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Relato de Caso

Bócio de tireóide intratorácico e timoma invasivo: apresentação simultânea incomum

Intrathoracic goiter and invasive thymoma: rare concomitant presentation

Rodrigo Silva, Jefferson Gross, Fábio Haddad, Riad Younes

ABSTRACT

We present a rare situation in which two mediastinal tumors of different topology and histology were found during the resection of an extensive mediastinal tumor in an asymptomatic patient. Different histologies within the same mass have been reported, although, to our knowledge, there have been no reports of different tumors at distinct locations. Thymomas and intrathoracic goiters account for a large proportion of the tumors found in the mediastinum. When feasible, surgical resection plays a fundamental role in effecting a cure. In order to identify concomitant lesions and perform a complete resection, detailed surgical exploration is required.

Keywords: Thymoma/complications; Mediastinal neoplasms/complications; Goite, substernal; Mediastinum/pathology; Case reports [publication type]

RESUMO

Apresentamos uma rara situação de ocorrência simultânea de dois tumores de mediastino com diferentes topografias e histologias, encontrados durante a ressecção de volumosa massa mediastinal em paciente assintomático. A possibilidade de diferentes tumores contidos numa mesma massa tumoral está relatada; entretanto, não encontramos na literatura médica relato de diferentes tumores em localizações distintas. Os bócios de tiróide intratorácicos e os timomas representam uma grande parcela dos tumores encontrados no mediastino. O tratamento cirúrgico, sempre que possível, desempenha papel fundamental na perspectiva de cura. A exploração cirúrgica minuciosa é fundamental para uma ressecção completa e possível achado de lesões concomitantes.

Palavras-chave: Timoma/complicações; Neoplasias do mediastino/complicações; Bócio subesternal;

INTRODUÇÃO

As neoplasias primárias do mediastino são pouco freqüentes, correspondendo a menos de 10% de todas as neoplasias do tórax.(1) A maioria desses tumores acomete somente um compartimento, porém podem invadir estruturas adjacentes, à medida que o tumor cresce. O compartimento ântero-superior é acometido em mais 50% dos casos, o posterior em 25% e o médio em 20%. A proporção de malignidade em todos os tumores mantém-se ao redor de 25%.

Os timomas representam um grupo incomum de neoplasias que crescem a partir das células do timo e são conhecidos por sua associação com miastenia gravis, pela histologia variável e pela heterogeneidade do comportamento maligno.(2) O bócio mergulhante é o tumor de maior ocorrência no mediastino superior, seja como extensão de estroma cervical, totalmente intratorácico ou como tecido tireoidiano ectópico.(3)

O objetivo deste relato é apresentar uma rara situação, na qual, durante ressecção de bócio gigante, encontramos um timoma invasivo, assim como apresentar breve revisão da literatura relacionada a esses tumores.

RELATO DO CASO

Uma paciente de 70 anos, sexo feminino, foi encaminhada ao Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital do Câncer AC Camargo com o diagnóstico radiológico de alargamento mediastinal. Havia dez anos tinha sido submetida à hemitireoidectomia direita por nódulo tireoidiano benigno. O exame físico era normal, assim como a análise laboratorial, incluindo os hormônios tireoidianos. A tomografia computadorizada de tórax evidenciou massa de grandes proporções e contato íntimo com estruturas mediastinais (Figura 1), principalmente com a veia cava superior. Devido à possibilidade de invasão vascular foi realizada ressonância nuclear magnética do tórax, que excluiu invasão da veia cava superior.





A paciente foi submetida à anestesia geral com intubação seletiva e operada mediante toracotomia lateral direita, com acesso à cavidade torácica através do quarto espaço intercostal. O inventário da cavidade mostrava massa de grandes proporções lobulada e hipervascularizada, estendendo-se do mediastino superior até o pericárdio, comprimindo a veia cava superior (Figura 2). Houve certa dificuldade para liberação das aderências com a veia cava superior, principalmente junto ao pericárdio.





Não havia continuidade com o estreito torácico superior, e as aderências a estruturas mediastinais nesse ponto foram desfeitas com facilidade.
Durante a exploração do mediastino notou-se outra lesão nodular de aspecto esbranquiçado, com aproximadamente 3 cm de diâmetro, na loja tímica junto à gordura pericárdica, aparentemente sem invasão da mesma. A biópsia de congelação evidenciou tratar-se provavelmente de timoma (Figura 3). Na evolução pós-operatória não houve intercorrências e a paciente recebeu alta hospitalar no quarto dia, em boas condições clínicas.





O exame anatomopatológico confirmou a presença de bócio colóide e a lesão menor revelou se tratar de timoma com invasão de cápsula, porém sem ultrapassá-la.

Após seis meses de seguimento a paciente encontrava-se em bom estado geral, sem sinais de recidiva ou sintomas respiratórios, e por tratar-se de timoma estádio IIB de Masaoka,(4) foi realizada radioterapia adjuvante.

DISCUSSÃO

A presença de tumores de diferentes histologias contidos numa mesma massa neoplásica tem sido relatada, porém tumores de linhagens diferentes localizados no mediastino em topografias separadas é uma situação rara. Após exaustiva pesquisa, não encontramos situação semelhante na literatura médica.

O bócio intratorácico faz parte de um grupo de tumores endócrinos de incidência relativamente alta, representando 10% a 15% das lesões que ocupam o mediastino.(3-4) Eles são classificados conforme representem extensão intratorácica da glândula tireóide (bócio cervicomediastinal), ou estejam completamente localizados no tórax, sem bócio palpável cervical (bócio de tireóide intratorácico), que foi a situação por nós encontrada. A glândula tireoidiana pode migrar para dentro do tórax devido ao seu peso, à pressão negativa intratorácica, aos movimentos respiratórios e ao encurtamento do pescoço. Em várias séries publicadas, tireoidectomia prévia estava presente em 3% a 30% dos pacientes (22% de todos os casos).(5-6) Estão quase sempre localizados no mediastino ântero-superior, mas podem ocorrer também nos compartimentos médio ou posterior. Ocasionalmente, são diagnosticados em exames de rotina (40% dos casos), mas podem apresentar sintomas de compressão de via aérea ou até mesmo evoluir com síndrome de compressão de veia cava superior. A radiografia e a tomografia computadorizada do tórax oferecem informações normalmente suficientes com relação à localização e extensão da lesão. A ressonância nuclear magnética do tórax poderá ser utilizada se houver suspeita de invasão vascular. A via de acesso deverá ser orientada pela posição e extensão do bócio. O bócio intratorácico completo poderá ser removido por toracotomia póstero-lateral alta, porém se uma exploração mais segura do mediastino é necessária, tal como manejo de grandes vasos, a esternotomia é a incisão de escolha.

Os timomas representam uma área de interesse particular para os especialistas, pois muito se discute a seu respeito. Devido à sua baixa incidência e amplo espectro histológico, sua classificação histológica e estadiamento têm sido objeto de controvérsia. O estadiamento de maior aceitação foi proposto em 1981, com base na extensão da invasão microscópica e macroscópica das estruturas mediastinais.(6-7) Em 1991 uma nova classificação histológica foi promulgada pela Organização Mundial de Saúde, na qual os tumores do epitélio tímico são classificados como tipos A, AB, B1, B2, B3 e C, a qual é aceita como importante fator prognóstico.(8) Alguns autores mostraram que pacientes com grandes massas (> 11 cm) têm sobrevida em cinco anos de 58%, em comparação com 84% entre os pacientes com tumores menores (5 a 11 cm).(9)

Os timomas podem estar associados a uma variedade de síndromes, normalmente auto-imunes. Miastenia gravis é a mais comum, ocorrendo em aproximadamente 45% dos pacientes com timoma (10% a 67%).(10)
A distribuição entre os dois sexos é igual e o pico de incidência está entre 30 e 40 anos.(11-12) Aproximadamente um terço dos pacientes com timoma são assintomáticos; dos pacientes com sintomas, 40% têm sintomas locais relacionados à massa intratorácica.

A ressecção cirúrgica é o tratamento de eleição, pois na grande maioria dos casos (90% a 95%) o tumor é localizado.(12) A possibilidade de ressecção completa é próxima de 100% nos pacientes com estádio I, enquanto que nos estádios mais avançados há uma grande variedade de ressecabilidade. A ressecção completa é o fator prognóstico mais importante e a sobrevida livre de doença é a melhor forma de se avaliar a eficácia do tratamento cirúrgico(10-12) Alguns autores relataram uma série de 104 pacientes, dos quais 85,6% foram submetidos à ressecção completa e 25% receberam tratamento adjuvante, sendo que dois pacientes foram tratados com quimioterapia, dezenove com radioterapia e cinco pacientes receberam ambos tratamentos.(13) Outros avaliaram uma série de 100 pacientes, com média de sobrevida livre de doença em dez anos de 92%, 87%, 60% e 35% para estádios I, II, III e IV, respectivamente.(14) O intervalo médio de recorrência para pacientes no estádio I é dez anos e cinco anos para os pacientes com estádios II, III e IV. Há um relato com intervalo de 32 anos após a ressecção.(14) O tipo mais comum é a disseminação pleural ou pericárdica, seguida por crescimento local do tumor, e metástases pulmonares e distância (fígado e ossos). Há controvérsia a respeito do benefício da ressecção subtotal, porém é possível um aumento de sobrevida quando há mínima doença residual, especialmente quando se considera a terapia adjuvante.(15)

A radioterapia adjuvante para os pacientes submetidos à ressecção completa permanece objeto de discussão. Alguns autores a recomendam para todos os pacientes operados, outros somente para aqueles nos estádios II e III, ou ainda para os pacientes submetidos à ressecção incompleta. Comparando os resultados de várias séries retrospectivas, alguns autores observaram que o índice de recidiva no estádio I é tão baixo que a radioterapia não se justifica. Nos pacientes com estádios II e III completamente ressecados seu uso permanece controverso, porém mostrou-se eficaz para os pacientes nos estádios III e IV submetidos à ressecção incompleta.(14-15)

Os timomas são sensíveis à quimioterapia, com resposta objetiva em dois terços dos pacientes (10% a 100%), e resposta completa em um terço (0 a 43%). Outra questão importante é o prognóstico heterogêneo dos pacientes com timoma estádio III. Tumores com discreta invasão do pericárdio são considerados em estádio III, podem ser facilmente ressecados e apresentam prognóstico favorável. Por outro lado, grandes massas que invadem pulmão ou grandes vasos também são consideradas em estádio III, porém seu prognóstico é desfavorável.(16) A somatostatina e análogos têm sido utilizados como tratamento promissor nos casos refratários à quimioterapia.(17)

O caso aqui relatado apresenta vários pontos interessantes: não havia extensão da massa mediastinal para o pescoço; houve maior dificuldade durante a dissecção no mediastino inferior do que no superior; o timoma não era detectável na tomografia pré-operatória, apesar de apresentar 3 cm de diâmetro; e a exploração cuidadosa do mediastino nos permitiu encontrar um tumor de histologia diferente em outra localização.

Concluímos que, uma vez estabelecidos o diagnóstico e o tratamento cirúrgico, o cirurgião deverá explorar o mediastino minuciosamente durante a ressecção da lesão pensando também em eventuais lesões concomitantes, como aqui demonstrado. Em se tratando de timoma, é importante definir, durante o ato cirúrgico, eventual invasão de estruturas adjacentes. A análise do exame anatomopatológico pode revelar, mesmo em lesões de pequeno diâmetro, tratar-se de doença avançada e, portanto, com necessidade de tratamento adjuvante.

REFERÊNCIAS

1. Macchiarini P, Ostertag H. Uncommon primary mediastinal tumours. Lancet Oncol. 2004;5(2):107-18.
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3. Vadasz P, Kotsis L. Surgical aspects of 175 mediastinal goiters. Eur J Cardiothorac Surg. 1998;14(4):393-7.
4. Marchevsky AM, Kaneko M. Endocrine lesions of the mediastinal. New York: Raven Press; 1984.
5. Besznyák I, Szende B, Lapis K. Tumors and pseudotumors of the mediastinum. Budapest: Akadémia: 1985.
6. Wang LS, Shai SE, Fahn HJ, Chan KH, Chen MS, Huang MS. Surgical management of substernal goiter. Scand J Thorac Cardiovasc Surg. 1994;28(2):79-83.
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11. Nakagawa K, Asamura H, Matsuno Y, Suzuki K, Kondo H, Maeshima A, et al. Thymoma: a clinicopathologic study based on the new World Health Organization classification. J Thorac Cardiovasc Surg. 2003;126(4): 1134-40.
12. Yamakawa Y, Masaoka A, Hashimoto T, Niwa H, Mizuno T, Fujii Y, et al. A tentative tumor-node-metastasis classification of thymoma. Cancer. 1991;68(9):1984-7.
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14. Detterbeck FC, Parsons AM. Thymic tumors. Ann Thorac Surg. 2004;77(5):1860-9.
15. Curran WJ Jr, Kornstein MJ, Brooks JJ, Turrisi AT 3rd. Invasive thymoma: the role of mediastinal irradiation following complete or incomplete surgical resection. J Clin Oncol. 1988;6(11):1722-7.
16. Ruffini E, Mancuso M, Oliaro A, Casadio C, Cavallo A, Cianci R, et al. Recurrence of thymoma: analysis of clinicopathologic features, treatment, and outcome. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997;113(1):55-63.
17. Asamura H, Nakagawa K, Matsuno Y, Suzuki K, Watanabe S, Tsuchiya R. Thymoma needs a new staging system. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2004;3(1):163-7.
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* Trabalho realizado no Hospital do Câncer AC Camargo - São Paulo (SP) Brasil.
1. Cirurgião Torácico do Hospital do Câncer AC Camargo - São Paulo (SP) Brasil.
2. Chefe do Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital do Câncer AC Camargo - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Rodrigo Afonso da Silva. Departamento de Cirurgia Torácica do Hospital do Câncer AC Camargo. R. Professor Antônio Prudente, 211- CEP 01509-010, São Paulo, SP, Brasil.
Tel: 55 11 2189-5119. E-mail: rodafs@uol.com.br
Recebido para publicação em 4/5/05. Aprovado, após revisão, em 24/10/05.

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