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Características clínicas e evolução de pacientes imunocomprometidos não HIV com diagnóstico intra-hospitalar de tuberculose

Clinical characteristics and evolution of non-HIV-infected immunocompromised patients with an in-hospital diagnosis of tuberculosis

Denise Rossato Silva, Diego Millán Menegotto, Luis Fernando Schulz, Marcelo Basso Gazzana, Paulo de Tarso Roth Dalcin

ABSTRACT

Objective: To investigate the characteristics of and risk factors for mortality among non-HIV-infected immunocompromised patients with an in-hospital diagnosis of tuberculosis. Methods: This was a two-year, retrospective cohort study of patients with an in-hospital diagnosis of tuberculosis. The predictive factors for mortality were evaluated. Results: During the study period, 337 hospitalized patients were diagnosed with tuberculosis, and 61 of those patients presented with immunosuppression that was unrelated to HIV infection. Extrapulmonary tuberculosis was found in 47.5% of cases. In the latter group, the in-hospital mortality rate was 21.3%, and the mortality rate after discharge was 18.8%. One-year survival was significantly higher among the immunocompetent patients than among the HIV patients (p = 0.008) and the non-HIV-infected immunocompromised patients (p = 0.015), although there was no such difference between the two latter groups (p = 0.848). Among the non-HIV-infected immunocompromised patients, the only factor statistically associated with mortality was the need for mechanical ventilation. Among the patients over 60 years of age, fibrosis/atelectasis on chest X-rays and dyspnea were more common, whereas fever and consolidations were less common. Fever was also less common among the patients with neoplasms. The time from admission to the initiation of treatment was significant longer in patients over 60 years of age, as well as in those with diabetes and those with end-stage renal disease. Weight loss was least common in patients with diabetes and in those using corticosteroids. Conclusions: The lower prevalence of classic symptoms, the occurrence of extrapulmonary tuberculosis, the delayed initiation of treatment, and the high mortality rate reflect the diagnostic and therapeutic challenges of tuberculosis in non-HIV-infected immunocompromised patients.

Keywords: Hospitalization; Immunosuppression; Risk factors; Tuberculosis/mortality; Immunocompromised host.

RESUMO

Objetivo: Investigar as características de pacientes imunocomprometidos não HIV com diagnóstico intra-hospitalar de tuberculose e determinar os fatores de risco para mortalidade. Métodos: Durante um período de dois anos, foi realizado um estudo de coorte retrospectivo que incluiu os pacientes com diagnóstico de tuberculose após a internação. Os fatores preditores de mortalidade foram coletados. Resultados: Durante o período do estudo, 337 pacientes foram internados e diagnosticados com TB, e desses, 61 apresentavam imunossupressão não decorrente da infecção pelo HIV. A tuberculose extrapulmonar estava presente em 47,5% dos casos. Nesse grupo, a taxa de mortalidade intra-hospitalar foi de 21,3%, e a mortalidade após a alta foi de 18,8%. Os pacientes imunocompetentes tiveram sobrevida em um ano maior que os pacientes com HIV (p = 0,008) e que os imunocomprometidos não HIV (p = 0,015), mas não houve diferença na sobrevida entre esses dois últimos grupos (p = 0,848). Entre os pacientes imunocomprometidos não HIV, o único fator estatisticamente associado à mortalidade foi a necessidade de ventilação mecânica. Entre os maiores de 60 anos, dispneia e presença de fibrose/atelectasias na radiografia de tórax foram mais comuns, enquanto febre e consolidações foram menos frequentes nesse grupo. A febre também foi um sintoma encontrado menos comumente nos pacientes com neoplasias. O tempo até o início do tratamento foi significativamente maior nos pacientes maiores de 60 anos, nos diabéticos e nos pacientes renais crônicos. Nos pacientes diabéticos e naqueles usuários de corticosteroides, o emagrecimento foi um sintoma menos frequentemente relatado. Conclusões: A menor prevalência de sintomas clássicos, a ocorrência de tuberculose extrapulmonar, o atraso no início do tratamento e a alta taxa de mortalidade refletem o desafio diagnóstico e terapêutico da tuberculose em pacientes imunocomprometidos não HIV.

Palavras-chave: Hospitalização; Imunossupressão; Fatores de risco; Tuberculose/mortalidade; Hospedeiro imunocomprometido.

Introdução

A tuberculose (TB) permanece como um dos principais problemas de saúde pública na maioria dos países do mundo. Estima-se que um terço da população mundial esteja infectado pelo Mycobacterium tuberculosis. O Brasil ocupa o 14º lugar entre os 22 países com maior incidência notificada de TB, apresentando 48 casos/100.000 habitantes em 2007.(1) Apesar da disponibilidade de tratamento curativo, uma parcela significativa de pacientes com TB ainda é hospitalizada, e a mortalidade intra-hospitalar permanece alta, com estimativas variando de 2-12%.(2,3)

A presença de comorbidades, incluindo a infecção pelo HIV, e o atraso no início do tratamento têm sido considerados causas das altas taxas de mortalidade intra-hospitalar. Além disso, pacientes hospitalizados podem estar mais sujeitos a efeitos adversos dos medicamentos anti-TB, devido ao uso concomitante de diversas medicações e à presença de comorbidades.(2)

A infecção por HIV é o maior fator de risco para se adoecer por TB em indivíduos previamente infectados pelo bacilo de Koch, com um risco de 10% ao ano.(4) Entretanto, outras causas de imunossupressão, por doenças ou fármacos, também têm sido reconhecidas como fatores predisponentes para o desenvolvimento de TB. Pacientes com diabete melito, insuficiência renal crônica ou neoplasias malignas e pacientes em uso de medicamentos imunossupressores ou modificadores biológicos têm demonstrado incidências elevadas da doença. O uso de imunossupressores em diversas situações clínicas é cada vez mais frequente, bem como a sobrevida dos pacientes imunocomprometidos, elevando o número de casos nesse contexto. A TB em pacientes imunocomprometidos não portadores de HIV pode ser tão grave quanto nos pacientes HIV positivos e estar associada a uma alta mortalidade.(5-10)

O objetivo deste estudo foi investigar as características de pacientes hospitalizados com TB e imunossupressão não decorrente da infecção pelo HIV, e avaliar os fatores de risco para mortalidade.

Métodos

O estudo foi realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um hospital terciário vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com 750 leitos e cerca de 190 casos novos anuais de TB. Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo dos casos novos de TB durante um período de dois anos. O estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética em pesquisa. Os autores assinaram um termo de compromisso para a utilização dos dados, responsabilizando-se por manterem o anonimato das informações dos pacientes estudados.

Foram incluídos no estudo todos os casos novos de TB, com diagnóstico após a internação hospitalar. Os critérios de exclusão foram os seguintes: casos notificados de TB nos quais posteriormente houve mudança de diagnóstico e casos de pacientes que iniciaram o tratamento antes da hospitalização. Os pacientes foram identificados retrospectivamente através das fichas individuais de notificação de TB do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), e os prontuários foram revisados. Em nosso hospital, a prescrição eletrônica dos medicamentos anti-TB gera automaticamente a ficha de notificação do SINAN. Sendo assim, todos os pacientes que começam o tratamento puderam ser identificados.

O diagnóstico da TB pulmonar foi baseado nos seguintes critérios(11):

 detecção por baciloscopia direta, com duas amostras de escarro positivas
 detecção por baciloscopia direta, com uma amostra positiva, e uma cultura de escarro positiva para M. tuberculosis
 detecção por baciloscopia direta, com uma amostra positiva, e achados radiológicos compatíveis com TB
 somente cultura positiva para M. tuberculosis ou
 presença de achados clínicos, epidemiológicos e radiológicos compatíveis com TB, associados à resposta favorável aos medicamentos anti-TB

O diagnóstico de TB extrapulmonar foi baseado em dados clínicos e/ou de exames complementares de acordo com a localização. Os casos nos quais o tratamento foi iniciado com base na presença de achados clínicos e radiológicos compatíveis com TB, mas sem exames diagnósticos positivos, foram definidos como tratamento empírico.

A revisão de prontuário foi realizada pelos investigadores, que preenchiam um questionário padronizado incluindo os seguintes itens: dados demográficos (idade, sexo, cor, escolaridade), presença de comorbidades, tabagismo, uso de bebidas alcoólicas, uso de drogas injetáveis, uso de medicamentos imunossupressores, TB prévia, forma clínica de TB, sintomas na admissão, métodos de diagnóstico, esquema de tratamento utilizado, intervalo entre a admissão até o início do tratamento, tempo de hospitalização, admissão em UTI, necessidade e duração da ventilação mecânica (VM), desfecho da hospitalização (alta ou óbito) e desfecho após a alta hospitalar (cura, abandono ou óbito). Os dados após a alta foram obtidos através da revisão dos prontuários, através do banco de dados do SINAN e/ou através de contato telefônico com as unidades de saúde ambulatoriais responsáveis pelo tratamento do paciente após a alta.

Foram considerados casos de imunossupressão os dos pacientes com idade > 60 anos, os daqueles apresentando diabete tipo I ou II, insuficiência renal crônica ou neoplasias malignas, os dos transplantados em geral e os daqueles em uso de prednisona ou equivalente (dose ≥ 15 mg/dia por 4 semanas), imunossupressores (por 4 semanas ou mais) ou modificadores biológicos, como etanercept e infliximab.

Os dados foram digitados em um banco de dados no programa Microsoft Excel XP®, sendo processados e analisados com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foi realizada uma análise descritiva para as variáveis em estudo. Os dados quantitativos foram apresentados como médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartílicos (IIs). Os dados qualitativos foram expressos em números absolutos (% de todos os casos) e analisados através do teste do qui-quadrado, utilizando, se necessário, a correção de Yates ou o teste exato de Fisher. A comparação de dados quantitativos entre os 3 grupos foi realizada através do teste ANOVA ou do teste Kruskal Wallis, de acordo com o tipo de distribuição dos dados. As curvas de sobrevida de Kaplan-Meyer foram utilizadas na análise dos grupos de pacientes imunocomprometidos não HIV e HIV positivos, assim como no grupo de pacientes imunocompetentes, em relação aos desfechos mortalidade durante a internação hospitalar e mortalidade em 1 ano após o diagnóstico, e o teste de log-rank (teste de Mantel-Cox) foi utilizado para comparações. Todos os testes estatísticos utilizados foram bicaudais. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Durante o período do estudo, 337 pacientes com TB foram internados no hospital. Desses, 26 já estavam em tratamento antes da hospitalização e foram então excluídos do estudo. Do restante dos pacientes, 194 pacientes eram HIV positivos, 61 pacientes apresentavam imunossupressão não decorrente da infecção pelo HIV, e 56 pacientes foram considerados imunocompetentes.

A Figura 1 mostra as curvas de sobrevida de Kaplan-Meyer para pacientes com imunossupressão não infectados pelo HIV, pacientes com HIV e pacientes imunocompetentes, quanto ao tempo de permanência hospitalar. As taxas de mortalidade intra-hospitalar para os imunocomprometidos não HIV, os HIV positivos e os imunocompetentes foram 21,3% (13/61), 17,0% (33/194) e 7,1% (4/56), respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significativa na sobrevida entre os grupos (p = 0,290). A Figura 2 mostra as curvas de sobrevida para os três grupos, considerando a evolução geral no primeiro ano após o diagnóstico hospitalar. As taxas de mortalidade após a alta para os imunocomprometidos não HIV, os HIV positivos e os imunocompetentes foram 14,8% (9/61), 18,0% (35/194) e 8,9% (5/56), respectivamente. Houve diferença estatisticamente significativa entre os três grupos (p = 0,022), sendo que os pacientes imunocompetentes tiveram sobrevida maior que os pacientes com HIV (p = 0,008) e que os pacientes com imunossupressão não HIV (p = 0,015). A sobrevida dos pacientes com imunossupressão não HIV não diferiu da sobrevida dos pacientes com HIV (p = 0,848).








Dos pacientes com imunossupressão não relacionada ao HIV, 37 tinham mais de 60 anos, 19 eram diabéticos, 15 eram usuários de corticosteroides, 8 estavam em uso de outros imunossupressores, 7 tinham insuficiência renal crônica, 7 eram transplantados, e 7 eram portadores de neoplasias. Alguns pacientes apresentavam mais de uma forma de imunossupressão. As principais características dos pacientes estão demonstradas na Tabela 1.



A TB extrapulmonar foi mais comum (47,5%), seguida da TB pulmonar isolada (45,9%). Dezessete pacientes (27,9%) apresentaram TB pulmonar e extrapulmonar associadas. As localizações mais comuns da TB extrapulmonar foram as seguintes: pleural (n = 13), óssea (n = 6), peritoneal (n = 4), meníngea (n = 3), disseminada (n = 3), ganglionar (n = 2) e pericárdica (n = 2). Cinquenta e dois pacientes (85,2%) tinham pelo menos um sintoma na admissão, os mais comuns sendo febre (41%), emagrecimento (36,1%) e tosse (34,4%). O padrão radiológico mais frequente foi o derrame pleural em 17 pacientes (27,9%), e a cavitação estava presente em apenas 6 (9,8%).

A mediana do tempo até o início do tratamento foi de 8 dias (II: 4-14 dias). Em 12 pacientes (19,7%), o tratamento foi empírico; no grupo de pacientes HIV positivos e no de imunocompetentes, o tratamento foi empírico em 22,7% e 21,4% dos casos, respectivamente. Rifampicina, isoniazida e pirazinamida foram as drogas mais utilizadas, em 54 pacientes (88,5%). Hepatotoxicidade ocorreu em apenas 4 pacientes (6,6%) durante a hospitalização. Dez pacientes (17,2%) necessitaram de internação na UTI e VM. Treze pacientes foram a óbito durante a internação (taxa de mortalidade = 21,3%). Após a alta, 9 pacientes (18,8%) foram a óbito, 38 (79,2%) foram curados, e 1 (2,1%) abandonou o tratamento.

A Tabela 2 mostra as características dos pacientes sobreviventes e não sobreviventes. O único fator estatisticamente associado à mortalidade foi a necessidade de VM (p < 0,0001).



Entre os pacientes com mais de 60 anos, a presença de dispneia foi significativamente maior - 11 pacientes (26,2%) - que entre os com menos de 60 anos - 36 pacientes (13,5%; p = 0,033; Tabela 3). A febre foi um sintoma encontrado menos comumente em pacientes com mais de 60 anos - 16 pacientes (38,1%) vs. 176 pacientes (65,4%; p = 0,001) - e em pacientes portadores de neoplasias - 5 pacientes (35,7%) vs. 187 pacientes (63,0%; p = 0,040). Os tipos de neoplasias encontradas em nosso estudo foram as seguintes: neoplasia de pulmão (em 2 pacientes); neoplasia de próstata, esôfago, língua e assoalho da boca (em 1 paciente cada); e leucemia mielomonocítica crônica (em 1 paciente).



Alterações fibróticas/atelectásicas foram mais frequentes em pacientes com mais de 60 anos - 7 pacientes (16,7%) vs. 16 pacientes (5,9%; p = 0,023). Por outro lado, nesse mesmo grupo de pacientes, consolidações na radiografia de tórax foram menos encontradas que no grupo de pacientes com menos de 60 anos - 2 pacientes (4,8%) vs. 50 pacientes (18,6, p = 0,026). A mediana do tempo até o início do tratamento foi de 8 dias (II: 4,0-13,8 dias) nos maiores de 60 anos e de 5 dias (II: 2-11 dias) nos outros pacientes (p = 0,021). Nos pacientes diabéticos e nos renais crônicos, também houve um retardo no início do tratamento - 10 dias (II: 7-17 dias) vs. 5 dias (II: 2-11 dias; p = 0,005) e 12 dias (II: 8,0-15,5 dias) vs. 5 dias (II: 2-11 dias; p = 0,018), respectivamente. O abandono do tratamento após a alta foi significativamente menor nos pacientes com mais de 60 anos que nos demais pacientes imunocomprometidos - 1 paciente (3,0%) vs. 44 pacientes (19,3%; p = 0,021).

Nos pacientes diabéticos e naqueles usuários de corticosteroides, o emagrecimento foi um sintoma menos frequentemente relatado que nos outros pacientes imunocomprometidos sem essas características - 5 pacientes (25,0%) vs. 147 pacientes (50,5%; p = 0,027) e 4 (22,0%) vs. 148 (50,5%; p = 0,020), respectivamente. A presença de pelo menos um sintoma foi encontrada em 13 pacientes (72,2%) usuários de corticosteroides e em 269 (92,4%) dos não usuários (p = 0,014). Outros imunossupressores utilizados foram ciclosporina (em 6), micofenolato (em 6) e tacrolimus (em 1). Esses foram empregados após transplante renal em 7 pacientes e para o tratamento de retocolite ulcerativa em 1 paciente. O derrame pleural foi mais frequente nos usuários de outros imunossupressores - 4 pacientes (50,0%) vs. 55 pacientes (18,2%; p = 0,045).

O tempo total de internação foi superior nos pacientes diabéticos e nos renais crônicos que nos pacientes imunocomprometidos sem essas características - 38,5 dias (II: 13,0-59,8) vs. 19,0 dias (II: 12,0-35,3; p = 0,036) e 43,5 dias (II: 20-53) vs. 19,5 dias (II: 12-37; p = 0,033), respectivamente. Com relação aos transplantados, somente iniciaram tratamento para TB, no período do estudo, pacientes transplantados renais. Não houve diferenças estatisticamente significativas entre esses pacientes e aqueles não transplantados.

Discussão

Neste estudo retrospectivo, descrevemos as características de pacientes imunocomprometidos não HIV, diagnosticados com TB durante internação hospitalar. As formas de TB extrapulmonar foram tão frequentes quanto a TB pulmonar (47,5% vs. 45,9%). Encontramos uma alta mortalidade nesses pacientes no período da hospitalização (21,3%), sem diferença estatisticamente significativa quando comparada à mortalidade no grupo de pacientes HIV positivos e mesmo no grupo de pacientes imunocompetentes. Após a alta hospitalar, um número também significativamente elevado de pacientes evoluiu para óbito (18,8%). No primeiro ano após o diagnóstico de TB, os pacientes imunocompetentes tiveram sobrevida maior que os pacientes com HIV e que os imunocomprometidos não HIV, sem diferença de sobrevida entre esses dois últimos grupos. A taxa de abandono foi baixa (2,1%), e a cura com o tratamento ficou em 79,2%.

Durante as últimas décadas, pacientes imunocomprometidos não HIV têm contribuído para uma grande parte dos casos de TB. O prejuízo da imunidade celular pelo uso de imunossupressores para o tratamento de neoplasias ou após transplantes de órgãos pode fazer com que esses pacientes sejam particularmente suscetíveis ao desenvolvimento de TB.

Além disso, a TB pode ter uma apresentação clínica não usual, tornando o diagnóstico mais difícil nesses pacientes. Corroborando nossos achados, estudos prévios já demonstraram uma alta taxa de mortalidade em imunocomprometidos não HIV.(5-10)

Um dos sistemas fisiológicos mais afetados pelo envelhecimento é a imunidade. A expressão clínica da denominada imunossenescência depende da presença de comorbidades e exposições a outros fatores ambientais ou infecções. Decorre de limitação na expansão clonal das células T e involução do timo, com consequente disfunção das células T.

Em algumas regiões, o grupo de risco para desenvolver TB ativa deslocou-se para os idosos.(12) Em nosso estudo, nos pacientes com mais de 60 anos, encontramos uma prevalência maior de dispneia, já demonstrada em outro estudo,(13) que pode ser decorrente de alterações na função pulmonar relacionadas ao envelhecimento.(14) As alterações fibróticas/atelectásicas, que foram mais frequentes na radiografia de tórax desses pacientes, sugerem que muitos deles tenham tido TB no passado. Entretanto, não dispomos de dados consistentes sobre a história de TB prévia desses casos. Ainda com relação aos achados radiológicos, a consolidação pulmonar estava presente em um número menor de pacientes com mais de 60 anos, embora muitos estudos sugiram uma maior prevalência de imagens atípicas.(15-17) A febre foi um sintoma menos prevalente, em concordância com uma meta-análise realizada,(13) provavelmente devido à menor resposta pirogênica com a idade.(18) Adicionalmente, um achado interessante nesse grupo de pacientes foi uma menor taxa de abandono, já demonstrada previamente.(19)

O tempo até o início do tratamento foi maior nos pacientes diabéticos, nos renais crônicos e naqueles maiores de 60 anos. O atraso no diagnóstico de pacientes idosos pode ocorrer devido à apresentação atípica da doença, e possivelmente também porque a TB não seja muito cogitada como hipótese diagnóstica nessa faixa etária.(20) Em nosso estudo, os pacientes idosos apresentavam um quadro clínico menos usual (mais dispneia e menos febre e emagrecimento, comparados aos outros pacientes), o que pode ter contribuído para esse retardo até o início do tratamento. Da mesma forma, sintomas inespecíficos e a frequente localização extrapulmonar da TB nos pacientes com insuficiência renal crônica podem ser fatores de risco para o atraso no diagnóstico.(21)

Alguns autores também já descreveram a apresentação atípica da TB pulmonar em pacientes diabéticos.(22) Os pacientes com diabete incluídos em nosso estudo tinham uma história menos frequente de emagrecimento; entretanto, não houve uma maior prevalência de outras alterações clínicas ou radiológicas não usuais nesse grupo.

Pacientes com neoplasias malignas são imunocomprometidos devido aos efeitos locais ou sistêmicos da própria doença, mas também pelos regimes de tratamento que são prejudiciais ao sistema imunológico.

Pacientes com neoplasias hematológicas têm a maior taxa de incidência de TB entre aqueles com câncer. Já entre os pacientes com neoplasias sólidas, essa incidência é menor, embora seja substancialmente alta em pacientes com tumores de cabeça e pescoço,(23) como sugerido no presente estudo. O diagnóstico de TB nos pacientes com câncer pode ser particularmente difícil pela sobreposição de sintomas, como nos linfomas, ou mesmo pela atenuação da sintomatologia clínica clássica da TB.(6) Na nossa amostra de pacientes com neoplasia, a febre foi encontrada menos comumente que nos outros pacientes.

A TB extrapulmonar foi a forma predominante em nosso estudo, e a presença de derrame pleural na radiografia de tórax foi mais frequente nos pacientes em uso de imunossupressores não corticosteroides. A alta incidência de TB nos pacientes transplantados renais é associada ao uso de drogas imunossupressoras em pacientes que já são previamente imunocomprometidos pela insuficiência renal crônica e uremia.(24,25)

Pacientes imunocomprometidos têm mais frequentemente um padrão radiológico de TB primária, com adenopatias, consolidação e derrame pleural.(26) Em séries de casos de diferentes tipos de transplantes, a TB é descrita nas formas disseminada, extrapulmonar ou miliar em aproximadamente 45% dos casos.(10,27)

A presença de no mínimo um sintoma foi menos prevalente nos pacientes usuários de corticosteroides, assim como a história de emagrecimento. Sabidamente, os corticosteroides conferem um risco até seis vezes maior de TB, agravado pela pouca sintomatologia clínica, o que dificulta o diagnóstico.(10) Além disso, essas drogas têm impacto no ganho de peso,(28) o que pode ter contribuído para a menor ocorrência de emagrecimento em nossa amostra. Outros estudos têm mostrado que manifestações atípicas da TB, como a ausência de sintomas, estão associadas a retardo no diagnóstico e maior mortalidade.(2,29) Em nosso estudo, apenas 34,4% dos pacientes imunocomprometidos relataram a presença de tosse na admissão hospitalar. Considerando que a maioria dos médicos vê a tosse como condição necessária para cogitar a possibilidade de TB, esse diagnóstico pode não ser prontamente reconhecido, acarretando em retardo no início do tratamento e maior mortalidade.

Este estudo tem algumas limitações metodológicas. O delineamento retrospectivo não permite a avaliação de alguns potenciais fatores de risco para a mortalidade. Adicionalmente, o reduzido tamanho amostral em cada um dos grupos de imunossupressão pode ter aumentado a probabilidade de encontrarmos resultados falso-negativos. Além disso, o estudo incluiu somente pacientes hospitalizados, provavelmente casos mais graves de TB. Entretanto, dentro dessas limitações, o estudo atingiu seu objetivo de mostrar as peculiaridades da TB em imunocomprometidos não HIV, e as informações aqui agregadas são relevantes na avaliação diagnóstica desse subgrupo específico de pacientes no contexto hospitalar.

Em conclusão, demonstramos as características de pacientes imunocomprometidos não infectados pelo HIV e que necessitaram de hospitalização. A menor prevalência de sintomas clássicos, a ocorrência de TB extrapulmonar, o retardo no início do tratamento e a alta taxa de mortalidade refletem o desafio diagnóstico e terapêutico da TB nesses pacientes.


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* Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Denise Rossato Silva. Rua São Manoel, 1584/606, Santana, CEP 90620-110, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3219-5723. E-mail: denise.rossato@terra.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (FIPE-HCPA).
Recebido para publicação em 4/3/2010. Aprovado, após revisão, em 30/3/2010.


Sobre os autores

Denise Rossato Silva
Médica Internista e Pneumologista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Diego Millán Menegotto
Médico Residente de Medicina Interna. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Luis Fernando Schulz
Médico Internista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Marcelo Basso Gazzana
Médico Assistente. Serviço de Pneumologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Paulo de Tarso Roth Dalcin
Professor Associado. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

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