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Avaliação da capacidade de exercício em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica: comparação do teste de caminhada com carga progressiva com o teste de caminhada com acompanhamento

Evaluating physical capacity in patients with chronic obstructive pulmonary disease: comparing the shuttle walk test with the encouraged 6-minute walk test

Fernanda Warken Rosa, Aquiles Camelier, Anamaria Mayer, José Roberto Jardim

ABSTRACT

Objective: To evaluate the applicability of the incremental (shuttle) walk test in patients with chronic obstructive pulmonary disease and compare the performance of those patients on the shuttle walk test to that of the same patients on the encouraged 6-minute walk test. Methods: A cross-sectional study was conducted, in which 24 patients with chronic obstructive pulmonary disease were selected. In random order, patients were, after an initial practice period, submitted to a shuttle walk test and an encouraged 6-minute walk test. Results: The patients obtained a higher heart rate (expressed as a percentage of that predicted based on gender and age) on the encouraged 6-minute walk test (84.1 ± 11.4%) than on the shuttle walk test (76.4 ± 9.7%) (p = 0.003). The post-test sensation of dyspnea (Borg scale) was also higher on the encouraged 6-minute walk test. On average, the patients walked 307.0 ± 89.3 meters on the shuttle walk test and 515.5 ± 102.3 meters on the encouraged 6-minute walk test (p < 0.001). There was a good correlation between the two tests in terms of the distance walked (r = 0.80, p < 0.001). Conclusion: The shuttle walk test is simple and easy to implement in patients with chronic obstructive pulmonary disease. The encouraged 6-minute walk test produced higher post-test heart rate and greater post-test sensation of dyspnea than did the shuttle walk test.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive/rehabilitation; Exercise test; Motor activity; Reproducibility of results;

RESUMO

Objetivo: Avaliar a aplicabilidade do teste de caminhada com carga progressiva em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, e comparar o desempenho desses pacientes durante esse teste e o de caminhada de seis minutos com acompanhamento. Métodos: Foi realizado um estudo de corte descritivo, em que foram selecionados 24 portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica. Em ordem aleatória, realizou-se um teste de caminhada com carga progressiva e um de caminhada de seis minutos com acompanhamento, após um período de prática inicial. Resultados: Os pacientes alcançaram no teste de caminhada com carga progressiva, em média, uma freqüência cardíaca máxima de 76,4 ± 9,7%, valor inferior aos 84,1 ± 11,4% alcançados no de caminhada de seis minutos com acompanhamento, em relação ao máximo previsto para idade e gênero (p = 0,003). A sensação de dispnéia ao final do teste (escala de Borg) também foi maior no de caminhada de seis minutos com acompanhamento. Os pacientes caminharam, em média, 307,0 ± 89,3 metros no teste de caminhada com carga progressiva, contra 515,5 ± 102, 3 metros no de caminhada de seis minutos com acompanhamento (p < 0,001). Houve boa correlação entre as distâncias percorridas entre os dois testes (r = 0,80, p < 0,001). Conclusão: O teste de caminhada com carga progressiva é simples e fácil de ser realizado em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica. O teste de caminhada de seis minutos com acompanhamento levou a uma maior freqüência cardíaca e a maior sensação de dispnéia ao seu final.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica/reabilitação; Teste de esforço: Atividade motora; Reprodutibilidade de resultados; Caminhada; Tolerância ao exercício

INTRODUÇÃO

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é caracterizada pela presença crônica de sintomas como tosse e produção de escarro e, nos casos mais avançados, dispnéia aos esforços ou em repouso, decorrentes das alterações da mecânica pulmonar e da troca gasosa, e da diminuição da capacidade aeróbia muscular periférica.(1) Até o presente momento, exceto a cessação do tabagismo, não existem alternativas terapêuticas que sejam capazes de alterar o declínio funcional progressivo do volume expiratório forçado no primeiro segundo, aspecto marcante desta doença.(1) Entretanto, existem outros fatores que melhoram após intervenções, como a sensação de dispnéia, qualidade de vida, estado nutricional e capacidade de exercício.(2) O programa de reabilitação pulmonar tem como base um conjunto amplo de intervenções, no qual a principal delas se baseia na avalia-ção e aumento da capacidade física, por meio da execução de um programa de treinamento físico.(1)

Apesar da crescente abertura de centros de rea-bilitação pulmonar na América Latina,(3) a base das avaliações e treinamento físico dos pacientes com DPOC submetidos à reabilitação pulmonar ainda está associada à utilização de equipamentos complexos e de custo elevado, que requerem a utilização de pessoal especializado, como o teste de exercício cardiopulmonar associado à medida direta do consumo de oxigênio de pico ou máximo e a determinação do limiar anaeróbio, utilizados na prescrição de exercício físico.(4-6) Portanto, com o objetivo de facilitar a avaliação da capacidade física e diminuir os custos de um programa de reabilitação pulmonar, tem-se desenvolvido testes de campo de fácil execução e de baixo custo, como o teste de caminhada de seis minutos (TC6),(7) o teste do degrau(8) e o teste de caminhada com carga progressiva, conhecido como teste shuttle na literatura de língua inglesa (TS).(9)

O TS é considerado um teste incremental máximo, pois o paciente é impelido a andar de acordo com velocidades crescentes padronizadas, em doze níveis, com duração de um minuto em cada nível, impostas por um sinal sonoro ao redor de um circuito de dez metros em cada sentido, separados por dois cones, até a exaustão (Quadro 1). O TS é considerado simples, com boa reprodutibilidade e é baseado em caminhadas em qualquer superfície plana, não requerendo ergômetro específico;(9-10) é utilizado como desfecho na avaliação de diversas intervenções em pacientes com DPOC.(9,11-14) Do ponto de vista de capacidade de exercício, tem-se evidenciado uma boa correlação na distância percorrida com o consumo de oxigênio de pico ao final do TS (r = 0,81), semelhante à obtida em testes máximos realizados na esteira (r = 0,88).(15) O consumo de oxigênio de pico ao final do TS guarda correlação de 0,71, comparado com o cicloergômetro.(6) De acordo com o nosso conhecimento, não existem trabalhos que tenham documentado a aplicabilidade do TS no Brasil.





O TC6, entretanto, é o teste mais comumente realizado, fazendo parte do índice multidimensional, que tem melhor capacidade de predição de mortalidade que o volume expiratório forçado no primeiro segundo em portadores de DPOC.(2) É considerado submáximo, pois o paciente é instruído a caminhar na máxima velocidade tolerada durante seis minutos, mediante incentivos verbais padronizados. Depende, portanto, de características de ajuste individual da velocidade durante o desempenho do teste, que é determinado pelo paciente, o qual pode, inclusive, realizar a interrupção da deambulação se assim desejar. O TC6 tem maior variabilidade do que o TS, com similar correlação com o consumo de oxigênio de pico (r = 0,73).(7)

No Centro de Reabilitação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo, desenvolveu-se uma variação do TC6, em que o incentivo se dava por meio de acompanhamento de um profissional (médico ou fisioterapeuta) que caminhava na frente do paciente, impondo a velocidade a ser seguida durante os seis minutos (TC6a).(16) Deste modo, o paciente pode ser levado a manter a máxima velocidade tolerada durante o teste, aproximando-o de um desempenho realizado em um teste máximo.

O objetivo deste estudo foi avaliar a aplicabilidade do TS em portadores de DPOC e, com base no baixo custo e facilidade da realização do TS e do TC6a, comparar o desempenho de portadores de DPOC durante estes dois testes.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo, de corte transversal, em que foram selecionados 24 portadores de DPOC, seguindo-se ordem consecutiva de acordo com o fluxo de pacientes no ambulatório de DPOC do Centro de Reabilitação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo.

Os critérios de inclusão foram: pressão parcial de oxigênio arterial > 55 mmHg e/ou saturação de oxigênio à oximetria de pulso (SpO2) > 92% (paciente em repouso e respirando ar ambiente), ao menos seis semanas de estabilidade clínica e boa habilidade para caminhadas livres. Pacientes com SpO2 < 80% durante exercício, portadores de outras pneumopatias, coronariopatias, insuficiência cardíaca ou outras co-morbidades consideradas fora de controle ou significantes, e com presença de contra-indicações formais para a realização de testes de exercício, foram excluídos do estudo. Todos os pacientes realizaram um teste cardiopulmonar incremental em esteira, seguindo o protocolo de Harbor, sem suplementação de oxigênio, para afastar a hipótese de doença coronariana ativa, arritmias induzidas por exercício ou respostas pressóricas anormais.(17)

Todos os pacientes realizaram espirometria de acordo com os critérios da American Thoracic Society,(18) sendo utilizado o espirômetro KoKo. A gasometria arterial foi obtida em todos os pacientes, bem como a força dos músculos respiratórios, por meio de um manovacuômetro (IMEBRÁS). O índice de massa corpórea foi obtido pela relação entre peso (kg) e altura (m2).

A realização do TS seguiu padronização descrita na literatura.(9) O protocolo para o TS requer que o paciente caminhe num corredor plano, com dez metros de ida (um shuttle) e dez metros de volta (outro shuttle). A distância é identificada com dois cones, a meio metro antes do final de cada percurso, para evitar que o paciente precise fazer trocas abruptas de direção. A velocidade em que o paciente caminha é determinada pela emissão de um sinal sonoro, que indica quando o paciente deve estar no cone e trocar de direção e, conseqüentemente, o ritmo também é alterado. O sinal sonoro é registrado em fita cassete. A explicação aos pacientes foi padronizada e eles ouviram a fita antes de terem iniciado o teste. O paciente foi avisado: "caminhe num passo constante, objetivando estar em um dos cones para trocar de direção quando ouvir o sinal; você deve continuar caminhando até sentir que não é capaz de manter a velocidade requerida". Medidas de freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratória, pressão arterial e SpO2 foram realizadas com o paciente em pé e em repouso e ao final do teste. Durante todo o teste, a FC foi monitorizada constantemente por telemetria, e a SpO2 por um oxímetro de pulso. A escala de Borg modificada foi utilizada para quantificar a percepção de dispnéia e cansaço de membros inferiores, no repouso e no exercício máximo. Os seguintes critérios foram seguidos para finalizar o TS: o paciente apresentar dispnéia e/ou fadiga para manter a velocidade exigida e/ou ficar a uma distância igual ou superior a três metros do cone, quando soava o sinal sonoro indicando troca de direção.

Todos os pacientes realizaram de uma a duas sessões práticas de TC6a e TS antes de se iniciar o protocolo, para anular o efeito aprendizado e promover a familiarização com as diferenças entre os testes. O TC6a foi realizado em um corredor de 28 metros, com o acompanhamento de um fisioterapeuta ou médico, que, durante o teste, caminhava na frente do paciente tentando impor a máxima velocidade tolerada, durante seis minutos. Em ambos os testes não houve suplementação de oxigênio, e a mínima SpO2 tolerada foi de 80%. O TS e o TC6a foram realizados no mesmo dia, porém em ordem aleatória. Um intervalo de, no mínimo, 30 minutos entre os testes era respeitado, ou esperava-se que as variáveis cardiovasculares e ventilatórias retornassem ao valor basal. Todos os pacientes tinham monitorização contínua de FC, por telemetria e oximetria. Foram medidos também, no repouso e ao final dos testes: freqüência respiratória, sensação de dispnéia e cansaço de membros inferiores (escala de Borg) e pressão arterial; e, ao final, a distância percorrida.

Foram avaliados a qualidade de vida através do Questionário de Saint George na Doença Respiratória (SGRQ), previamente validado no Brasil,(19) e o índice de dispnéia basal de Mahler.(20)

O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética médica e o termo de consentimento esclarecido e informado foi obtido de todos os pacientes.
Os resultados foram descritos por média e desvio-padrão. O teste de Wilcoxon foi utilizado para se analisar as diferenças entre o TS e o TC6. O coeficiente de correlação de Spearman foi calculado para se determinar a associação entre variáveis contínuas. Os testes não paramétricos foram justificados através do teste Kolmogorov-Smirnov. O tamanho da amostra possuía um poder de 80% para detectar uma diferença de dez metros no TS (estimando-se um desvio-padrão de 11 metros),(21-22) assumindo-se um erro alfa de 0,05. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa SPSS versão 10.0.

RESULTADOS

Dados demográficos e de função pulmonar dos 24 portadores de DPOC (17 homens) estão demonstrados na Tabela 1. A média de idade foi de 67,8 + 7,5 anos (variação de 55 a 84 anos) e o índice de massa corpórea médio foi de 24,2 + 4,2 kg/m2. De acordo com a classificação do critério GOLD,(1) 2 pacientes (8,3%) tinham doença leve (estádio 1), 7 pacientes (29,2%) foram classificados como estádio 2 (moderado), 12 (50%) tinham estádio 3 (grave), e 3 (12,5%) estádio 4 ou muito grave. Dois pacientes (8,3%) eram hipercápnicos (pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial > 45 mmHg). Todos os pacientes tinham alteração da qualidade de vida, conforme os resultados do SGRQ em valores percentuais (em média e desvio padrão): SGRQ sintomas, 58,18 ± 19,23; SGRQ impacto, 39,94 ± 23,61; SGRQ atividade, 61,94 ± 21,64; SGRQ total 49,60 ± 20,15. O valor de dispnéia basal referido pelo índice de dispnéia basal de Mahler foi de 7,5 ± 2,1.





Os valores basais em ambos os testes de caminhada em relação à sensação de dispnéia e cansaço de membros inferiores (Borg), pressão arterial sistólica e diastólica, FC, SpO2 e freqüência respiratória foram semelhantes (dados não mostrados). Os pacientes demonstraram, ao final dos dois testes, maiores valores atingidos no TC6a, em comparação com o TS, com relação à FC (p < 0,001) e sensação de dispnéia (p = 0,003). Os demais parâmetros, obtidos ao final dos testes, não alcançaram diferença estatística significativa (Tabela 2).





Quando os valores de FC máxima alcançados nos testes foram comparados ao máximo previsto pela idade e sexo (sexo masculino: 211 - 0,87*idade em anos; sexo feminino: 212 - 0,89*idade em anos),(23) os pacientes alcançaram no TS, em média, 76,1 + 9,8% do máximo, valor inferior aos 83,8 + 11,6% alcançados no TC6a (p = 0,003). Quando estes mesmos parâmetros foram comparados à FC máxima atingida no teste incremental na esteira (que foi inferior à prevista pela idade), foi encontrado, no TS, em média 85,6 + 9,7%, contra 94,0 + 9,1% no TC6a.
Em ambas as situações, a diferença (maiores valores de FC) em favor do TC6a alcançou significado estatístico (p = 0,004). Faz-se importante notar que a média de FC alcançada no teste incremental na esteira foi inferior à prevista para a idade (137,2 + 15,9 bpm contra 152,6 + 8,4 bpm, respectivamente, com p < 0,001).

Não houve qualquer complicação percebida durante os testes, referente a sintomas (mal-estar, síncope, dor precordial ou outros referidos espontaneamente pelos pacientes).

Os pacientes caminharam, em média, 307,0 + 89,3 metros no TS, contra 515,5 + 102,3 metros no TC6 (p < 0,001). Houve boa correlação entre as distâncias percorridas entre os dois testes (r = 0,81, p < 0,001). (Figura 1)





Para se comparar as propriedades de validade de construção entre os testes, foram calculados os coeficientes de correlação entre diversas variáveis funcionais, nutricionais, de qualidade de vida, sintomas e força muscular respiratória. Os resultados são mostrados na Tabela 3.





DISCUSSÃO

Muito recentemente foi publicado um importante estudo mostrando que a avaliação multidimensional na DPOC pode fornecer melhores informações quanto à sobrevida e morbimortalidade, quando comparada com a análise do volume expiratório forçado no primeiro segundo isolado.(2) Boa parte desta informação vem da análise da capacidade de exercício destes pacientes, que, isoladamente, pode ser considerada fator de predição de mortalidade.(24) O TS e o TC6 são testes de baixa complexidade e de baixo custo, porém, provavelmente, são subutilizados na avaliação clínica diária de portadores de DPOC no Brasil. De acordo com o nosso conhecimento, este é o primeiro trabalho que avaliou o TS em portadores de pneumopatia crônica em nosso meio.

No presente estudo, o TS mostrou-se de fácil realização, sendo necessário apenas um aparelho de som portátil (para emissão dos sinais sonoros), um corredor plano com dez metros de comprimento e apenas um investigador, para que seja realizado. O teste de caminhada requer um espaço livre de 30 metros, podendo variar de 20 a 50 metros(7) (o percurso utilizado neste estudo tinha 28 metros livres, considerado adequado). Entretanto, o comprimento da superfície plana a ser percorrido parece pouco influenciar no resultado final (a forma do circuito parece ser mais importante), como foi demonstrado em um estudo derivado do NETT (National Emphysema Treatment Trial Research Group).(25) Dois acompanhantes são necessários para a realização da TC6, independentemente das variações de padronização (TC6 ou TC6a).
Em ambos os testes não foram detectadas quaisquer complicações (como presença de sintomas importantes, arritmias ou alterações não fisiológicas da pressão), a despeito de serem testes de desempenho máximo ou próximo do máximo, e da tolerância de SpO2 de até 80%, tendo sido concluído que ambos os testes têm boa aplicabilidade nesta amostra de pacientes. É importante ressaltar, entretanto, que todos os pacientes tinham uma avaliação ergométrica prévia normal, critério de inclusão neste estudo, apesar de serem portadores de DPOC moderada a grave.

Na amostra de DPOC estudada, o desempenho médio alcançado pelo TS foi de 307 metros, valor superior ao do trabalho do grupo que desenvolveu o teste, no qual foi relatada uma distância média de 195 metros.(9) Em outro trabalho do mesmo grupo, a distância média foi de 375 metros, valor semelhante ao encontrado neste estudo.(15) Houve correlação fraca da distância percorrida no TS com o volume expiratório forçado no primeiro segundo neste estudo (r = 0,42), com valor semelhante ao relatado previamente (r = 0,31).(15) É importante ressaltar que a amostra do trabalho original do TS incluía portadores de obstrução brônquica de diversas etiologias, e não só DPOC.(9)

Desde 1997 vem-se propondo uma modificação do estímulo oferecido ao TC6, com o objetivo de torná-lo mais reprodutível e mais próximo do esforço máximo atingido pelos pacientes.(16) De fato, quando se observa a distância percorrida no TC6 por portadores de DPOC neste estudo, nota-se que a média de 515 metros aproxima-se daquela observada em indivíduos normais (580 metros).(7) A média da distância percorrida para portadores de DPOC moderada a grave varia de 264 a 403 metros na literatura.(2,26) No nosso centro, em um estudo prévio, após avaliar 59 pacientes com DPOC (volume expiratório forçado no primeiro segundo: 47,9 + 16,5%) com o TC6a, a média percorrida alcançada foi de 499,7 + 83,6 metros.(27) Isto mostra que a modificação do estímulo dado durante o TC6 induziu a um maior esforço realizado pelos pacientes durante o teste, aproximando-os da sua capacidade máxima.

A hipótese de que os dois testes realizados impuseram esforços próximos do máximo previsto pode ser justificada pela análise dos parâmetros avaliados ao final dos mesmos, semelhantes na sua maioria, exceto para valores significativamente superiores de dispnéia e FC, tanto do ponto de vista clínico como estatístico, obtidos no TC6a (Tabela 2). Isto vai ao encontro da maioria dos trabalhos da literatura, em que um teste incremental como o TS induziria a maiores incrementos em variáveis cardiovasculares, quando comparado com o TC6.(9-10) Um recente estudo publicado encontrou semelhança nos parâmetros cardiovasculares entre TS e TC6, porém a amostra estudada era composta de portadores de DPOC em recuperação de exacerbação, e o TC6 não era acompanhado. A similaridade do comportamento das variáveis fisio-lógicas naquele estudo foi creditada a uma redução na capacidade de exercício encontrada em exacerbações de DPOC.(28) Os achados do presente estudo são considerados inéditos, por se tratarem de pacientes em fase estável da doença. Houve, portanto uma boa correlação entre o TS e o TC6a neste estudo (r = 0,80), superior aos estudos clássicos,(9,11) mas semelhante a um estudo publicado (r = 0,85).(28)

O TS é, classicamente, caracterizado como um teste incremental que assume valores muito próximos do máximo, quando comparado com testes incrementais máximos, utilizando ergômetros. A modificação do estímulo no TC6a pode ter levado os pacientes a caminharem a uma velocidade próxima do máximo tolerável durante um tempo prolongado (seis minutos no teste em questão), conceito semelhante ao descrito como potência crítica, em que a carga tolerada durante um exercício de alta intensidade estaria limitada à resposta ventilatória dinâmica em portadores de DPOC moderada a grave.(29) Demonstrou-se que o tempo de tolerância ao esforço físico (endurance) foi fortemente associado ao nível de estresse ventilatório, com resultante aumento da sensação de dispnéia.(29) Estaria, portanto, justificado o achado, neste estudo, de maiores valores de sensação de dispnéia e de FC no TC6a que no TS, já que neste último, por ser um teste incremental e interrompido imediatamente após o alcance da carga máxima, o paciente passaria um menor tempo sendo submetido a cargas muito altas de esforço físico. Já foi descrito que, após o terceiro minuto do início do TC6, o paciente assume um platô na velocidade de caminhada, associado a um nível máximo sustentável de ventilação, considerado próximo a 90% da ventilação voluntária máxima. Se o TC6 tiver um estímulo externo padronizado, o paciente assume a máxima velocidade sustentável.(30)

Com base nos principais achados deste estudo, conclui-se que o TS pode ser utilizado na avaliação da capacidade de exercício em portadores de DPOC no Brasil, sendo ele um teste incremental de campo, fácil de ser realizado e que não requer a utilização de aparelhos sofisticados. A comparação do TS com o TC6a mostra que os dois testes assumem valores semelhantes ao seu final, com valores de FC e sensação de dispnéia superior no TC6a. A implicação clínica das diferenças entre a utilização destes dois testes, como proposta de carga de treinamento para programas de reabilitação mais simples, deve ser avaliada em estudos futuros, bem como a avaliação mais detalhada das diferenças metabólicas na performance entre o TC6a e o TC6 padrão.



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* Trabalho realizado no Centro de Reabilitação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Estudo parcialmente subsidiado pela CAPES, CNPq e FAPESP
1. Mestre em Reabilitação pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutora em Reabilitação pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Professor Adjunto-Doutor em Pneumologia, Coordenador do Centro de Reabilitação Pulmonar e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernanda Warken Rosa. Rua Manoel Andrade, 201 - Ap 401. Cond. Pituba Ville. Pituba - CEP: 41810-976, Salvador, BA, Brasil. Tel.: 55 71 3346-7080. E-mail: fwrosa@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 31/5/05. Aprovado, após revisão, em 6/8/05.

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