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Relato de Caso

Coccidioidomicose pulmonar e extrapulmonar: três casos em zona endêmica no interior do Ceará

Pulmonary and extrapulmonary coccidioidomycosis: three cases in an endemic area in the state of Ceará, Brazil

Ricardo Hideo Togashi, Fernando Moreira Batista Aguiar, Dalton Barros Ferreira, Camille Matos de Moura, Monique Teixeira Montezuma Sales, Nikaelle Ximenes Rios

ABSTRACT

Coccidioidomycosis, a fungal illness acquired by the inhalation of arthroconidia of Coccidioides sp., was first described in 1894. Coccidioidomycosis is mainly restricted to areas with arid climate, alkaline soil and low rainfall. Consequently, most of the reported cases in Brazil have occurred in the northeastern region. We report three cases of pulmonary coccidioidomycosis occurring between 2005 and 2006 in an endemic area in the state of Ceará, Brazil. The three patients were immunocompetent adult males, hunters of armadillos (Dasypus novemcinctus), with complaints of cough, fever, dyspnea and pleuritic pain. All three patients presented pulmonary involvement, and one also presented cutaneous lesions. Chest X-rays and CT scans of the patients revealed characteristic coccidioidomycosis lesions. The diagnosis was confirmed by serological testing. All of the patients evolved to cure after antifungal treatment.

Keywords: Coccidioidomycosis; Lung diseases, fungal; Coccidioides.

RESUMO

A coccidioidomicose, uma doença fúngica adquirida através da inalação do agente Coccidioides sp. sob a forma de artroconídio, foi pela primeira vez descrita em 1894. Restringe-se principalmente a áreas de clima árido, solo alcalino e regiões de baixo índice pluviométrico. Não por acaso, a maioria dos casos descritos no Brasil ocorreu na região Nordeste. Relatam-se três casos de coccidioidomicose pulmonar ocorridos nos anos de 2005 e 2006, em zona endêmica no interior do Ceará. Todos eram homens imunocompetentes de idade adulta, adeptos à prática de caça a tatus (Dasypus novemcinctus) com queixas de tosse, febre, dispneia e dor pleurítica. Houve evoluções com comprometimento pulmonar e lesão cutânea foi observada em apenas um paciente. Todos apresentaram radiografia e TC de tórax com lesões características da coccidioidomicose. O diagnóstico foi confirmado através de teste sorológico. Todos evoluíram para cura após tratamento com antifúngico.

Palavras-chave: Coccidioidomicose; Pneumopatias fúngicas; Coccidioides.

Introdução

A coccidioidomicose é uma doença causada pelo fungo dimórfico e habitante do solo, Coccidioides sp., que é encontrado principalmente nas regiões desérticas do sudoeste dos Estados Unidos e do noroeste do México.(1) O nordeste brasileiro, por ter clima semelhante, também é uma região endêmica da coccidioidomicose, havendo 24 relatos de casos publicados até o presente momento, 12 destes descritos no estado do Ceará.

Na natureza, Coccidioides sp. está associado a ambientes semiáridos, com temperaturas altas na estação seca-bastante longa-e chuvas escassas, concentradas em curto espaço de tempo. Por esse motivo, a doença apresenta distribuição geográfica limitada e sua transmissão é restrita a alguns meses do ano.(2)

O fungo se dissemina na forma de artroconídio, sendo inalado com a poeira do solo. No Brasil, a caça a tatus é uma importante atividade de risco para a infecção.

Sua forma pulmonar, na maioria das vezes, é autolimitada, podendo evoluir para cronicidade e disseminação.(3) Em um pequeno número de indivíduos, a infecção se dissemina além da cavidade torácica, resultando em acometimento da pele, ossos, articulações ou tecidos moles; pode também resultar em meningite crônica.(4)

Relato de casos

Três pacientes do sexo masculino, com idades entre 19 e 33 anos, adeptos da prática da caça a tatus, procedentes da região norte do estado do Ceará (Taperuaba-distrito da cidade de Sobral), agricultores, pardos, foram internados na Santa Casa de Misericórdia de Sobral entre dezembro de 2005 e março de 2006. A caça a tatus acontecia quinzenalmente na região de procedência dos mesmos. Os pacientes apresentavam os seguintes sintomas: dor pleurítica, tosse seca (dois pacientes evoluíram com tosse produtiva), febre e dispneia. Ao exame físico, os pacientes apresentaram roncos e crepitações pulmonares. O paciente 1 teve acometimento pulmonar bilateral. O paciente 2 desenvolveu a forma cutânea da doença, a qual se manifestou pela presença de placas eritematosas difusas no dorso e em membros superiores. O mesmo apresentou comprometimento pulmonar no lobo inferior direito. Posteriormente, o resultado da biópsia cutânea confirmou o crescimento do fungo em cultura (ágar Sabouraud). O paciente 3 desenvolveu comprometimento pulmonar bilateral mais grave, apresentando dispneia ao repouso (SpO2, 85% em ar ambiente; Tabela 1). Foram realizadas radiografia e tomografia de tórax, as quais demonstraram opacidades bilaterais difusas nos pacientes 1 e 3. (Figura 1). Posteriormente, foi realizada broncoscopia com lavado broncoalveolar e pesquisa para bacilos álcool-ácido resistentes e para células neoplásicas, ambas com resultados negativos. Devido à suspeita epidemiológica, foi realizado um teste sorológico, a imunodifusão radial dupla de Ouchterlony, com positividade aos soros controles (Figura 2). As amostras foram coletadas após uma semana de internação e foram analisadas no laboratório de micologia do Centro Especializado em Micologia Médica do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Ceará. Com a confirmação dos casos, iniciou-se a terapia com antifúngicos azólicos-fluconazol, 400 mg/dia (6 meses). O paciente mais grave recebeu ­tratamento associado com anfotericina B, 0,7 mg/kg/dia (dose total, 50 mg/dia) e oxigenoterapia, com posterior introdução do fluconazol (na mesma dose dos demais), após a estabilização do quadro clínico. No paciente que desenvolveu a forma cutânea, as placas eritematosas evoluíram para manchas hipercrômicas; após algumas semanas de tratamento, houve resolução do quadro dermatológico. O tratamento teve êxito em todos os pacientes. Houve acompanhamento ambulatorial no primeiro, segundo, sexto e décimo segundo mês após a alta hospitalar, com melhora clínica e radiológica.











Discussão

Embora originalmente descrita na Argentina, a história da coccidioidomicose é intimamente associada com a Califórnia, onde um caso foi primeiramente descrito em 1894.(4) Até o final da década de 70, o Brasil era considerado área indene para a coccidioidomicose. Os primeiros casos autóctones no Brasil foram relatados em 1978 e 1979, respectivamente, nos estados da Bahia e do Piauí.(5,6) Cerca de 15 anos mais tarde, a primeira endemia desta micose foi descrita no Piauí.(7) Desde então, a publicação de casos aumentou consideravelmente, denotando também, em alguns deles, a associação com a prática de
caça a tatus.(3,7,8)

Atualmente, a coccidioidomicose é considerada endêmica em alguns estados do nordeste do Brasil: Bahia, Piauí, Maranhão e Ceará.(9) A partir do relato desses casos, torna-se imperativo que essa patologia seja considerada no diagnóstico diferencial de agravos com quadro clínico semelhante, tais como TB, paracoccidioidomicose, histoplasmose e neoplasias.

Trata-se de uma doença endêmica com distribuição geográfica relativamente restrita a áreas de clima árido e semiárido, onde o solo é usualmente alcalino, com salinidade elevada e baixos índices pluviométricos, condições propícias à proliferação de seu agente etiológico, Coccidioides sp.(4) Não por acaso, a quase totalidade de casos de coccidioidomicose registrados no Brasil ocorreu na região nordeste.

A associação entre a coccidioidomicose e a caça a tatus já foi descrita na literatura,(3,10) e o fungo já foi isolado tanto do tecido do animal como de amostras do solo das tocas do mesmo.(11) No nordeste do Brasil, o tatu é utilizado como alimento e, ao ser perseguido, penetra na sua toca. Os caçadores então escavam o solo até capturar o animal, podendo assim ficar susceptíveis à inalação maciça do artroconídio.(3)

A infecção ocorre após a inalação de artroconídio (forma infectante da coccidioidomicose), o qual, ao chegar aos pulmões, inicia sua fase parasítica sob a forma de esférulas de paredes espessadas contendo endósporos, cada um dos quais podendo formar uma nova esférula e resultando, assim, em uma reprodução exponencial.(2)

Aproximadamente 65% dos indivíduos que adquirem esta infecção permanecem completamente assintomáticos. Daqueles que são sintomáticos, a maioria apresenta manifestações pulmonares, desde uma doença do tipo influenza até pneumonia grave e síndrome séptica. As manifestações mais comuns são tosse, febre, adinamia e dor torácica pleurítica, mas podem-se observar formas extrapulmonares e com padrão miliar, acometendo principalmente a pele, as articulações e as meninges.(12)

A apresentação radiológica varia desde infiltrados alveolares ou reticulonodulares, com ou sem derrame pleural, até múltiplas cavidades, podendo haver complicações como empiema e fístulas broncopleurais.(13)

O diagnóstico é clínico, epidemiológico e laboratorial. Esse último é feito pela demonstração do parasita em exame micológico direto (escarro, pus, líquido cefalorraquidiano, lavado broncoalveolar, raspado de lesão de pele e biópsia) ou em cultura de secreções em ágar Sabouraud.(4)
Infelizmente, a identificação por cultura é lenta e frequentemente impossível, pois muitos pacientes com infecção pulmonar primária não conseguem expectorar secreção. O diagnóstico histopatológico também pode ser inconveniente, visto que procedimentos invasivos para obter amostras podem ser perigosos. Desta forma, os testes sorológicos desenvolvidos por Smith (1948) são valiosos no diagnóstico e no acompanhamento de pacientes com suspeita de coccidioidomicose, em particular a imunodifusão radial dupla, que foi estabelecida por Huppert & Bailey (1965) e se realiza segundo a técnica de Ouchterlony.(14) É uma técnica confiável, específica e que apresenta poucas reações cruzadas, constituindo-se em uma prova qualitativa, já que se pode apenas obter uma quantificação aproximada utilizando-se diluições do soro no estudo e observando-se a máxima diluição do mesmo que forma bandas de precipitação frente ao antígeno. É uma técnica que tem menor custo, é mais prática e requer um tempo de apenas 24-72 h, facilitando assim a instituição de terapêutica precoce e adequada.(10,15)

A terapia antifúngica em infecções agudas, em quadros leves e moderados, não é obrigatória, visto que na maioria das vezes os sintomas regridem espontaneamente.(3,12,16) Naqueles pacientes que desenvolvem a forma pulmonar ou apresentam critérios de gravidade, o tratamento está indicado e consiste na utilização dos antifúngicos azólicos orais (fluconazol ou itraconazol) ou anfotericina B (sobretudo em acometimento meníngeo).(12,17) A duração do tratamento ainda é fruto de controvérsia, mas os relatos de altas taxas de recidiva após a interrupção da terapia sugerem a manutenção da medicação por seis ou mais meses.(3,12)

Comparando os três casos aqui relatados com os demais da literatura, observamos basicamente o mesmo padrão de manifestações pulmonares: pneumonia difusa,(12) com gravidades diferentes, e um paciente apresentando concomitante disseminação cutânea, que é a forma extratorácica mais comum.(18) Os achados radiológicos foram semelhantes, tanto na radiografia de tórax como na TC. Alguns métodos invasivos para o diagnóstico foram descritos na literatura, como a biópsia pulmonar(6) e a lobectomia,(5) o que não foi necessário no caso de nossos pacientes, pois o quadro clínico, os exames de imagem e a sorologia foram suficientes para a sua confirmação.

Para nossos pacientes, como houve precocidade de diagnóstico, não houve a necessidade de tratamentos mais invasivos, e todos evoluíram para cura apenas com a terapia antifúngica, diferente de um caso publicado, onde o fungo foi evidenciado através de biópsia post mortem.(3)

Os casos acima relatados alertam-nos para possibilidade diagnóstica de coccidioidomicose em pacientes com história de exposição ao solo em área endêmica, com alterações radiológicas compatíveis e sintomas respiratórios. Pode-se agora esperar que a difusão do conhecimento sobre a existência dessa vasta área endêmica de coccidioidomicose no nordeste do Brasil concorra para o achado de novos casos, os quais, certamente, mostrarão a real importância dessa micose na nosologia regional.

Referências


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2. Moraes MA, Martins RL, Leal II, Rocha IS, Medeiros Jr P. Coccidioidomicose: novo caso brasileiro. Rev Soc Bras Med Trop. 1998;31(6):559-62.

3. Costa FA, Reis RC, Benevides F, Tomé GS, Holanda MA. Coccidioidomicose pulmonar em caçador de tatus. J. Pneumologia. 2001;27(5):275-8.

4. Ampel NM. Coccidioidomicose. In: Sarosi GA, Davies SF, editors. Doenças fúngicas do pulmão. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p. 57-76.

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6. Vianna H, Passos HV, Sant'ana AV. Coccidioidomicose: relato do primeiro caso ocorrido em nativo do Brasil. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1979;21(1):51-5.

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Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernando Moreira Batista Aguiar. Rua Oriano Mendes, 247, apto. 303, Centro, CEP 62010-370, Sobral, CE, Brasil.
Tel 55 88 3624-0315. E-mail: fernandombaguiar@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 25/4/2008. Aprovado, após revisão, em 16/6/2008.


Sobre os autores

Ricardo Hideo Togashi
Professor Efetivo da Disciplina de Pneumologia. Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Fernando Moreira Batista Aguiar
Acadêmico. Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Dalton Barros Ferreira
Acadêmico. Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Camille Matos de Moura
Acadêmico. Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Monique Teixeira Montezuma Sales
Acadêmico. Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.
Nikaelle Ximenes Rios
Acadêmico. Faculdade de Medicina de Sobral, Universidade Federal do Ceará - UFC - Sobral (CE) Brasil.

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