Na história da Medicina, a descoberta de cada tratamento é pontuada de avanços iniciais com euforia, recuos com decepção e posterior retomada com readaptação. A introdução de técnicas inovadoras com posterior abandono por morbidade ou mortalidade alta, com resgate posterior com modificação, como no caso da cirurgia redutora de pulmão, que só se tornou viável com a introdução da sutura mecânica, que permitiu diminuir a chance de fístulas broncopleurais, é um dos exemplos que vivenciamos no dia a dia da Pneumologia.
No carcinoma pulmonar a história não é diferente. Em relação ao carcinoma de células pequenas, no início o tratamento de escolha era a cirurgia, mas a observação da não melhora no tempo de sobrevida de 3 a 4 meses entre os pacientes tratados e os não tratados, foi substituído por radioterapia, com melhora da sobrevida para 6 meses, e posteriormente com a introdução da quimio-terapia sistêmica subiu para 14 meses.(1)
Houve pouca modificação no tratamento do carcinoma de células pequenas nas últimas décadas pela alta taxa de resposta do esquema com cisplatina e etoposide, impedindo o teste com novas drogas, que precisa ser superior na taxa de resposta em relação ao esquema já existente. Nos últimos anos a esperança recai sobre a droga irinotecan, derivado da camptotecina que é inibidor da enzima nuclear topoisomerase 1. Essa droga teve dificuldade de ser introduzido na prática clínica pelo efeito colateral importante de diarréia e mielossupressão.(2)
Em relação ao carcinoma de células não pequenas de pulmão, estão sendo feitos investimentos milionários na pesquisa de novos produtos para tratamento sistêmico, visto que a maioria dos pacientes chegam em estágio localmente avançado ou com metástases à distância, tornando-os fora de possibilidade cirúrgica, que é ainda considerado a única modalidade de tratamento curativo.
A razão do grande investimento está nos números apresentados pela Organização Mundial da Saúde que estima que haja atualmente 10 milhões de casos novos por ano de carcinoma pulmonar, e que aumentará para 15 milhões em 2020. Há cerca de 6 milhões de morte por câncer por ano, o que corresponde a 12% de todas as mortes, sendo o câncer de pulmão a causa mais comum de morte por câncer (17% do total).(3)
Apesar dos programas de prevenção, rastreamento para diagnóstico precoce, novas técnicas cirúrgicas com introdução de videotoracoscopia, radioterapia conformacional, braquiterapia, novos esquemas de quimioterapia e novas drogas, a sobrevida em 5 anos de carcinoma pulmonar não tem se modificado nas últimas décadas, beirando os 14%.(4)
Mesmo os que estão em estágio precoce, 1/3 dos pacientes apresentam recidiva após cirurgia com doença à distância, levando a necessidade de quimioterapia adjuvante para controlar as micrometástases, provavelmente presente na maioria dos pacientes com carcinoma de células não pequenas de pulmão.
Dada à magnitude do problema do carcinoma pulmonar, ele é sempre o primeiro alvo na pesquisa pré-clínica e clínica de uma nova molécula descoberta, na tentativa de identificar algum tratamento ou uma nova droga que consiga modificar a história natural dessa doença.
Na década de 80 houve a introdução da cisplatina que trouxe uma nova esperança na quimioterapia para carcinoma pulmonar, pois os esquemas existentes até lá, a taxa de resposta em doença metastática era de cerca de 11%.(5) No início houve dificuldade de dar altas doses pela emese importante e nefotoxicidade, tornando-o impeditivo para uso terapêutico. Entretanto após a descoberta do antiemético, os antagonistas da serotonina como o ondansetron, a cisplatina tornou-se a droga padrão para combinações com outros quimioterápicos.(6)
Por um bom tempo quimioterapia para carcinoma pulmonar de células não pequenas avançado era considerado inefetivo e altamente tóxico, mas uma meta-análise comparando com tratamento de suporte, a quimioterapia teve ganho na sobrevida. Em estudos randomizados, além de melhorar a qualidade de vida, diminuiu os sintomas e diminuiu o tempo de hospitalização.(7)
Na última década surgiram os quimioterápicos de segunda geração, as taxanas, vinorelbine e gencitabina, que associados à cisplatina, mostraram melhor taxa de resposta que as combinações anteriores com mitomicina e vinblastina ou etoposide. Contudo as novas combinações foram semelhante entre si, com taxa de sobrevida em 1 ano de 33 a 43% na doença avançada.(8)
Na tentativa de melhorar a sobrevida do grupo de pacientes no estágio IIIA e IIIB, que submetidos à cirurgia apresentavam recidiva precoce, foi iniciado estudo randomizado para verificar o papel da quimioterapia pré-operatória (neoadjuvância). Os primeiros trabalhos mostraram melhora significativa de sobrevida,(9) contudo em estudos mais recentes o benefício dessa modalidade terapêutica estaria restrita para pacientes com comprometimento linfonodal somente em uma cadeia. Observou-se uma alta taxa de morbidade pós-operatória dos pacientes que haviam recebido quimioterapia prévia e taxa de mortalidade aumentada para aqueles submetidos à pneumectomia.(10)
Por outro lado, neste início da década, foram publicados ensaios clínicos com quimioterapia pós-operatória (adjuvante), em pacientes nos estágios IB, II e IIIA, baseados no princípio que o carcinoma pulmonar é uma doença sistêmica e, portanto se beneficiaria de um tratamento sistêmico.(11-12) Contudo os primeiros trabalhos não conseguiram mostrar benefício na terapia adjuvante, até a conclusão do trabalho publicado por Arriagada et al., no The New England Journal of Medicine de 2004, pelo IALT (International Adjuvant Lung Trial), que conseguiu demonstrar benefício absoluto de 5% em 5 anos com quimioterapia baseada em cisplatina.(13)
No ano de 2004, foi lançada a nova droga citotóxica, um antifolato, o premetrexede. O methotrexate, um antifolato, foi descoberto nos anos 40, mas o mecanismo da droga só foi descoberto 10 anos mais tarde. Os novos antifolatos foram descobertos nos anos 80, mas foram abandonados pela nefrotoxicidade, e mielossupressão imprevisível, mas com a suplementação de vitamina B12 e ácido fólico conseguiu-se um índice terapêutico favorável, com pouca toxicidade hematológica, tornando-se uma droga promissora para o tratamento de carcinoma pulmonar, além do mesotelioma.(3)
Com o desenvolvimento da biologia molecular a pesquisa se voltou para o tratamento alvo do carcinoma em geral. O marco inicial foi a resposta benéfica demonstrada do inibidor de tirosinocinase dos receptores do fator de crescimento epidérmíco (EGFR), o imatinibe, que foi utilizado no tratamento de leucemia mielóide crônica.(14) Não é esperado que nenhuma das drogas alvo irá transformar o tratamento de carcinoma pulmonar, porque nenhum evento molecular único é comum no carcinoma pulmonar. A heterogeneidade dos eventos moleculares em carcinoma pulmonar de células não pequenas e sua relação com novas drogas alvo, são demonstradas pelo achado que mutação de EGFR é comum apenas na minoria dos tumores que responderam a inibidores do EGFR. Entendimentos incompletos das drogas alvos podem conduzir a resultados desapontadores em estudos clínicos. No caso de inibidores da angiogênese que foi lançado para estudo clínico, o bevacizumabe, na fase de ensaio clínico, os pacientes com carcinoma epidermóide com tumor central apresentaram hemoptise fatal, o que necessitou restringir a indicação.(15) Atualmente é acreditado que a terapia alvo seja mais citostático que tumoricida e, portanto a sua função seria de estabilizar o tumor mais que reduzir. O futuro para novas terapias nos tumores sólidos comuns reside em predizer resposta e selecionar agentes alvo.
A necessidade de novos tratamentos está claro pelos resultados com drogas disponíveis no momento. Portanto qualquer tentativa de encontrar uma droga ativa, para melhorar o índice de mortalidade do carcinoma pulmonar, não deixa de ser uma grande contribuição na atualidade, como no trabalho desenvolvido por Fisher et al.,(16) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, baseado em substância encontrada em várias plantas, o álcool perílico.
Ainda é um trabalho pré-clínico, portanto pode levar anos até chegar ao uso clínico, mas o entendimento das alterações celulares causadas pelas substâncias que podem tornar-se um quimioterápico, pode contribuir para o entendimento da natureza do próprio tumor.
REFERÊNCIAS
1. Johnson DH, Greco FA. Small cell carcinoma of the lung. Crit Rev Oncol Hematol. 1986;4(4):303-36.
2. Kudoh S, Nakamura S, Nakano T, Komuta K, Isobe T, Katakami N, et al. Irinotecan and etoposide for previously untreated extensive-disease small cell lung cancer: a phase II trial of West Japan Thoracic Oncology Group. Lung Cancer. 2005;49(2):263-9.
3. Newell DR. How to develop a successful cancer drug-molecules to medicines or targets to treatments? Eur J Cancer. 2005;41(5):676-82.
4. Shepherd FA. A targeted approach to reducing lung cancer mortality. J Clin Oncol. 2005;23(14):3173-4.
5. Buccheri G, Ferrigno D, Rosso A, Vola F. Further evidence in favor of chemotherapy for inoperable non-small-cell lung cancer. Lung Cancer. 1990;6(3-4):87-98.
6. Cosaert J, Quoix E. Platinum drugs in the treatment of non-small-cell lung cancer. Br J Cancer. 2002;87(8):825-33.
7. Marino P, Pampallona S, Preatoni A, Cantoni A, Invernizzi F. Chemotherapy vs supportive care in advanced non-small-cell lung cancer. Results of a meta-analysis of the literature. Chest. 1994;106(3):861-5.
8. Schiller JH, Harrington D, Belani CP, Langer C, Sandler A, Krook J, et al. Comparison of four chemotherapy regimens for advanced non-small cell lung cancer. N Engl J Med. 2002;346(2):92-8.
9. Rosell R, Felip E, Maestre J, Sanchez JM, Sanchez JJ, Manzano JL, et al. The role of chemotherapy in early non-small-cell lung cancer management. Lung Cancer. 2001;34 Suppl 3:S63-74.
10.Martin J, Ginsberg RJ, Venkatraman ES, Bains MS, Downey RJ, Korst RJ, et al. Long-term results of combined-modality therapy in resectable non-small-cell lung cancer. J Clin Oncol. 2002;20(8):1989-95.
11. Pisters KM, Le Chevalier T. Adjuvant chemotherapy in completely resected non-small-cell lung cancer. J Clin Oncol. 2005;23(14):3270-8.
12. Scagliotti GV, Fossati R, Torri V, Crino L, Giaccone G, Silvano G, et al. Randomized study of adjuvant chemotherapy for completely resected stage I, II, or IIIA non-small-cell lung cancer. J Natl Cancer Inst. 2003;95(19):1453-61.
13. Arriagada R, Bergman B, Dunant A, Le Chevalier T, Pignon JP, Vansteenkiste J; International Adjuvant Lung Cancer Trial Collaborative Group. Cisplatin-based adjuvant chemotherapy in patients with completely resected non-small cell lung cancer. N Engl J Med. 2004;350(4):351-60.
14. Rosell R, Felip E, Garcia-Campelo R, Balaña C. The biology of non-small-cell lung cancer: identifying new targets for rational therapy. Lung Cancer. 2004;46(2):135-48.
15. Herbst RS, Onn A, Sandler A. Angiogenesis and lung cancer: prognostic and therapeutic implications. J Clin Oncol. 2005;23(14):3243-56.
16. Fischer JSG, Silva MSM, Paschoal ME, Gatass CR, Carvalho PC, Carvalho MGC. Efeito do álcool perílico na expressão gênica de células de adenocarcinoma de pulmão humano. J Bras Pneumol. 2005;31(6):511-5.
Teresa Yae Takagaki
Chefe do Grupo de Neoplasia Pulmonar da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP- São Paulo (SP)- Brasil.