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Artigo Original

Prevalência e características do tabagismo em jovens da Universidade de Brasília

Prevalence and characteristics of smoking among youth attending the University of Brasília in Brazil

Ana Paula Alves de Andrade, Ana Cláudia Corsini Bernardo, Carlos Alberto de Assis Viegas, Denise Bastos Lage Ferreira, Thais Cabral Gomes, Mariana Ramos Sales

ABSTRACT

Objective: To determine the prevalence of smoking and to describe the profile and smoking habits of students attending the Universidade de Brasília (University of Brasília) in Brasília, Brazil. Methods: A total of 1341 students responded to a smoking questionnaire, adapted from the World Health Organization questionnaire, including questions directed at smokers, former smokers and nonsmokers. Twenty different courses in the areas of health, exact sciences and human sciences were evaluated. The students included in the study were duly enrolled in day courses and were evaluated during the second semester of 2003. Results: The overall prevalence of smoking was 14.7%. Approximately 80.8% of the students were nonsmokers, and 4.5% were former smokers. In the study sample, 57.3% of the students were male. No significant difference (p > 0.05) in the prevalence of smoking was observed in terms of gender or class year. The mean age of the study population was 21.6 ± 3.6 years, and the mean age at which the smoking habit was acquired was 17 ± 2.8 years. The percentage of smokers was higher in the Geology, Communication, and History courses (32.9, 26.3 and 24.4%, respectively). Mean consumption was 7.5 cigarettes per day. The majority (72.6%) of the students used commercial cigarettes rather than other types of tobacco. Conclusion: The high prevalence of smoking observed in the present study is similar to that reported for other universities and indicates the need for smoking control policies in university environments.

Keywords: Smoking/epidemiology; Students; Questionnaires

RESUMO

Objetivo: Conhecer a prevalência do tabagismo e descrever o perfil e hábitos do consumo tabágico entre alunos da Universidade de Brasília. Métodos: Responderam a um questionário adaptado sobre tabagismo, da Organização Mundial da Saúde, com perguntas dirigidas a fumantes, ex-fumantes e não fumantes, 1.341 alunos. Foram avaliados vinte cursos diferentes pertencentes às áreas de ciências da saúde, exatas e humanas. No momento da pesquisa, os universitários estavam cursando o segundo semestre letivo de 2003, devidamente matriculados no período diurno. Resultados: A prevalência de tabagismo foi de 14,7%. Cerca de 80,8% dos alunos não eram fumantes e 4,5% foram classificados como ex-fumantes. Da amostra total, 57,3% eram homens. Não houve diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) na prevalência de tabagismo entre os sexos ou períodos cursados. A média de idade da população estudada foi de 21,6 ± 3,6 anos, com idade média de início do tabagismo de 17 ± 2,8 anos. Os cursos de Geologia, Comunicação e História apresentaram as maiores prevalências de fumantes com 32,9%, 26,3% e 24,4%, respectivamente. Foi observado consumo médio de 7,5 cigarros por dia. O cigarro industrializado foi citado como o tipo de tabaco mais comumente utilizado entre os universitários (72,6%). Conclusão: Esta alta prevalência assemelha-se às de outros centros universitários e demanda políticas de controle do tabagismo nos meios universitários.

Palavras-chave: Tabagismo/epidemiologia; Estudantes; Questionários

INTRODUÇÃO

O tabagismo é, hoje, considerado como uma pandemia silenciosa, uma vez que, atualmente, a cada ano, morrem cerca de 4 milhões de pessoas em todo o mundo de doenças relacionadas ao tabaco.(1-3) Acredita-se que, se não forem tomadas medidas adequadas para o controle dessa pandemia, próximo ao ano de 2020 o tabagismo será responsável por 10 milhões de mortes por ano, com proporção de uma em cada seis pessoas consumidoras de tabaco mundialmente.(1-2,4) Desses óbitos, 7 milhões ocorrerão nos países em desenvolvimento. No Brasil, o panorama não é diferente: o tabagismo representa um sério problema de saúde pública.(5)

Vários estudos no Brasil(6-9) e no mundo(10-12) mostram que o hábito de fumar se instala precocemente, já que 80% dos atuais adultos fumantes declararam ter se iniciado no tabagismo antes dos dezoito anos de idade.(1,13-14)

Essa informação confirma a tendência mundial de aumento da prevalência do uso de cigarros entre a população de adolescentes e adultos jovens,(15-16) principalmente entre os estudantes universitários,(12,17) jovens estes considerados público com grande suscetibilidade de envolvimento com o tabaco.(15) Diante da gravidade desse quadro, vários estudos sugerem que medidas antitabágicas sejam direcionadas prioritariamente a essa população.(18)

Sendo assim, o presente estudo teve como objetivo conhecer as características do tabagismo entre alunos da Universidade de Brasília (UnB), como medida auxiliar para o desenvolvimento de estratégias que visem à profilaxia do consumo de cigarros na população jovem.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo transversal com alunos da UnB devidamente matriculados nos cursos de graduação do período diurno, durante o segundo semestre de 2003.

Para se calcular o tamanho da amostra, admitiu-se como estimativa de proporção "p" de tabagistas entre 18 e 24 anos, na população considerada, 29,4%, dado obtido por meio de estudo realizado em 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.(19) O erro alfa considerado foi de 3%, como a precisão desejada em torno da prevalência, para possibilitar intervalo de confiança de 95%. Dessa maneira, foi obtido, inicialmente, como amostra ideal para o desenvolvimento deste estudo, um grupo de 923 universitários.

Para a obtenção da amostra foi realizado sorteio aleatório simples de vinte cursos entre os 57 oferecidos no período diurno. Com o objetivo de avaliar a prevalência de tabagismo entre o início (primeiro ao quinto semestre) e o final (a partir do sexto semestre) de cada curso, e considerando 60 a média do número de alunos por curso a ser avaliado, foram convidados a participar do estudo 30 alunos pertencentes ao início do curso e 30 alunos ao final do curso. Assim, obtivemos o número de alunos que completaria a amostra necessária, incluindo 20% de questionários extras para suprir possíveis perdas e respostas incompletas.

Os seguintes cursos foram sorteados para o estudo: Agronomia, Arquitetura, Ciências da Computação, Comunicação, Direito, Engenharias (Florestal e Civil), Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Física, Geologia, Geografia, História, Medicina, Medicina Veterinária, Matemática, Nutrição, Odontologia e Relações Internacionais.

Para se obterem as informações necessárias sobre o consumo de tabaco, foi utilizado um questionário da Organização Mundial da Saúde, validado e adaptado no Brasil pelo Instituto Nacional do Câncer, que apresenta perguntas relacionadas ao hábito tabágico, distribuídas em três domínios, direcionados aos fumantes regulares e fumantes ocasionais, aos ex-fumantes e aos não fumantes. Para avaliar o grau de dependência de nicotina, foi utilizada apenas a questão relativa a quanto tempo após acordar o aluno acende o primeiro cigarro, sendo o aluno considerado maior dependente de nicotina caso fumasse nas primeiras duas horas.

O questionário foi aplicado na própria sala de aula, após esclarecimentos e orientações básicas sobre os objetivos da pesquisa em questão, ficando o universitário livre para decidir se participaria ou não. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB.

Foi utilizado o teste do qui-quadrado para avaliar a existência de associações entre as variáveis analisadas, sendo considerado o valor de p < 0,05 para significância estatística.

RESULTADOS

Foram entrevistados 1.341 alunos, dos quais a maior parte (1.084) se declarou não fumante, representando 80,8% da amostra. A prevalência de tabagismo foi de 14,7% (197), sendo 9% de fumantes regulares (121) e 5,7% de fumantes ocasio-nais (76). Como ex-fumantes foram classificados 4,5% dos alunos (60).

Não houve diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) em relação à distribuição da amostra de acordo com o sexo, uma vez que 57,3% dos entrevistados eram do sexo masculino, e dentre os universitários tabagistas, 64,7% pertenciam a este gênero.

Ao se avaliar a distribuição da prevalência de tabagismo de acordo com os semestres iniciais e finais, não foi observada diferença estatisticamente significativa (p > 0,05), sendo que 51,9% da amostra cursavam até o quinto semestre e 48,1% do sexto semestre em diante.

A média de idade da população estudada foi de 21,6 + 3,6 anos. Em relação à idade de início do tabagismo, pôde-se observar que 89,2% dos entrevistados fumantes começaram a fumar com idade inferior a vinte anos (173) (Tabela 1). A média declarada da idade em que se iniciou o hábito de fumar foi de 17 + 2,8 anos.





Considerando os fumantes regulares e ocasionais como um único grupo de fumantes, pôde-se observar que os cursos com as maiores prevalências de tabagismo foram: Geologia (32,9%), Comunicação (26,3%), História (24,4%), Relações Internacionais (20%) e Engenharia Florestal (19,4%). Já os cursos que apresentaram as menores prevalências de fumantes foram: Matemática (5,5%), Odontologia (5,6%), Física (6,3%), Enfermagem (7%) e Nutrição (8,6%).

Em relação à questão sobre os tipos de tabaco utilizados pelos universitários, foi observado que houve mais de uma resposta, sendo que cerca de 72,6% dos universitários utilizavam cigarros industrializados (172), seguidos por 15,2% de alunos que consumiam cigarros confeccionados por eles mesmos (10). O consumo de charutos e cachimbos foi relatado por 8% (36) e 4,2% (19) dos fumantes, respectivamente.

Em média, fumavam-se 7,5 + 7,3 cigarros por dia e 77,5% dos alunos consumiam entre um e dez cigarros por dia (93) (Tabela 1).

Ao se avaliar a distribuição conjunta do número de anos em que o aluno fumava e a quantidade de cigarros consumidos por dia, verificou-se que quanto maior o tempo do hábito tabágico, maior a quantidade de cigarros fumados por dia, sendo esta associação estatisticamente significativa (p < 0,05).

Cerca de 46,1% dos alunos tabagistas começavam a fumar nas primeiras horas após acordar (até duas horas), o que traduziu grande dependência da nicotina (Tabela 1).

Foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) em relação aos hábitos e atitudes tabágicas, entre os alunos fumantes regulares e os ocasionais, para as questões relacionadas ao fumar mesmo estando doente (fumantes regulares: 49,1% e fumantes ocasionais: 12,3%), aos malefícios à saúde secundários ao uso do cigarro (fumantes regulares: 48,7% e fumantes ocasionais: 20,5%) e ao aconselhamento médico na cessação do tabagismo (fumantes regulares: 49,2% e fumantes ocasionais: 20,3%).

Mesmo sem haver diferença estatisticamente significativa (p > 0,05) entre os alunos fumantes regulares e ocasionais, 90,6% dos alunos afirmaram ser capazes de parar de fumar (161), cerca de 68% dos pesquisados responderam ter a intenção de deixar de fumar (127) e 38,7% relataram ter tentado parar de fumar nos últimos doze meses (74).

Dos motivos que levaram os pesquisados a começar a fumar, a vontade própria foi o mais citado, com 57,6% das respostas (129). Em seguida, 23,2% citaram a influência dos amigos (52), 8,5% o modismo (19) e 4% a influência dos pais (9).

Dos alunos que se declararam ex-fumantes, 84,5% responderam ter conseguido deixar de fumar por força de vontade (49). Utilização de chicletes de nicotina, discos de nicotina, prática de esporte, gravidez e perda de vontade de continuar a fumar constituíram 3,4% das respostas dadas pelos ex-fumantes a cada um destes itens.

A maioria dos alunos que se declararam não fumantes afirmou conviver com fumantes, o que representou quase 80,9% da amostra (1.022), sendo predominante a convivência com fumantes na universidade, com 33,2% das respostas dadas (419) (Tabela 2).





DISCUSSÃO

Vários levantamentos epidemiológicos vêm sendo feitos no Brasil desde a década de 1980, descrevendo a prevalência de tabagismo entre os universitários, sendo que a grande maioria dos trabalhos avaliou as características do tabagismo entre a população universitária pertencente à área de ciências da saúde.(6-8, 20-22)

Este estudo propôs-se a avaliar a prevalência de tabagismo entre universitários pertencentes a diversos cursos das áreas de ciências da saúde, ciências humanas e ciências exatas, para demonstrar, portanto, uma amostragem diversificada, capaz de representar o perfil tabágico dos distintos cursos.

Alguns estudos(12,17,23) têm demonstrado que prevalências de tabagismo entre estudantes de cursos da área da saúde, principalmente entre os alunos de Medicina, são inferiores aos resultados encontrados entre alunos de outros cursos superiores.(23) Alguns autores observaram menores prevalências de estudantes fumantes entre os procedentes das faculdades de ciências da saúde dentre todos os estudantes da Universidade da Jordânia.(12) Este fato também foi observado em outro estudo, com estudantes da Universidade de Cambridge, no ano de 1995, no qual se detectou, mais uma vez, maior prevalência de tabagismo entre alunos pertencentes a cursos da área de ciências humanas em relação a estudantes da área de ciências da saúde (17% versus 7,7%), o que está de acordo com os achados de nosso estudo.(17)

Foi realizado um levantamento de prevalência de tabagismo entre os alunos de Medicina da UnB, no qual se encontraram 14% de estudantes fumantes no ano de 1985. Já em nosso estudo, registramos um índice menor, cerca de 9,4% dos estudantes de Medicina fumantes, o que demonstra redução importante do tabagismo neste curso, especificamente.(6)

Estes dados reforçam a característica de maior conscientização dos universitários pertencentes à área de ciências da saúde frente aos malefícios proporcionados pelo hábito tabágico.(20,23)

Em âmbito mundial, podem ser encontrados diversos estudos de prevalência tabágica, demonstrando características diferenciadas das encontradas no Brasil. Alguns autores, por meio de um levantamento sobre o uso de álcool e tabaco entre estudantes universitários de 119 instituições norte-americanas, em 1999, observaram que, entre os alunos usuários de cigarro, cerca de 28,5% haviam feito uso do produto no último mês e 38,1% no último ano.(15) Além disso, em um outro estudo foi relatado que mais de 50% dos estudantes tabagistas regulares tendiam a aumentar o consumo tabágico após a admissão ao ambiente universitário.(24)

Mesmo frente a esta tendência de crescimento do tabagismo entre universitários em âmbito internacional, no Brasil podemos observar o oposto, através de estudos que avaliaram a tendência tabágica entre os alunos das principais universidades brasileiras, que apontam para uma tendência de redução do tabagismo entre os universitários nas últimas décadas.(7,8,21)

Um fator que merece destaque em estudos de prevalência de tabagismo é o tipo de tabaco mais utilizado em determinada população de fumantes. Alguns autores,(15) ao estudarem as preferências de universitários norte-americanos por tipo de tabaco, detectaram que mais da metade dos alunos tabagistas utilizava cigarro industrializado. Segundo outros autores, este tipo de tabaco é o mais consumido entre os universitários, seguido por cachimbo e charuto.(12) Entre os alunos da UnB, foi observada semelhante característica quanto à utilização de cigarros industrializados.

Esta preferência de consumo tabágico é preocupante e representa a realidade atual entre os jovens.(16) Além disso, vale ressaltar que a idade de experimentação e início do hábito tabágico precoce, ou seja, antes dos vinte anos de idade, está comumente associada ao período de transição do indivíduo, do nível de ensino médio para o superior, sendo que muitos jovens podem apresentar o primeiro contato com o cigarro quando estão ingressando na universidade.(11,25) Portanto, é imprescindível a tomada de medidas antitabágicas para se evitar que o jovem inicie o hábito tabágico no âmbito escolar.

Ao se avaliar a opinião dos estudantes fumantes da UnB em relação à capacidade e pretensão de cessar o hábito tabágico, observou-se que grande parcela dos universitários tabagistas subestimavam sua dependência do cigarro, já que a grande maioria se supunha capaz de interromper o hábito. Este perfil de cessação do tabagismo é relatado por outros autores, que afirmam que entre os estudantes fumantes da Universidade da Jordânia, cerca de 69,4% relataram pretender cessar o hábito no futuro. Além disso, outra característica importante encontrada foi o fato de grande parcela de universitários não tabagistas conviverem de forma involuntária com fumantes, principalmente na universidade.(12)

Com o objetivo de se evitar o início e auxiliar na cessação do tabagismo, além de possibilitar a interrupção da convivência passiva dos não fumantes com os fumantes, várias organizações internacionais, como a American College of Health Association e a American Cancer Society, têm recomendado que as universidades proíbam a venda, a publicidade e a distribuição de amostras gratuitas de produtos derivados do tabaco nos campi universitários, além de vetar o uso do tabaco em todos os locais da instituição.(26-27)

Entendemos que o período universitário pode oferecer grandes oportunidades de intervenção no hábito tabágico dos alunos fumantes, oferecendo-se medidas antitabágicas para auxiliar a cessação do fumo, repercutindo, assim, ao longo do tempo, em queda da morbimortalidade relacionada ao tabagismo.

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* Trabalho realizado na Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
1. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
2. Residente da Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
3. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília - UnB- Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Paula Alves de Andrade. Hospital Universitário de Brasília. Serviço de Pneumologia. SGAN, Avenida L2 Norte Quadra 605 Anexo 02, térreo - CEP: 70840-050 - Brasília, DF, Brasil.
Recebido para publicação em 28/3/05. Aprovado, após revisão, em 20/7/05.

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