ABSTRACT
Objective: To analyze factors predictive of noncompliance with pulmonary tuberculosis treatment. Methods: A historical cohort study involving 481 of the 529 active tuberculosis patients registered with the Tuberculosis Control Program in the city of Cuiabá, located in the state of Mato Grosso, during the 1998-2000 period. Data were obtained by analyzing medical charts and registration records. In the bivariate analysis, the chi-square test was used to calculate noncompliance rate ratios (relative risk), 95% confidence intervals were determined, and Fisher's exact test was used. The choice to estimate the rate of incidence was the method of density and a multivariate logistic regression model was constructed in order to identify the variables that were most predictive of noncompliance, using a level of statistical significance of p < 0.05. Results: The global rate of incidence was 27.3%, equivalent to 5.1 noncompliant patients/100 patients/month, increasing in the second and third months of treatment. In the final logistic regression model, the following were considered predictors of noncompliance: unsupervised treatment (odds ratio: 2.58; 95% confidence interval: 1.64 - 4.06; p < 0.001); having been treated during the 1998-1999 period (odds ratio: 1.43; 95% confidence interval: 1.14 - 1.80; p = 0.002); being male (odds ratio: 1.39; 95% confidence interval: 1.10 - 1.76; p = 0.005) and having been out of compliance with previous treatment regimes (odds ratio: 1.37; 95% confidence interval: 1.06 - 1.78; p < 0.017). Conclusion: The results indicate an elevated incidence of noncompliance and show that unsupervised treatment, year in which treatment was received, male gender and prior noncompliance were predictors of future noncompliance.
Keywords:
Tuberculosis, pulmonary/therapy; Treatment refusal; Cohort studies
RESUMO
Objetivo: Analisar os fatores preditivos de abandono do tratamento da tuberculose pulmonar. Métodos: Estudo de coorte histórica a partir da análise de 481 pacientes bacilíferos, de um total de 529 casos inscritos no Programa de Controle de Tuberculose de Cuiabá (MT), de 1998 a 2000. Os dados foram obtidos do livro de registro do programa e dos prontuários médicos. Para o cálculo das taxas de incidência utilizou-se o método de densidade de incidência. Na análise bivariada utilizou-se o teste do qui-quadrado para razões de taxas de abandono (risco relativo) - Cornfield, ou o exato de Fisher. Foi construído um modelo de regressão logística multivariada visando a identificar as variáveis mais relevantes como preditoras da variável resposta (p < 0,05). Resultados: A incidência global de abandono foi de 27,3%, equivalente a 5,1 abandonos por 100 pessoas/mês, com maior freqüência entre o segundo e o terceiro meses de tratamento. No modelo final, pela regressão logística, foram considerados preditores para o abandono: tratamento não supervisionado (razão de chance: 2,58; intervalo de confiança 95%: 1,64 - 4,06; p < 0,001), ter realizado tratamento em 1998 e 1999 (razão de chance:1,43; intervalo de confiança 95%:1,14 - 1,80; p = 0,002), ser do sexo masculino (razão de chance:1,39; intervalo de confiança 95%:1,10 - 1,76; p = 0,005) e ter abandonado previamente tratamentos anteriores (razão de chance: 1,37; intervalo de confiança 95%:1,06 - 1,78; p = 0,017). Conclusão: Os resultados indicam elevada incidência de abandono, sendo considerados preditores: tratamento não supervisionado, ano de tratamento, sexo masculino e abandono prévio.
Palavras-chave:
Tuberculose pulmonar/terapia; Recusa do paciente ao tratamento; Estudos de coortes
INTRODUÇÃOO perfil epidemiológico da tuberculose no Estado de Mato Grosso não é diferente daquele do restante do Brasil. Em 1998, a incidência de indivíduos bacilíferos notificados foi de 27,9/100.000 habitantes, sendo que 72,6% apresentaram cura, 16,6% abandono de tratamento e 5,7% óbito, com diferenças marcantes nas diversas regiões do Estado. No município de Cuiabá (MT), dos 299 casos novos notificados em 1998, 143 foram bacilíferos, com um coeficiente de incidência de 31,9/100.000 habitantes, sendo que destes (faixa etária de quinze anos ou mais), 75,2% foram curados e 16,1% abandonaram o tratamento.(1)
O abandono do tratamento é considerado um dos mais sérios problemas para o controle da tuberculose, porque implica na persistência da fonte de infecção, e no aumento da mortalidade e das taxas de recidiva, além de facilitar o desenvolvimento de cepas de bacilos resistentes.(2-3) Existem vários níveis de abandono do tratamento, que vão de sua total recusa e do uso irregular das drogas até o não cumprimento da duração do tratamento.(4) Geralmente os fatores associados ao abandono estão relacionados com o doente, com a modalidade do tratamento empregado e com aqueles ligados aos serviços de saúde.(3,5-6)
Em Cuiabá, para melhorar a efetividade do Programa de Controle da Tuberculose iniciou-se, em 1998, a implantação do tratamento supervisionado, sendo que durante os anos 1999 e 2000 o processo foi efetivado em toda a rede pública de saúde do município. Considerando-se que o conhecimento da dinâmica relacionada ao abandono seja imprescindível para o efetivo controle da tuberculose, o objetivo deste estudo é identificar os fatores associados ao abandono do tratamento da tuberculose pulmonar bacilífera em Cuiabá, com o intuito de subsidiar as ações de saúde necessárias ao controle local da endemia.
MÉTODOS O estudo foi realizado nas dezoito unidades de saúde que possuíam o Programa de Controle da Tuberculose implantado em Cuiabá, no período de 1998 a 2000, dentre as 63 existentes no município no período estudado. Essas unidades faziam atendimento ambulatorial primário (onze centros de saúde), secundário (cinco policlínicas), possuíam serviço ambulatorial especializado para tratamento de tuberculose e síndrome da imunodeficiência humana (uma unidade), e tuberculose e hanseníase (uma unidade anexa ao hospital universitário), mediante demanda espontânea ou referenciada por outros serviços. Elas dispunham, essencialmente, de recursos humanos treinados para o atendimento: médicos e/ou enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde.
Foi realizado um estudo tipo coorte histórica de tratamento a partir da análise de todos os pacientes bacilíferos inscritos no Programa de Controle da Tuberculose. Procedeu-se à coleta de dados em dois momentos: os pacientes que iniciaram o tratamento antituberculose até junho de 2000 foram selecionados em dezembro de 2000, sendo que a coleta de seus dados ocorreu entre janeiro e abril de 2001; as informações dos pacientes que iniciaram o tratamento entre julho e dezembro de 2000 foram obtidas até 30 de junho de 2001.
O ponto de partida deste estudo foi o início do tratamento e as diferentes variáveis de exposição (aqui chamadas de preditoras). Somente após esta classificação é que se identificou o desfecho (abandono/não abandono). Os prontuários incluíam o tempo de seguimento, ou seja, desde que identificado o mês de início de tratamento de cada paciente, aqueles que completavam o tratamento representaram a densidade de seis pessoas/mês e, os demais, de uma a cinco pessoas/mês. Os dados foram coletados através de formulário individual padronizado e armazenados em um banco de dados específico do programa Epi-info versão 6.0. Foi realizada digitação dupla e, em seguida, utilizado o aplicativo Validate deste mesmo software para a checagem da consistência dos dados e eliminação dos erros de digitação.
Constituíram abandono do tratamento todos os casos em que o paciente deixou de tomar os medicamentos antituberculose por mais de 30 dias consecutivos,(7) e abandono prévio os casos em que o paciente reingressou no sistema para o tratamento de tuberculose após alta por abandono.
Considerou-se tratamento supervisionado a terapia que consiste na administração direta do medicamento para tuberculose por um profissional de saúde, que entrega, observa e registra a ingestão de cada medicação, realizada na unidade de tratamento, ou no domicílio por agente comunitário de saúde. As modalidades do tratamento supervisionado foram divididas em três subgrupos: supervisionado, semi-supervisionado e estritamente supervisionado.
O supervisionado consistiu na observação e registro da ingestão do medicamento específico nos dois primeiros meses de tratamento diário (sábado e domingo auto-administrado) e nos quatro últimos meses de tratamento duas ou três vezes por semana (sábado e domingo auto-administrado). Considerou-se semi-supervisionado o tratamento com supervisão e registro da ingestão do medicamento específico por menos de quinze dias. O tratamento foi considerado estritamente supervisionado quando da observação e registro da ingestão do medicamento todos os dias (sábado e domingo auto-administrado) durante os seis meses de tratamento, e não supervisionado quando os medicamentos específicos para tuberculose foram auto-administrados pelo paciente.
Foram considerados no estudo todos os pacientes residentes no Município de Cuiabá e inscritos no Programa de Controle da Tuberculose com diagnóstico confirmado de tuberculose pulmonar bacilífera, com idade igual ou acima de quinze anos, tratados com esquemas de curta duração: Esquema I (indicado para casos novos) - primeira fase (dois meses) RHZ e segunda fase (quatro meses) RH (Rifampicina/R; Isoniazida/H; Pirazinamida/Z); Esquema IR (indicado nos casos de retratamento) - primeira fase (dois meses) RHZE e segunda fase (quatro meses) RHE (Etambutal/E), num total de 529 casos. Desse total, fizeram parte do estudo 481 pacientes. Os outros 48 casos foram excluídos devido à falência de tratamento (n = 14), transferência (n = 12) e ocorrência de óbitos no período do estudo (n = 22).
Os dados foram obtidos do livro de registro do programa normatizado pelo Ministério da Saúde, dos prontuários médicos de cada paciente e dos formulários de registro da supervisão dos medicamentos e encaminhamento da unidade de confirmação do diagnóstico. Para categorizar as modalidades de tratamento supervisionado foram comparadas as informações dos prontuários com as dos formulários de supervisão das doses. Quando as doses eram registradas como supervisionadas no formulário e no prontuário constavam como "levou para casa", a informação era categorizada como "doses não-supervisionadas". O mesmo critério foi estabelecido para as modalidades semi-supervisionado e estritamente supervisionado, obedecendo às definições empregadas no presente estudo.
Os prontuários foram escolhidos como fonte de dados mais relevante pela maior riqueza de informações anotadas pelos profissionais do atendimento ao paciente. Para minimizar o problema dos registros "sem informação", foram utilizadas as listas de casos confirmados do Banco de Dados da Coordenaria da Atenção Básica à Saúde da Fundação de Saúde Cuiabá.(8) As informações referentes à confirmação da baciloscopia direta, ou da cultura específica e presença ou não de cavitação pulmonar ao exame radiológico, foram obtidas através da leitura dos resultados dos exames anexados ao prontuário de cada paciente estudado.
Utilizou-se para a idade a divisão em quatro categorias de faixa etária (15 a 29; 30 a 49; 50 a 59 e 60 anos ou mais), mantendo-se a faixa de 60 anos ou mais como referência. Para a escolaridade realizou-se a divisão primeiramente em três categorias (analfabeto, ensino fundamental, ensino médio ou maior), utilizando-se a categoria de escolaridade ensino médio ou maior como referência.
Com relação à variável dependente, o grupo de estudo foi constituído de pacientes que realizaram o tratamento por tempo inferior a cinco meses (abandono), sendo que o grupo de comparação contemplou todos que fizeram o tratamento completo, ou seja, os seis meses de tratamento (não abandono).
Idade, sexo, escolaridade, efeitos adversos, presença de cavitação pulmonar, tratamento anterior, abandono prévio, recidiva, hospitalização, mês de abandono e modalidade de tratamento constituíram as variáveis de exposição. Foi incluída no estudo a variável "ano de tratamento" para efeito de comparação entre o ano de 1998 (antes do tratamento supervisionado) e os anos de 1999 e 2000 (com o tratamento supervisionado). Não foi possível estudar as variáveis relacionadas à ocupação e indicadores socioeconômicos, por não estarem presentes na maioria dos registros dos prontuários.
Para se medir as razões de taxa de incidência (risco relativo) de expostos e não expostos ao abandono do tratamento foram realizadas as análises bivariada e regressão multivariada. Já para o cálculo destas taxas, optou-se pela realização do método de densidade de incidência.(8-10) Neste método, primeiramente é calculado o número de pessoas/tempo de exposição, a partir do momento em que foi dado o evento de interesse (abandono). Neste caso, o período de observação de cada indivíduo foi calculado levando-se em conta a data de início do tratamento e estendeu-se até a confirmação do caso de abandono ou até o final do tratamento, quando as pessoas permaneceram em tratamento durante os seis meses, considerados como de tratamento completo de tuberculose.
Inicialmente, foi realizada a análise bivariada centrada nos testes de associação entre a(s) variável(eis) independente(s) e a variável resposta (abandono ou não abandono), para a identificação das principais variáveis associadas ao abandono de tratamento. Finalmente, foi construído um modelo de regressão logística multivariada, através do programa SPSS versão 9.0, visando a ajustar melhor as variáveis preditoras da variável resposta.
Para a seleção das variáveis independentes incluídas na regressão, testou-se individualmente cada variável no modelo, verificando-se os seguintes critérios de inclusão no modelo multivariado: variáveis em que foi encontrado nível descritivo de significância menor ou igual a 0,20 na análise bivariada; variáveis que, apesar de apresentarem valor de p > 0,20 na análise bivariada, tiveram relevância na literatura e foram julgadas importantes a priori (sexo, escolaridade, tratamento anterior de tuberculose). Estas variáveis foram mantidas durante todo o processo da análise multivariada, sendo retiradas apenas na elaboração do modelo final, já que sua retirada não alterou a significância daquelas que permaneceram no modelo final.
O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso.
RESULTADOSDos 481 pacientes estudados, 308 eram do sexo masculino (64%) e 173 do feminino (36,0%). O abandono do tratamento de tuberculose foi maior entre os homens, (94; 30,5%). A média de idade dos pacientes foi de 39,9 anos para o sexo masculino e 37,5 anos para o feminino. Verificou-se que o abandono de tratamento foi proporcionalmente semelhante em todas as faixas etárias, embora a faixa etária entre 30 e 49 anos tenha apresentado valor um pouco maior. A incidência de abandono no período do estudo foi de 27,3%, sendo que o percentual de abandono dos indivíduos em retratamento foi de 39%.
O total de pessoas/mês analisado durante o período do estudo foi de 2.456, sendo 362 pessoas/mês com abandono e 2.094 que não abandonaram o tratamento. A maior freqüência de abandono ocorreu entre o segundo e o terceiro meses de tratamento, com percentual acumulado de 75,8% (Tabela 1), com média de duração de seguimento entre os abandonos de 2,7 meses e mediana e moda de 3 meses.
O percentual de abandonos dos pacientes com história de internação hospitalar devido à doença e à ocorrência de efeitos adversos das drogas antituberculose foram semelhantes, da ordem de 23% e 24,3%, respectivamente. Não foram evidenciadas quaisquer diferenças estatisticamente significativas entre as seguintes variáveis: hospitalização, efeitos adversos e cavitação pulmonar.
Na Tabela 2 pode ser observado que a densidade de incidência de abandono foi maior no sexo masculino (6,10 versus 4,15 por 100 pessoas/mês) do que no feminino e esta diferença foi estatisticamente significativa (risco relativo de 1,47; p = 0,047). A comparação entre as quatro faixas etárias originalmente classificadas não demonstrou qualquer diferença estatisticamente significativa. Nesse mesmo sentido, ao se reagrupar as faixas etárias em 15 a 49 anos e 50 anos ou mais, o resultado permaneceu sem significância estatística (p = 0,419). Quanto à escolaridade, evidenciou-se uma diferença estatisticamente limítrofe com a categoria dos indivíduos com o ensino fundamental (risco relativo de 1,53; p = 0,058). Ao se agrupar os indivíduos analfabetos com aqueles que tinham até o ensino fundamental, a densidade de incidência de abandono foi maior entre os pacientes com menor escolaridade e esta diferença foi estatisticamente significativa (risco relativo de 1,56; p = 0,043). Quanto ao motivo do tratamento, observou-se que nos pacientes com história de abandono prévio de tuberculose, a densidade de abandono foi quase três vezes maior do que naqueles considerados como virgens de tratamento (categoria de referência) (13,97 versus 4,73 por 100 pessoas/mês), e esta diferença foi estatisticamente significativa (risco relativo de 2,89; p < 0,001).
Elegendo-se o tratamento estritamente supervisionado como de referência e comparando-o com os demais (Tabela 3), observa-se que a maior chance de abandono esteve estatisticamente associada somente ao tratamento não supervisionado (p = 0,002). Os tratamentos supervisionados e semi-supervisionados não se mostraram estar mais associados ao abandono que o tratamento estritamente supervisionado. Desse modo, foram agrupados todos os indivíduos que tiveram tratamento supervisionado e comparados com aqueles com tratamento não supervisionado. Nesta nova comparação, observa-se que houve 2,41 vezes mais abandono entre os indivíduos que tiveram o tratamento não supervisionado. Nota-se nesta mesma tabela que, quanto ao ano de tratamento, houve uma redução na incidência de abandono nos anos de 1999 e 2000 (com o tratamento supervisionado), quando em comparação com o ano de 1998 (5,99 versus 10,93 por 100 pessoas/mês).
Encontram-se na Tabela 4 as variáveis mais importantes como preditoras da presença de abandono (variável de desfecho), com o uso da regressão logística múltipla: modalidade de tratamento não supervisionado/supervisionado (razão de chance de 2,58; intervalo de confiança 95%: 1,64 - 4,06; p < 0,001); seguida do ano de realização do tratamento - 1998/1999 e 2000 (razão de chance de 1,43; intervalo de confiança 95%: 1,14 - 1,80; p = 0,002); sexo - masculino/feminino (razão de chance de 1,39; intervalo de confiança 95%: 1,10 - 1,76; p = 0,005); e, por último, aqueles pacientes com história de abandono prévio do tratamento da tuberculose (razão de chance de 1,37; intervalo de confiança 95%: 1,06 - 1,78; p = 0,017).
DISCUSSÃOA incidência global de abandono foi de 5,1 abandonos por 100 pessoas/mês. Isto equivale a 27,3% de abandono entre todos aqueles que fizeram tratamento nos anos de 1998, 1999 e 2000, resultado concordante com outros estudos, cujos percentuais encontrados variam entre 6,8% e 33,8%.(5,11-12) No entanto, para o município de Cuiabá,(1) segundo avaliação realizada através dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, os abandonos de casos bacilíferos foram menores (maiores de quinze anos), representando 16,1%, com declínio acentuado em 1999 e 2000 (7,7% e 4,9%, respectivamente).
Uma questão importante no controle do abandono é o conhecimento do mês da sua ocorrência. Geralmente os pacientes sentem-se em bom estado geral e praticamente sem sintomas clínicos ao final do primeiro e no início do segundo mês de tratamento. A partir daí, o risco de abandono aumenta, pois muitos dos pacientes acham que já estão livres da doença, uma vez que se encontram assintomáticos.(11-12) Pelos dados analisados neste estudo, o abandono do tratamento ocorreu, na grande maioria dos casos, entre o segundo e o terceiro meses do esquema terapêutico (21,2% e 36,4%, respectivamente). O percentual de abandono acumulado chegou a 75,8% até o final do terceiro mês de tratamento, o que reforça a observação citada anteriormente (quando o paciente não sente mais os sintomas da doença, o abandono aumenta). Semelhante percentual foi descrito em um estudo em que o abandono ocorreu no segundo e terceiro meses do tratamento, com 48 ocorrências (61,5%).(2) Deve-se considerar, também, que os doentes quando interrompem o tratamento por mais de dois meses ficam mais susceptíveis ao desenvolvimento de resistência aos tuberculostáticos.(12-14)
Quanto à distribuição do abandono em relação ao sexo, no presente estudo a maior incidência de abandono dos pacientes ocorreu no sexo masculino, com diferença estatisticamente significativa. Outros autores também mostraram diferença significativa entre os sexos, considerando o sexo masculino como preditor de abandono.(15-16)
Foi importante o grau de escolaridade na incidência de abandono, pois indivíduos de baixo nível de escolaridade (analfabeto e ensino fundamental) abandonaram 79,5% mais o tratamento do que os demais, apesar deste dado não ter sido importante na análise multivariada. Estes resultados são concordantes com aqueles encontrados por outros autores, que mostraram associação entre pacientes com baixa escolaridade e abandono somente na análise bivariada.(2) Outros estudos indicam, também, a existência de baixa escolarização (analfabetos funcionais) como preditora de abandono.(14,17)
Dentre as características clínicas dos indivíduos estudados, a hospitalização foi considerada como indicador de gravidade da doença, e foi analisada para se verificar se estaria ou não influenciando no abandono do tratamento. Os resultados mostraram que não foi detectada nenhuma associação entre estas duas variáveis, enquanto que a literatura refere a hospitalização como preditora para o abandono.(2,5)
Porém, o papel da hospitalização nos indivíduos portadores de tuberculose é questionado quanto a poder proporcionar uma melhor adesão ao tratamento ou não. O estar internado pode estar mais associado ao abandono, já que quanto menos efetivo o tratamento, maior a chance de piora de prognóstico, ou seja, maior a gravidade da doença. Por outro lado, a percepção da gravidade da doença pelo paciente pode levar a um menor abandono do tratamento.
Os efeitos colaterais do esquema medicamentoso utilizado para o tratamento da tuberculose são conhecidos e, quando acontecem, trazem transtornos em nível individual. Embora fosse esperado que indivíduos que relatassem intolerância farmacológica tivessem maior probabilidade de abandono, neste estudo não foi encontrada associação entre a presença de efeitos adversos e o abandono, resultado concordante com outros estudos.(5,18)
Atualmente, as referências quanto aos efeitos adversos das drogas antituberculosas são publicadas sob a forma de revisões, relatos sobre efeitos ou focalizando uma única droga.(5,19) A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia recomenda estudos nacionais controlados e desenvolvidos na rotina dos serviços, com o intuito de se identificar os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento de reações adversas aos medicamentos antituberculose, tais como: idade, etilismo, desnutrição, história de doença hepática prévia e a co-infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (1997).(20)
Outro dado clínico importante que o paciente apresenta, e serve como critério de gravidade da agressão pulmonar pelo bacilo, estando relacionado às suas características imunológicas, é a presença de cavitação pulmonar. Do indivíduo conhecedor da gravidade da doença, dada pelo aspecto radiológico com lesão cavitária, poderia se esperar uma maior adesão ao tratamento. No entanto, alguns autores registram que a gravidade reduz a adesão ao tratamento, o que pode explicar a permanência do paciente crônico no sistema.(18-20) Porém, pelos resultados encontrados neste estudo e em outro,(21) não se detectaram diferenças entre esta variável e o abandono.
Os resultados indicam como importante indicador de qualidade do Programa de Controle da Tuberculose a variável abandono prévio, a qual permaneceu como preditora de abandono na análise multivariada. Outros autores, de modo semelhante a este estudo, encontraram associação significativa entre o abandono do tratamento e pacientes provenientes de retratamento por abandono prévio.(3-5)
O processo da resistência na tuberculose torna-se extremamente grave para os pacientes com tratamento prévio, levando a insucesso do tratamento. Para muitos destes pacientes as lesões tuberculosas pulmonares avançam por reativações repetidas e por tratamentos inadequados, os quais favorecem o aparecimento de cepas mutantes resistentes do M. tuberculosis a uma ou mais drogas.(14,22) Um estudo realizado em Recife (PE) (23) revela que o retratamento para tuberculose apresenta percentual total de resistência em torno de 39,7%. Neste sentido, a informação contínua e esclarecedora é parte fundamental do sucesso do Programa de Controle da Tuberculose, principalmente para os pacientes com história de abandono passado de tuberculose, os quais devem ser tratados como grupo prioritário, na tentativa de se evitar o agravamento da formação da resistência bacteriana, o que pode levar ao insucesso total do programa.
Quando se analisa a influência da modalidade do tratamento no abandono do tratamento da tuberculose, os resultados mostram que a incidência de abandono foi menor nos grupos supervisionados. Entre os indivíduos com tratamento não supervisionado a chance de abandono foi 2,41 vezes maior, permanecendo esta modalidade de tratamento como maior preditora de abandono neste estudo. Há que se ressaltar, também, que o tratamento semi-supervisionado e o tratamento estritamente supervisionado apresentaram incidências de abandono quase semelhantes (2,57 e 2,38, respectivamente), o que leva à hipótese de que o tratamento semi-supervisionado, mesmo sendo menos rigoroso quanto à supervisão dos medicamentos ingeridos, parece ser tão efetivo quanto o tratamento estritamente supervisionado, fato que é corroborado por outro estudo.(24)
Experiências em nível nacional e internacional mostraram redução nas incidências de abandono com a estruturação da modalidade supervisionada para o tratamento da tuberculose.(25-27) A proposta do tratamento supervisionado coloca-se como uma estratégia para assegurar a adesão ao tratamento, visto que exige a supervisão das doses ingeridas pelo paciente das medicações antituberculosas.(28) A grande vantagem do tratamento supervisionado na questão do abandono é que essa modalidade de terapêutica identifica o problema no início, permitindo, assim, uma ação corretiva imediata. No caso do tratamento não supervisionado, o abandono usualmente se torna aparente somente quando o paciente falha em retirar as suas medicações, falta à consulta médica ou admite não estar tomando as medicações prescritas, o que determina demora na intervenção da ação da equipe de saúde.
A menor incidência de abandono verificada nos anos de 1999 e 2000 em relação ao ano de 1998 pode justificar uma melhoria do desempenho do programa com a adoção do tratamento supervisionado, indicando o melhor controle sobre o abandono do tratamento. A abordagem deste estudo, visando a identificar os fatores associados ao abandono do tratamento da tuberculose em Cuiabá, traz à luz, diante dos resultados das modalidades do tratamento supervisionado, o início de uma discussão mais ampla sobre a factibilidade do emprego do tratamento supervisionado na prática dos serviços. Para que o tratamento supervisionado não seja visto somente como supervisão da administração de medicamentos, mas como um corpo de medidas confirmadas pela prática, que se complementem pelos pilares definidos pela Organização Mundial da Saúde, como prover a regularidade das drogas e a garantia de um sistema de registro de dados e informações que assegure, inclusive, a avaliação da efetividade do programa,(29-30) como também um maior envolvimento entre os profissionais de saúde, serviço e comunidade para que ocorra, de fato, maior impacto do
Programa de Controle da Tuberculose, principalmente na identificação e tratamento dos bacilíferos, por estarem estes sujeitos ao maior risco de enfermidade, pela evolução da infecção.
Devem-se considerar as limitações do método empregado, que podem ter permitindo a ocorrência de alguns prováveis vieses, como: viés de seleção (população altamente exposta ao fator de risco para os melhores tratamentos - tratamento supervisionado; população menos exposta para os tratamentos menos rígidos - tratamento não supervisionado) - por outro lado, pacientes com melhor escolaridade e nível socioeconômico podem ter sido mais indicados para o tratamento não supervisionado; viés de informação (qualidade dos registros, quando o responsável pelo registro da informação sabe da gravidade da doença do paciente, as informações sobre este indivíduo podem ser mais criteriosas quando comparadas com os indivíduos com melhores prognósticos); confusão (nos estudos de coorte a confusão só pode ser prevenida na fase de desenho do estudo, através da realização da restrição ou pareamento, o que foi impossível de se rea-lizar neste estudo) - no entanto, realizou-se a estratificação e regressão logística na tentativa de se minimizar este efeito. Também se deve considerar a qualidade das informações, já que se trata de uma coorte histórica, e os dados são de fontes secundárias (livros, prontuários e formulários do serviço).
Os resultados aqui apresentados permitem concluir que é alta a incidência de abandono do tratamento da tuberculose em Cuiabá, sendo considerados como preditores: tratamento não supervisionado, sexo masculino e abandono prévio. A variável ano de tratamento (implantação e implementação) também se mostrou importante no modelo final, indicando a melhora do serviço nos dois últimos anos avaliados no presente estudo.
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* Trabalho realizado na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil.
1. Professora Mestre da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Cuiabá - UNIC - Cuiabá (MT) Brasil.
2. Professor Mestre da Universidade de Várzea Grande - UNIVAG - Cuiabá (MT) Brasil
3. Professor Doutor da Faculdade de Ciências Médicas e do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - Cuiabá (MT) Brasil
Endereço para correspondência: Clóvis Botelho. Rua Dr. Jonas Correa da Costa, 210 - CEP: 78030-510, Cuiabá (MT) Brasil.
Tel.: 55 65 637.1471; Fax: 55 65 637 7539. E-mail: fbotelho@terra.com.br
Recebido para publicação em 3/12/04. Aprovado, após revisão, em 8/4/05.