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Artigo Original

Influência da estratégia ventilatória no desempenho funcional de enxertos pulmonares em um modelo experimental de transplante pulmonar unilateral de doadores após parada cardiocirculatória

Ventilation strategy and its influence on the functional performance of lung grafts in an experimental model of single lung transplantation using non-heart-beating donors

Elaine Aparecida Felix, Cristiano Feijó Andrade, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso, Gabriela Cury Thiesen, Ana Carolina Peçanha Antonio, Lucas Krieger Martins, Tiago Antonio Tonietto

ABSTRACT

Objective: To compare the influence of two different ventilation strategies-volume-controlled ventilation (VCV) and pressure-controlled ventilation (PCV)-on the functional performance of lung grafts in a canine model of unilateral left lung transplantation using donor lungs harvested after three hours of normothermic cardiocirculatory arrest under mechanical ventilation. Methods: The study comprised 40 mongrel dogs, randomized into two groups: VCV and PCV. Of the 20 recipients, 5 did not survive the transplant, and 5 died before the end of the post-transplant assessment period. The remaining 10 survivors (5 in each group) were evaluated for 360 min after lung transplantation. The functional performance of the grafts was evaluated regarding respiratory mechanics, gas exchange, and lung graft histology. Results: There were no significant differences between the groups regarding respiratory mechanics (peak inspiratory pressure, plateau pressure, mean airway pressure, dynamic compliance, and static compliance) or gas exchange variables (PaO2, venous oxygen tension, PaCO2, venous carbon dioxide tension, and the arterial-venous oxygen content difference). The histopathological findings were consistent with nonspecific acute lung injury and did not differ between the groups. Conclusions: This model of lung transplantation showed that the functional performance of lung grafts was not influenced by the ventilation strategy employed during the first six hours after reperfusion.

Keywords: Pulmonary ventilation; Respiration, artificial; Lung transplantation; Dogs; Organ preservation.

RESUMO

Objetivo: Comparar a influência de duas estratégias ventilatórias - ventilação controlada a volume (VCV) e ventilação controlada a pressão (VCP) - no desempenho funcional de enxertos pulmonares em um modelo canino de transplante pulmonar unilateral esquerdo, utilizando-se doadores cujos pulmões foram captados após três horas de parada cardiocirculatória em temperatura ambiente e sob ventilação mecânica. Métodos: O estudo incluiu 40 cães mestiços randomizados nos grupos VCV e VCP. Dos 20 receptores, 5 não sobreviveram ao transplante, e 5 não sobreviveram ao período de avaliação pós-transplante. Os 10 receptores sobreviventes (5 em cada grupo) foram avaliados durante 360 min após o término do transplante pulmonar. O desempenho funcional dos enxertos foi estudado através da avaliação da mecânica respiratória, trocas gasosas e histologia do enxerto. Resultados: Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto às variáveis de mecânica respiratória (pressão de pico inspiratória, pressão de platô, pressão média de vias aéreas, complacência dinâmica e complacência estática) e de trocas gasosas (PaO2, pressão venosa mista de oxigênio, PaCO2, pressão venosa mista de CO2 e diferença arteriovenosa de oxigênio). As alterações histopatológicas foram compatíveis com o padrão de lesão pulmonar aguda não específica e não diferiram entre os grupos. Conclusões: Este modelo de transplante pulmonar mostrou que o desempenho funcional do enxerto não foi influenciado pela estratégia ventilatória utilizada até seis horas após a reperfusão.

Palavras-chave: Ventilação pulmonar; Respiração artificial; Transplante de pulmão; Cães; Preservação de órgãos

Introdução

A utilização de pulmões extraídos após a parada cardiocirculatória (PCC) passou a integrar a realidade clínica devido à demanda crescente de órgãos. Entretanto, a partir da utilização de tal estratégia, antecipa-se que enxertos oriundos desses doadores possam apresentar alterações isquêmicas que possam resultar em disfunção do enxerto no período pós-transplante imediato. A injúria isquêmica pode causar complicações resultantes da reperfusão do enxerto, tais como lesão pulmonar induzida por isquemia e reperfusão (I/R), insuficiência aguda do enxerto e rejeição hiperaguda.(1,2) A lesão de I/R é uma causa importante de morbidade e mortalidade nas primeiras semanas após a realização do transplante pulmonar.(3) Em 15% dos casos, ocorre lesão pulmonar grave, cujo padrão se assemelha ao de SARA.(4) Quanto maior a gravidade da lesão de I/R, maior será a chance de o paciente necessitar de suporte ventilatório mecânico prolongado.(5) As disfunções pulmonares associadas com a lesão pulmonar aguda e a lesão de I/R possuem fatores clínicos e fisiopatológicos semelhantes aos de SARA. Isso permite inferir que estratégias ventilatórias eficazes em pacientes com SARA possam ter aplicabilidade em pacientes submetidos a transplante de pulmão.(6) A otimização da ventilação tem por objetivo reduzir barotrauma, volutrauma e biotrauma, capazes de gerar repercussões sistêmicas que podem contribuir para a morbidade e a mortalidade.(7)

Existem poucos estudos com foco na ventilação mecânica no pós-operatório imediato e na sua potencial influência no desempenho do pulmão transplantado. Este estudo objetiva comparar o impacto de duas estratégias ventilatórias - ventilação controlada a volume (VCV) e ventilação controlada a pressão (VCP) - em um modelo canino de transplante pulmonar unilateral, no qual se utilizaram pulmões captados três horas após PCC.

Métodos

Foram incluídos 40 cães adultos, mestiços, não condicionados, selecionados aleatoriamente e com peso entre 15 e 30 kg. Os animais receberam tratamento humanitário conforme padrões internacionais para o uso de animais em laboratório. Vinte cães doadores foram submetidos à anestesia geral (tiopental sódico e citrato de fentanil) e mantidos em ventilação mecânica como descrito previamente.(8) Os seguintes parâmetros ventilatórios foram ajustados utilizando-se um ventilador pneumático eletrônico (Narcosul Ltda, Porto Alegre, Brasil) sob VCV: FiO2 = 1,0; volume corrente (VT) = 15 mL/kg; FR = 20 ciclos/min; relação inspiratória: ­expira­tória = 1:2; e positive end-expiratory pressure (PEEP, pressão expiratória final positiva) = 5 cmH2O. Essa regulagem foi definida como a estratégia padrão para VCV. A seguir, foi coletada uma amostra de sangue arterial para a análise de gases sanguíneos basais dos doadores. Os cães receberam anticoagulação com heparina (5 mg/kg i.v.) e foram sacrificados (tiopental sódico 65 mg/kg i.v.). Após a PCC, foi realizada a biópsia do lobo inferior do pulmão direito, e os animais foram mantidos em ventilação mecânica por 180 min a temperatura ambiente.

Ao término da isquemia normotérmica, o bloco cardiopulmonar foi extraído após perfusão pulmonar por via retrograda com 50 mL/kg de solução Perfadex® (Vitrolife, Kungsbacka, Suécia).(8,9) Após isquemia hipotérmica (4°C) por duas horas, o pulmão esquerdo foi preparado para ser transplantado no receptor. Os animais receptores foram submetidos à indução anestésica semelhante aos doadores, intubados e ventilados utilizando-se um ventilador, modelo Servo 900-C (Siemens Elema, Solna, Suécia), em estratégia padrão VCV. As seguintes curvas foram registradas através de um monitor gráfico de ventilação, modelo Tracer 5 (Intermed Ltda, São Paulo, Brasil): pressão-tempo, fluxo-tempo, volume-tempo, pressão-volume e fluxo-volume. A monitorização hemodinâmica incluiu pressão arterial média (PAM), pressão de artéria pulmonar (PAP), ritmo e FC. Os parâmetros foram mantidos em níveis fisiológicos para a espécie, ou seja, PAM = 60-110 mmHg, PAP = 15-20 mmHg, FC = 60-120 bpm e ritmo cardíaco sinusal, com manejo hemodinâmico e utilização de drogas vasoativas quando necessários. Foram monitoradas a temperatura esofágica e a volemia dos cães, estimada em 80 mL/kg.(10)

As variáveis ventilatórias incluíram: VT expirado, volume minuto expirado, pressão de pico inspiratório (PPI) nas vias aéreas, pressão de platô (PPLAT), pressão média nas vias aéreas (Pmédia), complacência dinâmica (Cdyn) e complacência estática (Cstat) do sistema respiratório.

A leitura de PPLAT foi realizada após pausa inspiratória de cinco segundos. A oxigenação foi estudada através dos seguintes parâmetros: índice de oxigenação (PaO2/FiO2), pressão venosa mista de oxigênio (PvO2) e diferença arteriovenosa de oxigênio, ou seja, ΔSO2 = SaO2 − saturação venosa mista de oxigênio (SvO2). A ventilação foi avaliada pelos níveis de PaCO2 e pressão venosa mista de dióxido de carbono (PvCO2). Estabeleceu-se como desejável a manutenção da relação PaO2/FiO2 > 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 50 mmHg. A manutenção da anestesia foi realizada através da infusão contínua de midazolam (0,005-0,010 µg/kg/min), cloridrato de fentanil (0,1-0,2 µg/kg/min) e pancurônio (1-2 mg/h). O transplante pulmonar unilateral esquerdo foi realizado conforme técnica previamente descrita.(9) Os registros das variáveis hemodinâmicas, de mecânica respiratória e das trocas gasosas foram realizados nos seguintes momentos: momento basal; 15 min após o clampeamento da artéria pulmonar esquerda, seguida de nova biopsia do pulmão esquerdo; 15 min após a reperfusão; e 15 min após a exclusão pulmonar à direita por clampeamento do brônquio principal e da artéria pulmonar direitos. Após a síntese da parede torácica, os animais foram colocados em decúbito dorsal horizontal e randomizados em dois grupos (Grupo VCV e Grupo VCP). A partir deste ponto, foram registradas medidas a cada 30 min até 360 min. Para o grupo VCV, a regulagem dos parâmetros foi mantida como a estratégia padrão. Para o grupo VCP, o ajuste do nível de PPI foi realizado para a obtenção de VT = 15 mL/kg.

Todos os demais parâmetros foram regulados de forma idêntica aos ajustados para o grupo VCV. No decorrer do experimento, foram realizados ajustes na FR (20-30 ciclos/min), buscando-se um volume minuto = 300 mL/kg/min, com limite de PPI de 50 cmH2O desde que PPLAT < 35 cmH2O e PaO2 > 200 mmHg, tolerando-se hipercapnia entre 50 e 80 mmHg.(11) Na presença de hipoxemia, realizaram-se manobras de recrutamento alveolar utilizando-se 50% a mais do VT expirado inicialmente fixado e mantida a PPI em 35 cmH2O por um período de oito segundos. Ao final do período de avaliação, foi realizada nova biopsia do pulmão transplantado, e os animais foram sacrificados (tiopental sódico, 65 mg/kg i.v.). A relação peso úmido/peso seco foi determinada nos pulmões transplantados.(8) As amostras de tecido pulmonar foram fixadas, incluídas em parafina, cortadas e coradas (H&E). As alterações inflamatórias, a intensidade e a localização das lesões histopatológicas foram avaliadas por um patologista cegado quanto ao protocolo e região da amostra, utilizando-se um escore histológico.(12)

A análise estatística foi realizada através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 10.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Para a comparação dos grupos entre si, foi utilizado o teste paramétrico t de Student para amostras independentes, e os valores obtidos foram descritos em médias e desvios-padrão. As medidas hemodinâmicas, de mecânica respiratória e de troca gasosa foram comparadas entre os grupos VCV e VCP, entre 30 e 360 min após o término do transplante, por ANOVA para medidas repetidas, seguidas do teste de comparações múltiplas das diferenças mínimas significativas (teste LSD). Os resultados foram representados graficamente por média ± ep. As características histopatológicas da amostra inicial com a amostra final foram descritas em frequências absolutas e relativas e comparadas pelo teste exato de Fisher. O nível de significância estatística foi definido em p < 0,05.

Resultados

Dentre os 20 animais receptores, 5 foram excluídos por não terem sobrevivido ao transplante. Outros 5 animais morreram antes de completar 360 min de observação (3 do grupo VCV e 2 do grupo VCP), devido a sangramento excessivo e instabilidade hemodinâmica. Dentre os 10 animais sobreviventes, não houve diferenças significativas entre os grupos em relação ao peso corporal, tempo de isquemia total, tempo de anastomose, relação peso úmido/peso seco, consumo total de anestésicos, volume de soluções hidroeletrolíticas administradas e diurese. As medidas da PAM, PAP, FC e temperatura esofágica não revelaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. A ventilometria obtida em ambos os grupos não revelou diferenças significativas nos valores de VT (p = 0,49). Observou-se uma tendência para valores superiores de FR no grupo VCV (p = 0,09; Figura 1). A FR aumentou ao longo do tempo, sendo significativamente maior nos momentos finais do experimento (p = 0,01). As medidas de PPI, PPLAT (Figura 2), Pmédia, Cdyn e Cstat não diferiram entre os grupos. A relação PaO2/FiO2, PvO2, PaCO2 e PvCO2 foram similares em ambos os grupos, apesar do aumento progressivo e persistente da PaCO2 (Figura 3).











Houve tendência a uma diminuição progressiva de PaO2/FiO2 ao longo do tempo (p = 0,09). Houve um aumento progressivo das medidas de ΔSO2 até o final do período de avaliação (p = 0,04; Figura 4). As biopsias pulmonares revelaram dano alveolar difuso, semelhantes em ambos os grupos. Os septos alveolares se mostravam com rupturas em 2 animais do grupo VCV e em 1 do grupo VCP (Figura 5).








Discussão

A captação de pulmões de doadores após PCC passou a integrar a realidade clínica após extensa investigação experimental.(9,13,14)
Recentemente, a sobrevida de transplantados nos quais se utilizaram pulmões captados de doadores após PCC, quando comparada com a de receptores de órgãos captados de doadores em morte cerebral, é algo inferior, não obstante ainda em níveis aceitáveis, com sobrevida em um ano e em dois anos de 78% e 69% no primeiro grupo e de 94% e 87% no segundo, respectivamente.(15) Antecipa-se que, nesses doadores após PCC, as alterações isquêmicas decorrentes sejam graves e resultem em um maior número de complicações. Poucos estudos têm abordado especificamente a estratégia ventilatória aplicada em modelos experimentais de pacientes submetidos a transplante pulmonar. O presente estudo é, até o momento, o primeiro a testar estratégias ventilatórias controladas convencionais (VCV e VCP) diferentes em um modelo experimental de transplante de pulmão em cães, com a utilização de doadores após PCC com três horas de isquemia normotérmica. Não encontramos diferenças significativas em relação às variáveis de troca gasosa e de mecânica ventilatória, nem da análise histopatológica, que possam sugerir um benefício inequívoco de uma modalidade sobre a outra.

Apesar do prejuízo funcional progressivo verificado, os pulmões transplantados mantiveram a habilidade de efetuar as trocas gasosas, apesar da redução de PaO2/FiO2 e de PvO2 durante a avaliação. As modificações na PvO2 (valores abaixo de 40 mmHg) apontam para uma perturbação da oxigenação tecidual. Houve um aumento gradativo e variável de ΔSO2 que reflete alterações relevantes (ΔSO2 > 30%) de SvO2.

A SvO2 é um indicador de transferência de oxigênio através da membrana capilar dos alvéolos, assim como do débito cardíaco e da utilização periférica de oxigênio. Um valor de SvO2 < 60 mmHg na presença de troca gasosa adequada indica queda do débito cardíaco, alto consumo de oxigênio ou pode refletir uma alteração da relação ventilação/perfusão. O aumento em ΔSO2 pode ser devido a redução na transferência de oxigênio ao nível dos pulmões, queda no transporte de oxigênio aos tecidos ou aumento da utilização tecidual de oxigênio, provavelmente devido às diferentes respostas a drogas vasoativas e ao manejo hemodinâmico.(16) Nas variáveis usadas para monitorar a ventilação, observaram-se grandes elevações dos níveis de PaCO2 e PvCO2 desde o término do transplante. Os valores de PaCO2 e PvCO2 mantiveram-se todo o tempo em níveis superiores no grupo VCV. Dessa forma, com o uso de volumes minuto similares, com menores ajustes de FR e maior Pmédia, os animais do grupo VCP se mantiveram com PaCO2 menores, confirmando um melhor desempenho na habilidade de eliminar o CO2.

As alterações encontradas provavelmente devem-se ao aumento do espaço morto fisiológico, decorrente das grandes alterações da relação ventilação/perfusão. Em uma revisão de pacientes transplantados,(17) demonstrou-se que a redução da capacidade de difusão de CO2 é frequente nos enxertos pulmonares. A estratégia VCP tem teoricamente maiores chances de promover menores níveis de PaCO2 e menor relação volume do espaço morto/VT por sua propensão em promover uma melhor distribuição dos gases intra-alveolares.(18) Um grupo de autores(19) assinalou que a estratégia ventilatória VCP parece acompanhar-se, ao longo do tempo, de tendência à normalização mais rápida na eliminação do CO2. Essa seria a vantagem a considerar, particularmente nos casos em que houvesse tendência à hipercapnia.

As estratégias ventilatórias foram comparáveis em relação a VT, FR, volume minuto expirado e fluxo inspiratório médio. Seus valores confirmaram a interferência dos ajustes na FR pela tendência a níveis mais elevados com a progressão do tempo. Outros estudos compararam a eficácia de uma estratégia ventilatória estudando pacientes ou animais com diferentes volumes minuto.(20,21) As PPI, PPLAT e Pmédia foram similares nos dois grupos. A PPI varia em função de parâmetros inerentes tanto ao paciente quanto ao ventilador, e, entre eles, estão a complacência pulmonar, a resistência das vias aéreas e o fluxo inspiratório. Não ocorreu nenhum evento de barotrauma, embora a PPI tenha atingido valores superiores a 35 cmH2O no grupo VCV. Durante o período de avaliação, ocorreu um aumento gradativo de PPI, principalmente no grupo VCV, coincidente com a necessidade de maiores ajustes na FR. À medida que houve a necessidade de ajustes na FR, o fluxo inspiratório aumentou, o que promoveu PPIs mais elevadas. De acordo com a tendência apontada em nossos resultados, um grupo de autores,(22) comparando as estratégias VCV e VCP em pacientes submetidos à ventilação monopulmonar, observaram que PPI, PPLAT e o shunt pulmonar foram significativamente maiores durante a VCV, enquanto PaCO2 foi maior durante a VCP, e concluíram que a VCP é uma alternativa à VCV em pacientes que necessitem de ventilação monopulmonar, podendo ser superior à VCV em pacientes com doenças respiratórias. Os baixos níveis de PEEP utilizados neste experimento (5 cmH2O) podem ter contribuído com os baixos níveis de PaO2 e terem facilitado a ocorrência de atelectasias, assim como, provavelmente, momentos de recrutamento e desrecrutamento alveolar, fatos esses que interferem negativamente nas trocas gasosas. Embora existam raros relatos de níveis de PEEP utilizados na rotina pós-operatória dos transplantados de pulmão, um grupo de autores(23) relatou preferir níveis moderados de PEEP (5 a 8 cmH2O) combinados com a estratégia VCP.

A análise histopatológica dos fragmentos pulmonares revelou dano alveolar difuso semelhante entre os grupos. O dano alveolar difuso é uma característica limitada e estereotipada da reação pulmonar a uma agressão aguda.(24) Nossos resultados confirmam o padrão esperado das alterações mais precoces de lesão aguda. Entretanto, vários fatores combinados podem levar a esse padrão de lesão, como a toxicidade ao oxigênio, a ventilação mecânica e a própria lesão de I/R.(25,26)

Três estudos experimentais abordaram estratégias ventilatórias após a reperfusão do enxerto pulmonar. Os dois primeiros utilizaram ventilação líquida parcial com perfluorocarbonos em modelos de transplante pulmonar.(8,27) O terceiro avaliou uma estratégia de ventilação gasosa em modelo de lesão de I/R após transplante de pulmão em ratos.(28)

Comparou-se uma estratégia de ventilação convencional com outra de ventilação mecânica com estresse mínimo. Após três horas de reperfusão, a oxigenação, os níveis de citocinas, a elastância e os sinais morfológicos de lesão pulmonar apresentaram melhores resultados no grupo submetido à estratégia protetora. Este estudo comprova que a estratégia ventilatória usada nas fases iniciais da reperfusão do transplante pulmonar pode influenciar a lesão de I/R. Portanto, os resultados não podem ser comparáveis, pois apenas a escolha da estratégia de ventilação controlada não possibilitou necessariamente uma estratégia de estresse mínimo. Assim sendo, nesse cenário, a estratégia ventilatória isoladamente não foi suficiente para modificar o desempenho dos enxertos em até seis horas de reperfusão. A ampliação da amostra poderia demonstrar se as tendências verificadas - maior eliminação de dióxido de carbono e menores PPIs - na estratégia VCP poderiam gerar menor estresse aos tecidos pulmonares e suas
consequentes respostas inflamatórias.

A principal limitação de nosso modelo experimental é a exclusão do pulmão nativo contralateral. Embora isso torne possível a avaliação da função do órgão transplantado exclusivamente, em contrapartida cria-se uma situação não fisiológica na qual o pulmão recém-transplantado recebe todo o débito cardíaco. Essa estratégia vem sendo utilizada desde os primórdios desse modelo experimental(29) no intuito de simular a condição clínica na qual o pulmão nativo não participa das trocas gasosas. Dessa forma, há a possibilidade de ocorrerem efeitos somatórios aos da lesão de I/R, provavelmente agravados pelo aumento da pressão hidrostática intrapulmonar. O somatório desses fatores certamente contribuiu para a alta mortalidade neste experimento (34%).

Embora este seja um modelo de captação após PCC com severa lesão pulmonar isquêmica, ele permite uma análise de várias alternativas de manejo hemodinâmico e ventilatório, fornecendo a possibilidade de identificação de qualquer estratégia que promova um impacto significativo e que possa interferir no resultado global dos desfechos. O conhecimento dos riscos e consequências da lesão pulmonar induzida por ventilador mudou a filosofia da terapia respiratória e tem influenciado nas recomendações e padronizações de uso da ventilação mecânica. Não é mais suficiente alcançarem-se valores fisiológicos adequados de trocas gasosas, mas sim dever-se-á promover uma ventilação menos traumática para que se minimizem a lesão pulmonar e os efeitos colaterais em outros órgãos devido à aplicação da ventilação mecânica.(30)

Concluímos que, neste modelo experimental de transplante pulmonar unilateral que utilizou pulmões captados após três horas de PCC normotérmica, o desempenho pulmonar em até seis horas da reperfusão não foi modificado substancialmente por ambas as estratégias ventilatórias utilizadas. Assim sendo, estudos futuros, com alternativas de preservação e de recondicionamento pulmonar, bem como de modalidades de ventilação protetora, devem ser empreendidos para que se esclareçam quais são as melhores estratégias a serem utilizadas em situações extremas, como as que envolvem a doação pulmonar após PCC.

Agradecimentos

Agradecemos à engenheira Leria R. Holsbach, do Departamento de Engenharia Clínica da Santa Casa de Porto Alegre, o apoio técnico.


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* Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental Jean Carlo Kohmann, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, e no Programa de Pós-Graduação em Pneumologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Francisco Guerreiro Cardoso. Instituto do Coração/HCFMUSP, Disciplina de Cirurgia Torácica, Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, bloco 2, sala 9, Cerqueira Cesar, CEP 05403-000, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 3069-5248. E-mail: cardosop@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Vitrolife Suécia através da doação das soluções de preservação pulmonar e da Siemens Brasil através da doação de um ventilador e um monitor hemodinâmico.
Recebido para publicação em 25/2/2010. Aprovado, após revisão, em 23/4/2010.


Sobre os autores

Elaine Aparecida Felix
Professora Adjunta. Departamento de Cirurgia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Cristiano Feijó Andrade
Cirurgião Torácico. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e do Hospital da Criança Santo Antônio, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Paulo Francisco Guerreiro Cardoso
Professor Associado. Departamento de Cirurgia, Disciplina de Cirurgia Torácica, Universidade Federal de Ciências da Saúde, e Cirurgião Torácico. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil; Professor Visitante. Disciplina de Cirurgia Torácica, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Gabriela Cury Thiesen
Médica Anestesiologista. Hospital Padre Jeremias, Cachoeirinha (RS) Brasil.

Ana Carolina Peçanha Antonio
Médica Internista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Lucas Krieger Martins
Médico. Instituto de Cardiologia de Uruguaiana, Uruguaiana (RS) Brasil.

Tiago Antonio Tonietto
Médico. Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre (RS) Brasil.

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