Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
10032
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Relato de Caso

Doença de Castleman associada a sarcoma de células dendríticas foliculares e miastenia gravis

Castleman's disease associated with follicular dendritic cell sarcoma and myasthenia gravis

Fernando Luiz Westphal, Luís Carlos de Lima, Luiz Carlos Lopes Santana, José Corrêa Lima Netto, Vanise Campos Gomes Amaral, Márcia dos Santos da Silva

ABSTRACT

Castleman's disease is an atypical lymphoproliferative disorder of unknown etiology, which might be associated with various clinical conditions, including autoimmune diseases and malignant neoplasms. We report the case of a 72-year-old female patient who was referred to the thoracic surgery department of Getúlio Vargas University Hospital, in the city of Manaus, Brazil, for the resection of a posterior mediastinal tumor. Three months prior, the patient had been admitted to the ICU with signs of severe dyspnea, at which time she was diagnosed with myasthenia gravis. After the resection of the mediastinal tumor, the histopathological examination revealed hyaline vascular-type Castleman's disease, complicated by follicular dendritic cell sarcoma. At this writing, the patient was being treated with an anticholinesterase agent and corticosteroids for the control of myasthenia gravis.

Keywords: Giant lymph node hyperplasia; Dendritic cell sarcoma, follicular; Myasthenia gravis; Mediastinal diseases.

RESUMO

A doença de Castleman é um distúrbio linfoproliferativo atípico, de etiologia desconhecida, que pode estar associada a uma série de condições clínicas, inclusive doenças de caráter autoimune e neoplasias malignas. No presente relato, uma paciente de 72 anos foi encaminhada ao serviço de cirurgia torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas, localizado na cidade de Manaus (AM) para a ressecção de um tumor de mediastino posterior. Três meses antes, havia sido internada em UTI com um quadro de dispneia intensa, ocasião na qual foi diagnosticada miastenia gravis. Após a ressecção da massa mediastinal, a análise histopatológica revelou doença de Castleman hialino-vascular complicada por sarcoma de células dendríticas foliculares. Até o momento da redação deste estudo, a paciente utilizava um anticolinesterásico e corticoides para o controle da miastenia gravis.

Palavras-chave: Hiperplasia do linfonodo gigante; Sarcoma de células dendríticas foliculares; Miastenia gravis; Doenças do mediastino.

Introdução

A doença de Castleman (DC) é um distúrbio linfoproliferativo atípico, de curso clínico geralmente benigno.(1) Sua etiologia ainda não é bem esclarecida; no entanto, fatores, tais como a superprodução de IL-6, infecção pelo herpes vírus humano 8 e autoimunidade, têm sido implicados na gênese da proliferação linfoide.(2)

A DC pode estar associada a uma série de outras condições clínicas, como pênfigo paraneoplásico, sarcoma de Kaposi, derrame pleural recorrente, síndrome nefrótica, linfoma de Hodgkin, sarcoma de células dendríticas foliculares, síndrome POEMS, arterite temporal e miastenia gravis (MG), entre outras.(3)

Apesar da reconhecida associação entre DC e sarcoma de células dendríticas foliculares, são raros os casos descritos em que o sarcoma surge como uma complicação da DC pré-existente.(4) Casos em que a DC está associada a MG são igualmente raros.(5) O objetivo deste estudo foi
relatar um caso em que houve associação de MG com DC complicada por sarcoma de células dendríticas foliculares.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 72 anos, encaminhada ao Serviço de Cirurgia Torácica da Sociedade Beneficente Portuguesa para a ressecção de tumor de mediastino posterior.

Há sete meses apresentava quadro de fraqueza muscular flutuante associada à ptose palpebral e diplopia, e há três meses havia sido internada em UTI por quadro de insuficiência respiratória, com necessidade de ventilação mecânica. Durante essa internação, realizou um teste farmacológico com edrofônio, obtendo-se uma resposta imediata com melhora da força muscular e da ptose palpebral. A seguir, foi submetida a cinco sessões de plasmaférese com melhora importante dos sinais e sintomas, com desmame da ventilação mecânica na terceira sessão. Após a alta hospitalar, realizou eletroneuromiografia com teste de estimulação repetitiva, que demonstrou um decremento de 12% dos potenciais de ação, e foi realizada a dosagem de anticorpos antirreceptor de acetilcolina, com o resultado de 10,63 nmol/L (valores de referência: 0-0,2 nmoL/L), achados esses que, associados ao quadro clínico, corroboraram o diagnóstico de MG.

A radiografia de tórax evidenciou uma massa em topografia de mediastino posterior, que foi confirmada no pré-operatório por TC de tórax, na qual foi identificada uma massa heterogênea com calcificação densa em topografia de goteira costovertebral esquerda (Figuras 1 e 2).







A massa localizada em mediastino posterior foi ressecada juntamente com o parênquima pulmonar adjacente. A análise histopatológica revelou linfonodo com arquitetura parcialmente subvertida pela proliferação de células fusiformes em íntima associação com infiltrado inflamatório, composto predominantemente por linfócitos. Foi identificado um componente definitivo da DC hialino-vascular, com folículos apresentando pequena regressão do centro germinativo, arranjo concêntrico de pequenos linfócitos e estroma colagenizado. As células fusiformes em proliferação formavam fascículos e matrizes em espirais, com células de bordas mal definidas, núcleo vesicular e nucléolo distinto, com pequena variação no tamanho do núcleo, e alguns graus de atipia, morfologicamente compatíveis com sarcoma de células dendríticas foliculares. O estudo imuno-histoquímico foi negativo para os seguintes marcadores: citoqueratinas de 40, 48, 50 e 50,6 kDa; CD30; CD246; CD21; CD23; CD4RB; CD68; actina de músculo liso; e proteína S-100. O diagnóstico final foi de sarcoma de células dendríticas foliculares complicando DC hialino-vascular.

Não houve recidiva da massa ressecada, e a TC de tórax realizada oito meses após a cirurgia não apresentou alterações.




Até o momento da redação deste estudo, a paciente encontra-se em uso de um anticolinesterásico e de um corticoide em dose baixa, com bom controle clínico da MG.

Discussão

A DC foi inicialmente descrita como uma hiperplasia benigna dos linfonodos mediastinais, com estrutura histológica semelhante a um timoma.(6) Atualmente, a DC apresenta três variantes histológicas e duas formas de apresentação clínica. Do ponto de vista histológico, a DC pode ser hialino-vascular, plasmocitária ou de tipo misto. Clinicamente, a doença pode se apresentar de forma localizada ou sistêmica.(7)

Na forma localizada ou unicêntrica, cerca de 90% dos casos são do tipo hialino-vascular, caracterizado pela presença de folículos linfoides com centros germinativos proeminentes contendo proliferação vascular e vasos hialinizados, tal como foi observado nesta paciente. Quando a DC se apresenta de forma sistêmica ou multicêntrica, a análise histológica revela, na grande maioria dos casos, a variante plasmocitária, contendo proliferação difusa de plasmócitos em tecidos interfoliculares, sem a presença de alterações hialino-vasculares. Quando essas alterações são encontradas de forma concomitante à proliferação de plasmócitos, a DC passa a ser classificada como de forma mista ou intermediária.(8)

As manifestações clínicas da DC variam desde formas assintomáticas ou com discreta linfadenopatia localizada até formas recorrentes de linfadenopatia generalizada com sintomas sistêmicos severos.(9) Na forma unicêntrica, ocorre linfadenomegalia, localizada geralmente no mediastino ou abdômen, mas também pode se apresentar como um nódulo pulmonar ou em locais como pelve, axila e pescoço.(10,11) Os sintomas podem ser decorrentes do efeito compressivo da lesão ou a DC pode ser um achado incidental em exames de imagem de pacientes assintomáticos.(7,9) Nesta paciente, a DC se manifestou como massa única em mediastino posterior, sem sintomas sistêmicos.

A forma multicêntrica se manifesta por linfadenopatia generalizada associada a sintomas sistêmicos inespecíficos, tais como febre, sudorese noturna, perda de peso, fraqueza, náuseas e anorexia. A variante plasmocitária, mesmo na forma unicêntrica, cursa também com aumento na velocidade de hemossedimentação, anemia, distúrbios neurológicos, hipergamaglobulinemia, hipoalbuminemia e hepatoesplenomegalia.(7,9,10)

Outros distúrbios do sistema imunológico podem estar associados à DC, especialmente na forma multicêntrica. No presente relato, além do fato de a paciente se apresentar com MG, também houve o desenvolvimento de um sarcoma de células dendríticas foliculares como complicação da DC.

O sarcoma de células dendríticas foliculares é uma neoplasia rara que acomete os linfonodos, mas pode surgir em sítios extranodais como fígado, baço e mama, com risco baixo a intermediário para o desenvolvimento de metástases ou recorrências.(12) Em 10-20% dos casos, está associada à DC, geralmente do tipo hialino-vascular, a qual pode ser concomitante com ou preceder o sarcoma.(13) Tem sido proposto que a hiperplasia provocada pela DC atue sobre a expressão do gene p53, levando à displasia das células dendríticas foliculares no centro germinativo do folículo linfoide acometido. Com o tempo, a displasia se estende para a zona interfolicular até acometer todo o linfonodo e originar o sarcoma. Dessa forma, a DC atuaria como uma lesão precursora do sarcoma de células dendríticas foliculares.(4,14)

A associação de DC com MG é extremamente rara e particularmente interessante, pois além do fato de 65% dos pacientes com MG apresentarem hiperplasia folicular no timo, é importante lembrar que a DC foi inicialmente descrita como
uma lesão muito semelhante ao timoma. Assim, é possível que a associação entre DC e MG não seja apenas coincidência e que algum outro mecanismo possa estar envolvido.(5,15)

Em caso de doença localizada, a excisão cirúrgica é o procedimento de escolha, com baixo índice de recidiva. No entanto, devido ao risco de desenvolvimento de neoplasias malignas, deve ser realizado um seguimento a longo prazo.(16) Quando a cirurgia está contraindicada, pode-se optar pela radioterapia.(17,18)

O tratamento da forma multicêntrica ainda é controverso, mas baseia-se fundamentalmente em quimioterapia, mas com pior prognóstico devido ao maior índice de associação à malignidade.(19) Terapias com corticosteroides, imunomoduladores e anticorpos monoclonais têm sido utilizadas, principalmente para o controle dos distúrbios de origem imunológica que podem estar associados, pois a cirurgia não altera seu prognóstico.(19,20)

No caso relatado, chamamos a atenção para a coexistência de múltiplas doenças, fato que pode dificultar o diagnóstico correto, visto que nesta paciente o diagnóstico inicial foi de neoplasia de pulmão associado à síndrome de Eaton-Lambert. Contudo, os achados histopatológicos e imuno-histoquímicos da peça ressecada, além de confirmaram a hipótese de DC, indicaram uma rara forma de degeneração para sarcoma de células dendríticas foliculares. A presença de folículos linfoides com pequena regressão dos centros germinativos em associação a um infiltrado predominantemente linfocitário com áreas de hialinização e proliferação vascular foram os achados que levaram ao diagnóstico de DC.

Em adição, foi encontrada a proliferação de células fusiformes, com limites pouco precisos e núcleo vesicular, dispostas em espiral. Esse perfil morfológico é bastante característico do sarcoma de células dendríticas foliculares. Apesar de haver negatividade para dois dos principais marcadores de células dendríticas foliculares (CD21 e CD23), a negatividade para citoqueratinas, proteína S-100 e demais marcadores excluiu os principais diagnósticos diferenciais deste caso, que seriam o tumor miofibroblástico, o sarcoma de células de Langerhans e o sarcoma de células reticulares, pois o padrão morfológico encontrado foi pouco sugestivo dessas neoplasias. Em relação à MG, os exames complementares e a ausência de melhora após a ressecção da massa tumoral afastaram a hipótese de síndrome paraneoplásica.

Em conclusão, ressaltamos a importância de incluirmos a DC no diagnóstico diferencial de massas mediastinais, pois, apesar de ser rara, essa pode se apresentar de forma muito semelhante a doenças consideradas mais frequentes, especialmente as neoplasias.


Referências


1. Chagas JF, Bezerra TP, Bombini JR, Del'Arco AL, Silenci RM, Santos RC, et al. Doença de Castleman: relato de caso e revisão de literatura. Arq Inter Otorrinolaringol [serial on the Internet]. 2004 Oct/Dec [cited 2009 Dec 17]; 8(4):[about 9 p.] Available from: http://www.arquivosdeorl.org.br/conteudo/acervo_port.asp?id=296

2. Martino G, Cariati S, Tintisona O, Veneroso S, De Villa F, Vergine M, et al. Atypical lymphoproliferative disorders: Castleman's disease. Case report and review of the literature. Tumori. 2004;90(3):352-5.

3. Olak J. Benign lymphnode disease involving the mediastinum. In: Shields TW, Lo Cicero J, Ponn PB, editors. General Thoracic Surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2000. p. 2251-5.

4. Chan AC, Chan KW, Chan JK, Au WY, Ho WK, Ng WM. Development of follicular dendritic cell sarcoma in hyaline-vascular Castleman's disease of the nasopharynx: tracing its evolution by sequential biopsies. Histopathology. 2001;38(6):510-8.

5. Day JR, Bew D, Ali M, Dina R, Smith PL. Castleman's disease associated with myasthenia gravis. Ann Thorac Surg. 2003;75(5):1648-50.

6. Castleman B, Iverson L, Menendez VP. Localized mediastinal lymphnode hyperplasia resembling thymoma. Cancer. 1956;9(4):822-30.

7. Mendonça C, Rios E, Reis C, Santos A, Silva PS. Doença de Castleman - a propósito de um caso clínico. Rev Soc Port Med Interna. 2008;15(4):249-53.

8. Yamashita T, Mattos AC, Ferreira MC, Alvarenga M. Doença de Castleman: hiperplasia com aspectos de neoplasia. Rev Cienc Med. 2006;15(2):173-7.

9. Pinheiro VG, Fernandes GH, Cezar LC, Alves Nde A, de Menezes DB. Castleman's disease accompanied by pleural effusion. J Bras Pneumol. 2008;34(8):626-30.

10. Yeh CM, Chou CM, Wong LC. Castleman's disease mimicking intrapulmonary malignancy. Ann Thorac Surg. 2007;84(2):e6-7.

11. Krawczun GA, Garcia Cde M, Ito K, Ferreira Filho OF, Thomson JC. Castleman's disease or angiofollicular hyperplasia as a solitary pulmonary nodule: case report. J Bras Pneumol. 2007;33(2):226-8.

12. Puerto IM, Martinez IB, Ochoa MC. Follicular dendritic cell sarcoma arising from nodal hyalinevascular Castleman's disease: a case report. Haema. 2003;6(1):77-80.

13. Swerdlow SH, International Agency for Research on Cancer; World Health Organization. WHO classification of tumours of haematopoietic and lymphoid tissues. Lyon: International Agency for Research on Cancer, 2001.

14. Rodríguez Silva H, Buchaca Faxas E, Machado Puerto I, Pérez Román G, Pérez Caballero D. Castleman's disease.
Review of five cases [Article in Spanish]. An Med Interna. 2005;22(1):24-7.

15. Emson HE. Extrathoracic angiofollicular lymphoid hyperplasia with coincidental myasthenia gravis. Cancer. 1973;31(1):241-5.

16. Vasef M, Katzin WE, Mendelsohn G, Reydman M. Report of a case of localized Castleman's disease with progression to malignant lymphoma. Am J Clin Pathol. 1992;98(6):633-6.

17. Muhsein KA, Liew NC, Shaker AR, Shahrin IA. Localized Castleman's disease presenting as a vascular right iliac fossa mass. Asian J Surg. 2004;27(1):54-7.

18. Oliveira CV, Gonçalves CE, Almeida VF, Oliveira AM, Pimenta FC. Doença de Castleman localizada abdominal. Rev Bras Hematol Hemoter. 2005;27(2):133-7.

19. Bowne WB, Lewis JJ, Filippa DA, Niesvizky R, Brooks AD, Burt ME, et al. The management of unicentric and multicentric Castleman's disease: a report of 16 cases and a review of the literature. Cancer. 1999;85(3):706 17.

20. Ocio EM, Sanchez-Guijo FM, Diez-Campelo M, Castilla C, Blanco OJ, Caballero D, et al. Efficacy of rituximab in an aggressive form of multicentric Castleman disease associated with immune phenomena. Am J Hematol. 2005;78(4):302-5.


* Trabalho realizado no Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernando Luiz Westphal. Hospital Universitário Getúlio Vargas, Coordenação de Ensino e Pesquisa, Avenida Aripuanã, 4, Praça 14 de Janeiro, CEP 69020-170, Manaus, AM, Brasil.
Tel 55 92 234-6334. E-mail: f.l.westphal@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 17/5/2010. Aprovado, após revisão, em 28/7/2010.



Sobre os autores

Fernando Luiz Westphal
Professor Adjunto. Disciplina de Cirurgia Torácica, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Luís Carlos de Lima
Médico Chefe. Serviço de Cirurgia Torácica, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Luiz Carlos Lopes Santana
Médico Assistente. Serviço de Clínica Médica, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

José Corrêa Lima Netto
Médico Assistente. Serviço de Cirurgia Torácica, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Vanise Campos Gomes Amaral
Médica Assistente. Serviço de Neurologia, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.

Márcia dos Santos da Silva
Acadêmica de Medicina. Universidade Federal do Amazonas, Manaus (AM) Brasil.




Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia