Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6920
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Avaliação prognóstica precoce da asma aguda na sala de emergência

Early prognosis of acute asthma in the emergency room

Deise Marcela Piovesan, Diego Milan Menegotto, Suzie Kang, Eduardo Franciscatto, Thaís Millan, Cristine Hoffmann, Lílian Rech Pasin, Josiane Fischer, Sérgio Saldanha Menna Barreto, Paulo de Tarso Roth Dalcin

ABSTRACT

Objective: To evaluate clinical and pulmonary function measurements taken in the first fifteen minutes of the assessment of acute asthma in the emergency room and used for prognostic purposes. Methods: A prospective cohort study involving consecutive patients with acute asthma. Only patients who were between the ages of 12 and 55 and presented peak expiratory flow rates < or = 50% of predicted were included. Evaluations were performed upon admission, then again at 15 minutes and 4 hours after the initiation of treatment. Treatment included albuterol and ipratropium delivered by metered-dose inhaler with a spacer, together with 100 mg of intravenous hydrocortisone. Favorable outcomes were defined as peak expiratory flow > or = 50% of predicted after 4 hours of treatment, and unfavorable outcomes were defined as peak expiratory flow < 50% after 4 hours of treatment. Results: Favorable outcomes were seen in 27 patients, and unfavorable outcomes were seen in 24 patients. In the multivariate analysis, peak expiratory flow as percentage of predicted was identified as the variable with the highest predictive value. A peak expiratory flow > or = 40% after 15 minutes of treatment showed significant power in predicting a favorable outcome (sensitivity = 0.74, specificity = 1.00, and positive predictive value = 1.00). A peak expiratory flow < 30% after 15 minutes of treatment was predictive of a poor outcome (sensitivity = 0.54, specificity = 0.93, and positive predictive value = 0.87). Conclusion: Our results suggest that measuring peak expiratory flow after 15 minutes of management in the emergency room is a useful tool for predicting outcomes in cases of acute asthma.

Keywords: Asthma; Acute disease; Respiratory mechanics; Prognosis; Emergency Service, Hospital; Cohort studies

RESUMO

Objetivo: Estudar medidas clínicas e funcionais pulmonares utilizadas nos primeiros quinze minutos de manejo da asma aguda em um serviço de emergência, para predição prognóstica. Métodos: Estudo de coorte, prospectivo, que incluiu pacientes consecutivos com asma aguda, com idades entre doze e 55 anos e medida do pico de fluxo expiratório menor ou igual a 50% do previsto. Realizaram-se avaliações na admissão, aos quinze minutos e em quatro horas após o início do tratamento. O tratamento incluiu salbutamol e ipratrópio, administrados por aerossol dosimetrado com espaçador, e 100 mg de hidrocortisona intravenosa. O desfecho favorável foi definido pelo pico de fluxo expiratório maior ou igual a 50% do previsto após a quarta hora de tratamento, e o desfecho desfavorável pelo pico de fluxo expiratório menor que 50% do previsto. Resultados: Tiveram desfecho favorável 27 pacientes e desfavorável 24. A análise multivariada identificou o pico de fluxo expiratório em porcentagem do previsto aos quinze minutos como variável mais preditiva. O pico de fluxo expiratório maior ou igual a 40% aos quinze minutos mostrou significativa contribuição em predizer desfecho favorável (sensibilidade = 0,74, especificidade = 1,00 e valor preditivo positivo = 1,00). O pico de fluxo expiratório menor que 30% aos quinze minutos contribuiu para predizer desfecho desfavorável (sensibilidade = 0,54, especificidade = 0,93 e valor preditivo positivo = 0,87). Conclusão: O estudo sugeriu que a medida do pico de fluxo expiratório aos quinze minutos do manejo da asma aguda em um serviço de emergência é um instrumento útil para avaliação prognóstica.

Palavras-chave: Asma; Doença aguda; Mecânica respiratória; Prognóstico; Serviço hospitalar de emergência; Estudos de coortes

INTRODUÇÃO

A asma aguda é uma emergência médica muito comum.(1-2) É responsável pela utilização de significativa parcela de recursos no setor de emergência, com elevadas taxas de hospitalização.(3)

Os pacientes com asma aguda, em geral, só são hospitalizados após um tratamento inicial na sala de emergência.(4) Conseqüentemente, um grande número de pacientes permanece em atendimento, em uma emergência muitas vezes lotada, até que a decisão de internação ou alta hospitalar seja tomada. A identificação precoce dos pacientes que necessitam internação hospitalar ou que podem ser liberados para tratamento domiciliar pode ser útil para melhorar a qualidade do atendimento da crise asmática e otimizar os recursos de saúde.(5)

Tem sido demonstrado que a gravidade da crise asmática é definida mais pelo desfecho do que pela apresentação clínica inicial. Assim, a resposta imediata funcional aos broncodilatadores inalados constitui-se em parâmetro prognóstico. Os pacientes que não atingem 45% do previsto do pico de fluxo expiratório (PFE), após a administração de 5 a 10 mg de salbutamol por nebulização, constituiriam um grupo de pior prognóstico que, em geral, necessitaria de internação hospitalar.(1)

Vários estudos têm analisado as variáveis associadas com o desfecho da asma aguda na sala de emergência.(6-15) Mais recentemente, alguns autores(12) demonstraram que as medidas subjetivas e objetivas utilizadas na avaliação da crise asmática representam dimensões diferentes, que poderiam ser utilizadas em conjunto para se avaliar o desfecho da crise. Estes mesmos autores, em um outro trabalho,(14) desenvolveram um índice preditivo baseado em duas variáveis de prática aferição: medida do PFE aos 30 minutos do tratamento e variação do PFE aos 30 minutos em relação ao momento basal.

Apesar destes trabalhos, tem sido apontada a necessidade de estudos prospectivos adicionais para confirmar a utilidade de indicadores prognósticos de gravidade baseados no desfecho da crise asmática.(1)
O objetivo deste estudo é identificar um indicador prognóstico precoce (aos quinze minutos de tratamento) para o manejo da asma aguda na sala de emergência, para desfecho da crise em quatro horas de evolução.

MÉTODOS

O presente trabalho constituiu-se em um estudo de coorte, prospectivo, realizado no Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que analisou medidas clínicas e funcionais pulmonares, utilizadas na avaliação dos quinze minutos iniciais da asma aguda na sala de emergência, como preditoras para o desfecho da crise em quatro horas de evolução.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Foi obtido consentimento pós-informação de todos os pacientes ou de seus responsáveis.

A amostra estudada foi constituída por pacientes com asma aguda atendidos no setor de adultos do serviço de emergência do hospital. Os critérios de inclusão no trabalho foram: diagnóstico clínico prévio de asma brônquica, atendimento por exacerbação da asma, isto é, com tosse e/ou sibilância e/ou dispnéia, idade entre doze e 55 anos e medida do PFE < 50% do previsto. Os critérios de exclusão do estudo foram pacientes: com crise asmática grave a ponto de não permitir a realização das etapas propostas pelo estudo; gestantes; portadores de pneumopatia crônica; portadores de insuficiência cardíaca congestiva; portadores de pneumonia; que tiveram participação prévia no estudo; cujo tratamento não seguiu a padronização do estudo; que não aceitaram assinar o termo de consentimento pós-informação ou que não completaram a avaliação, ou que retiraram o consentimento ao longo do estudo.

Todos os pacientes foram avaliados por um médico emergencista e por um membro da equipe de pesquisa. Os dados da história e exame físico foram registrados utilizando-se um formulário padronizado para a coleta. Foram registrados: idade, sexo, presença dos sintomas de dispnéia, tosse, constrição torácica, duração da crise atual e tabagismo ativo ou passivo. Os pacientes foram examinados na posição sentada, sendo determinados: freqüência cardíaca, freqüência respiratória, pulso paradoxal, cianose central, uso da musculatura acessória da respiração, tiragem supraclavicular ou intercostal, incapacidade para falar ou fala entrecortada e sibilância. O uso da musculatura acessória foi definido como a presença de contrações dos músculos esternocleidomastóideos visíveis e palpáveis durante a inspiração. Foram avaliados o peso e a altura de cada paciente.

A medida do PFE foi realizada com o paciente sentado, utilizando-se o aparelho portátil Peak Flow Monitor (Vitalograph/Boehringer Ingelheim). Três sucessivas manobras expiratórias foram realizadas, sendo registrada a de maior valor. O resultado foi expresso em percentagem do previsto para sexo, idade e altura.(16) A medida da saturação arterial de oxigênio foi obtida utilizando-se um oxímetro de pulso com sensor digital (Dx 2405/Oxímetro de pulso/Oxipleth, Dixtal), com o paciente respirando ar ambiente e em condições estáveis.

O paciente foi, então, submetido ao tratamento padrão definido pelo protocolo.

A avaliação dos sintomas, exame físico, medida do PFE e da saturação de oxigênio foram repetidas quinze minutos e quatro horas após a primeira inalação do aerossol broncodilatador.

A decisão de internação ou alta do serviço de emergência ficou a cargo do médico emergencista, sem interferência dos membros da pesquisa.
Após a avaliação inicial, todos os pacientes foram tratados com oito jatos de sulfato de salbutamol (120 mcg/jato) e brometo de ipratrópio (20 mcg/jato) a cada vinte minutos, por três vezes na primeira hora e, depois, de hora em hora durante todo o período de tratamento na sala de emergência. O aerossol broncodilatador foi administrado utilizando-se um espaçador valvulado com volume de 650 ml (espaçador Flumax , Flumax Equipamentos Médicos Ltda).

Todos os pacientes receberam 100 mg de hidrocortisona por via intravenosa concomitante à primeira administração do aerossol broncodilatador, seguidos de 100 mg IV a cada quatro horas, se necessário. Foi administrada oxigenoterapia por cateter nasal com fluxo de 1-3 l/min, quando a saturação de oxigênio estava menor que 92%.
O desfecho foi avaliado através da medida do PFE na quarta hora de tratamento no setor de emergência. Foi considerado favorável (DF) quando a medida do PFE atingiu valor > 50% do previsto e desfavorável (DD), quando < 50% do previsto. Foi também registrado se o paciente teve alta do serviço de emergência ou se sofreu internação hospitalar.
Os dados foram digitados em um banco de dados do programa Microsoft Excel, versão 2000, sendo processados e analisados com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 10.0.
Foram comparados os dados dos pacientes com DF com os dos pacientes com DD. Foi realizada, em cada grupo, uma análise descritiva utilizando-se média + desvio padrão ou número de casos (proporção). As variáveis contínuas com distribuição normal foram comparadas pelo teste t de Student, as variáveis contínuas sem distribuição normal foram comparadas pelo teste U de Mann-Whitney e as variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado.

As variáveis que atingiram significância com p < 0,1 na análise univariada foram submetidas a uma análise multivariada com regressão logística em stepwise, controladas por sexo e idade. As variáveis mais significativas identificadas nesta análise multivariada foram selecionadas. Cada variável selecionada ou combinação de variáveis selecionadas foi correlacionada com o desfecho e submetida à curva receiver operating characteristic (ROC), para se determinar o ponto de corte que maximizava o valor preditivo. Foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o valor preditivo negativo do índice preditivo. Para efeitos de significância estatística, foram definidos intervalo de confiança de 95% e p < 0,05. Todos os testes utilizados foram bi-caudais.

RESULTADOS

Durante o período de julho a novembro de 2003, foram atendidos 203 pacientes com asma aguda. Destes, 49 tinham idade maior que 55 anos, 10 tinham a medida do PFE maior que 50% do previsto, 5 tinham outro motivo principal para a consulta na emergência (que não a agudização da asma) e 2 pacientes não tinham o diagnóstico prévio de asma brônquica. Dos demais, foram excluídos 19 por pneumopatia crônica associada, 19 por pneumonia, 19 cujo tratamento administrado não seguiu a padronização do estudo, 13 por não completarem a avaliação ou por retirarem o consentimento ao longo do estudo, 12 por apresentarem crise asmática muito grave, 3 por já terem participado do estudo e 1 paciente por não aceitar assinar o termo de consentimento. Desta forma, foram incluídos no estudo 51 pacientes.

A Tabela 1 mostra as características gerais da amostra estudada. Dos 51 pacientes estudados, 35 eram do sexo feminino (68,6%) e 16 do masculino (31,4%). A idade média foi de 31,5 anos e o desvio padrão de 12,6 anos. Quinze pacientes eram fumantes atuais (29,4%), 7 eram ex-fumantes (13,7%) e 29 nunca fumaram (56,9%). Dezesseis pacientes tinham relato de serem tabagistas passivos (31,4%). Não houve diferença estatisticamente significativa na comparação entre os grupos com DF e com DD para estas variáveis.





A Tabela 2 apresenta o resultado da avaliação clínica da crise asmática. Na comparação entre os grupos com DF e com DD, foi observada diferença estatisticamente significativa para as variáveis sibilância inicial (p = 0,034) e sibilância aos quinze minutos (p = 0,012).





A Tabela 3 mostra o resultado da avaliação objetiva da gravidade da crise asmática. Na comparação entre os grupos com DF e com DD, foi observada diferença estatisticamente significativa para as variáveis PFE em litros inicial (p = 0,009), PFE em litros aos quinze minutos (p < 0,001), PFE em porcentagem do previsto inicial (p = 0,001), PFE em porcentagem do previsto aos quinze minutos (p < 0,001) e variação do PFE aos quinze minutos (p < 0,001).





A análise multivariada identificou como variável mais significativa o PFE em porcentagem do previsto aos quinze minutos (p < 0,001). Nenhuma combinação entre as variáveis significativas teve melhor desempenho preditivo que o PFE em porcentagem do previsto aos quinze minutos isoladamente. A área sob a curva ROC foi calculada em 0,90 tanto para o desfecho favorável como para o desfavorável.

Utilizando-se o ponto de corte do PFE aos quinze minutos em > 40% do previsto para identificar o DF, a sensibilidade foi de 74%, a especificidade de 100%, o valor preditivo positivo de 100% e o valor preditivo negativo foi de 0,77. Utilizando-se o ponto de corte do PFE aos quinze minutos em < 30% do previsto para identificar o DD, a sensibilidade foi de 54%, a especificidade de 93%, o valor preditivo positivo de 87% e o valor preditivo negativo foi de 0,69. A Figura 1 mostra a distribuição dos desfechos para
os pontos de corte do PFE.






Considerando a decisão do emergencista de alta ou internação como desfecho clínico, foi observado que: dos 20 pacientes com volume expiratório forçado no primeiro segundo - PFE > 40% aos quinze minutos, 18 tiveram alta do serviço de emergência e 2 necessitaram de internação hospitalar (valor preditivo positivo de 90% e valor preditivo negativo de 23%); dos quinze pacientes com PFE < 30% aos quinze minutos, 10 tiveram alta hospitalar e 5 foram internados (valor preditivo positivo de 66% e valor preditivo negativo de 11%).

DISCUSSÃO

O presente estudo buscou identificar um indicador prognóstico precoce para o desfecho da asma aguda na sala de emergência. A avaliação dos pacientes ocorreu na admissão e quinze minutos após a administração da medicação broncodilatadora, por aerossol dosimetrado e espaçador valvulado. O desfecho da crise asmática foi definido de acordo com a resposta funcional pulmonar na quarta hora de tratamento. Dentre as variáveis clínicas e funcionais pulmonares estudadas, foi identificado o PFE em percentagem do previsto aos quinze minutos de tratamento como o indicador prognóstico mais acurado. Foram determinados dois pontos de corte para esta variável: > 40% do previsto para identificar o DF e < 30% para identificar o DD. O estudo sugeriu que o PFE, realizado precocemente após a primeira dose de broncodilatador inalatório, consistiu em instrumento útil para avaliação prognóstica precoce do desfecho da crise na sala de emergência.

As diretrizes atuais para manejo da asma aguda recomendam os broncodilatadores ß2-agonistas de curta ação por via inalatória como a medicação de primeira linha.(17-19) Porém, cerca de um terço a um quinto dos pacientes asmáticos atendidos na sala de emergência apresentam uma resposta insuficiente ao broncodilatador inalatório, falhando em atingir um VEF1 ou PFE de 45% do previsto após a nebulização de 5 a 10 mg de salbutamol.(1) Assim, parte do espectro da asma aguda grave corresponde àqueles pacientes que falham em apresentar resposta broncodilatadora imediata ao ß2-agonista inalatório, o que mostra que a gravidade é melhor definida em termos de desfecho do que em termos de apresentação inicial. É fundamental que estes pacientes com uma resposta broncodilatadora precária sejam identificados objetivamente, isto é, pela monitorização funcional pulmonar.(1,3)

A medida da limitação ao fluxo aéreo na asma aguda na sala de emergência pode ser realizada através da determinação do VEF1 pela espirometria ou pela medida do PFE.(5) Em geral, os resultados desses testes são expressos em relação ao previsto para sexo, idade e altura.(5,20) Entretanto, alguns asmáticos mais graves podem apresentar um componente de limitação fixa ao fluxo aéreo, mesmo quando assintomáticos. O conhecimento do grau de limitação do fluxo aéreo durante o período assintomático e o registro do melhor VEF1 ou da melhor medida de PFE são úteis para se interpretar as medidas funcionais pulmonares durante o período de exacerbação. Infelizmente, a informação do melhor valor individual do VEF1 ou do PFE, em geral, não está disponível ou não é conhecida por ocasião do atendimento na sala de emergência.(1,5)

Em nosso estudo, por razões técnicas, foi utilizada apenas a medida do PFE como variável funcional pulmonar. Ainda que a espirometria seja o padrão ouro para se avaliar a limitação do fluxo aéreo na asma, no serviço de emergência a medida do PFE é de realização mais fácil. Além disso, os aparelhos utilizados para se medir o PFE são de custo mais acessível, e mais facilmente disponíveis neste setor.(21)

O PFE é um fluxo instantâneo, a cerca de 20% da capacidade vital forçada, que corresponde principalmente ao fluxo de ar brônquico, sendo muito pequena a contribuição das pequenas vias áreas. O PFE, que tem importante componente esforço-dependente, é determinado pelo volume e elasticidade dos pulmões, pela dimensão e complacência das vias aéreas centrais intratorácicas e pela força e velocidade de contração dos músculos expiratórios.(22) Sua melhora precoce na asma, além de ser um indicador sensível da melhora dos vários parâmetros envolvidos tanto na sua produção como na fisiopatologia da crise asmática, pode ser interpretada como um marcador de tendência da evolução fisiológica com o tratamento instituído.(1,5)

Embora as diretrizes para o manejo da asma preconizem que a meta ideal de função pulmonar para alta do serviço de emergência na crise asmática seja a medida do VEF1 ou do PFE = 70% do previsto,(17-19) existem evidências de que um VEF1 > 45%, após o tratamento inicial com broncodilatador inalatório, se constitui em um parâmetro de desfecho favorável da asma aguda.(2-3,5) Em asmáticos, existe uma correlação razoável entre as medidas do PFE e do VEF1, mas, em média, o PFE situa-se em valores 10% superiores, quando estes parâmetros são expressos em percentagem.(20) Com base nisto, o desfecho em nosso estudo foi considerado favorável se a medida do PFE na quarta hora de tratamento atingisse valor > 50% do previsto ou desfavorável se esse valor fosse < 50% do previsto.

Estudos prévios demonstraram que a falta de melhora no fluxo expiratório ao tratamento broncodilatador inicial se constitui em indicador prognóstico de um curso mais grave da asma aguda na sala de emergência e de uma maior necessidade de internação hospitalar.(6-8,10,13-14,23)

Em 1976, alguns autores(6) estudaram 67 episódios de asma aguda tratados na sala de emergência e sugeriram que os pacientes com obstrução grave ao fluxo aéreo (PFE < 16% do previsto) cujo PFE permanecesse < 60 l/min, ou que apresentassem uma melhora menor que 16% após 0,3 ml de adrenalina, deveriam ser prontamente internados.

Em 1979, outros autores(10) avaliaram 82 pacientes antes e após o tratamento de emergência para asma aguda com terbutalina SC e aminofilina IV. Observaram que um VEF1 = 0,6 l antes do tratamento, ou um VEF1 = 1,6 l após o tratamento, estavam associados a um curso desfavorável da crise. Concluíram que a espirometria pode identificar os pacientes asmáticos que necessitam internação hospitalar ou que podem ter significativa obstrução das vias aéreas dentro de 48 horas após a liberação da sala de emergência.

Em 1981, um estudo avaliou 205 pacientes atendidos na sala de emergência por asma aguda.(8) O protocolo de tratamento incluía adrenalina SC ou terbutalina SC, isoetarina inalatória, aminofilina IV e hidrocortisona IV. Foi desenvolvido um índice preditivo que utilizava a combinação dos seguintes fatores: freqüência de pulso > 120/min, freqüência respiratória = 30/min, pulso paradoxal = 18 mmHg, PFE = 120 l/min, dispnéia moderada a grave, uso da musculatura acessória e sibilância. O índice variava de zero a sete, aumentando com a gravidade dos sintomas. Um índice igual ou maior que quatro tinha 95% de acurácia em prever a recidiva da crise e 96% de acurácia em prever a necessidade de hospitalização.

Em 1992, foram avaliados 52 pacientes com asma aguda atendidos em uma sala de emergência.(7) Os pacientes receberam tratamento com fenoterol inalatório, aminofilina IV e hidrocortisona IV. Ao serem analisados os dados clínicos e funcionais pulmonares, não foi possível prever de maneira confiável o desfecho em longo prazo da crise, com ou sem a utilização de índice preditivo. A utilização do índice de Fischl(8) nos pacientes do estudo foi menos útil do que o uso da medida do PFE isoladamente, devido à sobreposição de resultados.

Em 1997, alguns autores(13) examinaram 184 pacientes adultos atendidos na sala de emergência por asma aguda. Os pacientes foram tratados com salbutamol inalatório, administrado por aerossol dosimetrado e espaçador, e hidrocortisona IV. Foram identificadas três variáveis independentes que mais contribuíram para discriminar os pacientes liberados da sala de emergência e os que foram internados: variação do PFE em relação à linha de base, PFE em percentagem do previsto e uso da musculatura acessória da respiração (todas as medidas após 30 minutos de tratamento). O índice apresentou sensibilidade de 0,86, especificidade de 0,96, valor preditivo positivo de 0,75 e valor preditivo negativo de 0,98.

Em 1998, os mesmos autores(13) desenvolveram um índice com somente duas variáveis: PFE em percentagem do previsto e variação do PFE em relação à linha de base, ambas avaliadas após 30 minutos de tratamento. O tratamento incluía salbutamol inalatório, administrado por aerossol dosimetrado e espaçador, e hidrocortisona IV. O escore variava de zero a quatro pontos, conforme a gravidade. O escore quatro resultou na melhor predição (sensibilidade de 0,79, especificidade de 0,96, valor preditivo positivo de 0,94 e valor preditivo negativo de 0,86).

Em 2002, foi desenvolvido um índice preditivo utilizando o PFE em percentagem do previsto e o uso da musculatura acessória da respiração após a primeira hora de tratamento da asma aguda na sala de emergência.(23) Os pacientes foram tratados com salbutamol administrado por nebulização e hidrocortisona IV. O escore variava de zero a dois, aumentando conforme a gravidade da crise. O escore de zero ou dois teve valor preditivo para o desfecho da crise em dez dias.

No presente estudo, foram avaliados pacientes com asma grave, com idades entre 18 e 55 anos e sem co-morbidades. Dessa forma, não preecheram os critérios de inclusão 49 pacientes que tinham idade maior que 55 anos e 10 que tinham a medida do PFE maior que 50% do previsto. Foram excluídos do estudo, ainda, 19 pacientes por pneumopatia crônica associada, 19 por pneumonia e 12 por apresentarem crise asmática muito grave. Essas não inclusões no trabalho podem ter contribuído para limitar a utilidade clínica da avaliação precoce da asma aguda na sala de emergência e diminuir a validade externa do trabalho. Mesmo assim, achamos essa avaliação funcional simples, prática e capaz de discriminar dois grupos de paciente com manejo distinto na sala de emergência. Talvez alguns desses critérios de inclusão e exclusão possam ser modificados para que, em amostras de validação, a utilidade da medida precoce do PFE possa ser ampliada.

É importante salientar que, em nosso estudo, a variação do PFE foi incluída na análise multivariada, porém o PFE em porcentagem do previsto discriminou melhor o desfecho. Também a tentativa de se construir um índice a partir do PFE em porcentagem do previsto e da variação do PFE (quinze minutos - momento basal) não acrescentou poder discriminatório em relação ao PFE em porcentagem do previsto isoladamente.

Neste trabalho, não avaliamos a duração da crise asmática antes da chegada à emergência, o uso prévio de ß2-agonista inalatório no domicílio, nem o uso regular de corticóide inalatório intercrises. Também não foi feita a classificação da gravidade da asma fora da crise. Embora estas informações pudessem ser úteis, priorizamos tornar o questionário mais simples de ser aplicado em um serviço de emergência.

O nosso estudo acrescenta contribuição ao tema ao mostrar que uma avaliação muito precoce (quinze minutos após a primeira dose de broncodilatador) pode permitir uma estimativa prognóstica da crise em curto prazo (desfecho em quatro horas). Acrescenta, ainda, a informação de que nenhuma combinação adicional das variáveis estudadas resultou em melhor desempenho preditivo. Entretanto, como houve significativa sobreposição entre os desfechos favorável e desfavorável para os pacientes com PFE = 30% e < 40% do previsto (31% dos pacientes estudados tinham a medida do PFE dentro desse limite), deve ser ressaltada a necessidade de avaliação clínica e funcional pulmonar adicional para estes pacientes e para aqueles que permanecerem na sala de emergência por tempo maior que quatro horas.

Em conclusão, a medida do PFE em percentagem do previsto, após quinze minutos da primeira dose de broncodilatador inalatório, constituiu-se em indicador prognóstico útil para o desfecho da asma aguda na sala de emergência.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Vânia Naomi Hirakata pela análise estatística e ao pessoal médico, administrativo e de enfermagem do Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre pela colaboração no estudo.

REFERÊNCIAS

1. McFadden ER Jr. Acute severe asthma. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168(7):740-59.
2. FitzGerald JM, Grunfeld A. Acute life-threatening asthma. In: FitzGerald JM, Ernst P, Boulet LP, O'Byrne PM, eds. Evidence based asthma management. Hamilton: BC Decker; 2001. p.233-44.
3. Rodrigo GJ, Rodrigo C, Hall JB. Acute asthma in adults: a review. Chest. 2004;125(3):1081-102. Review.
4. Leatherman J. Life-threatening asthma. Clin Chest Med. 1994;15(3):453-79. Review.
5. Rodrigo GJ, Rodrigo C. Emergency department assessment: severity and outcome prediction. In: Hall JB, Corbridge TC, Rodrigo GJ, Rodrigo C. Acute asthma: assessment and management. New York: McGraw-Hill; 2000. p.125-38.
6. Banner AS, Shah RS, Addington WW. Rapid prediction of need for hospitalization in acute asthma. JAMA. 1976;235(13):1337-8.
7. Bolliger CT, Fourie PR, Kotze D, Joubert JR. Relation of measures of asthma severity and response to treatment to outcome in acute severe asthma. Thorax. 1992;47(11): 943-7.
8. Fischl MA, Pitchenik A, Gardner LB. An index predicting relapse and need for hospitalization in patients with acute bronchial asthma. N Engl J Med. 1981;305(14): 783-9.
9. Fitzgerald JM, Hargreave FE. Acute asthma: emergency department management and prospective evaluation of outcome. CMAJ. 1990;142(6):591-5.
10. Nowak RM, Gordon KR, Wroblewski DA, Tomlanovich MC, Kvale PA. Spirometric evaluation of acute bronchial asthma. JACEP. 1979;8(1):9-12.
11. Nowak RM, Tomlanovich MC, Sarkar DD, Kvale PA, Anderson JA. Arterial blood gases and pulmonary function testing in acute bronchial asthma. Predicting patient outcomes. JAMA. 1983;249(15):2043-6.
12. Rodrigo G, Rodrigo C. Assessment of the patient with acute asthma in the emergency department. A factor analytic study. Chest. 1993;104(5):1325-8.
13. Rodrigo G, Rodrigo C. A new index for early prediction of hospitalization in patients with acute asthma. Am J Emerg Med. 1997;15(1):8-13.
14. Rodrigo G, Rodrigo C. Early prediction of poor response in acute asthma patients in the emergency department. Chest. 1998;114(4):1016-21.
15. Kelsen SG, Kelsen DP, Fleeger BF, Jones RC, Rodman T. Emergency room assessment and treatment of patients with acute asthma. Adequacy of the conventional approach. Am J Med. 1978;64(4):622-8.
16. Gregg I, Nunn AJ. Peak expiratory flow in normal subjects. Br Med J. 1973;3(5874):282-4.
17. National Asthma Education and Prevention Program. Expert Panel Report 2: Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma. Rockville, MD: Department of Health and Human Services, Public Health Service, National Institutes of Health; National Heart, Lung, and Blood Institute;1997. [NIH Publication No. 97-4051].
18. National Institutes of Health, National Heart Lung and Blood Institute. Global Initiative for Asthma. Global Strategy for Asthma Management and Prevention. Revised 2002. Washington: NIH; 2002. [NIH Publication: No 02-3659].
19. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Sociedade Brasileira de Pediatria Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia e Sociedade Brasileira de Clinica Médica. III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma 2002. J Pneumol. 2002; 28(Supl 1): S1-S28.
20. Pereira CAC, Jansen JM, Barreto SSM, Marinho J, Sulmonatt N, Dias RM, Nassif SR. Espirometria. J Pneumol. 2002;28 Supl 3:S2-S82.
21. Beveridge RC, Grunfeld AF, Hodder RV, Verbeek PR. Guidelines for the emergency management of asthma in adults. CAEP/CTS Asthma Advisory Committee. Canadian Association of Emergency Physicians and the Canadian Thoracic Society. CMAJ. 1996;155(1):25-37. Review.
22. Lebowitz MD, Sherrill DL, Kaltenborn W, Burrows B. Peak expiratory flow from maximum expiratory flow volume curves in a community population: cross-sectional and longitudinal analyses. Eur Respir J Suppl. 1997;24:29S-38S.
23. Mallmann F, Fernandes AK, Avila EM, Nogueira FL, Steinhorst AM, Saucedo DZ, et al. Early prediction of poor outcome in patients with acute asthma in the emergency room. Braz J Med Biol Res. 2002;35(1):39-47.
__________________________________________________________________________________

* Trabalho realizado no Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
1. Médica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
4. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo de Tarso Roth Dalcin. Rua Honório Silveira Dias 1.529/901 - CEP: 90540-070, Porto Alegre - RS, Brasil. Tel.: 55 51 3330-0521. E-mail: pdalcin@terra.com.br
Recebido para publicação em 16/2/05. Aprovado, após revisão, em 23/6/05.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia