ABSTRACT
Objective: To describe and analyze clinical symptoms and spirometric alterations of patients with chronic obstructive pulmonary disease
(COPD) and history of exposure to wood and tobacco smoke. Methods: We retrospectively evaluated data related to 170 patients distributed
into 3 groups: 34 exposed only to wood smoke, 59 patients exposed only to tobacco smoke and 77 patients exposed to both. Results: The
groups did not differ significantly in terms of age (p = 0.225) or degree of exposure, considering each type of exposure in isolation or in
combination (p = 0.164 and p = 0.220, respectively). Females predominated in the group exposed to wood smoke. There were no differences
among the groups regarding respiratory symptoms (p > 0.05), and moderate dyspnea predominated in the three groups (p = 0.141). The
group exposed to wood smoke presented higher percentages of forced expiratory volume in one second/forced vital capacity ratio and of
forced expiratory volume in one second (p < 0.05). Positive results on bronchodilator testing occurred more frequently in the group exposed
to tobacco smoke. The percentage of severe and extremely severe obstruction was significantly higher in the group exposed to tobacco
smoke (44.1%) than in that exposed to wood smoke (11.8%; p = 0.006). Conclusions: Respiratory symptoms and pulmonary function
alterations consistent with COPD were observed in the groups of patients exposed to wood smoke. However, those alterations were not as
significant as the alterations observed in the groups exposed to tobacco smoke. This study emphasizes the importance of prospective studies
in evaluating the risk of wood-smoke-related COPD in Brazil, as well as the need for preventive measures in this area.
Keywords:
Pulmonary disease, chronic obstructive; Smoking; Air pollution, indoor; Smoke.
RESUMO
Objetivo: Descrever e analisar sintomas respiratórios e alterações espirométricas em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC), com história de exposição à fumaça de lenha e de tabaco. Métodos: Foram avaliados retrospectivamente dados de
170 pacientes distribuídos em 3 grupos: 34 pacientes expostos somente à fumaça de lenha, 59 pacientes, somente à de tabaco e 77 pacientes
expostos a ambas. Resultados: Os grupos não diferiram quanto a idade (p = 0,225) e grau de exposição, considerando cada tipo de exposição
isoladamente ou em associação (p = 0,164 e p = 0,220, respectivamente). No grupo exposto à fumaça de lenha predominou o sexo
feminino.Não houve diferença entre os grupos quanto à freqüência dos sintomas respiratórios (p > 0,05), e houve predominância de grau
moderado de dispnéia nos três grupos (p = 0,141). O grupo exposto à fumaça de lenha apresentou melhores percentuais da relação volume
expiratório forçado no primeiro segundo/capacidade vital forçada e de volume expiratório forçado no primeiro segundo (p < 0,05). A prova
broncodilatadora positiva ocorreu com maior freqüência no grupo exposto ao tabaco.O percentual de obstrução brônquica grave e muito
grave foi significantemente maior no grupo exposto ao tabaco (44,1%) que no grupo exposto somente à fumaça de combustão de lenha
(11,8%; p = 0,006). Conclusões: Os sintomas respiratórios e alterações da função pulmonar compatíveis com DPOC foram observados nos
grupos expostos à fumaça de lenha. Todavia, estas alterações foram menos intensas do que as observadas nos grupos expostos ao tabaco.
Este trabalho ressalta a importância de realizar-se um estudo prospectivo para avaliar o risco de DPOC associado à exposição à fumaça de
lenha no Brasil assim como a necessidade de ações preventivas neste âmbito.
Palavras-chave:
Doença pulmonar obstrutiva crônica; Tabagismo; Poluição do ar em ambientes fechados; Fumaça.
IntroduçãoO fogão a lenha é um elemento ainda muito presente no universo rural brasileiro. Na zona rural da região centro-oeste é freqüente sua utilização. Esse tipo de fogão está geralmente localizado dentro da casa, em condições de pouca ventilação e com exaustão deficiente, o que facilita a propagação da fumaça para os demais ambientes, estendendo a exposição a todos os moradores.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(1) estimou em 8,6% o percentual de domicílios que utilizavam lenha como combustível no Brasil em 2003.
Considerada, juntamente com o tabagismo, como fator de risco para doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC),(2) a exposição à fumaça da combustão da lenha já foi avaliada em alguns estudos, vários deles realizados na América Latina.(3-7) Em um estudo(3) realizado em Bogotá, constatou-se que a exposição à fumaça de lenha associou-se com presença de doença obstrutiva das vias aéreas entre mulheres de baixa renda, podendo justificar até 50% de todos os casos.
No Brasil, não são encontrados muitos registros de estudos que abordam DPOC em indivíduos expostos à fumaça de fogão a lenha. Nas fontes bibliográficas pesquisadas, dois estudos brasileiros estão registrados: o estudo denominado Proyecto Latinoamericano de Investigación en Obstrucción Pulmonar (PLATINO, Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar),(8) cuja amostra foi uma população residente na cidade de São Paulo (SP) e um estudo que se referiu a fatores de risco para DPOC na zona urbana de Pelotas (RS).(9)
No estado de Goiás, onde a atividade agropecuária é um forte componente da economia, a origem rural é usual, mesmo entre habitantes das maiores cidades do estado. O uso de fogão a lenha ainda é relativamente comum na zona rural, sendo também utilizado na zona urbana das cidades do interior, provavelmente em menor freqüência, considerando-se os dados nacionais (40,9% entre a população rural e 2,6% entre a população urbana).(1) É pertinente a realização de estudos sobre os efeitos da fumaça de lenha nessas populações, dada a freqüência de seu uso e aos danos que provoca à saúde.
O objetivo do presente estudo foi descrever e analisar sintomas respiratórios e alterações de função pulmonar em pacientes com DPOC, residentes em Goiás, expostos à fumaça de fogão a lenha e compará-los com dados de pacientes com essa doença, expostos ao tabaco, assim como daqueles expostos à fumaça de tabaco e de combustão da lenha concomitantemente.
MétodosForam avaliados sintomas e dados espirométricos de 887 pacientes que realizaram espirometria no Laboratório de Função Pulmonar do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG) entre 2004 e 2006, obtidos no arquivo do laboratório. Os dados clínicos foram extraídos de um questionário respiratório padronizado, sugerido para laboratórios de função pulmonar pelas diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).(10) Tal questionário é rotineiramente preenchido no momento do exame pelo técnico que o conduz.
As espirometrias foram realizadas por profissionais portadores do título de técnico em espirometria emitido pela SBPT, tendo sido seguidas as diretrizes específicas da SBPT e da American Thoracic Society.(10,11) Para a realização da prova broncodilatadora, administrou-se ao paciente 400 µg de salbutamol por meio de nebulímetro acoplado a aerocâmara.
Utilizaram-se os espirômetros modelos Masterscreen (Jaeger, Würtzburg, Alemanha) e Vmax 22 (SensorMedics, Yorba Linda, CA, EUA), calibrados diariamente e recalibrados quando solicitado pelo software do equipamento. Os valores previstos usados foram os de Knudson.(12)
Do questionário respiratório, obtiveram-se informações sobre sintomas (tosse, catarro, chiado), intensidade da dispnéia através da escala do Medical Research Council modificada), quantificação da exposição à fumaça de tabaco por tabagismo ativo e quantificação da exposição à fumaça de lenha, assim como a outras substâncias inaláveis referidas pelo paciente, como poeiras e substâncias químicas. Nenhum questionário ocupacional específico foi utilizado.
A quantificação da exposição cumulativa ao tabaco foi feita por meio de anos-maço e a da exposição à fumaça de fogão a lenha foi expressa em horas-ano, calculada através do número de anos cozinhando com fogão a lenha multiplicado pelo número, em média, de horas que o paciente relatava permanecer, diariamente, nessa atividade.(13)
Foram considerados como critérios diagnósticos de DPOC: pacientes com 40 anos ou mais; relação entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e a capacidade vital forçada (CVF) pós-broncodilatador < 70% do valor previsto; carga tabágica >20 anos-maço ou exposição à fumaça de fogão a lenha >80 horas-ano; e história de dispnéia e/ou tosse.(4,13,14) A classificação em níveis de gravidade foi baseada no VEF1.(10) O critério de exposição à fumaça de lenha >80 horas-ano utilizado neste estudo foi baseado nos níveis de exposição considerados significativos em estudos semelhantes.(13,15)
Utilizaram-se como critérios de exclusão: variação do VEF1 após uso de broncodilatador (salbutamol 400 µg) ≥10%; indicação médica do exame por asma brônquica ou por outras doenças pulmonares que não DPOC; e relato de exposição ocupacional à sílica ou asbesto.
Foram incluídos dados de pacientes provenientes dos ambulatórios do HC/UFG e da rede básica de saúde que são enviados para exames neste hospital.
Do total de 887 pacientes, foram selecionados 170 (19,2%), que preenchiam os critérios de inclusão/exclusão e cujos dados estavam completos. O grupo selecionado foi dividido em 3 subgrupos segundo o tipo de exposição: 1) expostos somente à fumaça de combustão de lenha; 2) expostos ao tabaco e à fumaça de combustão de lenha; 3) expostos somente ao tabaco.
Na análise comparativa dos grupos para variáveis mensuráveis, foram utilizados a análise de variância e o teste de Tukey para a diferença mínima significativa. No caso de variáveis qualitativas, o teste utilizado foi o qui-quadrado.
Na avaliação da intensidade de dispnéia entre grupos foi usado o teste de Kruskal-Wallis.
Para avaliar o risco de ocorrência de doença grave nos grupos tabaco e lenha, utilizou-se a análise de regressão logística. Para estudar uma possível influência do tempo de exposição nas variáveis espirométricas, utilizou-se a análise de regressão linear.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Humana e Animal do HC/UFG em 13/08/2007, protocolo nº 122/07.
ResultadosForam selecionados, para análise retrospectiva dos dados, um total de 170 pacientes, dos quais 34 foram expostos somente à fumaça de combustão de lenha, 77 expostos ao tabaco e fumaça de combustão de lenha e 59 expostos somente ao tabaco.
Analisados quanto à média de idade, os grupos mostraram-se homogêneos. O grupo exposto à fumaça de lenha apresentou média de 68,4 ± 8,1 anos; o exposto à fumaça de lenha e de tabaco, 65,8 ± 10,0 anos; e o exposto ao tabaco, 64,9 ± 9,1 anos (p = 0,225). Pacientes do sexo feminino predominaram nos grupos expostos à fumaça de lenha (85,3%) e à fumaça de lenha e de tabaco (51,9%). O percentual de pacientes do sexo masculino foi de 86,4% no grupo exposto ao tabaco. Essa diferença foi estatisticamente significante (p < 0,001; Tabela 1).
A intensidade de exposição ao tabaco medida em anos-maço e à fumaça de lenha em horas-ano não diferiu entre os grupos, considerando cada tipo de exposição isoladamente ou em associação (p = 0,164 e p = 0,220, respectivamente). No grupo exposto à fumaça de lenha e no exposto à fumaça de lenha e de tabaco, a intensidade da exposição à fumaça de lenha foi de 212,8 ± 103,53 horas-ano e 187 ± 97,31 horas-ano, respectivamente. No grupo exposto ao tabaco e no exposto à fumaça de lenha e de tabaco, a intensidade da exposição ao tabaco foi de 59,3 ± 37,6 anos-maço e 51,83 ± 24,2 anos-maço, respectivamente.
Quando analisados quanto a sintomas de tosse, chiado e presença de catarro, não foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos (os valores quanto aos sintomas foram, respectivamente, p = 0,845; p = 0,968; e p = 0,894). Houve maior freqüência de dispnéia moderada (grau 2) em todos os grupos (p = 0,141). Não houve diferença significante na freqüência do sintoma dispnéia, independente do grau, entre os grupos (Tabela 2). Em alguns questionários, faltavam respostas a alguns itens; por isso, as amostras diferem do número total em alguns desses itens.
Os valores encontrados de CVF, VEF1 e da relação VEF1/CVF estão expressos na Tabela 3. Os três grupos estudados não diferiram quanto ao percentual de CVF pré-broncodilatador (p = 0,269). O grupo exposto à fumaça de lenha apresentou maiores valores de VEF1 e da relação VEF1/CVF pós-broncodilatador, em percentuais do previsto, em relação aos demais grupos (p = 0,001 e p = 0,005, respectivamente). Entre o grupo exposto ao tabaco e o exposto à fumaça de lenha e de tabaco não houve diferença estatisticamente significante quanto a essas variáveis (Tabela 3).
A resposta positiva ao broncodilatador foi observada em 25,4% dos pacientes do grupo exposto ao tabaco, percentual significantemente maior em relação ao exposto à fumaça de lenha e ao exposto à fumaça de lenha e de tabaco (5,9 e 9,1%, respectivamente; p = 0,008).
Os grupos foram diferentes entre si quanto à gravidade da DPOC, considerando como critério de gravidade o VEF1 pós-broncodilatador. No grupo exposto somente ao tabaco, 44,1% de pacientes apresentavam doença grave ou muito grave e no grupo exposto somente à fumaça de lenha, 11,8% (p = 0,006). A odds ratio para doença grave e muito grave foi cerca de seis vezes maior no grupo exposto ao tabaco (OR = 5,909; IC 95%; Tabela 4).
Não se observou correlação entre o grau de exposição e os valores da relação VEF1/CVF e VEF1 pós-broncodilatador em nenhum dos três grupos (p > 0,05; Tabela 5).
DiscussãoEstima-se que cerca de 17,0% dos domicílios brasileiros possuam fogão a lenha e 97,5% fogão a gás. Aproximadamente 8 milhões de residentes utilizam os dois tipos de combustíveis. Nos últimos anos, com o aumento do preço do gás de cozinha, foi verificada uma tendência ao retorno do uso da lenha para cozinhar. Em 2003, predominava o uso de lenha como principal combustível em 1% das residências de classes de renda A e B, 3% da C, 7% da D e 17% da E.(1,16) O percentual de domicílios, considerando zona urbana e rural, que utilizam predominantemente lenha é maior e acima da média brasileira na região centro-oeste, seguida pela região sul. Com os menores percentuais e abaixo da média do Brasil, encontram-se o sudeste e o norte do Brasil, excluída, nesta última região, a zona rural de alguns estados.(16)
Os principais determinantes da seleção de um percentual pequeno, menor que 20% da amostra inicial, foram o caráter retrospectivo do estudo, a insuficiência de dados nos registros e a exclusão de pacientes portadores de asma e pneumopatias que não DPOC. Outros fatores de exclusão importantes foram carga tabágica <20 anos-maço e exposição à fumaça de lenha <80 horas-ano. Optamos por utilizar como critério espirométrico para definição de DPOC a relação fixa da relação VEF1/CVF < 70% pós-broncodilatador, por tratar-se de uma definição simples, que prescinde de valores previstos para cada população estudada e que vem sendo amplamente utilizada em outros estudos.
Algumas limitações do estudo devem ser ressaltadas: trata-se de um estudo retrospectivo, com coleta de dados de questionários preenchidos por técnicos em espirometria. Todos os técnicos do Laboratório de Função Pulmonar do HC/UFG possuem título emitido pela SBPT. O questionário é padronizado e preenchido sistematicamente para todos os pacientes que realizam espirometrias, sempre pelos mesmos técnicos. O preenchimento do questionário é periodicamente supervisionado pela equipe médica. Esse questionário, apesar de incluir perguntas sobre exposições ocupacionais, não as detalha ou as quantifica, o que não nos permitiu estabelecer relação dessas com a presença de obstrução.
A predominância de pacientes do sexo feminino nos dois grupos expostos à fumaça de lenha era esperada, já que a exposição doméstica se faz especialmente durante a cocção de alimentos, atividade tradicionalmente feminina. Mesmo em países onde a combustão de biomassa é também utilizada para aquecimento do ambiente, as mulheres estão mais expostas.(13)
Na avaliação dos sintomas de produção de catarro, tosse e chiado, não houve diferenças entre os grupos. Um estudo realizado no México(13) mostrou resultado semelhante. Todavia, em estudos realizados na Colômbia(15) e na Índia,(17) relatou-se maior percentual de sintomas em mulheres expostas à fumaça de lenha que no grupo de tabagistas. Diferenças na intensidade da exposição e o tipo de vegetação utilizada como lenha podem ter ocasionado resultados discrepantes entre os estudos.
O grau de dispnéia moderado foi predominante nos três grupos. Considerando o VEF1 como critério, o índice de gravidade foi diferente entre os três grupos. Esse achado pode, em parte, estar relacionado à subjetividade da gradação desse sintoma pelo paciente e/ou à limitação do método qualitativo de avaliação empregado. Observou-se que o grupo exposto à fumaça de lenha apresentou melhores níveis de VEF1 e da relação VEF1/CVF, assim como um menor número de pacientes classificados como graves e muito graves.
Da mesma forma que no presente estudo, a tendência à menor gravidade da obstrução em indivíduos expostos à fumaça de lenha, em relação àqueles expostos ao tabaco, também foi observada em outros dois estudos.(13,15) Em apenas um deles,(15) porém, observou-se hipoxemia, hipercapnia e hipertensão pulmonar em pacientes expostos à fumaça de lenha e portadores de obstrução brônquica acentuada. A difusão pelo monóxido de carbono em pacientes com DPOC por fumaça de lenha apresentou padrão mais sugestivo de doença de vias aéreas do que de enfisema pulmonar.(15) No mesmo estudo, os achados radiográficos de pacientes com DPOC por fumaça de lenha não demonstraram enfisema significativo, mas sim infiltrados peribrônquicos, dilatações brônquicas e atelectasias.
Foi demonstrada em pacientes com DPOC, devido à fumaça de lenha, hiper-responsividade brônquica em maior intensidade do que nos de etiologia tabágica,(18) obtendo-se, no teste de broncoprovocação, queda de 20% no VEF1(CP20) com concentração de metacolina de 0,26 e 1,24 mg/ml, respectivamente. Isso faz pressupor que em tais pacientes possa haver um maior índice de resposta a broncodilatadores. No presente estudo, o índice de resposta foi significantemente menor no grupo exposto à lenha.
Considerando-se que um aumento maior ou igual a 10% na prova broncodilatadora foi um critério de exclusão no estudo, pode ter havido a exclusão de pacientes com DPOC por fumaça de lenha, que, se incluídos, poderiam alterar a significância estatística.
A intensidade da exposição à fumaça de lenha não se correlacionou com a gravidade da obstrução, provavelmente porque fatores individuais relacionados à genética modulem os efeitos da exposição, como ocorre na DPOC por tabaco.
Nas fontes de dados utilizadas não havia informação sobre tabagismo passivo, o que não foi considerado um viés, já que esse fator não foi associado à DPOC em estudos populacionais.(8,9,19)
A combustão de madeira ocasiona produção de óxidos inorgânicos, como monóxido de carbono e óxido de nitrogênio, material particulado, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e formaldeídos, que são elementos comprovadamente lesivos ao aparelho respiratório.(20)
Em residências em comunidades rurais na Bolívia, encontrou-se associação entre a concentração de material particulado proveniente da combustão de biomassa e o diagnóstico de bronquite crônica entre os habitantes.(6)
Um estudo populacional sobre a prevalência de DPOC, realizado na Colômbia,(19) revelou que a exposição à fumaça de lenha por mais de 10 anos constitui um fator de risco para essa doença (OR = 2,42), assim como o tabagismo (OR = 2,81). Um estudo(5) demonstrou que a exposição à fumaça de lenha maior que 200 horas-ano elevou para 15,0 a OR para bronquite crônica, comparando mulheres expostas e não expostas. No Nepal, 12,5% dos casos de bronquite crônica em não fumantes foram relacionados à poluição doméstica devido à queima de biomassa.(17) Um estudo(13)
demonstrou que mulheres com DPOC devido à fumaça de lenha apresentavam características clínicas, qualidade de vida e aumento de mortalidade em grau similar às tabagistas.
No Brasil, um estudo populacional realizado em Pelotas (RS)(9) demonstrou que, apesar do aumento da OR para DPOC em pacientes expostos a altos níveis de poluição doméstica (OR = 1,86; CI95%: 1,16 - 2,99), na análise multivariada, esse não foi um fator de risco independente. O estudo PLATINO,(8) sobre a prevalência de DPOC, realizado em São Paulo (SP), também não encontrou associação entre exposição à fumaça de lenha e diagnóstico de DPOC. O tamanho da amostra, todavia, pode ter contribuído para essa falta de correlação. Deve ser considerado que os estudos citados apresentam diferenças metodológicas.
Um estudo em sua fase experimental, realizado em ratos e cães submetidos à exposição à fumaça de lenha, demonstrou bronquite em todos os animais. O mesmo estudo, na fase clínica, utilizando material de biópsia e necrópsia de mulheres expostas à fumaça de combustão de lenha por pelo menos 20 anos, revelou bronquite, antracose nas vias centrais, graus variados de fibrose intersticial e poucas áreas de enfisema.(21)
Uma publicação de 2002 da Organização Mundial de Saúde mostrou que a exposição à fumaça devido à queima de biomassa (lenha, carvão, esterco animal, restos de produtos da lavoura) para cozer alimentos ocasiona a morte de 2,5 milhões de pessoas por ano nos países em desenvolvimento. Essa cifra representa de 4 a 5% das mortes que ocorrem anualmente no mundo.
Segundo a mesma publicação, a exposição está relacionada a vários problemas de saúde: infecções respiratórias agudas em crianças, asma, bronquite crônica, câncer de pulmão e doenças que ocorrem durante gravidez.(22) Alguns estudos apontam a exposição à fumaça de combustão de lenha como um fator de risco para a tuberculose.(23,24) Sua associação com câncer de pulmão, por meio de mecanismos patogênicos similares aos do tabaco, também já foi citada.(25)
Em comunidades do semi-árido nordestino, bem como nos estados do Amazonas e Minas Gerais, estão sendo desenvolvidos projetos de implantação do uso de fogão ecológico. Esse fogão tem baixo custo, utiliza menor quantidade de lenha e causa menor poluição ambiental. Conseqüentemente, o seu uso previne doenças relacionadas à inalação da fumaça e diminui o impacto ambiental do desmatamento para produção de lenha e carvão.(26) Um estudo realizado na China demonstrou uma evidente diminuição do risco de DPOC após 10 anos da instalação de chaminés em fogões a carvão.(27)
Concluindo, este estudo descreveu alterações funcionais e clínicas compatíveis com DPOC em pacientes expostos à fumaça de lenha por longo período, sugerindo que as alterações funcionais nesses pacientes tendem a ser menos acentuadas que no grupo exposto ao tabaco. Ressaltamos a necessidade de estudos prospectivos para avaliação da prevalência e do risco de doenças tais como DPOC, associadas à fumaça de lenha. Por fim, chamamos a atenção para a necessidade de ações preventivas para minimizar os efeitos deste tipo de exposição.
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Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) Brasil.
1. Chefe do Serviço de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) Brasil.
2. Médica Pneumologista do Serviço de Pneumologia. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) Brasil.
3. Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Auxiliadora Carmo Moreira. Rua 20, 132, apto. 302, Edifício Villa-Lobos, Setor Central, CEP 74020-170, Goiânia, GO, Brasil.
Tel 55 62 3269-8385/55 62 8144-1920. E-mail: helpuol@uol.com.br
Suporte financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 21/9/2007. Aprovado, após revisão, em 24/1/2008.