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Artigo Original

Determinação de escore e nota de corte do módulo de asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood para discriminação de adultos asmáticos em estudos epidemiológicos

Determining the score and cut-off point that would identify asthmatic adults in epidemiological studies using the asthma module of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood questionnaire

Elayne de Fátima Maçãira, Eduardo Algranti, Rafael Stelmach, Marcos Ribeiro, Maria do Patrocínio Tenório Nunes, Elizabete Medina Coeli Mendonça, Marco Antônio Bussacos

ABSTRACT

Objective: To validate, for use in asthma prevalence studies, the asthma module of the standardized written questionnaire developed for use in the International Study of Asthma and Allergies in Childhood, establishing the score and cut-off point that would identify asthmatic adults. Methods: We interviewed 78 adult outpatients (40 adult asthmatics and 38 age-matched and gender-matched controls) using the asthma module of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood questionnaire, which is composed of questions related to eight dichotomous features of asthma. We determined the score and cut-off point required to accurately identify asthmatic adults, calculating sensitivity, specificity and Youden index. The method was validated against the clinical and functional diagnosis of asthma. The reproducibility of individual questions was evaluated by conducting second interviews with half of the patients some weeks later. Results: The score ranged from 0 to 14 points. A score = 5 allowed patients with asthma to be distinguished from those without (sensitivity = 93%; specificity = 100%; Youden index = 0.93). Most questions presented satisfactory reproducibility in the second interviews conducted after 48.2 ± 11.1 days (kappa and weighted kappa ranging from 0.43 to 1.00 for individual questions). Conclusion: For studies of adult asthma prevalence, the determination/validation of a cut-off point allows an alternative interpretation of the information gathered through the application of the asthma module of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood, taking into account the totality of the data rather than responses to individual questions.

Keywords: Asthma/diagnosis; Asthma/epidemiology; International cooperation; Questionnaires

RESUMO

Objetivo: Validar o questionário padronizado escrito do International Study of Asthma and Allergies in Childhood, módulo sobre asma, para pesquisa de prevalência de asma, estabelecendo seu escore e a nota de corte para discriminação de adultos asmáticos. Métodos: Entrevistamos pacientes ambulatoriais adultos, 40 asmáticos e 38 controles, pareados por sexo e idade, utilizando o módulo de asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood, composto por oito aspectos dicotômicos de asma. Determinamos o escore e a nota de corte para discriminação de asmáticos, definindo sua sensibilidade, especificidade e índice de Youden. Validamos o método em contraposição ao diagnóstico clínico e funcional. A reprodutibilidade das questões individuais foi testada por meio de reentrevistas de metade dos pacientes após algumas semanas. Resultados: O escore variou de 0 a 14 pontos. Um escore = 5 pontos permitiu discriminar pacientes asmáticos (sensibilidade = 93%, especificidade = 100% e índice de Youden = 0,93). A maioria das questões apresentou boa reprodutibilidade, observada em reentrevista após 48,2 ± 11,1 dias (Kappa e Kappa ponderado variando de 0,43 a 1,00 para as questões individuais). Conclusão: A validação de uma nota de corte permite uma interpretação alternativa às informações fornecidas pelo módulo de asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood, levando em conta o conjunto das informações e não somente as respostas individuais de cada questão em estudos de prevalência de asma em adultos.

Palavras-chave: Asma/diagnóstico; Asma/epidemiologia; Cooperação internacional; Questionários

INTRODUÇÃO

Pesquisas epidemiológicas utilizam amplamente questionários escritos sobre sintomas respiratórios para medir a freqüência de asma na população. Entre os estudos populacionais mais abrangentes para comparação de prevalências de asma estão o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC),(1) que estabelece métodos padronizados para pesquisas em crianças e adolescentes, e o European Community Respiratory Health Survey,(2) desenhado para investigação epidemiológica em adultos jovens (20 a 44 anos), ambos implementados na década de 1990. No Brasil, o protocolo ISAAC foi aplicado em algumas regiões, após tradução e validação do seu questionário, fornecendo assim os primeiros resultados comparáveis para crianças e adolescentes.(3) Quanto à população de adultos, ainda não se dispõe de qualquer informação epidemiológica comparável em nosso meio.

A maioria dos estudos considera a prevalência ou a sensibilidade e especificidade dos sintomas correspondentes às questões individuais, sem considerar o questionário como um todo, e, portanto, sem estabelecer um escore. Solé et al, em 1998, propuseram a utilização de um escore e de uma nota de corte e validaram o módulo de asma do ISAAC para discriminação de crianças e adolescentes asmáticos, assumindo o diagnóstico clínico como padrão ouro.(4)

O objetivo deste estudo foi validar um método de construção de um escore para o módulo de asma do questionário padronizado escrito do ISAAC, em contraposição ao diagnóstico clínico e funcional, propondo uma nota de corte capaz de discriminar adultos asmáticos.

MÉTODOS

Entrevistamos pacientes ambulatoriais asmáticos e controles utilizando o módulo de asma do ISAAC traduzido para o português (Anexo 1).
Calculamos o escore global para cada indivíduo e o valor de corte. Sorteamos metade dos participantes de cada grupo, os quais foram reentrevistados após um intervalo de tempo a partir da primeira entrevista, para se calcular a reprodutibilidade do instrumento.

Avaliamos 78 pacientes ambulatoriais do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo 40 indivíduos asmáticos selecionados aleatoriamente na Clínica de Pneumologia e 38 controles selecionados na Clínica Médica. Os controles foram pareados por sexo e idade (± 2 anos), após exclusão daqueles que referiram história ou procura por atendimento por doenças cardiorrespiratórias e/ou alérgicas (asma e/ou eczema e/ou rinite). Tanto no grupo de asmáticos quanto no de controles não se admitiram fumantes ou ex-fumantes com mais de dez anos-maço.
Os pacientes asmáticos foram definidos segundo o diagnóstico clínico e funcional, com classificação da gravidade definida conforme critério recomendado pelo Global Initiative for Asthma.(5)

Originalmente escrito em inglês, o questionário padronizado ISAAC foi traduzido para o português por um pediatra pneumologista (Dr. Renato T. Stein), cuja adequação foi confirmada por um estudo piloto com um grupo de escolares ou responsáveis. A retradução para o inglês resultou em poucas modificações da versão original. Utilizando esta versão, Solé et al, em seu estudo de validação, verificaram relativa baixa freqüência de resposta positiva para a questão: "Alguma vez na vida você já teve asma?" entre os pacientes com diagnóstico de asma estabelecido por médicos.(4) Isto sugere que o termo "asma" não é aceito por muitos indivíduos, talvez pela natureza incapacitante e/ou incurável da doença, ou ainda pela dificuldade de compreensão decorrente das manifestações intermitentes e variá-veis. Na cultura local, o termo "bronquite" é amplamente utilizado por pacientes asmáticos para nomear sua condição. Portanto, neste estudo, a questão 6 foi adaptada pela inclusão do termo "bronquite" (Alguma vez na vida você já teve asma ou bronquite?), com o objetivo de se minimizar um possível problema de compreensão e/ou aceitabilidade do termo "asma" pelos pacientes.

Cada uma das questões constantes do questionário foi graduada de 0 a 2 pontos, segundo o ponto de vista clínico de 20 especialistas distribuídos entre pneumologistas, alergistas e clínicos gerais (todos com experiência em asma), quanto à importância da informação para o diagnóstico clínico de asma. Atribuíram-se zero ponto para a informação considerada não importante para o dia-gnóstico clínico de asma, um ponto quando considerada auxiliar, mas não fundamental para o dia-gnóstico, e dois pontos para a informação considerada importante para o diagnóstico de asma. A nota equivalente à maior proporção obtida da distribuição de freqüências atribuídas pelos especialistas foi fixada para cada uma das questões. Quando houve empate nas notas, utilizou-se o consenso da equipe que conduziu o estudo para o critério de decisão da nota final. O somatório das notas determinou o escore global do questionário.

Assumindo o diagnóstico clínico e funcional como método de referência, calculamos a sensibilidade (verdadeiros positivos), a especificidade (verdadeiros negativos) e os valores preditivos positivos para as respostas afirmativas a cada uma das questões. O somatório dos pontos atribuídos a cada questão forneceu os escores individuais, que variaram de zero a quatorze pontos. Para cada um dos escores obtidos, calculamos a sensibilidade, a especificidade e o índice de Youden (especificidade + sensibilidade - 1).(6) Criamos ainda a variável nota de corte e aplicamos os testes de Kappa, McNemar e Razão de Máxima Verossimilhança, para analisar a concordância entre esta variável e o diagnóstico clínico e funcional. Complementarmente, comparamos os escores médios dos asmáticos e dos controles, aplicando os testes não paramétricos Wilcoxon e Mediana. Utilizou-se a análise discriminante com o objetivo de obter o valor de corte que melhor separa os grupos "asmáticos" e "não asmáticos" com o menor erro na classificação. O teste de McNemar teve como objetivo reforçar, conjuntamente com o coeficiente Kappa, a concordância entre as variáveis. Este teste indica se há ou não pares discordantes fora da diagonal. Para tabelas 2 x 2, utilizou-se o procedimento Agree do software SAS. A hipótese nula é aquela em que as proporções fora da diagonal são iguais (pi. = pi.) em contraposição à hipótese alternativa, em que são diferentes. Se todos os pares estiverem na diagonal, Kappa = 1 e McNemar = 0, e, portanto, não há pares discordantes.(7) A reprodutibilidade do questionário reaplicado foi analisada por meio do valor de Kappa. Utilizamos um nível de significância menor que 0,05 em todas as análises. Utilizamos o software estatístico SAS, versão 8.20, 2000.(8)

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos os participantes foram informados dos objetivos e métodos, concordando em participar por meio de documento escrito.

RESULTADOS

O Anexo 2 apresenta a distribuição das notas atribuídas por especialistas, a distribuição percentual e a nota final para cada questão. Houve empate na questão 3b (1 a 3 crises no último ano), em que dez especialistas consideraram esta informação importante para o diagnóstico de asma e dez a consideraram auxiliar, mas não fundamental. A equipe concluiu que esta informação é importante e, portanto, atribuiu-lhe nota 2. A questão 4a (nunca acordou com crise no último ano) foi considerada importante para o diagnóstico de asma por sete especialistas, enquanto que o mesmo número de especialistas não a considerou importante. Concluiu-se pela nota 0, a qual indica que a ausência de perturbação do sono por crises de chiado não é importante para o diagnóstico de asma.

A Tabela 1 apresenta as principais características dos pacientes entrevistados. Verificou-se um predomínio de aproximadamente 68% de mulheres e de aproximadamente 80% de não fumantes em ambos os grupos. A maioria dos pacientes asmáticos (70%) tinha asma persistente moderada ou grave quando admitida no ambulatório. Dos 78 indivíduos, houve apenas um fumante (controle) e 14 ex-fumantes (8 asmáticos e 6 controles).





A Tabela 2 apresenta as freqüências de respostas afirmativas para cada uma das questões, assim como os respectivos valores de sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivos. As questões sobre presença, nos últimos doze meses, dos sintomas de chiado no peito, uma ou mais crises de chiado, perturbação do sono e limitação da fala por chiado mostraram maior especificidade (E = 1,00). Estas questões também tiveram o mais alto valor preditivo positivo. A questão mais sensível foi sobre a presença de chiado alguma vez na vida (S = 1,00), seguida pela questão sobre presença de asma ou bronquite alguma vez na vida (S = 0,98).






A Figura 1 apresenta a freqüência dos escores globais em indivíduos asmáticos e controles e suas respectivas sensibilidade, especificidade e índice de Youden. A análise descritiva do gráfico mostra que um escore maior do que quatro foi obtido somente por indivíduos asmáticos. Entretanto, verifica-se que os escores 3 e 4 incluem tanto indivíduos asmáticos quanto controles, possibilitando a ocorrência de uma classificação equivocada em ambos os grupos.





Portanto, análises complementares foram realizadas para auxiliar na comparação entre os dois grupos e melhor definir a nota de corte. O escore médio, a mediana e os valores mínimo e máximo para os indivíduos asmáticos foram de 11,8, 12,5, e 3 e 14 pontos, respectivamente, enquanto que para o grupo controle foram de 0,95, zero, e zero e 4 pontos, respectivamente. Os testes de Wilcoxon e da Mediana revelaram diferenças estatisticamente significativas na pontuação dos escores entre os dois grupos, com pontuação mais alta para os asmáticos (Z = -7,58, p < 0,0001, e Z = 1,60, p < 0,0001, respectivamente).
Criou-se ainda uma nova variável dicotômica nota de corte baseada na pontuação dos escores, a partir da qual foram aplicados os testes de Kappa e McNemar, para análise de concordância, além do teste da Razão de Máxima Verossimilhança. Os resultados mostraram que a nota 4 é a menor nota de corte que atende ao critério de Landis e Koch, para uma relação de concordância quase perfeita, ou seja, apresenta simetria representada por marginais homogêneas pelo teste de McNemar (não significativo) e coeficiente de Kappa maior que 0,81 (dados não apresentados).(9)

Utilizando-se a análise discriminante para conhecer as possibilidades de classificar erroneamente um indivíduo (dados não mostrados), verifica-se que, quando a nota de corte é estabelecida em 3 pontos, a probabilidade de classificar um asmático como não asmático é de 98,4%, reduzindo-se para 84,8% em quatro pontos. A partir da nota de corte igual a 5, não há nenhum caso misto (Figura 1).

Ponderando os resultados das diversas análises, verificamos que, adotando 5 como nota de corte, perde-se somente 0,02 na sensibilidade, enquanto que se ganha 0,11 na especificidade. Além disso, o valor 5 corresponde ao maior índice de Youden, o qual permite uma avaliação da sensibilidade e da especificidade, assumindo-se igual importância para ambas geralmente, é a melhor medida isolada de validade para comparação de diferenças na prevalência de asma entre populações.(10) Por outro lado, embora pequeno, existe um erro de 3,75% na estimativa de prevalência de asma em estudos populacionais ao se utilizar 4 como nota de corte. Portanto, este estudo sugere a adoção de um critério mais conservador, com uma nota de corte de 5 pontos, isto é, um indivíduo deverá ser classificado como asmático quando obtiver um escore global de 5 pontos ou mais.

Para a verificação da concordância, sortearam-se 20 asmáticos e 20 controles, os quais foram reentrevistados por telefone, após um período médio de 48,2 + 11,1 dias. A concordância das respostas foi analisada através do coeficiente de Kappa, para cada pergunta, num total de 40 observações. Verificou-se boa concordância entre as respostas para a maioria das questões (coeficiente de Kappa variando de 0,61 a 1,00). A questão 5 (limitação da fala por chiado) mostrou concordância moderada (coeficiente de Kappa = 0,43, p = 0,0661) (dados não apresentados).

DISCUSSÃO

A utilização da nota de corte para o módulo de asma do questionário ISAAC mostrou-se adequada para discriminação de adultos asmáticos a partir de um conjunto de informações sobre sintomas, por meio da comparação entre indivíduos "não asmáticos" e "asmáticos diagnosticados clínica e funcionalmente". Um escore global de 5 pontos ou mais revelou 93% de sensibilidade e 100% de especificidade. Assim, este método pode ser uma ferramenta útil para se otimizar a triagem de asmáticos em estudos de prevalência, incentivando estudos neste grupo etário e possibilitando assim um acúmulo de informações que permitam investigações futuras das causas específicas e conseqüentes intervenções preventivas. Recentemente, vem sendo publicada uma seqüência de estudos de prevalência de asma em crianças e adolescentes no Brasil, não ocorrendo o mesmo para a população adulta. Parece-nos premente o conhecimento do comportamento da doença em adultos jovens, especialmente considerando-se o risco ocupacional da doença neste grupo etário.

A amostra avaliada não é, deliberadamente, representativa da população geral, particularmente pela exclusão de fumantes com mais de dez anos-maço, e portadores de doenças alérgicas ou cardior-respiratórias, mas permitiu incluir pessoas que experimentaram infecções respiratórias recentes, obesos, fumantes com menos de dez anos-maço ou mesmo aqueles indivíduos com asma subjacente ou não diagnosticada. Este procedimento faz parte do método que teve por princípio avaliar as características de duas populações distintas por meio de uma análise estatística que determinasse um ponto limiar para discriminação das mesmas. A seleção de asmáticos de um serviço especializado dá uma boa confiabilidade de que são verdadeiramente asmáticos, embora reconhecidamente não haja um padrão ouro para o diagnóstico desta patologia.(11) Não se espera que o predomínio de asma moderada ou grave entre os asmáticos tenha elevado a nota de corte, uma vez que a pontuação de questões individuais não variou em função da gravidade dos sintomas encontraram-se escores tanto de 14 pontos para asma leve, como de 3 pontos para asma moderada. Verificou-se, porém, a possibilidade de se obter dados falsos negativos, fazendo-se o corte pelo escore de 5 pontos, quando dois casos de asma persistente moderada e um de asma leve tiveram escores menores que 5 pontos, certamente em decorrência de um tratamento bem sucedido. Numa situação real, poder-se-ia encontrar situação equivalente, por exemplo, para os casos limítrofes.

Os valores preditivos positivos são dependentes da proporção de doentes na população de estudo, que no caso foi de aproximadamente 50%. Em inquéritos de base populacional espera-se encontrar menores prevalências de asma. Portanto, fizemos simulações para estimar os valores preditivos positivos em populações com proporções de 5%, 10% e 15% da doença.(1) Tanto para chiado cumulativo (questão 1) como para asma/bronquite (questão 6), os valores preditivos positivos (probabilidade pós-teste) foram relativamente baixos. Para chiado cumulativo foram de 0,15, 0,28 e 0,43, respectivamente. Para asma/bronquite foram de 0,32, 0,49 e 0,69, respectivamente. Entretanto, para chiado recente, permaneceu o máximo valor preditivo positivo (VP+ = 1,00) para as diferentes prevalências, uma vez que a alta especificidade da questão assim o determina. Destacamos que os valores de sensibilidade e especificidade para a nota de corte adotada foram semelhantes aos valores para chiado recente. Conseqüentemente, o valor preditivo positivo para a nota de corte também mantém o seu valor máximo para populações com baixas prevalências da doença.

Teoricamente, a questão "Alguma vez na vida você teve asma?" foi construída para medir a freqüência de asma diagnosticada por médicos na população. O termo "asma" tem uso bastante limitado em nossa cultura, não sendo possível ignorar o extenso uso popular do termo "bronquite" para essa condição. Assim, esta questão não refletiria a situação real do comportamento da asma em nossa população, justificando a modificação adotada no presente estudo. Como conseqüência, perde-se sua comparabilidade individual com outros estudos. Comparando-se nossos resultados com aqueles encontrados em estudo prévio de adolescentes que utilizou o mesmo método, porém sem alterar a questão sobre asma alguma vez na vida,(4) verificamos maiores prevalências de respostas positivas à questão tanto entre asmáticos como entre "não asmáticos", ou seja, entre adultos asmáticos observou-se 98% de prevalência de asma/bronquite contra 70% de asma entre adolescentes;(4) no grupo de "não asmáticos", houve 11% de asma/bronquite entre adultos e nenhuma resposta afirmativa para asma entre adolescentes.(4) Além disso, a modificação da questão determinou, neste estudo, prevalência de asma/bronquite maior que a prevalência de chiado recente, contrastando com os resultados do estudo acima referido. Maiores prevalências de asma/bronquite em relação às prevalências de chiado recente também foram encontradas por outros estudos que acrescentaram o termo "bronquite" à questão.(12-13) Esta modificação certamente torna a questão mais sensível e menos específica; entretanto, não se baseia em parâmetros estatísticos e sim conceituais, pelos motivos acima referidos. Porém, no presente método é mais importante o conjunto das informações e não uma questão individual, e também priorizar a sensibilidade em detrimento da especificidade, uma vez que se prevê seu uso como instrumento de triagem, que facilite e otimize custos para uma segunda etapa, quando outros métodos objetivos e específicos, como por exemplo a avaliação da hiperresponsividade brônquica, são recomendados. Os autores reconhecem, entretanto, que a manutenção da questão original com a inclusão de uma outra questão - "Alguma vez na vida você teve bronquite?" - permitiria analisar conjuntamente os resultados, ao mesmo tempo em que forneceria uma estimativa do grau de conhecimento ou aceitação da condição pelo paciente, mantendo-se, entretanto, a análise conjunta para a determinação do escore.

Na situação particular deste estudo, quando o entrevistador está dentro do ambulatório especia-lizado em asma e pergunta ao paciente se teve asma alguma vez na vida, observou-se que nem sempre as respostas negativas de asmáticos significaram que não sabiam ou não aceitavam a doença, mas que entendiam dois momentos diferentes exemplificados por duas diferentes reações: "hoje eu tenho asma, mas antes eu não tinha" ou "hoje eu tenho asma, mas antes eu tinha bronquite".

Uma das informações mais amplamente comparadas nos estudos multicêntricos, inclusive entre adultos, é dada pela questão sobre chiado recente, a qual apresenta uma questão equivalente no European Community Respiratory Health Survey e no questionário do estudo multicêntrico para investigação de prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica nas principais áreas metropolitanas da América Latina (Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar).(14) Destacamos as altas sensibilidade (93%) e especificidade (100%) observadas para esta questão na população do estudo. A despeito de não se tratar de uma amostra representativa, compartilhamos o entendimento de que pesquisas epidemiológicas de asma devem buscar menos a estimativa da "verdadeira prevalência de asma" na população, e mais a comparação da prevalência de asma entre grupos populacionais, usando métodos padronizados.(11)

Identificamos poucos estudos prévios que utilizaram o módulo de asma do ISAAC em adultos (integralmente, parcialmente ou adaptado).(15-18) O fato de já se encontrar traduzido para o português e trazer informações equivalentes àquelas do European Community Respiratory Health Survey justificou a escolha deste instrumento. Comparativamente ao estudo de validação de Solé et al, de 1998, observamos valores similares de sensibilidade e especificidade para o método proposto, porém, em contraste com o mesmo, não houve um consenso adequado entre os especialistas, sendo que dos treze itens avaliados, nove tiveram consenso menor que 70%. Quanto à questão 3b (uma a três crises de chiado no último ano), a decisão da equipe pela maior nota fundamentou-se no entendimento de que, para o diagnóstico, é mais importante a presença de crise de chiado no último ano, independentemente de sua quantificação, a qual pode ser importante para estimativas de gravidade da doença.(4) Para a questão 4a, referente à perturbação do sono por chiado, a equipe julgou que a ausência de informação nada acrescenta na identificação de asmáticos, definindo-se, portanto, nota zero para esta resposta.

Possível efeito de memória, de sazonalidade ou mesmo de uma doença cujo controle possa interferir nas respostas ao questionário pode ser ilustrado pelo observado em uma reentrevista de um asmático com sintomas persistentes leves. Na primeira entrevista, realizada em meados de março, negou chiado nos últimos doze meses. Porém, na reentrevista, quase dois meses depois, coincidindo com a aproximação do período de mais baixas temperaturas, o mesmo referiu ter apresentado chiado na véspera da entrevista. Muitos dos pacientes entrevistados estavam sendo acompanhados no ambulatório havia mais de um ano, o que pode resultar na ausência de sintomas nos últimos doze meses e, conseqüentemente, na redução do escore total. Isto se aplica especialmente entre pacientes com asma intermitente ou persistente leve na época da admissão no serviço ambulatorial.

Como mencionado acima, embora o predomínio de asmáticos moderados/graves pareça não ter determinado um aumento na nota de corte, pode estabelecer maiores prevalências para as questões individuais relacionadas à gravidade da asma (questões 3, 4 e 5). Verifica-se isto ao se comparar os resultados do presente estudo com as prevalências das mesmas questões entre os adolescentes(4) (varia-ram de 55% a 93% entre os adultos e de 15% a 85% entre os adolescentes).
A análise individual destas questões pode, portanto, sofrer um viés de seleção, enquanto que pelo método do escore este problema parece ser reduzido. Não encontramos estudos sobre a distribuição de asmáticos leves, moderados e graves na população em geral.

Para a maioria das questões, as reentrevistas mostraram boa reprodutibilidade, apesar do intervalo relativamente longo entre as duas entrevistas.

Uma outra limitação do presente estudo é o fato de que o tamanho da amostra não foi calculado estatisticamente, mas seguindo o mesmo desenho do estudo de Solé et al,(4) que pareou 33 asmáticos e 33 controles na faixa etária de 13 a 14 anos.

O presente método estabelece um paradoxo: aumenta a sensibilidade de uma questão individual pela inclusão do termo "bronquite" ao mesmo tempo em que aumenta a especificidade na análise conjunta das questões quando determina uma nota de corte de 5 pontos, o que exclui aqueles possíveis asmáticos com escore de 3 ou 4 pontos. Assim evita-se a perda de falsos negativos decorrentes de aspectos culturais na população, especialmente entre aqueles indivíduos de baixa renda, e inclui as possíveis variações de manifestação da doença. Infelizmente, permanece uma pequena possibilidade de se excluir asmáticos da análise. Pela pontuação das questões, isto só ocorreria numa situação em que o indivíduo apresentasse chiado no último ano sem nenhum dos outros sintomas investigados ou com tosse seca noturna. Comparando-se a definição de asma por chiado recente e pelo método do escore, esperar-se-ia encontrar uma prevalência da doença um pouco menor pelo escore. Entretanto, em um estudo com 374 trabalhadores em limpeza conduzido recentemente pelo método do escore, encontramos 11,1% de chiado recente e 11,4% de indivíduos com escore de 5 pontos ou mais, o que indica que nenhum indivíduo apresentou apenas chiado recente ou chiado recente com tosse seca noturna, mas sim chiado recente associado com outros sintomas asmáticos.(19)

Embora o questionário aparente ser bom para identificação de asmáticos, pouco serve para avaliar a relevância clínica e a incapacidade do paciente, o que é importante em pesquisas epidemiológicas para estimativa de custo ou de gravidade. A adição de questões, mantendo-se o questionário original intacto, como as relativas ao uso de medicação, data do início dos sintomas, chiado na ausência de gripe e bronquite alguma vez na vida, pode trazer contribuições importantes para uma utilização ampliada deste instrumento. Seria interessante que este instrumento fosse testado em um inquérito de base populacional para se estabelecer sua validade em um grupo que apresente maior dispersão de sintomas.









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* Trabalho realizado na Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
1. Farmacêutica-Bioquímica e Mestre em Saúde Pública da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
2. Doutor em Saúde Pública pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutor em Medicina pela Disciplina de Pneumologia - Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Doutora em Patologia pelo Departamento de Clínica Médica - Disciplina de Clínica Geral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
5. Médica da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
6. Estatístico da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Elayne de Fátima Maçãira. Rua Capote Valente, 710 - CEP: 05409-002, São Paulo - SP, Brasil.
Tel: 55 11 3066-6231. E-mail: elayne@fundacentro.gov.br
Recebido para publicação em 16/8/04. Aprovado, após revisão, em 20/6/05.

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