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Artigo Original

Impacto da utilização de reforço positivo na mensuração da CV por espirometria em voluntários saudáveis

Impact that positive reinforcement during spirometry has on the measurement of VC in healthy volunteers

Vanessa Sales Logrado, Erili Mota Sena, Renato Júlio dos Santos Matos, Tássia Menezes Leite da Silva, Tuliane Ribeiro de Oliveira, Kristine Menezes Barberino Mendes, Kátia de Miranda Avena

ABSTRACT

Objective: Physiologically, VC can vary according to gender, age, body weight and posture, as well as ethnic and anthropometric characteristics. In addition, various diseases can alter VC. In order to measure VC, it is necessary to motivate the patient, to make the instructions understandable, to provide clear information and to have a capable examiner. The objective of this study was to determine the impact that positive reinforcement during spirometry has on the measurement of VC in healthy volunteers. Methods: A randomized clinical trial involving 105 healthy volunteers, randomly allocated to one of two groups: control and intervention. In both groups, VC was assessed as baseline (VC1) and again 15 days later (VC2). Positive reinforcement was provided only to patients in the intervention group and only during the determination of VC2. Results: There were no significant differences between the groups regarding the baseline characteristics. Females predominated in both groups. There was an increase in VC2 in both groups (p < 0.01), and VC2 was higher in the intervention group than in the control group (p < 0.01). Conclusions: These findings demonstrate the importance of using the behavioral strategy in combination with traditional practice in order to obtain better results. The use of positive reinforcement during the determination of VC has proven to be an effective, simple and easily applied strategy.

Keywords: Vital capacity; Reinforcement, verbal; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: A CV pode variar fisiologicamente em função do gênero, idade, peso, postura, características étnicas e antropométricas, além de poder ser alterada por diversas doenças. Para a realização dessa mensuração, são necessárias a motivação e a compreensão do paciente, a clareza nas informações transmitidas e a habilidade do investigador. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto do reforço positivo na mensuração da CV por espirometria em voluntários saudáveis. Métodos: Ensaio clínico randomizado, realizado com 105 voluntários saudáveis, alocados randomicamente em dois grupos: grupo controle e grupo intervenção. Os grupos foram submetidos à avaliação da CV basal (CV1) e, após 15 dias, foram reavaliados (CV2), sendo que apenas o grupo intervenção recebeu o reforço positivo durante a determinação da CV2. Resultados: Não foram observadas diferenças significantes quanto às características basais dos voluntários entre os grupos. Houve predomínio do gênero feminino em ambos os grupos. Observou-se um aumento da CV2 em ambos os grupos (p < 0,01), sendo que a CV2 foi maior no grupo intervenção do que no grupo controle (p < 0,01). Conclusões: Este estudo demonstra a importância da utilização da estratégia comportamental associada à prática tradicional para a obtenção de melhores resultados. A utilização do reforço positivo durante a mensuração da CV demonstrou-se como uma estratégia eficaz, simples e de fácil aplicabilidade na abordagem ao paciente.

Palavras-chave: Capacidade vital; Reforço verbal; Testes de função respiratória.

Introdução

A CV pode ser mensurada lentamente, durante a expiração partindo da CPT, ou durante a inspiração, a partir do VR.(1) Essa representa o maior volume de ar mobilizado,(1,2) correspondendo ao somatório entre o volume corrente, o volume de reserva inspiratório e o volume de reserva expiratório.

A mensuração da CV pode ser realizada no teste de função pulmonar.(1) Assim como as demais variáveis de volume e capacidade pulmonar, a CV pode variar fisiologicamente em função do gênero, idade, peso, postura, características étnicas e características antropométricas, além de poder ser alterada por diversos processos patológicos.(3,4) A medida da CV pode ser influenciada por fatores como a motivação e a compreensão do paciente; a calibração do instrumento; a utilização de comando verbal pelo examinador; e a clareza das informações transmitidas ao paciente.(2,4-6)

Diversos estudos descrevem a utilização de um estímulo vigoroso durante a mensuração da CV, tendo esse o intuito de promover um incentivo no início da manobra e garantir que o esforço seja mantido pelo tempo necessário para a medida.(1-5,7)

Para a realização desse estímulo, utiliza-se uma estratégia de manejo comportamental, denominada reforço positivo. Essa estratégia é definida como uma série de comportamentos que têm como consequência a produção de estímulo, aumentando a probabilidade de uma resposta.(8,9) Sabe-se que a motivação é essencial não somente para a aprendizagem, mas também para uma performance eficiente das habilidades motoras.(10) É fato que, na obtenção da CV e na realização de outras medidas da mesma natureza, recomenda-se a utilização de técnicas que incentivem o paciente a obter um melhor desempenho no teste. Dessa forma, é possível melhorar a resposta da CV com a implementação do reforço positivo no ato da mensuração.

Ao revisar a literatura, não foram encontrados ensaios clínicos que comparassem a utilização ou não de reforço positivo medida da CV.

Frente a isso, o objetivo deste trabalho foi analisar o impacto do reforço positivo na mensuração da CV por espirometria em voluntários saudáveis.

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, realizado no período entre agosto de 2008 e abril de 2009, na Clínica Escola de Fisioterapia do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), Salvador, BA.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIJORGE, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, tendo sido registrado no Australian New Zealand Clinical Trials Registry (ACTRN) sob o número ACTRN12609000798268.
Foram selecionados 105 voluntários saudáveis, de ambos os gêneros, estudantes de cursos da área de saúde da UNIJORGE, que concordaram em participar da pesquisa, tendo assinado o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram excluídos da pesquisa os voluntários que apresentaram alterações posturais que comprometessem a mecânica ventilatória, alterações neuromusculares, doenças pulmonares restritivas e obstrutivas, tabagismo, hipertensão, cardiopatias e IMC > 25 kg/m2.
Os voluntários foram alocados aleatoriamente em dois grupos: Grupo Controle (GC) e Grupo Intervenção (GI). A randomização foi realizada através da tabela de números randômicos. A CV foi mensurada nos dois grupos; entretanto, para o GI, foi adicionado o reforço positivo (Figura 1).



Os voluntários foram submetidos à avaliação do estado geral de saúde, do condicionamento físico e quanto à presença de alterações posturais.
Para a avaliação das alterações posturais, foi utilizado um simetrógrafo (Sanny; American Medical do Brasil Ltda., São Bernardo do Campo, Brasil), sendo os voluntários posicionados descalços, em ortostase, a frente do equipamento, na posição sagital e frontal, a uma distância padronizada de 20 cm do mesmo. A avaliação visual foi realizada com o avaliador a uma distância de 2 m do voluntário.

Todos os voluntários foram instruídos quanto aos procedimentos que seriam realizados anteriormente ao início do teste. Seguindo a recomendação da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(1) os voluntários permaneceram em repouso por 5 min antes da mensuração da CV.

Para a avaliação da CV, foi utilizado um espirômetro de Wright (Mark 8; Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA), adaptado ao ramo expiratório de uma válvula unidirecional e a uma máscara facial siliconada. Optou-se por utilizar a máscara facial visto que já foi demonstrado que essa não causa interferências nos resultados obtidos quando comparada com o uso de bocal.(11)

Os voluntários foram posicionados em uma cadeira com encosto e assento fixos, proporcionando um ângulo de flexão de quadril de 90°. Conforme recomendado pela American Thoracic Society,(3) a medida foi repetida três vezes, com intervalo de 1 min entre as repetições, registrando-se o maior valor obtido.

Na primeira avaliação, a CV basal (CV1) de todos os participantes foi obtida utilizando-se o seguinte comando verbal: "Inspire profundamente e expire o máximo que puder". Após quinze dias, a CV de todos os indivíduos foi reavaliada (CV2), mas apenas o GI foi estimulado com o reforço positivo. Para tanto, foram utilizadas as seguintes frases: "Vamos lá! Respire fundo!"; "Puxa, puxa, puxa!"; "Solte devagar"; e "Solta, solta, solta, solta tudo!" As frases de estímulo foram ditas e as mensurações foram realizadas pelo mesmo avaliador.

A análise estatística foi realizada com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences, versão 12.0 para Windows (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA). Os dados foram analisados de forma descritiva simples. As variáveis numéricas foram apresentadas em médias aritméticas e desvios-padrão, visto que tiveram distribuição normal. Os dados categóricos foram apresentados em números absolutos e frequência das categorias, representadas em porcentagem. Para a comparação das variáveis entre os grupos, foi utilizado o teste t de Student. O nível de significância estatística foi estabelecido em p < 0,05 ou 5%.

Resultados

Foram avaliados 105 voluntários. Desses, 53 voluntários foram randomizados para o GC e 52 para o GI. As características basais dos voluntários estão apresentadas na Tabela 1.





Em relação às características basais dos voluntários, não foram observadas diferenças significantes entre os grupos. Em relação ao gênero, observou-se um predomínio de mulheres em ambos os grupos (p = 0,03). Tendo em vista esse predomínio, optou-se por analisar os resultados de CV1 considerando-se os gêneros separadamente.

Entretanto, não houve diferença significante quando foram comparados homens e mulheres, permitindo que as análises subsequentes fossem realizadas independentemente do gênero.

Quando comparada a CV1 entre os grupos (Tabela 2), não foi evidenciada diferença significante quanto à condição pulmonar basal (p = 0,31). Ao compararmos CV1 e CV2 intragrupos, foi observado um aumento da CV2 em ambos os grupos (p = 0,01). Quando comparada a CV2 entre os grupos, observou-se que, no GI, a CV2 foi maior do que no GC, sendo essa diferença significante (p = 0,01).



Discussão

Este estudo demonstrou o impacto do reforço positivo durante as mensurações da CV. Foi demonstrado um aumento da CV em ambos os grupos estudados 15 dias após a primeira medição. Entretanto, o GI apresentou um aumento de 28,4% da CV basal, o que pode ser atribuído à utilização de reforço positivo. No GC, o aumento da CV foi de apenas 10%, podendo esse fato estar associado ao efeito do aprendizado da técnica.(9)

Alguns autores,(12) através do mapeamento das regiões cerebrais envolvidas no processamento de estímulos positivos e negativos, demonstraram que os estímulos carregados emocionalmente possuem um potente efeito modulatório sobre o córtex e as estruturas subcorticais. Entretanto, ainda existem controvérsias em relação aos efeitos da estratégia de reforço positivo. Alguns estudos observaram que o emprego do reforço positivo trouxe resultados significativos quando comparados à ausência do estímulo, sejam esses estímulos verbais ou não.(13,14)

Outros autores não demonstraram melhora significante na performance após o reforço ­positivo,(10,15) resultados que podem estar associados à metodologia empregada e ao tamanho amostral utilizado.

Neste estudo, os grupos GC e GI não apresentaram diferenças significantes quanto à idade, peso, IMC, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, FC e FR. Os grupos também não apresentaram diferenças significantes quanto à condição pulmonar basal. Em relação ao gênero, o predomínio de mulheres em ambos os grupos pode ser justificado pelo fato da pesquisa ter sido aplicada em alunos de cursos da área de saúde, nos quais esse predomínio é evidente.

O presente estudo sugere que o reforço positivo foi eficaz quando utilizado durante a avaliação da CV em voluntários saudáveis, permitindo que o valor mensurado estivesse mais próximo do valor real da CV desses indivíduos. Assim, pode-se sugerir que, quando não utilizado o reforço positivo, o valor da CV mensurado possa estar subestimado.

Acredita-se que, em pacientes restritos ao leito e/ou com doenças associadas, a utilização do reforço positivo evidencie uma diferença ainda maior, visto que, com o estímulo verbal, espera-se um aumento da autoestima e da cooperação do paciente, podendo esse demonstrar sua real capacidade de realizar qualquer atividade que necessite de sua cooperação.

Este estudo demonstrou a importância da utilização da estratégia comportamental associada à prática tradicional para a obtenção de melhores resultados. A utilização do reforço positivo durante a mensuração da CV demonstrou ser uma estratégia eficaz, simples e de fácil aplicabilidade na abordagem ao paciente.

Assim, sugere-se que essa estratégia comportamental seja associada às técnicas que necessitam da cooperação e autoestima do paciente, tanto na fisioterapia quanto nas demais áreas da saúde.


Referências


1. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. I Consenso Brasileiro sobre Espirometria. J Pneumol. 1996;22(3):105-64.

2. Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. Standardisation of spirometry. Eur Respir J. 2005;26(2):319-38.

3. Standardization of Spirometry, 1994 Update. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(3):1107-36.

4. Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R, et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir J. 2005;26(5):948-68.

5. Costa D, Jamami M. Bases fundamentais da espirometria. Rev Bras Fisioter. 2001;5(2):95-102.

6. Wohlgemuth M, van der Kooi EL, Hendriks JC, Padberg GW, Folgering HT. Face mask spirometry and respiratory pressures in normal subjects. Eur Respir J. 2003;22(6):1001-6.

7. Domingos-Benício NC, Gastaldi AC, Perecin JC, Avena KM, Guimarães RC, Sologuren MJ, et al. Medidas espirométricas em pessoas eutróficas e obesas nas posições ortostática, sentada e deitada. Rev Assoc Med Bras. 2004;50(2):142-7.

8. Sampaio AA. Skinner: sobre ciência e comportamento humano. Psicol Cienc Prof. 2005;25(3):370-83.

9. Skinner BF. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes; 2004.

10. Vieira AP, Woodart H, Andrews S. Os efeitos do reforço positivo na performance de habilidades motoras. Rev Min Educ Fis. 1998;6(1):29-34.

11. Fiore Júnior JF, Paisani DM, Franceschini J, Chiavegato LD, Faresin SM. Maximal respiratory pressures and vital capacity: comparison mouthpiece and face-mask evaluation methods. J Bras Pneumol. 2004;30(6):515‑20.

12. Moll J, Oliveira-Souza R, Miranda JM, Bramati IE, Veras RP, Magalhães AC. Efeitos distintos da valência emocional positiva e negativa na ativação cerebral. Rev Bras Psiquiatr. 2001;23(Suppl I):42-5.

13. Possobon RF, Moraes AA, Ambrozano GM, Costa AL. O comportamento de crianças em tratamento odontológico: intervenção psicofarmacológica. Psicol Estud. 2004;9(1):29-35.

14. Marianno AC, Guilhardi HJ. Terapia por contingências de reforçamento: um estudo de caso sobre depressão infantil e "fala alucinatória". Psicol Teor Prat. 2005;7(1):167-83.

15. Lauretti GR, Ramos MB, Mattos AL, Oliveira AC. Efeito do reforço auditivo positivo na recuperação pós-anestésica em pacientes submetidos à infusão contínua de cetamina. Rev Bras Anestesiol. 1996;46(5):329-34.




Trabalho realizado no Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Kátia de Miranda Avena. Instituto Sócrates Guanaes, Rua Saldanha Marinho, 77, Caixa D'Água, CEP 40.323-010, Salvador, BA, Brasil.
Tel 55 71 3505-8539. E-mail: katiaavena@hotmail.com
Apoio financeiro: Kátia de Miranda Avena é bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB)
Recebido para publicação em 27/8/2009. Aprovado, após revisão, em 17/11/2009.


Sobre os autores

Vanessa Sales Logrado
Fisioterapeuta. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Erili Mota Sena
Fisioterapeuta. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Renato Júlio dos Santos Matos
Fisioterapeuta. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Tássia Menezes Leite da Silva
Fisioterapeuta. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Tuliane Ribeiro de Oliveira
Fisioterapeuta. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Kristine Menezes Barberino Mendes
Professora. Centro Universitário Jorge Amado - UNIJORGE - Salvador (BA) Brasil.

Kátia de Miranda Avena
Doutoranda em Medicina e Saúde Humana. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - Salvador (BA) Brasil.

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