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Artigo Original

Dessaturação noturna: preditores e influência no padrão do sono de pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica com hipoxemia leve em vigília

Nocturnal desaturation: predictors and the effect on sleep patterns in patients with chronic obstructive pulmonary disease and concomitant mild daytime hypoxemia

Renata Claudia Zanchet, Carlos Alberto de Assis Viegas

ABSTRACT

Objective: To determine the nocturnal oximetry pattern in chronic obstructive pulmonary disease patients having no sleep apnea and presenting mild daytime hypoxemia, to identify probable daytime parameters capable of predicting nocturnal desaturation, and to evaluate the influence of nocturnal desaturation on the sleep pattern of these patients. Methods: Twenty-five patients were divided into two groups: those with nocturnal desaturation and those without. Results: Comparing the first group (52%) with the second, we found the following: age, 63 + 5 years versus 63 + 6 years; forced expiratory volume in the first second = 53 + 31% versus 56 + 19% predicted; ratio of forced expiratory volume in the first second to forced vital capacity, 49 + 14% versus 52 + 10%; arterial oxygen tension, 68 + 8 mmHg versus 72 + 68 mmHg; and arterial oxygen saturation, 93 + 2% versus 94 + 1%. Patients in the nocturnal desaturation group presented lower daytime arterial oxygen saturation and nocturnal arterial oxygen saturation by pulse oximetry. There was no difference between the two groups in terms of the sleep patterns observed. The ratio of forced expiratory volume in the first second to forced vital capacity was found to correlate with forced vital capacity, daytime arterial oxygen tension and daytime arterial oxygen saturation. In addition, arterial oxygen saturation by pulse oximetry during exercise was found to correlate with nocturnal arterial oxygen saturation by pulse oximetry. However, only daytime arterial oxygen saturation was predictive of nocturnal desaturation. Conclusion: The only variable capable of predicting nocturnal desaturation was daytime arterial oxygen saturation. Nocturnal desaturation did not influence the sleep patterns of patients with chronic obstructive pulmonary disease accompanied by mild daytime hypoxemia.

Keywords: Sleep, REM; Pulmonary disease, chronic obstructive; Anoxemia; Spirometry; Wakefulness

RESUMO

Objetivo: Verificar o padrão da oximetria noturna em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica sem apnéia do sono e com hipoxemia leve em vigília, identificar prováveis parâmetros diurnos capazes de predizer a dessaturação noturna e verificar sua influência no padrão de sono. Métodos: Avaliaram-se 25 pacientes, divididos em dois grupos: com e sem dessaturação noturna. Resultados: Comparando-se o primeiro grupo (52%) com o segundo observou-se: idade, 63 + 5 versus 63 + 6 anos; volume expiratório forçado no primeiro segundo, 53 + 31% versus 56 + 19% do previsto; relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada, 49 + 14% versus 52 + 10%; pressão parcial de oxigênio no sangue arterial, 68 + 8mmHg versus 72 + 68mmHg; saturação arterial de oxigênio, 93 + 2% versus 94 + 1%. O grupo com dessaturação noturna apresentou menores valores de saturação arterial de oxigênio diurna e saturação periférica de oxigênio noturna. Não houve diferença no padrão de sono entre os grupos. Houve correlação da relação entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada, pressão parcial de oxigênio no sangue arterial e saturação arterial de oxigênio diurnas, e saturação periférica de oxigênio no exercício com os níveis de saturação periférica de oxigênio noturna, porém somente a saturação arterial de oxigênio diurna foi preditora da dessaturação noturna. Conclusão: A única variável capaz de predizer dessaturação noturna foi a saturação arterial de oxigênio diurna. A dessaturação noturna não influencia o padrão de sono de portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica com hipoxemia diurna leve.

Palavras-chave: Sono REM; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Anoxemia; Espirometria; Vigília

INTRODUÇÃO

Os pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) podem apresentar prejuízo na qualidade do sono e queda nos níveis noturnos dos gases sanguíneos.(1-3)

Há consenso de que a maior dessaturação noturna ocorre durante o sono REM(4-5) e que os pacientes portadores de DPOC são mais hipoxêmicos no sono do que em repouso durante o dia.(6-7) A hipoxemia também é maior durante o sono em relação à encontrada durante o exercício máximo.(8)

As principais causas de hipoxemia noturna são a hipoventilação alveolar(9) e as alterações na relação entre ventilação e perfusão.(10) Ademais, a hipoxemia noturna apresenta correlação com parâmetros diurnos, como a saturação arterial de oxigênio (SaO2), a pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2)(6,11) e a diminuída resposta ventilatória à hipercapnia.(12) Contudo, além das diferenças encontradas quanto à metodologia empregada, vários dos trabalhos citados não avaliaram o valor preditivo de cada variável,(11,13) o que dificulta a interpretação e extrapolação dos resultados apresentados.

Além disso, ainda não está clara na literatura a influência da dessaturação noturna no padrão de sono, na hemodinâmica pulmonar e na expectativa de vida de portadores de DPOC sem hipoxemia ou com hipoxemia leve em vigília.(14)

Pelo exposto, este trabalho tem por objetivo verificar o padrão da oximetria noturna em pacientes portadores de DPOC sem apnéia do sono e com hipoxemia leve em vigília, identificar prováveis parâmetros diurnos capazes de predizer a dessaturação noturna e verificar a influência da dessaturação noturna no padrão de sono desses pacientes.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal em pacientes portadores de DPOC, no período de agosto de 2003 a abril de 2004. A DPOC foi diagnosticada de acordo com os critérios definidos pelo The Global Iniciative for Chronic
Obstructive Lung Disease.(15)

Neste estudo foram incluídos pacientes admitidos no Programa de Reabilitação Pulmonar do Hospital Universitário de Brasília e da Universidade Católica de Brasília. Todos eram portadores de DPOC, ex-tabagistas, havia no mínimo seis meses, e encontravam-se estáveis clinicamente, havia no mínimo quatro semanas, com PaO2 diurna maior que 60 mmHg e SaO2 maior que 90%. Foram excluí-dos os pacientes com síndrome da apnéia do sono (índice de apnéia/hipopnéia > 5 eventos/hora) e com problemas ortopédicos ou de outra ordem que interferissem no sono. Todos os pacientes faziam uso de broncodilatadores e teofilina oral e nenhum usava oxigenoterapia contínua ou corticosteróide.

Os pacientes avaliados foram divididos em dois grupos, de acordo com a presença de dessaturação noturna: grupo dos pacientes com dessaturação noturna (GD) e grupo dos que não apresentavam dessaturação noturna (GND).

Consideramos no GD os pacientes que apresentassem mais que 30% do tempo total de sono com saturação periférica de oxigênio (SpO2) abaixo de 90%.(16)

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário de Brasília. Todos os pacientes leram e assinaram o termo de consentimento informado.

Os pacientes foram submetidos, no período de, no máximo, uma semana, aos testes descritos a seguir.

Foram medidos os valores absolutos da capacidade vital forçada (CVF), do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e da relação VEF1/CVF% (Vmax - 22 series spirometer Sensor Medics Yorba Linda, Califórnia, USA) e calculados os valores relativos aos previstos para o sexo, a idade e a altura, considerando os valores descritos por Knudson et al.(17) Para a realização da espirometria seguiram-se as normas da American Thoracic Society.(18)

Quanto à gasometria arterial em vigília, foram medidos os valores da PaO2, pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial e SaO2 (Ciba Corning 278 Gas System, Ciba Corning, Diagnostics Corp, Medifield, USA).

Com relação à oximetria em exercício, foram medidos os valores da SpO2 imediatamente após a realização do teste de caminhada de seis minutos, por meio de oxímetro de pulso (Healthdyne technologies, 920M, Marietta-Ga, USA).

Foi avaliado o índice de massa corporal, calculado pela fórmula: peso/altura2 (kg/m2).

Na polissonografia de noite inteira, os parâmetros monitorados foram eletroencefalograma, eletrocardiograma, eletromiograma, eletrooculograma, fluxo aéreo nasal/bucal, posição corporal, ronco, movimento torácico e abdominal, além da SpO2. Estas mensurações foram realizadas por aparelho da marca Healthdyne technologies, tipo Alice 3® computadorized Polysonographic System. Foram avaliadas as variáveis habituais da polissonografia, de acordo com Rechtschaffen e Kales.(19)

As variáveis estudadas são apresentadas em seus valores médios ± desvio-padrão. Para comparação entre os parâmetros dos pacientes do GD com os do GND, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes. Para verificar a correlação entre as variáveis estudadas durante o dia com aquelas avaliadas durante o sono, foi utilizado o teste de correlação de Pearson (para esta análise foi considerado o grupo como um todo, independentemente da dessaturação noturna). Para identificar quais variáveis eram preditoras independentes da dessaturação noturna, foi utilizado um teste de regressão logística, a estimativa da razão de chance Odds-Ratio. Neste modelo matemático foram testadas as seguintes variáveis: CVF, VEF1, VEF1/CVF, pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial, PaO2, SaO2 em repouso e SpO2 no exercício. Consideraram-se as diferenças estatisticamente significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Dentre os 25 pacientes estudados, 13 (52%) apresentaram dessaturação noturna (GD).

No GD, grupo no qual dois pacientes eram do sexo feminino, a média de idade foi de 63 + 5 anos e no GND (três pacientes do sexo feminino), a média da idade foi de 63 + 6 anos.

Os valores antropométricos, gasométricos, espirométricos e da SpO2 no exercício estão apresentados na Tabela 1. Não houve diferenças estatisticamente significativas nestes valores entre os dois grupos (p < 0,05).

Verificou-se que o GD apresentou menores valores de SpO2 durante o sono NREM e REM, menor SpO2 mínima durante o sono e maior porcentagem de tempo de sono com SpO2 abaixo de 90%, quando comparado com o GND (p < 0,05) (Tabela 1).





Na análise do grupo como um todo, houve correlação positiva e significativa entre a SaO2 e PaO2 diurnas com a SpO2 em vigília noturna, a média da SpO2 durante o sono e a mínima SpO2 durante o sono (Figura 1). Foi verificada, também, correlação negativa e significativa entre a SaO2 e a PaO2 diurnas com a porcentagem do tempo de sono com SpO2 abaixo de 90%, e correlação positiva e significativa entre a relação VEF1/CVF% e a SpO2 durante o sono. Além disto, houve correlação positiva e significativa entre a SpO2 no exercício e durante o sono (Figura 2).









Os dados da polissonografia estão apresentados na Tabela 2, que mostra ausência de diferença estatisticamente significativa entre o padrão de sono dos dois grupos estudados.





A Odds-Ratio mostrou que o único preditor independente para a dessaturação noturna foi a SaO2 diurna. Foi observado que cada aumento percentual na SaO2 diurna diminui em 49% a chance de ocorrer dessaturação noturna.

DISCUSSÃO

Dos 25 pacientes estudados, 13 apresentaram dessaturação noturna pela definição adotada (52%),(16) que esteve presente em 30% a 90% do tempo de sono. Estes resultados são muito próximos dos encontrados em outro estudo,(16) em que se verificou dessaturação noturna em 45% dos pacientes portadores de DPOC com hipoxemia leve. Os resultados deste trabalho refutam a afirmação de outros autores(6) de que valores diurnos de SaO2 iguais ou abaixo de 93% sempre ocasionam dessaturação noturna, pois no GND dois pacientes tinham SaO2 diurna de 91% e de 92%.

A literatura apresenta resultados controversos sobre o impacto da dessaturação noturna isolada em portadores de DPOC. Apesar de ter sido relatado que a dessaturação noturna promove aumento de pressão arterial pulmonar,(7) segundo alguns autores,(20) a pressão arterial pulmonar foi idêntica em dessaturadores e não dessaturadores noturnos, com hipoxemia diurna leve. A mesma controvérsia ocorre em relação à sobrevida destes pacientes. Uma recente revisão de literatura(14) aponta que não existe comprovação científica sobre o efeito deletério da hipoxemia noturna isolada na sobrevida destes pacientes.

O presente trabalho mostrou que, embora exista correlação entre a SpO2 durante o sono com a relação VEF1/CVF%, a SaO2 e a PaO2 diurnas e a SpO2 no exercício, apenas a SaO2 diurna foi preditora da dessaturação noturna. Este achado corrobora os de outros autores.(6,21)

A literatura apresenta diferentes resultados sobre os parâmetros preditores da dessaturação noturna. Alguns autores verificaram correlação positiva entre SpO2 no sono e VEF1(21), SaO2 e PaO2 em vigília.(6,11) Além disto, foi observado que quanto maior a dessaturação noturna, menor a resposta ventilatória à hipercapnia e à hipoxemia.(12)
Em relação ao exercício, situação de estresse ventilatório e cardíaco, quanto menor a SaO2 no exercício, menor a SpO2 durante o sono.(6,8,13) Ademais, foi verificada correlação negativa da SpO2 noturna com capacidade residual funcional,(6) PaCO2(6,13) e sonolência em vigília.(12) Porém, de todos os fatores que mostraram correlação com a SpO2 noturna, apenas a SaO2,(6,21) a sonolência diurna(12) e a PaO2 em vigília(8,12) foram preditoras independentes para a dessaturação no sono.

A discrepância nos resultados apresentados pela literatura pode ser devida às diferenças na metodologia empregada, incluindo as inúmeras definições de dessaturação noturna utilizadas nos estudos, dentre elas: queda na SpO2 maior que 4% do basal por no mínimo cinco minutos(6) e 30% ou mais do tempo total de sono com a SpO2 abaixo de 90%.(13,16) Neste trabalho foi adotada a definição proposta por Levi-Valensi et al.(16), devido a sua maior importância clínica.

Em resposta à hipoxemia e/ou hipercapnia, os portadores de DPOC apresentam aumento da ventilação e do esforço respiratório, culminando, muitas vezes, com o despertar.(22) De acordo com alguns autores,(23) a dessaturação é acompanhada de despertares e/ou mudanças de estágio de sono.

Neste trabalho, em relação à polissonografia, quando foi comparado o GD com o GND, não houve diferença estatisticamente significativa em nenhum parâmetro, com exceção da oximetria. Portanto, o número de despertares, mudanças de estágios de sono ou de movimentos durante o sono não foram alterados pela dessaturação noturna. Este resultado corrobora os de outros autores.(12,14,24) Alguns deles(24) afirmam que a dessaturação noturna não é a única responsável por promover alterações no sono dos pacientes com DPOC.

Desta forma, conclui-se que, dos pacientes estudados, 52% apresentaram dessaturação noturna e a única variável capaz de predizê-la foi a SaO2 diurna. Ademais, a dessaturação noturna não influencia o padrão de sono de portadores de DPOC com hipoxemia diurna leve.

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* Trabalho realizado no Hospital Universitário de Brasília - HUB e na Universidade Católica de Brasília - UCB - Brasília (DF) Brasil.
1. Professora Adjunta do Curso de Fisioterapia da Universidade Católica de Brasília - UCB - Brasília (DF) Brasil.
2. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília - UnB - Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Renata Claudia Zanchet. QS 07. Lote 01, Núcleo de Reabilitação Pulmonar, Sala A-04, Águas Claras - CEP: 71966-700, Taguatinga, DF, Brasil.
Tel: 55 61 3356 9005. E-mail: renatazanchet@ucb.br
Recebido para publicação em 18/3/05. Aprovado, após revisão, em 20/9/05.

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