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Incidência de lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda no centro de tratamento intensivo de um hospital universitário: um estudo prospectivo

Incidence of acute lung injury and acute respiratory distress syndrome in the intensive care unit of a university hospital: a prospective study

Raquel Hermes Rosa Oliveira, Aníbal Basille Filho

ABSTRACT

Objective: To establish the incidence of acute lung injury and acute respiratory distress syndrome, as well as related risk factors and mortality in an intensive care unit. To compare patients developing lung injury with at-risk patients not presenting acute lung injury or acute respiratory distress syndrome. Methods: The study was conducted in the intensive care unit of the Ribeirão Preto Hospital das Clínicas Emergency Room. All patients admitted between May 2001 and April 2002 were monitored prospectively. Clinical data, Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation II score, complications, length of stay in the intensive care unit and lung injury data were recorded. Results: Of the 524 patients admitted, 175 (33.4%) presented risk factors for acute lung injury and acute respiratory distress syndrome, 33 (6.3%) developed acute respiratory distress syndrome, and 12 (2.3%) developed acute lung injury. The main risk factors were pneumonia (37.7%), shock (32.0%), multiple trauma (24.6%) and sepsis (21.1%). Patients developing acute lung injury had higher Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation II scores (p < 0.05), more frequently presented sepsis (p = 0.001), developed more complications (p = 0.001) and presented greater mortality (p = 0.001). The main cause of death was multiple organ failure (38.5%). Conclusion: The incidence of acute lung injury and acute respiratory distress syndrome was 2.3% and 6.3%, respectively.

Keywords: Respiratory distress syndrome, adult/epidemiology; Respiratory distress syndrome, adult/mortality;

RESUMO

Objetivo: Estabelecer a incidência de lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda, os principais fatores de risco associados e a mortalidade em um centro de tratamento intensivo. Comparar os pacientes que desenvolveram lesão pulmonar com pacientes com fatores de risco, porém sem lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda. Métodos: O estudo foi realizado no centro de tratamento intensivo da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Os pacientes admitidos no período de maio de 2001 a abril de 2002 foram acompanhados prospectivamente. Foram registrados: características clínicas, índice Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation II, complicações, tempo de internação no centro de tratamento intensivo e no hospital, e dados sobre a lesão pulmonar. Resultados: ocorreram 524 admissões no período, 175 pacientes apresentaram fatores de risco para lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda (33,4%), 33 desenvolveram síndrome da angústia respiratória aguda (6,3%) e 12 desenvolveram lesão pulmonar aguda (2,3%). Os principais fatores de risco foram pneumonia (37,7%), choque (32,0%), politrauma (24,6%) e sepse (21,1%). Os pacientes que desenvolveram lesão pulmonar aguda tiveram maior índice Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation II (p < 0.05), maior freqüência de sepse (p = 0.001), mais complicações (p = 0.001), maior mortalidade (p = 0.001). A principal causa de morte foi a Síndrome de Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas (38,5%). Conclusão: A incidência de LPA e SARA foi de 2,3 e 6,3% respectivamente. Os principais fatores derisco foram pneumonia, choque, politrauma e sepse. Os pacientes com LPA e SARA apresentaram-se mais graves e tiveram alta mortalidade

Palavras-chave: Síndrome do desconforto respiratório do adulto/epidemiologia; Síndrome do desconforto respiratório do adulto/mortalidade; Fatores de risco; Hospitais Universitários

INTRODUÇÃO

A síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) foi descrita pela primeira vez em 1967 em doze pacientes com insuficiência respiratória aguda refratária a oxigenoterapia, diminuição da complacência pulmonar e infiltrado difuso à radiografia de tórax.(1) Essa síndrome ficou conhecida como síndrome do desconforto respiratório do adulto, porém, não havia critérios bem estabelecidos para o seu diagnóstico. Em 1988, foi criado um escore de lesão pulmonar com a finalidade de se diagnosticar e avaliar sua gravidade, levando em conta quatro parâmetros: radiografia de tórax, hipoxemia através da relação entre a pressão parcial de oxigênio arterial e a fração inspirada de oxigênio, complacência pulmonar e valor da pressão positiva ao final da expiração (PEEP).(2) Apenas em 1994, a American-European Consensus Conference on ARDS estabeleceu critérios diagnósticos para a SARA, definindo-a como uma "síndrome de inflamação e aumento da permeabilidade capilar pulmonar associada a uma constelação de anormalidades clínicas, radiológicas e fisiológicas não causadas por hipertensão capilar pulmonar, porém podendo coexistir com a mesma".(3) Nessa ocasião, ficou definida como lesão pulmonar aguda (LPA) o quadro de insuficiência respiratória aguda com infiltrado bilateral na radiografia de tórax, ausência de hipertensão atrial esquerda (pressão capilar pulmonar menor ou igual a 18 mmHg) e hipoxemia com uma relação entre a pressão parcial de oxigênio arterial e a fração inspirada de oxigênio menor ou igual a 300. Se esta relação for menor ou igual a 200, define-se SARA (Quadro 1). Ficou também estabelecida sua relação com diversas condições ou fatores de risco que desencadeariam a reação inflamatória e lesão pulmonar, seja esta de forma direta, como no caso de pneumonia, aspiração do conteúdo gástrico e trauma torácico, ou indireta, como na sepse, pancreatite, choque e múltiplos traumas.(3-12)





A incidência de SARA e LPA ainda é incerta, mesmo nos EUA, onde o Instituto Nacional de Saúde, em 1972, a estimou em 75 casos/100 mil habitantes ao ano. Porém, estudos mais recentes encontraram números bem mais baixos, de 1,5 a 15/100 mil habitantes ao ano.(3-5,8-16) O número de estudos epidemiológicos após a American-European Consensus Conference on ARDS de 1994, quando os critérios diagnósticos foram redefinidos, vem crescendo nos últimos anos. Em centros de tratamento intensivo (CTI), a freqüência de SARA gira em torno de 2% a 26% do total de internações, sendo as maiores taxas observadas entre os pacientes sob ventilação mecânica.(8-12,17) No Brasil, não temos estudos populacionais. Apenas dois estudos, até o momento, foram realizados com o objetivo de determinar a freqüência de SARA e LPA em nosso meio. Um no Hospital das Clínicas de Porto Alegre, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a freqüência de LPA foi de 3,8% e a da SARA de 2,3%,(18) e o outro no Hospital Sírio Libanês em São Paulo (SP), onde estes números foram 1% e 2%, respectivamente.(19)

Os objetivos do presente estudo são: estabelecer a incidência de LPA e SARA utilizando os critérios da American-European Consensus Conference on ARDS; descrever os principais fatores de risco a elas associados; calcular a mortalidade dos pacientes portadores de lesão pulmonar; e comparar os desfechos dos pacientes que desenvolveram lesão pulmonar (grupo 1) com os pacientes portadores de fatores de risco, porém sem SARA/LPA (grupo 2), no CTI de um hospital universitário.

MÉTODOS

O estudo foi conduzido no CTI da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, no período de maio de 2001 a abril de 2002, após aprovação do comitê de ética em pesquisa da instituição. Trata-se de uma unidade de referência para atendimento de trauma do XVIII Diretório Regional de Saúde do Estado de São Paulo, que abrange 25 municípios. Possui 163 leitos divididos entre Clínica Médica, Cirúrgica, Neurologia, Ortopedia, Pediatria, Ginecologia, uma unidade de atendimento a queimados, um CTI pediátrico e o CTI geral, onde foi conduzido o estudo, com dezesseis leitos divididos em duas unidades. O CTI possui médicos assistentes diaristas que sabiam da existência de um estudo observacional sobre SARA, plantonistas à noite e durante os finais de semana e médicos residentes exclusivos em Medicina Intensiva e de outras áreas que cumprem estágio no CTI.

Todos os pacientes que permaneceram no CTI por mais de 24 horas, admitidos com um ou mais fatores de risco para lesão pulmonar, previamente definidos por Ware et al. em 2000,(4) foram seguidos prospectivamente com vigilância diária quanto ao desenvolvimento de lesão pulmonar, e os demais foram observados diariamente quanto ao surgimento de fatores de risco durante a internação no CTI.

O diagnóstico de SARA/LPA foi feito de acordo com os critérios da American-European Consensus Conference on ARDS de 1994,(3) mostrados no Quadro 1. Todas as radiografias foram avaliadas pelo mesmo pesquisador, com experiência na área, a fim de se sistematizar o diagnóstico de LPA/SARA. O critério de exclusão foi permanência por menos de 24h no CTI. Para cada paciente, foi preenchido um formulário contendo dados de identificação, APACHE II (Acute Physiologic and Chronic Health Evaluation),(20) diagnósticos, presença de doença crônica, razão de admissão no CTI, complicações e desfecho (alta ou óbito no CTI). A utilização de cateter de artéria pulmonar ou realização de ecocardiograma para avaliação da função cardíaca era decidida pela equipe assistente e não houve interferência na rotina de tratamento dos pacientes.

Os fatores de risco estudados foram: pneumonia; sepse, definida pelos critérios da Society of Critical Care Medicine Consensus Conference de 1992;(21) aspiração de conteúdo gástrico presenciado por equipe médica ou aspirado da cânula traqueal; hipotensão prolongada ou choque; contusão pulmonar; politraumatismo, definido por fratura de um ou mais ossos longos ou fratura pélvica; trauma de tórax isolado; trauma cranioencefálico isolado; politransfusão, definida como transfusão de pelo menos 10 unidades de concentrado de hemácias em 24 horas; embolia gordurosa; pancreatite aguda; afogamento; e lesão por inalação de fumaça. Como não há cirurgia com uso de circulação extracorpórea nessa unidade de emergência, este fator de risco não foi adicionado.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo 1 - pacientes que desenvolveram SARA/LPA; e grupo 2 - pacientes com fator de risco que não desenvolveram SARA/LPA.

Também foram analisadas as características da lesão pulmonar dos pacientes do grupo 1, a saber, origem pulmonar ou extrapulmonar, escore de gravidade de Murray,(2) e dados sobre a função pulmonar e hemodinâmicos do dia do diagnóstico da lesão ou à admissão no CTI. Todos os pacientes foram acompanhados até a alta do CTI ou óbito.
Os resultados são apresentados em médias ± desvio padrão. As variáveis foram analisadas com o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. A comparação entre os grupos foi realizada através do Teste Exato de Fisher para variáveis nominais e do Teste t de Student para variáveis contínuas. Foi utilizado o programa estatístico Graphpad Instat® e foram considerados significativos valores de p < 0,05.

RESULTADOS

No período estudado, ocorreram 524 admissões no CTI e 175 pacientes apresentaram um ou mais fatores de risco para o desenvolvimento de lesão pulmonar (33,4%). Destes, 25 desenvolveram SARA e 12 desenvolveram LPA. A Tabela 1 contém as características dos pacientes estudados.





Os fatores de risco mais freqüentes foram pneumonia, em 66 pacientes (37,7%), choque, em 56 (32,0%), politraumatismo, em 43 (24,6%), sepse, em 37 (21,1%) e politransfusão, em 27 pacientes (15,4%), tendo sido considerado mais de um fator de risco por paciente. Dezoito pacientes desenvolveram fator de risco após a admissão no CTI: 15 apresentaram pneumonia hospitalar e 3 desenvolveram sepse. Apresentaram apenas um fator de risco 92 pacientes, 56 apresentaram dois fatores de risco, 25 apresentaram três e 2 pacientes apresentaram quatro fatores de risco. A proporção de pacientes com lesão pulmonar de acordo com o número de fatores de risco foi de 13%, 28,6%, 32% e 50%, respectivamente. A proporção de pacientes que desenvolveram SARA/LPA para cada fator de risco é mostrada na Tabela 2.





Os fatores de risco com maiores taxas de lesão pulmonar foram sepse, contusão pulmonar e aspiração de conteúdo gástrico; contudo, os dois últimos estiveram presentes em reduzido número de pacientes. A Figura 1 mostra a freqüência dos principais fatores de risco em cada grupo estudado.





O grupo 1 foi composto por 37 pacientes (25 SARA e 12 LPA), caracterizando uma freqüência de 4,7% para SARA e 2,3% para LPA do total de internações no CTI. Oito pacientes com LPA evoluíram para SARA, elevando a freqüência desta para 6,3%. Apenas 4 pacientes apresentaram LPA isolada. Na população de pacientes com pelo menos um fator de risco (n = 175), a freqüência de SARA foi de 18,9% e a de LPA de 6,9%. Os dados de função pulmonar do dia do diagnóstico da lesão pulmonar estão dispostos na Tabela 3. Dos 37 pacientes, 20 foram monitorizados com cateter de artéria pulmonar. Os pacientes foram ventilados de acordo com a rotina do CTI: volume corrente de 6 a 8 ml por quilo de peso aferido à admissão, PEEP correspondente à melhor complacência ou de 16 cmH2O se não houvesse contra-indicação.
Dezesseis pacientes, apesar de apresentarem hipoxemia, com relação entre a pressão parcial de oxigênio arterial e a fração inspirada de oxigênio menor que 200, foram excluídos do grupo 1 e alocados no grupo 2 devido à evidência de disfunção cardíaca ao ecocardiograma em 5 pacientes, aumento da pressão ocluída de artéria pulmonar em 10 e pneumopatia crônica com hipoxemia prévia em 1 paciente.





A comparação entre os grupos não revelou diferença estatisticamente significativa em relação à idade, sexo, tipo de admissão clínica ou cirúrgica, presença de co-morbidades, e tempo de internação ou de ventilação mecânica. No entanto, o APACHE II, a freqüência de sepse e a taxa de complicações dos pacientes com SARA foram significativamente maiores que os do grupo 2: 19,2 vs 16,8 (p = 0,04), 44% vs 14,5% (p = 0,001) e 76% vs 40% (p = 0,001), respectivamente (Tabela 1). A mortalidade no CTI dos pacientes com SARA foi significativamente maior que a dos pacientes do grupo 2, 84% vs 37% (p = 0,0001) e que a daqueles com LPA, 84% vs 50% (p = 0,048). As co-morbidades mais freqüentes foram hipertensão arterial sistêmica, alcoolismo e diabetes mellitus, com freqüências de 13,5%, 13,5% e 5,4% no grupo 1 e 18,8%, 10,95 e 7,2% no grupo 2, respectivamente. Não houve diferença entre os grupos. As complicações mais freqüentes foram sepse, insuficiência renal aguda e necessidade de traqueostomia, com taxas de 21,6%, 16,2% e 13,5% no grupo 1 e de 4,3%, 9,45 e 25,4% no grupo 2. Apenas 1 paciente desenvolveu pneumotórax durante a internação, pertencente ao grupo 2. As principais causas de óbito foram a síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas e choque séptico.

DISCUSSÃO

Os principais fatores de risco para desenvolvimento de lesão pulmonar identificados desde os primeiros estudos sobre SARA são sepse, pneumonia, aspiração de conteúdo gástrico, politrauma e choque com múltiplas transfusões.(2-11) Este achado tem sido confirmado em estudos mais recentes.(10-12,14) Alguns autores,(22) estudando 217 casos de SARA na Argentina, encontraram sepse, pneumonia, choque e trauma como fatores de risco mais freqüentes. Em nosso meio, um estudo conduzido em São Paulo encontrou resultados semelhantes.(19)
O presente estudo confirma a importância da pneumonia, sepse, politrauma, choque e politransfusão como fatores de risco mais freqüentes no ambiente de terapia intensiva. A alta freqüência do politrauma deve-se ao fato de o local estudado ser um centro de referência para atendimento de trauma na região. No entanto, a proporção de pacientes com politrauma que desenvolveu lesão pulmonar foi muito inferior à daqueles com contusão pulmonar, aspiração e sepse (Tabela 2). A associação de fatores de risco aumentou progressivamente a freqüência de SARA/LPA, tendo sido de 13%, 28,6%, 32% e 50% para presença de um, dois, três e quatro fatores de risco, respectivamente, conforme já afirmavam outros autores na década de 1990.(6)

As freqüências encontradas de, aproximadamente, 6% para SARA e 2% para LPA, do total das admissões situam-se entre as relatadas na literatura, de 2% a 26% das admissões em CTI. Entretanto, estão acima daquelas encontradas em estudos epidemiológicos nacionais, em Porto Alegre e em São Paulo.(18-19) A comparação com outros estudos epidemiológicos torna-se difícil devido às diferenças metodológicas e, principalmente, pela população estudada. Em um estudo na Austrália, foram encontrados 168 casos de LPA (8,5%) e 148 de SARA (7,5%) em 1.977 pacientes admitidos em 21 CTI, em um período de dois meses,(16) enquanto que em outro estudo foram encontrados 8% de SARA entre 5.183 pacientes sob ventilação mecânica em 361 CTI no período de um mês, embora o objetivo deste estudo não tenha sido exclusivamente analisar a LPA.(17) Foram encontradas incidências de SARA de 1,6% do total de admissões e de 18% dos pacientes sob ventilação mecânica em um estudo prospectivo de oito semanas em 132 CTI no norte europeu.(14) Em outro estudo foram relatadas incidências de 7,7% do total de admissões e de 20% entre pacientes em ventilação mecânica, em quatro CTI no período de quinze meses.(22) No estudo ALIVE, multicêntrico prospectivo, envolvendo 78 CTI da Europa, a freqüência de SARA foi de 6,1% das 6.522 admissões em dois meses.(23) Em nosso meio, em um estudo sobre insuficiência respiratória aguda em 87 leitos de terapia intensiva no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, encontrou-se a ocorrência de 14% de SARA/LPA em 802 pacientes avaliados durante onze meses.(24)
Dentre os pacientes com algum fator de risco para o desenvolvimento de lesão pulmonar (os 175 estudados), as freqüências encontradas foram de 18,8% e 6,9% para SARA e LPA, respectivamente. Isto implica o desenvolvimento de lesão pulmonar em aproximadamente um de cada quatro pacientes admitidos com algum fator de risco.

A freqüência de SARA varia para cada fator de risco. Aqueles com maiores taxas, ou seja, 20% a 40%, são: pneumonia, aspiração de conteúdo gástrico e sepse.(6-7,11-12) No estudo atual, as maiores taxas de lesão pulmonar ocorreram em pacientes com contusão pulmonar (67%), aspiração de conteúdo gástrico (50%), sepse (46%) e pancreatite (28,5%), resultados semelhantes às altas taxas encontradas nestes grupos em estudos prévios.

A população dos dois grupos estudados foi composta por adultos jovens predominantemente do sexo masculino. Os pacientes do grupo 1 foram mais graves que os do grupo 2, caracterizados pelo APACHE II significativamente mais elevado e maior freqüência de sepse, o que pode explicar a alta mortalidade e o desenvolvimento de complicações neste grupo.

A mortalidade da SARA vem caindo progressivamente nos diversos ensaios clínicos publicados, de 70% nos primeiros estudos para aproximadamente 36% atualmente.(4,10,25) Entretanto, em ensaios clínicos, pacientes muito graves, portadores de doença terminal, são excluídos, situação que não reflete a heterogeneidade e gravidade da população real dos CTI de nosso meio. A mortalidade do grupo controle do ensaio clínico com o uso de estratégia ventilatória protetora desenvolvido no Brasil no início da década de 1990 foi de 71%.(26)
Recentemente, na Argentina, foi encontrada mortalidade de 58% em estudo observacional(22) e a mortalidade dos pacientes com lesão pulmonar no estudo ALIVE foi de 55%.(23) A elevada mortalidade encontrada no presente estudo talvez reflita a realidade local. Por se tratar de um hospital de caráter terciário, todos os pacientes provêm de unidades básicas de saúde ou de outras cidades e, eventualmente, pacientes em insuficiência respiratória permanecem fora do CTI enquanto aguardam vaga, o que retarda a instituição de suporte ventilatório apropriado. O tempo de espera para internação no CTI correlaciona-se diretamente com a mortalidade.(24) Apesar do grande número de pacientes vítimas de trauma, que costumam ter menor mortalidade,(12,27) quase 50% dos pacientes com lesão pulmonar apresentavam sepse e 38% apresentavam choque, condições de elevadíssima mortalidade. Reflexo deste fato são o elevado valor do APACHE II dos pacientes do grupo 1 e as causas de óbito dos pacientes, síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas e choque séptico em sua maioria.

As limitações deste estudo convergem com as dificuldades de se estabelecer o diagnóstico da SARA. O acompanhamento diário dos pacientes foi extremamente cuidadoso quanto ao surgimento de lesão pulmonar ou fatores de risco, como aspiração e pneumonia hospitalar, para se evitar a perda de pacientes. Todos os casos foram avaliados individualmente pela investigadora principal, para que fosse feito o diagnóstico sempre em consonância com a equipe que prestava assistência aos pacientes. De acordo com a literatura, o ideal para interpretação das radiografias seria o consenso entre dois médicos alheios ao estudo. Como o estudo foi observacional, dependia-se dos exames solicitados pela equipe para a avaliação de cada paciente. Tal fato pode ter atrasado o diagnóstico de lesão pulmonar, o que realmente foi observado em alguns casos de LPA sem hipoxemia importante. O atraso não reduziria o número total de casos, porém aqueles menos graves podem ter sido subestimados. Não houve padronização dos ajustes ventilatórios para avaliação da relação entre a pressão parcial de oxigênio arterial e a fração inspirada de oxigênio. Os pacientes admitidos com diagnóstico de lesão pulmonar já estavam intubados e, geralmente, com PEEP acima de 5 cmH2O (média de 10 cmH2O no grupo 1). Estes pacientes poderiam apresentar pior oxigenação com PEEP mais baixa, o que não mudaria o diagnóstico. Apenas 4 pacientes com LPA não evoluíram para SARA e, destes, somente 1 estava sendo ventilado com PEEP acima de 5 cmH2O (8 cmH2O). Este paciente poderia obter critério de SARA com PEEP mais baixa.

Quanto aos pacientes do grupo 2, 15 indivíduos com hipoxemia apresentavam disfunção ventricular ou pressão ocluída de artéria pulmonar acima de 18 mmHg. Destes, 6 foram a óbito por choque séptico ou síndrome de disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, não sendo possível descartar a presença de lesão pulmonar associada.

A incidência de SARA e LPA no serviço estudado foi de 6,3% e 2,3% do total de admissões, respectivamente, com mortalidade de 84% para SARA e 50% para LPA. Os principais fatores de risco associados foram pneumonia, sepse, choque, politrauma e múltiplas transfusões. O APACHE II e a mortalidade dos pacientes com SARA/LPA foram superiores aos dos demais pacientes com fatores de risco para desenvolvimento de lesão pulmonar. As principais causas de óbito foram choque séptico e a disfunção de múltiplos órgãos e sistemas.

AGRADECIMENTOS

Os autores sentem-se na obrigação de agradecer ao Dr. Mário Marcos Abeid por sua colaboração e apoio, ao Dr. Carlos Carvalho pelo incentivo para publicação dos resultados e, especialmente, à equipe de enfermagem do CTI da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, pela colaboração constante.

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* Trabalho realizado na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
1. Pós-Graduanda de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Professor Associado da Disciplina de Terapia Intensiva da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Raquel Hermes R. Oliveira. Rua Bernardino de Campos, 1.000, Centro - CEP:140015-130, Ribeirão Preto - SP, Brasil. Tel.: 55 16 3602-1225. E-mail: raquelhermes@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 10/1/05. Aprovado, após revisão, em 21/6/05.

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