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Artigo Original

Fatores preditores da qualidade de vida relacionada à saúde física e mental em pacientes com doença pulmonar intersticial: uma análise multifatorial

Predictors of physical and mental health-related quality of life in patients with interstitial lung disease: a multifactorial analysis

Ana Cláudia Coelho, Marli Maria Knorst, Marcelo Basso Gazzana, Sérgio Saldanha Menna Barreto

ABSTRACT

Objective: To determine predictors of health-related quality of life (HRQoL) in patients with interstitial lung disease (ILD). Methods: A cross-sectional study comprising 63 patients, all of whom underwent lung function testing and the six-minute walk test. The following instruments were used: the Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey (SF-36), the Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), the Beck Anxiety Inventory, the Beck Depression Inventory, and the Modified Medical Research Council Dyspnea Scale. Principal component analysis was used in order to reduce the dimensionality of the data, thereby identifying the predictor variables, and multiple linear regression analysis was used in order to identify the explanatory variables. Results: Of the 63 patients, 34 were female. The mean age was 60.1 ± 13.3 years, the mean FVC was 64.17 ± 15.54% of predicted, and the mean DLCO was 44.21 ± 14.47% of predicted. All of the patients evaluated had impaired HRQoL, scoring worst for the SF-36 physical functioning and SGRQ activity domains. Of the patients evaluated, 60.3% and 57.1% showed symptoms of anxiety and depression, respectively. The principal component analysis identified one predictor of physical HRQoL and one predictor of mental HRQoL. Depression had a strong influence on the predictor of mental HRQoL, and the degree of dyspnea had a strong influence on both predictors of HRQoL in the patients evaluated. Variables related to lung function, exercise capacity, and anxiety had no impact on these predictors. Conclusions: In our sample of patients with ILD, the degree of dyspnea had a major impact on the physical and mental HRQoL, and depression had an impact on mental HRQoL.

Keywords: Anxiety; Depression; Dyspnea; Lung diseases, interstitial; Quality of life; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: Avaliar fatores preditores da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) em pacientes com doença pulmonar intersticial (DPI). Métodos: Estudo transversal com 63 pacientes, submetidos a provas de função pulmonar e teste de caminhada de seis minutos. Foram aplicados os seguintes instrumentos: Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey (SF-36), Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ), os inventários de ansiedade e depressão de Beck e Modified Medical Research Council Dyspnea Scale. A análise de componentes principais foi utilizada para reduzir as variáveis em fatores preditivos, e a análise de regressão linear múltipla foi utilizada como um modelo explicativo. Resultados: Dos 63 pacientes, 34 eram mulheres. A média de idade foi de 60,1 ± 13,3 anos, média de CVF = 64,17 ± 15,54% do previsto e média de DLCO = 44,21 ± 14,47% do previsto. Todos os pacientes avaliados tinham sua QVRS prejudicada, e os piores escores foram observados nos domínios capacidade funcional do SF-36 e atividade do SGRQ. Dos pacientes avaliados 60,3% e 57,1% apresentaram sintomas de ansiedade e depressão, respectivamente. A análise de componentes principais identificou um fator preditor para QVRS física e um fator preditor para QVRS mental. A depressão apresentou uma forte influência sobre o fator preditor de QVRS mental, e o grau de dispneia apresentou uma influência significativa sobre os dois fatores preditores de QVRS nos pacientes avaliados. Variáveis relacionadas à função pulmonar, capacidade de exercício e ansiedade não apresentaram impactos sobre esses fatores preditores. Conclusões: Em nossa amostra de pacientes com DPI, o grau de dispneia teve um impacto importante sobre a QVRS física e mental, e a depressão teve um impacto sobre a QVRS mental nos pacientes com DPI.

Palavras-chave: Ansiedade; Depressão; Dispneia; Doenças pulmonares intersticiais; Qualidade de vida; Testes de função respiratória.

Introdução

As doenças crônicas e progressivas que levam à fibrose pulmonar intersticial são coletivamente conhecidas como doença pulmonar intersticial (DPI), a qual está associada ao aumento da mortalidade.(1) O tratamento da DPI é um dos maiores desafios da medicina.

A qualidade de vida de pacientes com DPI tem sido objeto de vários estudos e está associada a uma série de fatores(2-8): os sintomas da própria doença, os efeitos colaterais dos medicamentos, a progressão natural da disfunção respiratória e a limitação funcional relacionada à doença. Entretanto, há apenas alguns estudos avaliando o impacto da depressão e dos sintomas da ansiedade sobre a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) física e mental de pacientes com DPI.(5,6,9)
O objetivo deste estudo foi identificar fatores preditores de QVRS em uma amostra de pacientes com DPI.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal envolvendo 63 pacientes com DPI, diagnosticados de acordo com critérios clínicos, radiológicos e histopatológicos.(1,10) Os pacientes foram selecionados sequencialmente dentre aqueles em tratamento em um ambulatório do Hospital de Clínicas de Porto Alegre entre janeiro de 2007 e agosto de 2008. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram incluídos pacientes com diagnóstico de qualquer DPI e padrão restritivo ou redução da DLCO, independentemente do tratamento farmacológico, da fase da doença ou de confirmação histopatológica.

Foram excluídos pacientes que apresentassem quaisquer das seguintes condições: exacerbação da DPI 30 dias antes da inclusão no estudo, doença pulmonar restritiva não parenquimatosa, predomínio de doença pulmonar obstrutiva, uso de oxigenoterapia domiciliar, doença arterial coronariana não controlada, doença neuromuscular, anomalias esqueléticas e qualquer outra comorbidade que afetasse a deambulação. Pacientes que estivessem participando de programas de reabilitação pulmonar também foram excluídos.

Após a inclusão, todos os pacientes foram submetidos a provas de função pulmonar e avaliação da capacidade funcional. Além disso, vários questionários e escalas foram aplicados por um pesquisador experiente.
Para determinar a CVF, o VEF1 e a VEF1/CVF, utilizou-se a espirometria, enquanto para medir a CPT, o VR e a capacidade residual funcional (CRF), utilizou-se a pletismografia de corpo inteiro. Para determinar a DLCO corrigida para hemoglobina, utilizaram-se os métodos de pausa respiratória única e pausa respiratória sustentada. Os testes foram realizados com um pletismógrafo corporal de volume constante (MasterScreen Body; Jaeger, Würzburg, Alemanha), de acordo com as diretrizes da American Thoracic Society (ATS)/European Respiratory Society,(11‑13) e foram utilizados valores de referência estabelecidos anteriormente.(14-16) A restrição do volume pulmonar foi classificada como leve (CPT = 70-79% do previsto), moderada (CPT = 60-69% do previsto) ou grave (CPT < 60% do previsto).(17) A DLCO foi considerada reduzida quando < 75% do previsto.(13)

Com o paciente na posição sentada e respirando ar ambiente, foi coletada uma amostra de sangue arterial (da artéria radial) para a avaliação da PaO2, da PaCO2 e da SaO2%, na qual foi utilizado um aparelho de gasometria (Rapidlab 865-2; Bayer, Fernwald, Alemanha).

A capacidade funcional foi avaliada por meio do teste de caminhada de seis minutos (TC6), de acordo com as diretrizes da ATS,(18) e os seguintes parâmetros foram analisados: distância percorrida no TC6, SpO2% (oximetria de pulso), FC e percepção de dispneia e dor em membros inferiores (escala modificada de Borg). O TC6 foi realizado em um corredor de 27 m, e estímulos verbais padronizados foram fornecidos a cada minuto. A SpO2 e a FC foram monitoradas continuamente por meio de telemetria, a qual possibilitou a identificação da SpO2 mínima durante o teste. A dessaturação foi definida como uma SpO2 em repouso (o menor valor registrado durante um período de pelo menos 30 s) > 4%.

O TC6 foi realizado duas vezes, com um intervalo mínimo de 30 min entre os dois testes para permitir que a FC retornasse ao seu valor inicial em repouso. Foram utilizados valores previstos para o TC6 descritos anteriormente.

A QVRS foi avaliada pelo Medical Outcomes Study 36-item Short-form Health Survey (SF-36)(19) e pelo Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ),(20) ambos traduzidos para o português e validados para uso no Brasil.(21,22) O SF-36 é um instrumento genérico de QVRS composto por 36 itens agrupados em oito domínios: capacidade funcional, função física, dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, função emocional e saúde mental.(19) Os escores foram convertidos em um escala de 100 pontos, e escores mais altos indicam melhor QVRS.(6,19,21) O SGRQ é um questionário com 76 itens agrupados em três domínios (sintomas, atividade e impactos psicossociais). Os escores para cada domínio do SGRQ totalizam no máximo 100 pontos, e escores mais baixos indicam melhor QVRS.(6,20,22)

O Inventário de Ansiedade de Beck (IAB) e o Inventário de Depressão de Beck (IDB) são escalas desenvolvidas para identificar pacientes com distúrbios psicossomáticos, e ambas foram validadas para uso no Brasil.(23-25) O IAB mede os sintomas comuns de ansiedade. Consiste em uma lista de 21 sintomas, com respectivas questões de múltipla escolha (com quatro opções), cada uma correspondendo a um nível maior de ansiedade. O nível de ansiedade é determinado pelo escore total do IAB: 0-9 (mínimo), 10-16 (leve), 17-29 (moderado) e 30-63 (grave).(23-25) O IDB mede objetivamente as manifes­tações comportamentais da depressão. Possui 21 categorias de sintomas e atividades. O escore total do IDB quantifica a gravidade dos sintomas depressivos.(23-25) Para amostras de pacientes com distúrbios afetivos, o Center for Cognitive Therapy recomenda a seguinte classificação dos sintomas depressivos,(26) determinada pelo escore total do IDB: 0-9 (nenhum ou mínimo), 10-18 (leve a moderado), 19-29 (moderado a grave) e 30-63 (extremamente grave).

O grau de dispneia foi determinado pela Modified Medical Research Council (MMRC) Dyspnea Scale, a qual foi validada para uso no Brasil.(27) A MMRC é uma escala simples, com apenas cinco itens, na qual os pacientes relatam o grau de dispneia e como isso limita suas atividades de vida diária.(28)

O tamanho da amostra foi calculado de acordo com o método desenvolvido por Bryant & Yarnold, os quais recomendam uma razão sujeito-variável de pelo menos 5:1.(29) Portanto, para o estudo dos oito domínios do SF-36 e dos três domínios do SGRQ (onze domínios de QVRS no total), foi necessária a inclusão de 55 pacientes com DPI. A análise dos dados foi realizada com o Statistical Package for the Social Sciences, versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para determinar a normalidade das variáveis. Os dados quantitativos são apresentados em número (%), em média ± dp ou em mediana (intervalo interquartílico). Os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

A análise de componentes principais foi utilizada para reduzir a dimensionalidade dos dados coletados, permitindo-nos identificar o menor número de fatores relacionados às variáveis em questão. Para determinar o número de fatores, utilizamos o critério de um eigenvalue > 1. Para selecionar as variáveis para cada fator, utilizamos cargas fatoriais, sendo a variável atribuída ao fator com a carga mais alta. Utilizamos a rotação varimax com normalização de Kaiser.(29)

A análise de regressão linear múltipla foi utilizada como um modelo explicativo, comparando-se a relativa influência de cada variável independente sobre a variável dependente, e não como um modelo preditivo. Um modelo único incluindo todas as variáveis independentes foi testado para identificar variáveis associadas à QVRS física e à QVRS mental dos pacientes com DPI (variáveis dependentes). As variáveis dependentes e o número mínimo de variáveis independentes são representados pelos fatores determinados por meio da análise de componentes principais descrita acima.(29)

Resultados

Um total de 63 pacientes com DPI foi incluído no estudo. As características basais dos pacientes são mostradas na Tabela 1. Os diagnósticos mais comuns foram fibrose pulmonar idiopática (FPI) e pneumonite de hipersensibilidade crônica. O diagnóstico de DPI foi feito com base em critérios clínicos e radiológicos em 44,4% dos pacientes, resultados da biópsia pulmonar a céu aberto em 36,5%, resultados da biópsia transbrônquica em 15,9% e resultados da biópsia mediastinal em 3,2%.




Com relação à gravidade do comprometimento da função pulmonar, a restrição se mostrou leve em 21 pacientes (33,3%), moderada em 11 (17,5%) e grave em 6 (9,5%). Como se pode ver na Tabela 2, encontrou-se redução da DLCO em 51 pacientes (81,0%). A média do VR foi de 115,81 ± 25,94% do previsto, e a média da CPT foi de 75,53 ± 11,82% do previsto; portanto, a relação VR/CPT ficou levemente elevada (47,40 ± 9,18  L). A média da distância percorrida no TC6 foi de 437,2 ± 108,4 m, e 84,1% dos pacientes apresentaram dessaturação significativa durante o TC6.



No momento das entrevistas, 28 (44,4%) dos pacientes não estavam recebendo nenhum tratamento farmacológico, 23 (36,5%) estavam recebendo corticosteróides orais, 8 (12,7%) estavam recebendo imunossupressores orais (ciclofosfamida, azatioprina, metotrexato ou combinações deles), e 4 (6,3%) estavam recebendo uma combinação de corticosteróides orais e imunossupressores. Dos 63 pacientes entrevistados, 31 (49,2%) eram não fumantes, 30 (47,6%) eram ex-fumantes, e 2 (3,2%) eram fumantes atuais. A mediana do tabagismo foi de 18,8 anos-maço (variação: 0,1-120 anos-maço).

A QVRS se mostrou comprometida em todos os pacientes avaliados (Tabela 3). Os piores escores foram encontrados nos domínios capacidade funcional do SF-36 e atividade do SGRQ. Houve uma alta prevalência de sintomas depressivos e de ansiedade. Descobrimos que 36 pacientes (57,1%) apresentavam sintomas depressivos, os quais eram leves a moderados em 27, moderados a graves em 8 e graves em 1. Também descobrimos que 39 pacientes (60,3%) apresentavam sintomas de ansiedade, os quais eram leves em 23, moderados em 12 e graves em 4.




Em relação aos dados coletados nas entrevistas (SF-36 e SGRQ), a análise de componentes principais identificou dois fatores, os quais foram designados QVRS física e QVRS mental. Esses fatores explicaram 64,8% da variância total. Os domínios com maior correlação com o fator QVRS física (mostrados aqui com suas respectivas cargas fatoriais) foram os seguintes: domínio capacidade funcional do SF-36 (0,868), domínio atividade do SGRQ (−0,848), domínio impactos psicossociais do SGRQ (−0,811), domínio sintomas do SGRQ (−0,806) e domínio vitalidade do SF-36 (0,620). Os domínios com maior correlação com o fator QVRS mental (e suas respectivas cargas fatoriais) foram os seguintes: domínio função emocional do SF-36 (0,778), domínio função física do SF-36 (0,730), domínio estado geral de saúde do SF-36 (0,714), domínio saúde mental do SF-36 (0,713), domínio aspectos sociais do SF-36 (0,638), e domínio dor corporal do SF-36 (0,435).

A análise de componentes principais dos dados das provas de função pulmonar identificou dois fatores que explicaram 80,2% da variância total. As variáveis que melhor se correlacionaram com o fator 1 para provas de função pulmonar foram a CPT, % do previsto (0,937) e a CVF, % do previsto (0,922), enquanto as que melhor se correlacionaram com o fator 2 para provas de função pulmonar foram a DLCO, % do previsto (0,836) e a PaO2 (0,824).

Na análise dos dados do TC6, foram identificados dois fatores que explicaram 76,1% da variância total. As variáveis que melhor se correlacionaram com o fator 1 para TC6 foram a dispneia ao final do teste (0,858) e a SpO2 mínima em % (−0,706), enquanto a variável que melhor se correlacionou com o fator 2 para TC6 foi a distância percorrida no TC6 (0,955).

Na análise de regressão linear múltipla, as variáveis independentes foram fatores 1 e 2 para provas de função pulmonar, TC6, grau de dispneia (escore de MMRC), nível de ansiedade (escore do IAB) e gravidade da depressão (escore do IDB). As Tabelas 4 e 5 mostram o modelo de regressão linear múltipla.








A Tabela 4 mostra a análise de regressão linear múltipla com o fator QVRS física como variável dependente. O valor de p indica quais variáveis se correlacionaram significativamente. A variável que mais contribuiu para o fator QVRS física foi o grau de dispneia (p < 0,001; β = −0,532).

Entretanto, os coeficientes β revelam que, embora a influência do fator 2 para provas de função pulmonar e do fator 1 para TC6 não tenha sido significativa para a QVRS física, essas variáveis tiveram uma importância de razoável relevância. Em relação à depressão, não se observou nenhuma influência sobre a QVRS física.

Na análise de regressão linear múltipla com o fator QVRS mental como variável dependente (Tabela 5), os sintomas depressivos e o grau de dispnéia foram os fatores principais (p < 0,001; β = −0,665, e p = 0,035; β = −0,311, respectivamente). Entretanto, os coeficientes β revelam que, além dessas duas variáveis, o fator 2 para TC6 também exerceu uma certa influência sobre a QVRS mental. Para todas as outras variáveis, os coeficientes β indicaram quase nenhuma influência sobre a QVRS mental.
Comparando-se os dois modelos, pode-se ver que a depressão teve uma forte influência sobre a QVRS mental, mas quase nenhuma sobre a QVRS física, enquanto o grau de dispneia teve uma influência significativa sobre a QVRS física e mental.

Discussão

Nosso estudo investigou fatores preditores de QVRS em pacientes com DPI em relação a seus aspectos físicos e mentais. Os escores que indicaram o maior comprometimento da QVRS foram os relacionados aos aspectos físicos. A variável que mais contribuiu para a QVRS física foi o grau de dispneia, enquanto o grau de dispneia e a gravidade da depressão foram as variáveis que mais contribuíram para a QVRS mental.
Em nosso estudo, a prevalência de sintomas depressivos foi alta (57,1%), mas semelhante à encontrada por outros investigadores. Em nosso estudo, a prevalência de sintomas depressivos em uma amostra de pacientes com sarcoidose foi de 66%,(6) semelhante à encontrada em outro estudo com tais pacientes (60%).(9) Embora os sintomas de ansiedade não tenham influenciado significativamente a QVRS em nossa amostra de pacientes com DPI, a prevalência de ansiedade foi alta (60,3%). Estudos sobre a prevalência de ansiedade em pacientes com
DPI ainda são escassos, e mais estudos são, portanto, necessários.

Um grupo de autores avaliou a QVRS de pacientes com DPI utilizando os mesmos instrumentos por nós utilizados e obteve resultados semelhantes(7): a mediana do escore para o domínio atividade do SGRQ foi de 54,4 (variação: 39,9-72,9) e a mediana do escore para o domínio capacidade funcional do SF-36 foi de 55 (variação: 30,0-71,3). Os autores demonstraram que tanto o SGRQ quanto o SF-36 são instrumentos sensíveis para a avaliação da QVRS em pacientes com DPI e que a CVF, o VEF1, a DLCO, o TC6 e o grau de dispneia (escala de Borg) se correlacionam significativamente com os escores desses questionários.
Há dois estudos realizados no Brasil avaliando a QVRS de pacientes com FPI.(4,8) Os autores de ambos os estudos obtiveram resultados semelhantes aos nossos. O primeiro estudo validou o SF-36 para uso em pacientes com FPI. Os autores desse estudo descobriram que os pacientes com FPI obtiveram escores significativamente piores do que os controles para os domínios capacidade funcional, função emocional e saúde mental do SF-36.(4) No segundo estudo,(8) o domínio do SGRQ que foi mais afetado foi o domínio atividade (maior valor médio, 62,4 ± 19,0); para o SF-36, o domínio que foi menos afetado foi o domínio saúde mental, e os domínios mais afetados foram os domínios capacidade funcional, vitalidade e função emocional (46,0 ± 18,3; 49,2 ± 24,3; e 46,6 ± 39,5, respectivamente). Além disso, a CPT apresentou uma forte correlação com a QVRS na população avaliada nesse estudo. Os autores concluíram que um questionário específico (o SGRQ) e não um genérico (o SF-36) é um instrumento mais apropriado para avaliar a QVRS em pacientes com FPI.(8)

Na análise de componentes principais dos dados coletados por meio dos questionários de QVRS utilizados em nosso estudo, todos os domínios do SGRQ foram incluídos no fator QVRS física e a maioria dos domínios do SF-36 foi incluída no fator QVRS mental. Consequentemente, o SGRQ parece refletir melhor os aspectos físicos, e o SF-36 parece refletir melhor os aspectos mentais. Os domínios função física e dor corporal do SF-36, os quais são classificados como domínios físicos para a população em geral,(4,7) foram incluídos no fator QVRS mental em nosso estudo, talvez refletindo melhor esse aspecto do que o SGRQ, o qual não tem nenhuma classificação pré-definida para os aspectos físicos e mentais.(7)

Na análise de regressão linear múltipla, a depressão teve uma forte influência sobre a QVRS mental, mas nenhuma influência sobre a QVRS física, enquanto o grau de dispneia teve uma influência significativa sobre ambos os aspectos da QVRS. Um grupo de autores analisou estudos relacionados à QVRS de pacientes com FPI.(2) Esses autores encontraram uma associação fortemente significativa entre a dispneia e a saúde física. Entretanto, não identificaram nenhuma relação entre a dispneia e a saúde mental. Além disso, descobriram que as variáveis de função pulmonar e oxigenação não estavam relacionadas à QVRS, resultado semelhante ao obtido em nosso estudo.

Outro grupo de autores empregou o SGRQ para avaliar e identificar fatores relacionado à QVRS de pacientes com FPI.(3) Na análise de regressão linear múltipla, o escore da dispneia (índice de dispneia basal) foi o fator que mais contribuiu para explicar a variância na QVRS desses pacientes. Entretanto, os autores não investigaram a influência da ansiedade e da depressão sobre a QVRS. Em outro estudo, envolvendo pacientes com sarcoidose, uma associação moderada, mas significativa, foi encontrada entre a depressão e o escore do domínio saúde mental do SF-36 (r = 0,58; p < 0,001).(6) Nesse estudo, o grau de dispneia não contribuiu significativamente para a QVRS. Entretanto, variáveis como a distância percorrida no TC6, a DLCO, a CPT e a ansiedade não foram consideradas na análise.

Para pacientes com DPI, as estratégias de tratamento são estabelecidas na maioria das vezes com base em variáveis fisiológicas, tais como a função pulmonar e a PaO2.(1) Entretanto, os resultados do nosso estudo sugerem que os achados relacionados à percepção individual dos pacientes, tais como o grau de dispneia, depressão e QVRS, estão inter-relacionados mais fortemente do que os resultados dos testes de função pulmonar. Consequentemente, o manejo da dispneia e dos sintomas depressivos pode ser uma ferramenta importante para a otimização da QVRS de pacientes com DPI.

Nosso estudo tem algumas limitações. Primeiramente, é necessário considerar a heterogeneidade da amostra. Os diferentes tipos de DPI e o número limitado de pacientes em cada subgrupo não permitiram uma análise mais detalhada do impacto da doença de base sobre a QVRS dos pacientes avaliados. Além disso, este foi um estudo transversal, e nossos achados nos permitem apenas descrever a associação entre as variáveis que foram estudadas em pacientes com DPI. O segundo aspecto a ser considerado está relacionado aos critérios diagnósticos para DPI. Na maioria dos casos, o diagnóstico foi feito com base em critérios clínicos e radiológicos, e apenas 39.7% dos diagnósticos foram obtidos por meio de biópsia cirúrgica. Entretanto, a biópsia cirúrgica não é considerada o padrão ouro para o diagnóstico de DPI. O consenso atual é que o diagnóstico deve ser feito com base em uma avaliação multidisciplinar e uma conclusão mutuamente concordante.(1) Além disso, nossa amostra era mais homogênea do que as avaliadas em outros estudos.(7) Ademais, incluímos pacientes com DPI e função pulmonar restritiva ou redução da DLCO. Os pacientes com redução da DLCO, na ausência de padrão restritivo, foram incluídos neste estudo para aumentar o espectro funcional da doença, acrescentando casos de comprometimento mais leve da função pulmonar à amostra. Além do mais, ex-fumantes e fumantes atuais representaram mais da metade da nossa amostra, e a média global da relação VR/CPT foi de 47,4 ± 9,2 L. Vale também salientar que a média da CPT foi baixa (75,53 ± 11,82% do previsto), e que o VR ficou levemente elevado (115,81 ± 25,94% do previsto).(17) A CPT baixa é geralmente associada à CV reduzida. Com restrição intrapulmonar, o VR geralmente é normal, e a relação VR/CPT é consequentemente alta. Nesse contexto, isso não implica necessariamente obstrução das vias aéreas. Entretanto, considerando-se que a amostra foi composta principalmente por ex-fumantes e fumantes atuais e que distúrbio ventilatório misto, obstrutivo e restritivo, não é incomum em tais pacientes, é possível que o tabagismo tenha contribuído para a anormalidade nas pequenas vias aéreas, o que pode ter contribuído para o fechamento precoce das vias aéreas, resultando em uma relação VR/CPT alta.(30)

Em conclusão, nossos resultados sugerem que, em pacientes com DPI, a depressão tem uma forte influência sobre a QVRS mental e que o grau de dispneia tem uma influência significativa sobre ambos os aspectos (físico e mental) da QVRS. As variáveis relacionadas a função pulmonar, TC6 e ansiedade não tiveram impacto sobre a QVRS nesta amostra de pacientes com DPI.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer à Dra. Suzi Alves Camey os conselhos estatísticos fornecidos.


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* Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Cláudia Coelho. Rua Evaristo da Veiga, 448/301, CEP 90620-230, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 9299-1363. E-mail: anaclaudia_coelho@yahoo.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Recebido para publicação em 26/10/2009. Aprovado, após revisão, em 18/5/2010.




Sobre os autores

Ana Cláudia Coelho
Fisioterapeuta. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Marli Maria Knorst
Professora Associada. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Marcelo Basso Gazzana
Médico Pneumologista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Sérgio Saldanha Menna Barreto
Professor Titular. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

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