INTRODUÇÃOA influenza é uma das doenças infecciosas que mais preocupa as autoridades sanitárias, devido à grande variabilidade antigênica do vírus e à possibilidade de um único indivíduo infectado poder transmiti-la para diversos indivíduos susceptíveis, o que pode provocar epidemias ou mesmo pandemias, usualmente abruptas, com pico em duas a três semanas e duração total de oito semanas.(1) Os menores de 23 meses e os maiores de 60 anos encontram-se entre os grupos mais vulneráveis a complicações e ao óbito por influenza.(2) Também são considerados muito vulneráveis, e com indicação de vacinação contra influenza, os portadores de deficiência imunológica primária ou secundária, cardiopatias ou pneumopatias. Os profissionais de saúde que atuam na assistência das pessoas com doença respiratória ou que trabalham em asilos, e os profissionais que lidam com aves e suínos também seriam mais vulneráveis à aquisição da infecção.
A vacinação de pessoas idosas para influenza reduziu em até 19% o risco de internação por doença cardíaca, 23% por doenças cerebrovasculares, 32% por influenza ou pneumonia e em até 50% a mortalidade por todas as causas.(2) A vacina administrada no Brasil é composta por duas cepas de influenza A (H3N2 e H1N1) e uma cepa de influenza B.(3) As cepas virais isoladas de pacientes do hemisfério sul, inclusive as de maior circulação isoladas no Brasil, fazem parte da composição da vacina administrada no país. Há necessidade de cerca de seis meses para a produção, embalagem e distribuição da vacina e mais um ou dois meses para que seja administrada.(4) Os anticorpos protetores passam a ser detectados uma a duas semanas depois da administração da vacina e o pico máximo de anticorpos ocorre entre quatro e seis semanas, o que idealmente deveria coincidir com o máximo da circulação do vírus.(3)
Até 2003, o Estado do Ceará não participava do Sistema de Vigilância da Influenza implantado em doze Estados das cinco regiões brasileiras. Entre os objetivos desse sistema incluem-se monitorar as cepas circulantes do vírus da influenza, acompanhar a morbimortalidade produzida pela influenza e avaliar o impacto da vacina.(5) Esse sistema detectou, em 2002, um pico de atendimento de síndrome gripal entre as semanas 29 e 40, correspondendo às regiões Sul e Sudeste e ao isolamento de vírus influenza B. Entre as semanas 15 e 19 de 2003, outro pico de atendimento de síndrome gripal foi detectado, correspondendo aos surtos nas regiões Centro-oeste e Norte e ao isolamento do vírus influenza A (H1N2).(3) Em Fortaleza (CE), estudos etiológicos de doenças respiratórias agudas com isolamento viral têm sido feitos em crianças.
Entre agosto de 1984 e agosto de 1986, realizou-se um estudo de base comunitária, com 175 crianças menores de cinco anos de idade com doença respiratória aguda, das quais 5,9% dos isolamentos virais foram de vírus influenza. Houve associação do isolamento de vírus influenza com o período chuvoso. Vírus influenza foram isolados entre fevereiro e abril de 1985 e de 1986 e outubro e novembro de 1984 e 1985.(6) Em um estudo de base hospitalar com crianças, realizado entre janeiro de 2001 e junho de 2003, recuperou-se o vírus influenza em 27,65% dos isolamentos. Chama-se a atenção para o fato de que isolamentos de vírus influenza e vírus sincicial respiratório ocorreram apenas entre os meses de janeiro e junho, enquanto que adenovírus e para-influenza 3 podem ser recuperados em qualquer época do ano.(7-8)
Devido ao crescimento da população idosa e à sua vulnerabilidade, o Ministério da Saúde introduziu a vacinação para influenza dos maiores de 65 anos em 1999 e dos maiores de 60 anos a partir do ano 2000. O Brasil tem ultrapassado a meta de 70% de indivíduos vacinados estabelecida pelo Ministério da Saúde.(9) Em Fortaleza, as campanhas de vacinação do idoso têm começado entre os dias sete e 23 de abril, estendendo-se até o mês de maio. O município tem alcançado coberturas crescentes, que variaram de 80% em 1999 a 92% em 2003.(10) A vacina antipneumocócica não está incluída entre as vacinas administradas em massa a idosos durante as campanhas em Fortaleza; está prevista apenas para idosos institucionalizados.
Este estudo tem como objetivo avaliar o impacto da vacinação para influenza sobre as internações por doenças respiratórias e doenças cardiovasculares, e óbitos em maiores de 60 anos.
MÉTODOSFortaleza apresenta pouca variação de temperatura ao longo do ano. Entre 1995 e 2000, a temperatura absoluta máxima registrada foi de 33o C e a mínima, de 21o C. A principal variação climática relaciona-se com a estação chuvosa, que ocorre nos primeiros meses do ano, durando entre três e cinco meses, em geral entre fevereiro e junho.(11)
Foram revistos os registros de internações hospitalares de maiores de 60 anos de idade residentes em Fortaleza, no período de 1995 a 2003,(12) e os arquivos do Sistema de Informação em Mortalidade, entre 1995 e 2001,(13) disponibilizados pelo Ministério da Saúde através do Banco de Dados do Ministério da Saúde - DATASUS. A partir dessa fonte de dados é possível elaborar tabelas selecionando o ano de ocorrência, município, sexo, idade e diagnóstico, entre outras variáveis, através do programa Tabnet, que também está disponibilizado. Óbitos e internações estão classificados de acordo com o Código Internacional de Doenças - Nona Revisão (CID-9) no período de 1995 a 1997 e com o Código
Internacional de Doenças - Décima Revisão (CID-10) no período de 1998 a 2001. Os dados obtidos a partir dos registros de internações hospitalares foram utilizados como numerador no cálculo de coeficientes de internação e aqueles obtidos a partir do Sistema de Informação em Mortalidade compuseram o numerador do cálculo dos coeficientes de mortalidade.
Para os cálculos dos coeficientes de internação e de mortalidade específica por faixa etária e causa, a população utilizada foi a estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e divulgada pelo Ministério da Saúde.(14)
As análises foram feitas através do programa Epi-Info 6.04, utilizando-se o teste do qui-quadrado.(15)
RESULTADOSEntre 1995 e 2003 foram internados 29.867 maiores de 60 anos por doenças do aparelho respiratório, com média anual de 3.318,6 internações e desvio-padrão (DP) de 355,6. Entre 1995 e 1998 a média anual foi de 3.067,3 (DP: 365,8), enquanto que entre 1999 e 2003 a média foi de 3.519,6 (DP: 195,6). A média mensal foi de 2.488,9 (DP: 411,5), sendo que entre 1995 e 1998 a média foi de 1.022,4 variando entre 858 em novembro e 1.321 em abril (DP: 145,2), e entre 1999 e 2003 a média foi de 1.466,5 (DP: 195,6). Em termos de números absolutos, houve redução no número de internações no período pós-vacina apenas em relação a 1995.
Corrigindo o número de internações em relação à população e tomando o ano de 1998 como referência, observa-se que não houve redução significativa entre os coeficientes de internação anteriores e posteriores ao início da vacinação nem para as doenças do aparelho respiratório em geral, nem para gripe ou pneumonia (p > 0,05) (Figura 1). Comparando-se ano a ano, observou-se que houve redução entre 1995 e 1996, aumento em 1997, estabilização em 1998, novo crescimento em 1999, redução em 2000 e em 2001, e estabilização em 2002 e 2003 (Tabela 1).
Se comparados apenas os anos em que houve contagem da população (1996) ou censo (2000), houve redução das internações (p < 0,00001).
No que diz respeito aos coeficientes de internação por doenças do aparelho circulatório, tomando-se como referência o ano de 1998, constatou-se que não houve redução em 1999 (p > 0,641), houve redução em 2000 (p < 0,002) e 2001 (p < 0,0014), voltando aos patamares de 1998 em 2002 (p > 0,5) e 2003 (p > 0,72). Também não foi possível observar diferença entre 2000 e 2001 (p > 0,95) (Figura 1). Houve tendência decrescente entre 1995 e 2000, passando a crescente até 2003 (Tabela 1).
A distribuição do somatório dos casos por mês corrigidos pela população, nos períodos de 1995 a 1998 e de 1999 a 2003, mostra quase uma superposição das duas curvas, sem diferença entre os grupos de meses dos períodos anterior e posterior ao início da vacinação (p > 0,05) (Figura 2).
Houve redução significativa (p < 0,05) no número de óbitos (Tabela 2) e na taxa de mortalidade geral dos maiores de 60 anos nos anos 1999, 2000 e 2001 em relação a 1998. Comparando-se 2000 e 2001, houve aumento na taxa de mortalidade geral (p < 0,004). A mortalidade por doenças respiratórias aumentou entre 1998 e 1999 (p < 0,005) e diminuiu em 2000 e 2001 (p < 0,0001). Entre 2000 e 2001 não houve redução significativa (p > 0,36). A mortalidade por doenças do aparelho circulatório não teve diferença significativa (p = 0,34) entre 1998 e 1999, mas foi menor do que em 1998 nos anos 2000 e 2001 (p < 0,0001). Não houve diferença significativa entre 2000 e 2001 (p = 0,34) (Figura 3).
DISCUSSÃO Entre as limitações deste estudo encontram-se: apenas cerca de 70% da população de Fortaleza é integralmente atendida pelo Sistema Único de Saúde, uma vez que os outros 30% vêm mantendo planos de saúde privados; o número de internações pelo Sistema Único de Saúde é limitado pela disponibilidade de leitos e de autorizações para internação hospitalar, o que pode levar a uma demanda reprimida de admissões hospitalares; a causa de internação é a informada como o diagnóstico principal, definido como sendo o que motivou a internação (no decorrer desta, pode haver mudança no diagnóstico, nem sempre registrada no documento).(6)
A população de maiores de 60 anos de Fortaleza sofreu aumentos bruscos em 1996, quando cresceu em cerca de dez mil pessoas, depois passou a crescer cerca de três mil pessoas por ano, até que entre 1999 e 2000 aumentou em quase vinte mil habitantes, voltando a crescer em cerca de três mil pessoas em 2001. Esses aumentos coincidiram com a recontagem da população que ocorreu em 1996 e o censo de 2000. É possível que se o crescimento da população tivesse sido mais homogêneo não se observasse essa redução na taxa de mortalidade, inclusive porque quando as discrepâncias diminuíram (entre 2000 e 2001) a redução deixou de existir. O mesmo raciocínio pode ser aplicado em relação aos coeficientes de internação.
As epidemias de influenza ocorrem predominantemente no inverno, nas regiões em que essa estação coincide com o frio e com o pico das doenças respiratórias agudas e suas complicações.(2) Em Fortaleza, o período de maior atendimento a doenças respiratórias agudas acontece entre março e junho.(16) O maior número de internações tem ocorrido em março e abril. Se este é o período de maior circulação do vírus da influenza, a segunda quinzena de fevereiro seria a época ideal para a administração da vacina, uma vez que deve ser aplicada, de preferência, pelo menos duas semanas antes da chegada do vírus.(3) A vacina sendo aplicada entre abril e maio teria sua efetividade reduzida, uma vez que no pico da epidemia os idosos ainda não teriam anticorpos em quantidade protetora.
Em São Paulo (SP), uma redução no número de episódios compatíveis com gripe foi detectada em idosos vacinados, em relação aos não vacinados, mas não houve diferenças significativas no número de hospitalizações em geral ou por doença respiratória, e no uso de antibiótico em geral ou em doenças respiratórias.(17)
Em Maceió (AL), os vírus da influenza foram isolados com maior freqüência da orofaringe e nasofaringe de crianças de duas unidades-sentinela em julho, setembro, outubro e dezembro. Caso a distribuição dos vírus da influenza em Fortaleza tivesse uma sazonalidade semelhante à de Maceió, era de se esperar uma efetividade maior da vacinação.(18) Não foram encontrados relatos de isolamento de vírus influenza de idosos em Fortaleza. Há relato de isolamento de vírus influenza de nasofaringe de crianças, exclusivamente no primeiro semestre, entre fevereiro e junho, no período de janeiro de 2001 a junho de 2003.(7-8)
Considerando-se que a vacina contra influenza administrada a idosos, em última análise, tem o objetivo de reduzir o risco de adoecer gravemente e morrer por suas complicações, pelos dados analisados, não foi possível aferir sua efetividade na população de idosos de Fortaleza. Há a possibilidade de que a infecção tenha ocorrido antes da administração da vacina, ou pode ter sido introduzido outro subtipo viral, como ocorreu no Pará. Sugerem-se estudos sobre a sazonalidade do vírus da influenza em Fortaleza, para que a época ideal para a campanha de vacinação seja reavaliada.
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8. Furtado FM, Furtado FVS, Mendes ACS, Carvalho SBLM, Moura FEA. Vigilância de influenza em crianças atendidas no Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza, durante três anos consecutivos (2001- 2003) [abstract]. In: 13 Congresso Brasileiro de Infectologia; 2003 Ago 31- Set 3; Goiânia-GO. Anais. Goiânia: Sociedade Goiana de Infectologia; 2003
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10. Ceará. Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza. Campanha nacional de vacina contra a gripe para os maiores de 60 anos; informe técnico 2004. Fortaleza: Coordenadoria de Políticas de Saúde; 2004.
11. Ceará. Centro de Estratégias de Desenvolvimento do Estado do Ceará Iplance Fundação Instituto de Pesquisa e Informação do Ceará. Anuário Estatístico do Ceará 2001. Fortaleza, CE: Iplance; 2001. V.10. Tomo 1. 88p.
12. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Morbidade e informações epidemiológicas. Morbidade hospitalar do SUS por local de residência - Brasil [texto na Internet]. Brasília. [citado 2004 Maio 24]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/mrmap.htm
13. Brasil. Ministério da Saúde. Estatísticas vitais - Mortalidade e nascidos vivos - Mortalidade geral [texto na Internet]. Brasília. [citado 2004 Maio 21]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/tabnet/tabnet.htm# EstatVitais
14. Brasil. Ministério da Saúde do Brasil. Informações demográficas e socioeconômicas - População residente [texto na Internet]. Brasília. [citado 2004 Maio 24]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/tabnet/tabnet.htm#DemogSocio
15. Centers for Diseases Control and Prevention. Epi-Info. version 6.04. Atlanta; 2001.
16. Façanha MF, Pinheiro AC. Distribution of acute respiratory diseases in Brazil from 1996 to 2001, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(3):346-50.
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18. Oliveira JF, Sá JPO, Cruz MEM. Identificação e monitorização do vírus Influenza A e B, na população de Maceió. Ciênc Saúde Coletiva. 2004;9(1):241-6.
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* Trabalho realizado no Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
1. Professora de Clínica de Doenças Infecciosas do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará - UFC - Fortaleza (CE) Brasil.
Endereço para correspondência: Mônica Cardoso Façanha. Rua Pinto Madeira, 777, apto 701 - CEP: 60150-000 Centro, Fortaleza (CE) Brasil. Tel.: (85) 4009-8044, Fax: (85) 4009-8050; e-mail: mfacanha@yahoo.com
Recebido para publicação em 21/6/04. Aprovado, após revisão, em 26/4/05.