O Brasil vive um momento especial no controle do tabagismo com uma diminuição importante da prevalência entre os adultos residentes em áreas urbanas. Os resultados referentes à população adulta de 27 cidades avaliadas pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), publicados neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, mostram uma prevalência média de fumantes ativos de 16,1%.(1) A prevalência foi maior nos entrevistados do sexo masculino (20,5%) quando comparados àqueles do sexo feminino (12,4%) e foi particularmente alta entre aqueles com até oito anos de escolaridade. Entre 1989 e 2003, dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição e da Pesquisa de Saúde Mundial coletados no Brasil já mostraram um declínio de 35% na prevalência de tabagismo no período de estudo, de 34,8% para 22,4%.(2) Entretanto, a renda interferiu nessa redução, e a relação entre fumantes com baixo poder de compra e fumantes com renda pessoal mais alta aumentou 100% entre 1989 e 2003. Assim, 40,9% dos homens e 29,0% das mulheres com baixo poder de compra ainda eram fumantes em 2003, enquanto a taxa média da população geral foi de 22,4%. No mesmo sentido, a prevalência entre os residentes em áreas rurais foi mais alta que a observada em áreas urbanas (25,5% vs. 21,8%).(2)
Os resultados acima mostram que as medidas adotadas pelo Programa Nacional de Controle do Tabagismo são efetivas. Além disso, reforçam que muitas pessoas param de fumar apesar da oferta ainda insuficiente de centros de tratamento e de suporte farmacológico, assim como do comprometimento pouco satisfatório dos profissionais de saúde brasileiros no que se refere à abordagem dos fumantes.(3) Entretanto, alguns indicadores, que podem permitir estimar o futuro da pandemia, ainda são pouco conhecidos. A prevalência de fumantes entre crianças e jovens brasileiros não foi investigada nos estudos acima e ainda é pouco conhecida; tampouco consta do Tobacco Atlas nas edições de 2002(4) e 2008.(5) Apenas dados regionais são disponíveis: na cidade do Rio de Janeiro, essa prevalência foi de 9,1% entre meninos. Além disso, são pouco conhecidas a prevalência e as características do tabagismo dos residentes das áreas rurais, incluindo o uso do cigarro manufaturado de fumo enrolado em papel ou palha. Essa última forma torna-se mais importante quando se verifica prevalências mais altas de tabagismo ativo entre os indivíduos de menor poder aquisitivo e com menor nível de escolaridade.(1,2)
De acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, as seis medidas consideradas mais eficientes para controle do tabagismo incluem(6):
1) Monitorizar o uso do tabaco e estabelecer políticas de prevenção
2) Proteger a população contra a exposição à fumaça do cigarro
3) Oferecer ajuda para a cessação do tabagismo
4) Alertar para os danos do cigarro
5) Banir a publicidade, promoções e patrocínios relacionados com o tabaco
6) Aumentar o imposto sobre o tabaco
No Brasil, muito tem sido feito nos últimos 15 anos para controlar a epidemia tabágica, e os resultados positivos são evidentes e estimulam todos a lutar por novas conquistas. Dentre elas, medidas que protejam os menos favorecidos do ponto de vista financeiro ou educacional devem ser priorizadas. Os ambientes 100% livres do cigarro, já adotados com sucesso em alguns municípios e estados da federação, e a revisão da lei 9294/96 pelo congresso nacional, com o mesmo objetivo, são medidas que visam proteger toda a população, independentemente de classe social ou nível educacional. O aumento no preço dos cigarros é também uma medida altamente efetiva para diminuir o consumo de tabaco, particularmente entre adolescentes.(7)
A aprovação de legislação nacional que consagre os ambientes internos e externos, de uso comum, livres da fumaça do cigarro, sem a permissão de fumódromos, e o aumento do preço do cigarro devem ser acompanhados de um maior número de centros de tratamento que disponham de todos os recursos com nível de eficácia reconhecido nas diretrizes sobre o tema.(8) O tratamento desses fumantes é extremamente importante para diminuir os efeitos do tabagismo sobre a saúde dos dependentes e também reduzir os recursos financeiros necessários para o tratamento das doenças relacionadas ao tabaco.(5)
Em 2010, Ano do Pulmão, é urgente que todos os profissionais de saúde e, particularmente os pneumologistas, estejam unidos para disseminar informações, apoiar e implementar novas ações que contribuam para a prevenção, controle e tratamento do tabagismo. Ampliar o atual sistema de vigilância sobre a prevalência, incluindo crianças e adolescentes e as zonas rurais do país, vai permitir avaliar com mais segurança os efeitos das atuais medidas e das novas ações que forem implementadas.
Irma Godoy
Professora Adjunta da Disciplina de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu (SP) Brasil
Coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Referências
1. Malta DC, Moura EC, Silva SA, Oliveira PP, Costa e Silva VL. Prevalência do tabagismo em adultos residentes nas capitais dos estados e no Distrito Federal, Brasil, 2008. J Bras Pneumol. 2010;36(1):75-83 .
2. Monteiro CA, Cavalcante TM, Moura EC, Claro RM, Szwarcwald CL. Population-based evidence of a strong decline in the prevalence of smokers in Brazil (1989‑2003). Bull World Health Organ. 2007;85(7):527‑34.
3. Tanni SE, Iritsu NI, Tani M, de Camargo PA, Sampaio MG, Godoy I, et al. Risk perceptions and behavior among hospitalized patients with smoking-related diseases. Prev Chronic Dis. 2009;6(4):A138.
4. Mackay J, Eriksen M. The Tobacco Atlas. Geneva: WHO Press; 2002.
5. Shafey O, Eriksen M, Ross H, Mackay J. The Tobacco Atlas. 3rd ed. Geneva: WHO Press; 2008.
6. World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic 2009: Implementing Smoke-Free Environments. Geneva: WHO Press; 2009.
7. DiFranza JR, Savageau JA, Fletcher KE. Enforcement of underage sales laws as a predictor of daily smoking among adolescents: a national study. BMC Public Health. 2009;9:107.
8. Reichert J, Araújo AJ, Gonçalves CM, Godoy I, Chatkin JM, Sales MP, et al. Smoking cessation guidelines - 2008. J Bras Pneumol. 2008;34(10):845-80.