Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
22926
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Relato de Caso

Pneumonia recorrente com uma causa rara: carcinoma mucoepidermóide

Mucoepidermoid carcinoma: a rare cause of recurrent pneumonia

José Wellington Alves dos Santos, Maurício Licks da Silveira, Cristiano Tonello, Melissa Falster Daubermann

ABSTRACT

Recurrent pneumonia is characterized by frequent infection and infiltrates in one or more lung lobes. The localized form of the disease is caused by intraluminal obstruction, extrinsic compression or structural abnormalities. The pattern, frequency and severity of the infections, together with a thorough review of all chest X-rays, inform the diagnosis. Herein, we report a case of recurrent pneumonia due to endobronchial obstruction by mucoepidermoid carcinoma.

Keywords: Pneumonia; Recurrent; Carcinoma, mucoepidermoid/diagnosis; Tomography, X-ray computed; Case reports

INTRODUÇÃO

A pneumonia recorrente pode ser definida como dois episódios de pneumonia em um único ano ou três ou mais episódios em qualquer período.(1) O diagnóstico deve ser estabelecido a partir da remissão clínica e comprovação da resolução radiológica completa entre um episódio e outro de infecção.(2-3) A etiologia da pneumonia recorrente é abrangente e envolve: obstrução endobrônquica, compressão extrínseca das vias aéreas, anormalidades estruturais, e disfunções metabólicas e imunológicas. Entre as causas menos freqüentes destacam-se os tumores endobrônquicos: estruturas pedunculadas que podem causar obstrução intermitente da via aérea e conseqüente acúmulo de secreção e infecção.(2) O objetivo deste trabalho é relatar uma causa rara de pneumonia recorrente, o carcinoma mucoepidermóide de baixo grau, em uma paciente jovem.

RELATO DO CASO

Uma paciente de 21 anos, não tabagista, apresentava história de cinco episódios de pneumonia definidos a partir de quadros de tosse produtiva com expectoração amarelada associados a febre e radiograma de tórax alterado nos últimos quatro anos. Referia que após a instituição dos tratamentos havia remissão total das manifestações clínicas, tornando-se ela assintomática no período de intervalo de até um ano entre um episódio e outro. Em nenhum dos episódios necessitou de hospitalização, devido à moderada intensidade dos quadros apresentados. Na admissão apresentava quadro de pneumonia bacteriana adquirida na comunidade com queixas semelhantes às apresentadas previamente. Ao exame físico, apresentava sibilância à ausculta pulmonar em terço superior do hemitórax esquerdo. O radiograma de tórax evidenciou apenas redução dos volumes pulmonares, mas após a revisão dos radiogramas de tórax dos episódios de infecção anteriores, constatou-se a presença de consolidação em um mesmo segmento pulmonar, com resolução radiológica completa a partir dos radiogramas de controle de tratamento.

A tomografia computadorizada de alta resolução subseqüente demonstrou a presença de um nódulo circunscrito e pedunculado projetado na luz do brônquio principal esquerdo, sem comprometimento de estruturas mediastinais adjacentes (Figura 1).





A broncoscopia revelou uma lesão vegetante, pediculada e obstrutiva, de aproximadamente 2 cm de diâmetro, no brônquio principal esquerdo (Figura 2).





Posteriormente, a paciente foi submetida à toracotomia póstero-lateral para ressecção isolada do segmento brônquico comprometido, seguida de broncoplastia.
O exame histopatológico do segmento ressecado revelou lesão constituída predominantemente por estruturas glandulares e células mucoprodutoras de aspecto caliciforme, com ausência de atipias citológicas importantes e índice mitótico significativo, característica de carcinoma mucoepidermóide endobrônquico variante baixo grau (Figura 3). A paciente tem-se apresentado assintomática, e sem evidências de recidiva a partir de controle por tomografia computadorizada de alta resolução e broncoscopia semestrais.





DISCUSSÃO

A pneumonia recorrente responde por até 8% dos casos de hospitalização por pneumonia em crianças e adolescentes.(3) O diagnóstico geralmente é desafiador, uma vez que diversas condições podem estar implicadas na etiologia da doença. Ele exige a obtenção de uma história clínica detalhada, que valorize o início e tempo de sintomas, freqüência das infecções e gravidade do quadro, em associação com a comprovação radiológica da infecção. A causa deve ser inicialmente abordada a partir da localização radiológica do processo infeccioso no parênquima pulmonar, pois a avaliação diagnóstica se torna bastante distinta entre uma situação e outra.(2) O comprometimento de múltiplos lobos pulmonares geralmente é causado por anormalidades imunológicas, metabólicas ou neurológicas, enquanto que o envolvimento de um único lobo ou segmento pulmonar pode sugerir obstrução intraluminal, por presença de corpo estranho ou tumor brônquico, compressão extraluminal, por linfadenopatia infecciosa ou não infecciosa, e alterações estruturais, tais como brônquio traqueal, estenose ou atresia brônquica, broncomalácia e bronquiectasia localizada, entre outras.(4-5)

O radiograma de tórax é primordial em todos os casos de suspeita de pneumonia recorrente, pois permite a diferenciação entre infiltrados radiológicos recorrentes e persistentes. O radiograma de tórax de um paciente que não está na vigência de infecção pode ser normal em muitos casos e a tomografia computadorizada de alta resolução pode auxiliar na localização das lesões endobrônquicas.

A broncoscopia é usualmente indicada, pois possibilita a visualização da lesão, sua localização, o comprometimento ou não das estruturas vizinhas e a coleta de espécime cirúrgico.(2)

O caso apresentado mostra a abordagem diagnóstica diante da suspeita de pneumonia recorrente em um único lobo pulmonar em uma paciente jovem com história de infecções pulmonares de repetição por carcinoma mucoepidermóide de baixo grau. Os carcinomas mucoepidermóides são neoplasias primárias raras de pulmão(6-8) e localizam-se em brônquios principais, traquéia, e mais freqüentemente em brônquios segmentares.(6,9) São típicos de glândulas salivares, mas sua localização endobrônquica justifica-se por semelhanças embriológicas.(7) São considerados, histologicamente, tumores benignos, mas com potencial de malignidade e classificam-se em apenas duas variedades: os de baixo e os de alto graus.(10-11)

A exemplo dos demais tumores endobrônquicos, apresentam evolução insidiosa com manifestações clínicas inespecíficas, o que geralmente sugere outros diagnósticos, tais como aspiração de corpo estranho e asma.(6,9,11) Ao exame físico, sibilância unilateral à ausculta pulmonar está presente nos casos em que a neoplasia apresenta localização em brônquio principal, como observado neste caso.(9)

Em uma das maiores séries de casos, com 58 pacientes, foi identificado um discreto predomínio do sexo feminino em relação à incidência (27:18 e 7:6 em casos de tumores de baixo grau e alto grau, respectivamente), tendo sido acometidos indivíduos de todas as idades, especialmente dos 20 aos 30 anos.(6)

O diagnóstico diferencial do carcinoma mucoepidermóide brônquico a partir de estudo histopatológico inclui o adenoma de glândula mucosa, além de outros tumores pulmonares do tipo glândula salivar, particularmente o carcinoma cístico adenóide e o adenoma pleomórfico, além das formas mais comuns de carcinoma brônquico.(6,9)

A ressecção parcial do brônquio principal esquerdo, com margens cirúrgicas livres, sem comprometimento de estruturas adjacentes e seguida de broncoplastia restauradora foi adotada neste caso porque é curativa para tumores de baixo grau, sendo a terapia radioativa pós-operatória ou a quimioterapia indicadas somente em casos de tumores de alto grau com recidiva da lesão.(8-9,11-12)

Portanto, o maior desafio diante de episódios subseqüentes de infecção pulmonar é identificar a presença de pneumonia recorrente e sua etiologia. O controle radiológico orienta o diagnóstico a partir da diferenciação entre acometimento pulmonar único ou múltiplo e suas diferentes causas. Assim, diante de infiltrados recorrentes em um único segmento pulmonar, a obstrução intraluminal por tumor endobrônquico deve ser suspeitada.

REFERÊNCIAS

1. Wald ER. Recurrent pneumonia in children. Adv Pediatr Infect Dis. 1990;5:183-203.
2. Vaughan D, Katkin JP. Chronic and recurrent pneumonias in children. Semin Respir Infect. 2002:17(1):72-84.
3. Owayed AF, Campbell DM, Wang EE. Underlying causes of recurrent pneumonia in children. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154(2):190-4.
4. Wald ER. Recurrent and nonresolving pneumonia in children. Semin Respir Infect Dis. 1993;8(1):46-58.
5. Regelmann WE. Diagnosing the cause of recurrent and persistent pneumonia in children. Pediatr Ann. 1993;22(9):561-8.
6. Yousem SA, Hochholzer L. Mucoepidermoid tumors of the lung. Cancer. 1987; 60(6):1346-52.
7. Turnbull AD, Huvos AG, Goodner JT, Foote FW Jr. Mucoepidermoid tumors of bronchial glands. Cancer. 1971;28(3):539-44.
8. Vadasz P, Egervary M. Mucoepidermoid bronchial tumors: a review of 34 operated cases. Eur J Cardiothorac Surg. 2000;17(5):566-9.
9. Kim TS, Lee KS, Han J, Im JG, Seo JB, Kim JS, et al. Mucoepidermoid carcinoma of the tracheobronchial tree: radiographic and CT findings in 12 patients. Radiology. 1999;212(3):643-8.
10. Barsky SH, Martin SE, Matthews M, Gazdar A, Costa JC. "Low grade" mucoepidermoid carcinoma of the bronchus with "highg grade" biological behavior. Cancer. 1983;51(8):1505-9.
11. Heitmiller RF, Mathisen DJ, Ferry JA, Mark EJ, Grillo HC. Mucoepidermoid lung tumors. Ann Thorac Surg. 1989;47(3):394-9.
12. Santambrogio L, Cioffi U, De Simone M, Rosso L, Ferrero S, Giunta A. Vídeo-assisted sleeve lobectomy for mucoepidermoid carcinoma of the left lower lobar bronchus: a case report. Chest. 2002;121(2):635-6.
________________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil.
1. Doutor em Pneumologia e Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS) Brasil.
2. Médico Residente do Serviço de Pneumologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Santa Maria (RS) Brasil.
3. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e bolsista de iniciação científica PIBIq-CNPq, Santa Maria (RS) Brasil.
4. Médica Patologista do Serviço de Patologia do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM - Santa Maria (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: José Wellington Alves dos Santos. Rua Venâncio Aires, 2020/403 - CEP: 97010-001,
Santa Maria, RS, Brasil. Tel: 55 55 225 3018. E-mail: jwasb@terra.com.br
Recebido para publicação, em 8/12/04. Aprovado, após revisão, em 5/4/05.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia