatos que a administração de um volume alto (10 mL) de ácido clorídrico 0,2 N no terço inferior do esôfago resultou em aumento de 1,5 vezes na resistência pulmonar, enquanto a infusão de um volume pequeno (0,05 mL) na traquéia resultou em um aumento de 4,7 vezes na resistência pulmonar.
Realizamos estudo em cobaias com um modelo de inflamação pulmonar alérgica e observamos que doses altas de ácido infundidas no esôfago (1 mL de HCl 0,2 N) não resultaram em aumentos significativos na resistência pulmonar, enquanto volumes pequenos (50 µL de HCl 0,2 N) resultaram em grandes aumentos na resistência pulmonar.(6) É possível que, em pacientes com asma, haja mais de um mecanismo envolvido na relação entre refluxo e asma. Outros autores(7) estudaram o efeito da infusão ácida no esôfago de 13 voluntários portadores de asma moderada estável e RGE e observaram que dois pacientes apresentaram queda maior que 10% no volume expiratório forçado no primeiro segundo após a sondagem esofágica, dois apresentaram essa queda após a infusão de solução salina e queda ainda maior após a infusão ácida e os outros 11 não apresentaram alterações do volume expiratório forçado no primeiro segundo após a infusão do ácido.

Apesar de todos os avanços no conhecimento da relação entre asma e RGE, ainda não está perfeitamente estabelecido se o tratamento do RGE interfere no curso clínico e funcional da asma. Em metanálise publicada em 1998, alguns autores(8) observaram que em 326 pacientes com asma que tinham RGE, a terapia anti-refluxo melhorou os sintomas da asma em 69%, reduziu o uso de medicamentos para asma em 62% e melhorou o pico de fluxo expiratório em apenas 26% dos pacientes. Uma revisão dos estudos de tratamento cirúrgico do RGE,(9), que incluiu 417 pacientes com asma que foram operados, encontrou resultados semelhantes (redução dos sintomas de asma, do uso de medicamentos para asma e melhora da função pulmonar em 79, 88 e 27% dos pacientes, respectivamente). Entretanto, outros autores(10) avaliaram os estudos randomizados e controlados com placebo que foram incluídos no registro da Cochrane Collaboration e concluíram que o tratamento do RGE não melhorou de forma consistente a função pulmonar, os sintomas de asma, os sintomas noturnos, nem diminuiu o uso de medicamentos. Esses pesquisadores observaram que deveriam ser realizados estudos com número maior de pacientes e com tempo de acompanhamento maior.

Neste número do Jornal de Pneumologia há um estudo de Santos e colaboradores(11) em que pacientes com asma e RGE receberam bloqueador de bomba de prótons (pantoprazol 40 mg, em dose única diária). O estudo foi prospectivo, randomizado, duplo cego e placebo-controlado, havendo 22 pacientes em cada um dos grupos. Os pacientes foram acompanhados por 90 dias e os autores avaliaram também a qualidade de vida, o pico de fluxo expiratório diariamente e realizaram pHmetria esofágica ao final do estudo. Observaram que os pacientes que receberam terapia com pantoprazol tiveram melhora no escore de sintomas respiratórios e de qualidade de vida, mas não nos parâmetros de função respiratória.

São ainda necessários mais estudos relacionados ao efeito do tratamento de RGE sobre o curso clínico e funcional da asma, que tenham número maior de pacientes e com acompanhamento mais longo, inclusive para esclarecer se com mais tempo de tratamento haverá melhora nos parâmetros de função pulmonar nos pacientes com asma que receberem terapia anti-refluxo. Outro possível caminho é tentar identificar que características os pacientes com asma que melhoram têm que os fazem diferentes dos pacientes que não melhoram com a terapia anti-refluxo.

Referências

1 Field SK, Underwood M, Brant R, Cowie RL. Prevalence of gastroesophageal reflux symptoms in asthma. Chest. 1996;109(2):316-22.

2 Harding SM. Recent clinical investigations examining the association of asthma and gastroesophageal reflux. Am J Med. 2003;115(Suppl 3A):S39-S44.

3 Crowell MD, Zayat EM, Lacy BE, Schettler-Duncan A. Liu MC. The effects of an inhaled beta(2)-adrenergic agonist on lower esophageal function: a dose-response study. Chest. 2001;120(4):1184-7.

4 Lazenby JP, Guzzo MR, Harding SM, Patterson PE, Johnson LF, Bradley LA. Oral corticosteroids increase esophageal acid contact times in patients with stable asthma. Chest. 2002;121(12):625-34.

5 Tuchman DN, Boyle JT, Pack Al, Scwartz J, Kokonos M, Spitzer AR, et al. Comparison of airway responses following tracheal or esophageal acidification in the cat. Gastroenterology. 1984;87(4):872-81.

6 Lopes FD, Alvarenga GS, Quiles R, Dorna MB, Vieira JE, Dolhnikoff M, et al. Pulmonary responses to tracheal or esophageal acidification in guinea pigs with airway inflammation. J Appl Physiol. 2002;93(3):842-47.

7 Araújo ACS, Aprile LRO, Terra-Filho J, Dantas RO, Martins MA, Vianna EO. Efeito da acidificação esofágica na obstrução brônquica de pacientes asmáticos com refluxo gastroesofágico. J Bras Pneumol. 2005;31(5):13-9.

8 Field SK, Sutherland LR. Does medical antireflux therapy improve asthma in asthmatics with gastroesophageal reflux?: a critical review of the literature. Chest. 1998;114(1):275-83.

9 Field SK, Gelfand GAJ, McFadden SD. The effects of antireflux surgery on asthmatics with gastroesophageal reflux. Chest. 1999;116(3):766-74.

10 Coughlan JL, Gibson PG, Henry RL. Medical treatment for reflux oesophagitis does not consistently improve asthma control: a systematic review. Thorax. 2001;56(3):198-204.

11 Santos L, Hetzel JL, Ribeiro I, Cardoso PFG. Avaliação da resposta de pacientes asmáticos com refluxo gastroesofágico após terapia com pantoprazol: estudo prospectivo, randomizado, duplo cego e placebo-controlado. J Bras Pneumol. 2007;33(2):119-27.
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Mílton de Arruda Martins
Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo, SP, Brasil

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