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Artigo Original

Freqüência relativa de hipomagnesemia em pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo atendidos em ambulatório de referência do norte do Paraná

The relative frequency of hypomagnesemia in outpatients with chronic airflow limitation treated at a referral center in the north of the state of Paraná, Brazil

Alcindo Cerci Neto, Olavo Franco Ferreira Filho, Johnathan de Sousa Parreira

ABSTRACT

Objective: To determine the relative frequency of hypomagnesemia among patients with chronic airflow limitation treated as outpatients at a referral center in the northern part of the state of Paraná between 2000 and 2001, as well as to determine whether hypomagnesemia correlates with hypoxia, with other electrolyte disturbances and with the severity of airflow limitation. Methods: This was a descriptive study of the relative frequency of hypomagnesemia in 72 patients with chronic airflow limitation. All of the patients were submitted to blood tests to determine serum levels of magnesium and other electrolytes, as well as to staging of the underlying disease. Results: The prevalence of hypomagnesemia was 27.8%. The mean age was 65 ± 9.9 years, and there was a predominance of males. The mean forced expiratory volume in one second was 1.31 ± 0.52 L. Most of the patients (68.1%) were found to be in the advanced stages of the disease. Hypomagnesemia was not found to correlate with other electrolyte disturbances, hypoxemia or disease stage. Conclusion: The high frequency of patients in the advanced stages is likely attributable to the fact that the outpatient facility is a referral center for the region. Further studies should be conducted in order to determine the probable causes of this high prevalence of hypomagnesemia.

Keywords: Magnesium/blood; Pulmonary ventilation; Pulmonary disease, chronic obstructive; Respiratory insufficiency

RESUMO

Objetivo: Determinar a freqüência relativa de hipomagnesemia em pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo atendidos num ambulatório de referência do norte do Paraná, nos anos de 2000 a 2001, e verificar se há relação entre esse distúrbio e hipoxemia, outros distúrbios eletrolíticos e com a gravidade da doença. Métodos: Estudo descritivo sobre a freqüência relativa de hipomagnesemia em 72 pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo. Os pacientes realizaram dosagens séricas de magnésio e outros eletrólitos, além de realizarem o estadiamento de sua doença de base. Resultados: A prevalência encontrada de hipomagnesemia foi de 27,8%. A idade média foi de 65 ± 9,9 anos, com predominância de homens. O volume expiratório forçado no primeiro segundo médio foi de 1,13 ± 0,52 L. A maioria dos pacientes encontrava-se em estádios avançados da doença (68,1%). Não houve associação do magnésio sérico baixo com outros distúrbios eletrolíticos, hipoxemia ou estádios de gravidade. Conclusão: A alta freqüência de pacientes em estádios avançados deve-se, provavelmente, ao fato de o ambulatório ser um centro de referência da região. Novos estudos devem ser realizados para determinar prováveis causas dessa alta prevalência de hipomagnesemia.

Palavras-chave: Magnésio/sangue; Ventilação pulmonar; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Insuficiência respiratória

INTRODUÇÃO

O magnésio (Mg) é o quarto íon mais abundante no organismo e o segundo íon catiônico intracelular.(1) É importante para várias etapas do metabolismo celular, como a produção de energia pela ativação de enzimas ATPases transportadoras, interferindo diretamente no tônus, na contração muscular e na excitabilidade cardíaca.(2) Não há unanimidade na literatura em relação à concentração sérica normal do Mg, e como sua maior parte localiza-se no interior da célula, sua dosagem sérica isolada pode não refletir o conteúdo total desse íon no organismo.(2-4)

A hipomagnesemia é a anormalidade hidroeletrolítica mais comumente encontrada em pacientes hospitalizados portadores de doenças crônicas, tais como: acidente vascular cerebral, doença cardíaca isquêmica, hipertensão arterial, diabetes mellitus, aterosclerose e asma brônquica.(5) Nessas enfermidades costuma estar associada com outros distúrbios como hipocalemia, hipofosfatemia, hiponatremia e hipocalcemia.(1,6-7)

A exacerbação da insuficiência respiratória nos quadros de limitação crônica do fluxo aéreo (LCFA) pode ser desencadeada por infecção, descompensação cardiovascular, pneumotórax ou por tromboembolismo pulmonar. A hipoxemia, que ocorre nestas situações, é relatada como sendo indutora da depleção de íons Mg intracelulares.(8) O íon Mg, estando envolvido na contração muscular e na manutenção do tônus muscular, quando reduzido em pacientes portadores de LCFA pode significar um fator a mais de piora ventilatória ou de recuperação funcional, induzindo a fadiga muscular.

Assim, este estudo tem como objetivos determinar a freqüência relativa de hipomagnesemia entre pacientes com LCFA e identificar se há associação entre a depleção deste íon com hipóxia, distúrbios eletrolíticos e gravidade da doença.

MÉTODOS

O estudo foi desenvolvido no Ambulatório de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Londrina (HC/UEL), parte integrante do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná, que atende toda a comunidade do Paraná, sul do Mato Grosso do Sul, sul de São Paulo e países vizinhos.

O propósito deste trabalho foi o de realizar um estudo transversal, utilizando-se uma amostra de conveniência, com a finalidade de se conhecer a prevalência de hipomagnesemia em pacientes com LCFA. A freqüência desse distúrbio na população geral é estimada em 10%. Nossa hipótese é a de que nos pacientes com LCFA a prevalência é duas vezes maior. Assim, usando alfa de 0,05% e um erro amostral de 0,10%, o tamanho calculado da amostra foi de 61 pacientes.

Foram avaliados todos os pacientes com LCFA, diagnosticados de acordo com os critérios da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia,(9) atendidos no HC/UEL no período de 01/01/2000 a 31/12/2001, que tinham alterações pulmonares funcionais e/ou radiológicas, e que concordaram em participar do trabalho.

Foram excluídos todos os pacientes que apresentavam situações sabidamente causadoras de hipomagnesemia, tais como: uso de antibióticos, bloqueadores gástricos tipo anti-receptores H1 ou de bomba de prótons, diuréticos tiazídicos e de alça, digoxina e insulina; presença de insuficiência cardíaca esquerda comprovada através de ecocardiograma; antecedentes de cirurgias intestinais ou grandes cirurgias; desnutrição ou pacientes submetidos à nutrição enteral ou parenteral no último ano; história de etilismo crônico.

Todos os pacientes incluídos tiveram seus protocolos de pesquisa preenchidos pelo pesquisador e sua equipe. Eram anotados: dados demográficos e epidemiológicos; história clínica em busca da presença de sinais associados à hipomagnesemia (apatia, depressão, arritmias, hipertensão, convulsões, tremores e cefaléia); dados do exame físico cardiovascular e pulmonar; medicações utilizadas nos últimos 30 dias; e histórico da última internação.

Após o preenchimento do instrumento de pesquisa os pacientes tinham seus tratamentos otimizados e retornavam após três semanas para coleta de exames laboratoriais: hemograma, uréia, creatinina, sódio, potássio, cálcio, magnésio, fósforo, proteínas totais e frações e gasometria arterial. A dosagem de creatinina foi realizada para descartar disfunções renais que tivessem passado despercebidas na anamnese. A dosagem da albumina, juntamente com os linfócitos, teve como objetivo descartar alterações nutricionais nestes pacientes. Todos os exames foram realizados dentro do primeiro mês após a consulta médica e obedecendo aos critérios internacionalmente aceitos. Os eletrólitos e os gases sanguíneos foram considerados diminuídos quando os valores encontrados estavam abaixo do limite inferior do valor de referência.

Foram solicitados exames de prova ventilatória completa e radiografia de tórax para todos aqueles pacientes que não tinham realizado estes exames nos últimos seis meses, que apresentaram exacerbação aguda da bronquite crônica ou estiveram internados nos últimos 60 dias.

Todas as provas ventilatórias foram realizadas por pessoa habilitada do setor de fisioterapia respiratória do HC/UEL. As técnicas de realização dos exames e os valores de referência seguiram as recomendações da American Thoracic Society.(10) As provas funcionais eram consideradas com padrão obstrutivo quando a relação entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e a capacidade vital forçada encontrava-se abaixo de 90% do esperado e classificadas como: obstrutivo leve (VEF1 > 60%), moderado (VEF1 entre 41% e 59%) ou grave (VEF1 < 40%) associado ou não a redução de capacidade vital forçada.(9)
As radiografias de tórax foram analisadas pelo pesquisador em busca de lesões hipodensas, hiperdensas, localizadas ou difusas, padrões intersticiais e sinais de hiperinsuflação pulmonar. Gasometria arterial foi realizada somente nos pacientes com VEF1 < 40% do predito ou com dispnéia intensa. Todos os valores de referência seguiram critérios
internacionais.

A análise dos dados foi feita através do programa Epi-info versão 6.01, desenvolvido pelo Center of Disease Control. Os dados descritivos são apresentados em tabelas. Para estabelecer a comparação de médias entre dois grupos de variáveis utilizou-se o teste t de Student. Para comparar variáveis categóricas entre dois grupos foi utilizado o teste do qui-quadrado.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do HC/UEL.

RESULTADOS

A amostra estudada foi composta por 72 pacientes, sendo 43 do sexo masculino (59,7%), com idade média de 65 + 10 anos. As variáveis demográficas e epidemiológicas encontram-se na Tabela 1.





Ao exame físico torácico, 62 pacientes apresentaram alterações na ausculta pulmonar (86,1%). Todos tinham alterações bilaterais. As alterações mais freqüentes e predominantes foram: redução do murmúrio vesicular (50,7%), roncos e estertores (27,4%) e sibilos expiratórios (21,7%). A maior parte destes pacientes apresentava sinais radiológicos de hiperinsuflação (63%).

Quanto ao diagnóstico clínico da doença de base, 19 deles eram asmáticos graves (26,5%), 40 eram portadores de bronquite crônica (55,6%) e 13 eram enfisematosos (18,1%). O estadiamento clínico por gravidade destes pacientes mostrou 23 (31,9%) pacientes com estádio I (leve), 23 (31,9%) com estádio II (moderado), e 26 (36,1%) com estádio III (grave).

Todos os pacientes apresentavam a razão entre o VEF1 e a capacidade vital forçada abaixo de 90% do esperado. A média dessa razão foi de 65,3% do predito com desvio-padrão de 18,2. Vinte e dois pacientes apresentaram prova de broncodilatação positiva (30,6%), que se caracterizava por uma melhora funcional no VEF1 de 12% e/ou 200 ml após o uso de 200 mcg de salbutamol spray (Tabela 2).





Com relação aos distúrbios eletrolíticos, a hipocalcemia foi o mais encontrado, estando presente em 37 pacientes (52,3%). A hipomagnesemia foi encontrada em 20 pacientes (27,8%). O valor médio do Mg sérico foi de 1,80 ± 0,18 mEq/l, aproximando-se do limite inferior do intervalo de normalidade para este íon (1,8 a 2,2 mEq/l). Hipoxemia foi observada em 50 pacientes (69,4%). Os distúrbios eletrolíticos e gasométricos observados estão na Tabela 3. O fósforo não pôde ser analisado devido à falta de reagentes. A albumina estava dentro dos valores de referência em todos os pacientes.





Nenhum dos pacientes apresentou qualquer sinal ou sintoma que pudesse estar relacionado ao distúrbio do Mg.

Na análise univariada procurando possíveis associações do déficit de Mg, encontrou-se o sexo como único parâmetro a mostrar diferença estatística significativa. O íon estava mais baixo nos pacientes do sexo masculino (p = 0,034). Não encontramos associação com qualquer distúrbio eletrolítico, gasométrico ou com a gravidade da doença de base.

DISCUSSÃO

A freqüência relativa de hipomagnesemia encontrada neste estudo foi de 27,8%, bem acima do que é relatado na literatura médica.

A idade média dos pacientes no presente estudo foi de 65 anos, com predomínio do sexo masculino (60%) e da cor branca (95,8%). Estudos que avaliaram população semelhante, um norte-americano(11) e outro brasileiro,(12) encontraram as mesmas características epidemiológicas.
Tivemos um predomínio de pacientes oriundos de zona urbana (98,6%), fato que ocorre quando se estuda a distribuição da população que procura o serviço ambulatorial do HC/UEL. A maioria dos pacientes era tabagista (76,4%), fato comum em pacientes com LCFA.(11-13)

O sintoma predominante foi a dispnéia (81,9%), seguida de tosse (13,9%) e dor torácica (4,2%). O predomínio da dispnéia é indicativo de que a população estudada era composta de pacientes mais graves, pois a dispnéia ocorre principalmente após a sexta década de vida e se relaciona ao grau de gravidade da doença.(13) Alguns autores,(12) em uma população de faixa etária e gravidade semelhantes às encontradas no presente estudo, também demonstraram ser a dispnéia o sintoma mais freqüente. O predomínio de achados ao exame físico de redução do murmúrio vesicular (50,7% dos casos) também foi encontrado por outros autores.(11) A presença de alta taxa de sibilância (21,7% dos casos) foi também descrita em outro estudo, em que 18,5% dos pacientes estudados tinham história de asma brônquica.

Todos os pacientes tinham a relação entre VEF1 e capacidade vital forçada menor que 90%, com média de 65,3% do esperado e VEF1 após o uso do broncodilatador com média de 1,10 L e desvio-padrão de 0,49 L.
Alguns autores,(12) em amostra semelhante, também demonstraram médias semelhantes. O único valor espirométrico divergente entre o presente estudo e o supracitado foi o número de testes positivos ao broncodilatador. No presente estudo,(14) 22 pacientes (30,60%) apresentaram prova de broncodilatação positiva (200 ml ou 12% de variação) enquanto que naquele, apenas 5,7%. Apesar desta divergência em relação à resposta positiva ao broncodilatador, todos os pacientes do presente estudo tiveram seus valores de VEF1 abaixo de 70% após a prova de broncodilatação. Em outro estudo foram analisados 22 pacientes com LCFA e também foi encontrado um VEF1 médio de 0,9 L ou 38% do predito. Outros autores descrevem em seu livro que até 30% dos pacientes portadores de LCFA podem apresentar-se com resposta positiva à broncodilatação. Estes dados podem ser comparados porque o presente estudo utiliza os mesmos critérios de definição e diagnóstico que os autores citam em seu livro.

Notou-se que a maioria dos pacientes deste estudo foi classificada em estádios mais graves (estádios 2, 3 e 4). Isto ocorreu porque o ambulatório do HC/UEL é um serviço de referência terciária. Assim, os pacientes lá tratados são de alta complexidade.

A distribuição das doenças de base que causaram limitação crônica do fluxo aéreo foi de 26,4% de asmáticos, 55,6% de bronquite crônica e 18,1% de enfisematosos. Em um artigo de revisão concluiu-se que a asma grave se comporta, em grande parte dos pacientes, como a bronquite crônica, sendo difícil sua distinção clínica. Além disso, foi relatado em outro artigo que 18,5% dos pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica eram previamente asmáticos. Consideramos como asmáticos graves aqueles pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo e VEF1 após o uso do broncodilatador abaixo da normalidade. Asmáticos graves e bronquíticos crônicos predominaram nesta população (82%) e a outra pequena parte constituiu-se de enfisematosos. Um artigo de 2001 cita as mesmas proporções.(15)

Possíveis fatores de confusão com a dosagem do Mg tais como anemia, desnutrição, hipoproteinemia ou alterações na função renal foram descartados através de exames complementares durante a seleção dos pacientes. Nenhum paciente teve suas dosagens de linfócitos, proteínas totais e frações e creatinina fora do limite da normalidade.

Existem poucos trabalhos na literatura médica que relatem distúrbios de Mg em pacientes com LCFA.(16) Apenas dois estudos foram encontrados. Em ambos, a prevalência de hipomagnesemia foi de 11%.(17) Porém, nesses estudos foram usados critérios diferentes dos utilizados na presente pesquisa para definição da LCFA. Também eram diferentes os critérios de inclusão e exclusão de pacientes.

A alta prevalência de hipomagnesemia encontrada neste estudo pode ser explicada pelas características populacionais, demográficas e socioeconômicas, pelo hábito alimentar e pela terapêutica baseada em altas doses de xantinas e beta-agonistas inalatórios, e também pelas diferenças importantes na composição corpórea de pacientes com LCFA quando comparados com indivíduos saudáveis.(19-20)

Os distúrbios do Mg têm relação direta com a ingesta, absorção e excreção renal do íon.(21) Os pacientes que procuram o ambulatório do HC/UEL apresentam baixo nível socioeconômico, e é provável que sua alimentação seja baseada em gorduras animais e carboidratos, que têm custo mais acessível, sendo os mesmos pobres em Mg.(22) Entretanto, os hábitos alimentares dos pacientes não foram estudados pelos autores. Além disso, a própria terapêutica utilizada para essa população é baseada em xantinas (aminofilina), beta-agonistas inalatórios de curta duração (fenoterol e salbutamol) e beta-agonistas sistêmicos parenterais e orais (salbutamol), medicações estas que são fornecidas gratuitamente pelo sistema público de saúde. Existe confusão quanto ao papel dessas medicações na gênese de distúrbios eletrolíticos. Alguns estudos mostraram que beta-agonistas sistêmicos e inalatórios e também a aminofilina não interferem nas concentrações de Mg de forma direta,(8,24) mas sim indiretamente quando associados à hipoxemia ou piorando um distúrbio eletrolítico subjacente. Alguns autores(8) mostraram que o Mg sérico não sofreu qualquer alteração em suas concentrações após a inalação de uma dose de 200mcg de fenoterol, expressa em valores médios e em bases individuais. Outros demonstraram,(24) em um grupo de asmáticos graves portadores de hipomagnesemia, que o uso de broncodilatadores beta-agonistas inalatórios e da aminofilina não se associou de forma estatisticamente significativa à gênese de hipomagnesemia, hipofosfatemia ou hipocalcemia.

A maioria dos estudos concorda que a influência destas medicações na gênese dos distúrbios de Mg ocorre de forma dose-dependente, e conforme a via de administração e o tempo de uso das mesmas.(25) O principal eletrólito que sofre influência destas medicações é o potássio, e este por sua vez interfere de modo indireto no controle do Mg. Dentre as várias explicações para o mecanismo de interferência das medicações na gênese de hipomagnesemia, podemos citar: presença de decréscimo de Mg sérico devido à lipólise induzida por catecolaminas com aumento do seqüestro de Mg pelas membranas de adipócitos;(26) a estimulação beta-adrenérgica regula o potássio plasmático e indiretamente o Mg plasmático, o que leva ao uptake intracelular de ambos os íons, predominantemente no fígado e em células musculares.(8)

No presente estudo, o uso das medicações citadas pode explicar, em parte, mas não totalmente, a alta prevalência de hipomagnesemia. Isto porque os pacientes que utilizavam medicamentos fortemente associados a este distúrbio foram excluídos durante a seleção. O Mg não dispõe de mecanismos intrínsecos específicos de regulação.(27) O sistema renina-angiotensina atua no metabolismo do potássio e indiretamente no do Mg. Não foi encontrada neste estudo qualquer relação entre hipomagnesemia e outros distúrbios eletrolíticos. A despeito da alta prevalência de hipocalcemia encontrada neste estudo (52,3%), não havia nenhum paciente portador de hiperparatireoidismo ou desnutrição que pudesse explicar este valor. Os mecanismos postulados para a hipocalcemia incluem: secreção irregular de paratormônio, resistência ao paratormônio em órgãos finais e resistência à vitamina D.(28) A hipomagnesemia, porém, pode ser causadora de hipocalcemia.(29)

A insuficiência respiratória crônica associada a hipoxemia é uma causa descrita de depleção de Mg e hipomagnesemia.(8) Entretanto, não conseguimos comprovar esta associação neste estudo.

Especulamos se os pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo, e com hipomagnesemia, não se beneficiariam com a repleção do Mg corpóreo total, no sentido de melhor manutenção da potência muscular e de menor excitabilidade celular que pudesse levar a hiperreatividade brônquica. Este estudo não mediu a força muscular. Também não se conseguiu relacionar os quadros mais graves (estádios 3 e 4) com a hipomagnesemia, quando comparados com os casos moderados (estádios 1 e 2) de LCFA. Também não houve diferença estatística quando se comparam os grupos de estádios clínicos individualmente com a hipomagnesemia (qui-quadrado = 5,8; p = não significativo).

A única associação estatisticamente significativa foi a maior taxa de depleção do íon Mg no sexo masculino, que pode ser explicada pela influencia da reposição hormonal ou uso de hormônios pelas mulheres.(5) Não foi encontrado fato semelhante na literatura.

A dosagem de Mg sérico não reflete sua concentração total no organismo, podendo ser subestimada. Assim como os pacientes com LCFA dependem de seus músculos respiratórios, o Mg é um importante co-fator de contração muscular.

A análise e discussão dos resultados obtidos no presente trabalho permitiram-nos concluir que: a freqüência de hipomagnesemia em pacientes com limitação crônica do fluxo aéreo atendidos no HC/UEL foi de 27,8%; não houve relação estatística entre estádios de gravidade mais elevados em pacientes com LCFA e os níveis de magnésio sérico; a alta freqüência de pacientes em estádios avançados deve-se provavelmente ao fato de o ambulatório ser um centro de referência da região; a depleção do íon Mg foi mais freqüente no sexo masculino; não houve outros distúrbios eletrolíticos de significância associados à hipomagnesemia.

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* Trabalho realizado na Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
1. Professor da Universidade do Norte do Paraná - UNPR; Coordenador do Programa Respira Londrina (PR) Brasil.
2. Professor Adjunto de Pneumologia da Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
3. Acadêmico de Medicina pela Universidade Estadual de Londrina - UEL - Londrina (PR) Brasil.
Endereço para correspondência: Alcindo Cerci Neto. Av. Duque de Caxias, 1.980, Sala 301 - CEP 86010-420, Londrina, Paraná, Brasil.
Tel: 55 43 3323-9784. E-mail: alcindoneto@sercomtel.com.br
Recebido para publicação em 26/3/05. Aprovado, após revisão, em 26/10/05.

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