ABSTRACT
Objective: To evaluate the perception of disease severity in patients with cystic fibrosis (CF), investigating its relationship with clinical score, radiographic score, respiratory function tests, adherence to treatment and perception of self-care practices. Methods: Prospective, cross-sectional study involving CF patients treated in a program for adults with CF. The perception of disease severity, adherence to treatment and reported self-care practices were evaluated by means of questionnaires. Clinical data, Shwachman-Kulczycki clinical score, Brasfield radiographic score and spirometry were obtained for all of the patients. Results: Of the 38 patients studied, 3 (7.9%) patients rated their perception of health status as well below average; 5 (13.2%), as below average; 15 (39.5%), as average; 10 (26.3%), as above average; and 5 (13.2%), as well above average. The perception of disease severity correlated significantly with clinical score (r = 0.43, p = 0.007), FVC (r = 0.34, p = 0.034), FEV1 (r = 0.38, p = 0.019) and self-care practices (r = 0.33, p = 0.044), but not with degree of adherence (r = -0.03, p = 0.842) and radiographic score (r = 0.33, p = 0.51). Conclusions: The perception of disease severity correlated with objective measurements of disease severity (clinical score and respiratory function tests) and with reported self-care practices, but not with adherence to treatment.
Keywords:
Severity of illness index; Cystic fibrosis; Patient compliance; Respiratory function tests.
RESUMO
Objetivo: Avaliar a percepção da gravidade da doença em pacientes com fibrose cística (FC), investigando sua relação com escore clínico, escore radiológico, testes de função pulmonar, adesão ao tratamento e percepção de autocuidado. Métodos: Estudo transversal, prospectivo, envolvendo pacientes com FC atendidos em um programa para adultos com FC. A percepção da gravidade da doença, a adesão ao tratamento e o relato de autocuidado foram avaliados por questionários. Foram obtidos de todos os pacientes dados clínicos, escore clínico de Shwachman-Kulczycki, escore radiológico de Brasfield e espirometria. Resultados: De 38 pacientes estudados, 3 (7,9%) relataram percepção de sua saúde como muito abaixo da média; 5 (13,2%), como abaixo da média; 15 (39,5%), como na média; 10 (26.3%), como acima da média; e 5 (13,2%), como muito acima da média. A percepção da gravidade da doença correlacionou-se significativamente com o escore clínico (r = 0,43, p = 0,007), CVF (r = 0,34, p = 0,034), VEF1 (r = 0,38, p = 0,019) e com relato de autocuidado (r = 0,33, p = 0,044), mas não com o grau de adesão (r = -0,03, p = 0,842) e escore radiológico (r = 0,33, p = 0,51). Conclusões: A percepção da gravidade da doença se relacionou com medidas objetivas de gravidade da doença (escore clínico e testes de função pulmonar) e com relato de autocuidado, mas não com a adesão ao tratamento.
Palavras-chave:
: Índice de gravidade de doença; Fibrose cística; Cooperação do paciente; Testes de função pulmonar.
IntroduçãoA fibrose cística (FC) é uma doença genética cujo padrão de hereditariedade é autossômico recessivo.(1,2) Em geral, apresenta-se como um envolvimento multissistêmico, caracterizado por doença pulmonar progressiva, disfunção pancreática exócrina, doença hepática, problemas na motilidade intestinal, infertilidade masculina e concentrações elevadas de eletrólitos no suor.(3,4)
Trata-se de uma doença irreversível cuja evolução não permitia, até alguns anos atrás, que os pacientes sobrevivessem até a adolescência. Entretanto, nas últimas décadas, o avanço no conhecimento e nas formas de tratamento tornou a sobrevivência desses pacientes cada vez maior.(5)
O aumento da longevidade na FC resultou em uma maior proporção de problemas médicos relacionados com a idade e progressão da doença, exigindo um programa terapêutico cada vez mais complexo.(6) A realização desse tratamento requer a adesão do paciente a um programa extenso de autocuidado para o resto de sua vida.(7-9)
Um dos aspectos que pode determinar a maneira como o indivíduo se envolve com seu tratamento é a percepção que esse indivíduo tem da gravidade de sua doença.(10) As estratégias para melhorar a saúde do paciente necessitam levar em consideração as suas atitudes e percepções a respeito de sua doença.(11)
O objetivo deste trabalho foi avaliar a percepção da gravidade da doença em pacientes com FC, investigando suas relações com escore clínico, escore radiológico, testes de função pulmonar, adesão ao tratamento e percepção de autocuidado.
MétodosO estudo foi transversal, prospectivo e realizado em um único centro. Foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Foram obtidos termos de consentimento informado de todos os pacientes com idade igual ou superior a 18 anos ou dos responsáveis pelos pacientes com idade menor que 18 anos.
A população do estudo foi constituída por pacientes em acompanhamento no programa de adultos com FC do HCPA.
Foram incluídos pacientes com diagnóstico de FC estabelecido de acordo com critérios de consenso(3,4,12) e com idade igual ou superior a 16 anos. Os pacientes deveriam estar com estabilidade clínica da doença há pelo menos 30 dias, definida por ausência de achados clínicos de exacerbação, ausência de modificações no esquema terapêutico e ausência de internações no referido período.
Foram excluídos os pacientes que não completassem o preenchimento dos questionários utilizados no estudo.
As características clínicas da doença foram obtidas utilizando-se uma ficha específica. A inclusão no estudo e subsequente avaliação clínica foram realizadas em consulta ambulatorial.
O escore de avaliação clínica utilizado foi o de Shwachman-Kulczycki.(13) O escore foi pontuado sempre pelo mesmo médico da equipe. Esse escore consiste em quatro critérios: atividade geral, exame físico, aspectos nutricionais e achados radiológicos do tórax. Cada um dos critérios é pontuado em uma escala de 5 a 25 pontos (melhor desempenho, maior pontuação). O escore máximo é de 100 pontos e representa um paciente com excelentes condições clínicas.
Foram realizados espirometria e exame radiológico convencional do tórax com concordância temporal de até 7 dias de sua realização com a avaliação do estudo.
A espirometria foi realizada através de um espirômetro (Jaeger-v4.31a; Jaeger, Würzburg, Alemanha), de acordo com as diretrizes vigentes.(14)
Foram registrados os valores pós-broncodilatador das seguintes variáveis: CVF, VEF1 e relação VEF1/CVF, expressos em percentagem do previsto para sexo, idade e altura.(15) A SpO2 em repouso e em ar ambiente foi medida através de um oxímetro de pulso (NPB-40; Nellcor Puritan Bennett, Pleasanton, CA, EUA).
O exame radiológico do tórax nas incidências frontal e perfil foi realizado em todos os indivíduos. A pontuação do escore radiológico foi realizada por um profissional sênior da área de pneumologia, utilizando o sistema de escore radiológico de Brasfield et al.(16) e estando cegado às condições clínicas, avaliações do estudo e identificação dos pacientes. Nesse escore, são assinaladas pontuações, conforme o grau crescente de gravidade, para cada uma das seguintes características: aprisionamento aéreo (0 a 4), marcas lineares (0 a 4), lesões cístico‑nodulares (0 a 4), lesões extensas do espaço aéreo (0, 3 ou 5) e gravidade geral (0 a 5). O escore total é obtido através do seguinte cálculo:
25 − total de pontos assinalados nas 5 características examinadas
O escore máximo que pode ser obtido é de 25 pontos e corresponde a um exame radiológico do tórax sem alterações; o escore mínimo que pode ser obtido é de 3 pontos e corresponde a um exame muito alterado.
A avaliação da adesão foi feita utilizando questionário adaptado a partir de um estudo.(17) O questionário abordava as seguintes orientações terapêuticas: 1) fisioterapia respiratória; 2) atividade física; 3) dieta hipercalórica; 4) enzimas pancreáticas; 5) vitaminas A, D, E e K; 6) nebulização de antibióticos; e 7) nebulização de DNase. Em cada questão, o paciente deveria assinalar a freqüência semanal de utilização da modalidade terapêutica considerada: a) em todos os dias ou em quase todos os dias da semana, b) em aproximadamente 3-5 dias por semana ou c) em menos de 3 dias por semana ou nunca. As questões de 3 a 7 tinham a opção "d) não tem indicação". Cada questão foi pontuada da seguinte forma: se a resposta foi "a", 2 pontos; se a resposta foi "b", 1 ponto; e se a resposta foi "c", 0 pontos. Um escore de adesão foi calculado a partir do quociente entre o total de pontos obtidos e o total de pontos possível. Um escore de 1 corresponderia ao paciente com total adesão e um escore de 0 corresponderia a um paciente com adesão nula. Se a alternativa "d" fosse assinalada nas questões de 3 a 7, a questão não era considerada no cálculo do escore.
A avaliação da percepção da gravidade da doença e do autocuidado pelo paciente foram adaptados a partir de outro estudo.(18) As questões foram formuladas conforme citadas a seguir:
"A questão a seguir refere-se a como você vê a gravidade de sua doença. Gostaríamos que você lesse com atenção esta questão e assinalasse a opção que melhor corresponde a sua percepção. Quando você se compara com outros pacientes com FC, você acha que a sua saúde está: a) bem abaixo da média; b) abaixo da média; c) na média; d) acima da média; e) muito acima da média". Esse questionário foi pontuado de 1 a 5, conforme a resposta (a = 1; e = 5).
"A questão a seguir refere-se ao grau de cuidado que você tem com a sua própria doença. Gostaríamos que você lesse com atenção esta questão e assinalasse a opção que melhor corresponde a sua percepção. De uma forma geral, você considera que os cuidados que você tem para consigo mesmo são: a) muito ruins; b) ruins; c) levemente ruins; d) bons; e) muito bons; f) excelentes". Esse questionário foi pontuado de 1 a 6, conforme a resposta (a = 1; f = 6).
A aplicação dos questionários foi feita por um membro da pesquisa não vinculado ao atendimento do paciente, fora da área assistencial ambulatorial.
Os dados foram digitados no programa Microsoft® Excel 2000, sendo processados e analisados com auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e do programa Number Cruncher Statistical System, versão 2000 (NCSS Inc., Kaysville, UT, EUA).
Foi realizada uma análise descritiva para as variáveis em estudo. Os dados quantitativos foram apresentados como média ± dp ou como mediana e intervalo interquartílico (II). Os dados qualitativos foram expressos em n e % de todos os casos.
Foi considerada como variável de desfecho a percepção da gravidade da doença e foram consideradas como variáveis independentes o escore clínico, a avaliação funcional pulmonar, o escore radiológico e a percepção de autocuidado.
O teste de correlação linear de Spearman foi utilizado para verificar a associação entre a percepção da gravidade da doença e as variáveis quantitativas do estudo. Para essa análise de correlações, a percepção da gravidade foi considerada nos cinco grupos anteriormente descritos.
Para uma comparação entre grupos, a classificação da percepção da gravidade da doença foi resumida em três grupos: bem abaixo ou abaixo da média; na média; e acima ou muito acima da média. As variáveis contínuas foram comparadas pela análise de variância para um fator ou pelo teste de Kruskal-Wallis. O teste post hoc de Tukey foi utilizado para as variáveis com distribuição normal. O teste Z de Kruskal-Wallis foi utilizado como teste post hoc para as variáveis sem distribuição normal.
Os dados qualitativos foram analisados através do teste do qui-quadrado.
O nível de significância estatística foi p < 0,05. Todos os testes estatísticos utilizados foram bicaudais.
ResultadosNo período entre agosto de 2005 e fevereiro de 2006, foram incluídos no estudo 38 dos 41 pacientes atendidos pelo programa de adultos com FC. Dois pacientes não aceitaram participar do estudo, e um paciente não compareceu para a consulta no período do estudo.
Vinte pacientes eram do sexo feminino e 18 do masculino. A média de idade foi de 23,8 ± 6,5 anos. Apenas 1 paciente não era de etnia caucasóide. A mediana do escore clínico foi de 75 pontos (II, 24), a média do VEF1 foi de 54,5% ± 27,2% e a mediana do escore radiológico foi 16,5 pontos (II, 6,0). Dos pacientes incluídos, 27 apresentavam a forma clássica da doença com doença pulmonar crônica e insuficiência pancreática, e 11 apresentavam a forma não-clássica com suficiência pancreática.
Três pacientes (7,9%) responderam que, ao se comparar com outros indivíduos com FC, sua saúde estava bem abaixo da média; 5 (13,2%), abaixo da média; 15 (39,5%), na média; 10 (26,3%), acima da média; e 5 (13,2%), muito acima da média.
Dois (5,3%) pacientes relataram que os cuidados que tinham para consigo mesmo eram ruins; 9 (23,7%), levemente ruins; 16 (42,1%), bons; 10 (26,3%), muito bons; e 1 (2,6%), excelentes.
Podemos observar (Figura 1) que a percepção da gravidade da doença se correlacionou significativamente com escore clínico (r = 0,43; p = 0,007), CVF em % do previsto (r = 0,34; p = 0,034), VEF1 em % do previsto (r = 0,38; p = 0,019) e relato de autocuidado (r = 0,33; p = 0,044). A percepção da gravidade da doença não se correlacionou significativamente com a idade (r = 0,02; p = 0,992), idade do diagnóstico (r = −0,008; p = 0,962), SpO2 (r = 0,12; p = 0,465), escore radiológico (r = 0,33; p = 0,51) e escore de adesão ao tratamento (−0,033; p = 0,842). O relato de autocuidado se correlacionou significativamente com o escore de adesão ao tratamento (r = 0,57; p < 0,0001).
Na Tabela 1, foram comparados os três grupos de percepção da gravidade, não se observando associação estatisticamente significativa com idade (p = 0,788), sexo (p = 0,767), idade do diagnóstico (p = 0,904), estado civil (p = 0,276), grau de instrução (p = 0,612), estar estudando (p = 0,515), estar trabalhando (p = 0,067), escore de autocuidado (p = 0,145), renda familiar (p = 0,956) e escore de adesão (p = 0,153). Foi observada associação significativa entre os três grupos para escore clínico (p = 0,018), sendo que o grupo com percepção de saúde acima ou muito acima da média teve escore significativamente maior que os outros dois grupos. Não se identificou associação significativa entre os grupos para as seguintes variáveis (Tabela 2): índice de massa corpórea (p = 0,772), CVF em % do previsto (p = 0,091), VEF1 em % do previsto (p = 0,102), relação VEF1/CVF em % do previsto (p = 0,824), SpO2 (p = 0,895) e escore radiológico (p = 0,164).
DiscussãoEste estudo transversal abordou a questão de como os pacientes adultos com FC percebem a gravidade de sua doença e quais as implicações dessa percepção subjetiva. Em nossa amostra, 20% dos pacientes percebiam que, ao se comparar com outros indivíduos com FC, sua saúde estava bem abaixo da média ou abaixo da média, 39,5% dos pacientes percebiam que sua saúde estava na média, e 39,5% dos pacientes responderam que sua saúde estava acima ou muito acima da média. Essa percepção subjetiva se correlacionou de forma moderada com indicadores objetivos de gravidade da doença, tais como o escore clínico de Shwachman-Kulczycki e a avaliação funcional pulmonar. Além disso, os pacientes que percebiam maior gravidade da doença relataram menor nível de cuidados para consigo mesmos. Entretanto, um achado muito importante foi que a percepção da gravidade da doença não se relacionou com o grau de adesão ao tratamento convencional autorrelatado.
Quando avaliados por grupos de grau de percepção da gravidade da doença, observou-se que o escore clínico é mais elevado no grupo em que a percepção subjetiva da saúde se classifica como acima ou muito acima da média. Entretanto, não se observou diferenças no escore clínico entre os grupos com percepção classificada como na média ou como abaixo ou muito abaixo da média. Uma hipótese gerada dessa observação seria de que a percepção subjetiva dos pacientes discrimina a gravidade de sua doença enquanto ela é leve. Com o avançar da doença, a percepção subjetiva deixa de discriminar o prejuízo progressivo da saúde, em especial quando a doença avança do estágio moderado para o estágio grave. Entretanto, essa hipótese deve ser confirmada em estudos de coorte prospectivos.
Outro aspecto importante identificado no estudo é o fato de que os pacientes que percebiam maior gravidade da doença relataram menor nível de cuidados para consigo mesmos. Isso pode ser justificado pelo fato de que, com o avanço da doença, cresce a complexidade dos regimes terapêuticos, exigindo do paciente tempo e dedicação para a adequada realização do tratamento.
O nosso estudo pode ser comparado com dois trabalhos citados a seguir.
Alguns autores estudaram 60 pacientes com FC atendidos em um programa de adultos, avaliando sua percepção da gravidade da doença.(18) A média do VEF1 nos pacientes estudados foi de 61% do previsto, e 83% dos pacientes relataram que sua saúde estava acima ou muito acima da média. A percepção de autocuidado não se associou com a percepção de gravidade da doença. Em contraste, nosso estudo incluiu pacientes mais graves, com média do VEF1 de 54,5% do previsto, sendo que apenas 39,5% deles percebiam sua saúde como acima ou muito acima da média. Ainda assim, observamos uma correlação de fraca a moderada entre a percepção de autocuidado e a percepção de gravidade da doença. Acrescentamos a informação de que a percepção de autocuidado se associou de maneira significante com o escore de adesão ao tratamento.
Em outro estudo,(18) 67 pacientes com FC e idade igual ou maior que 16 anos foram avaliados com o objetivo de analisar as percepções da doença e a adesão ao tratamento. Em concordância com nosso estudo, os autores mostraram que a adesão ao tratamento não era influenciada pela percepção da gravidade da doença.
A gravidade da doença na FC está relacionada com sua variabilidade de expressão fenotípica. A avaliação dessa gravidade requer a utilização de parâmetros objetivos como escores, que podem ser de natureza clínica, radiológica, tomográfica, ecográfica ou cintilográfica,(19) assim como testes de função pulmonar.(20,21) A doença difere nos pacientes principalmente quanto ao grau de comprometimento pulmonar e gastrointestinal. As medidas objetivas de gravidade são utilizadas para avaliar a extensão da lesão orgânica, comparar a gravidade clínica dos pacientes, avaliar os efeitos das intervenções terapêuticas e estimar o prognóstico da doença. Cada forma de avaliação contribui para avaliar uma dimensão da doença e pode ter utilidade em uma situação clínica específica.(19)
No presente estudo, foram utilizadas três medidas objetivas para avaliar a gravidade da FC: escore clínico, função pulmonar e escore radiológico. Enquanto a função pulmonar e o escore radiológico(16) avaliam exclusivamente o grau da doença pulmonar, o escore clínico de Shwachman-Kulczycki,(13) por sua vez, avalia quatro diferentes dimensões do paciente: atividade geral na vida diária, achados de exames clínicos, aspectos nutricionais e aspectos radiológicos pulmonares. A ênfase na avaliação da gravidade da doença pulmonar deve-se ao fato de que, embora a FC seja uma doença multissistêmica, o envolvimento pulmonar é a causa principal de morbidade e mortalidade, constituindo-se, portanto, no principal determinante da gravidade da doença e de seu prognóstico.(22)
As percepções da doença são representações cognitivas organizadas ou crenças que o paciente tem sobre sua própria enfermidade. Tem sido demonstrado que essas percepções são determinantes comportamentais importantes e se associam com desfechos relevantes na prática clínica, como adesão ao tratamento, recuperação funcional e qualidade de vida.(23,24) As percepções da doença foram inicialmente avaliadas através de entrevista semiestruturada com o paciente.
Entretanto, esse método carece de validade psicométrica e não mostra reprodutibilidade suficiente, Mais recentemente, as percepções da doença têm sido avaliadas através de questionários, escala análogo-visual e representação por desenhos.(23) No presente estudo, o instrumento utilizado foi um questionário que enfatizava a percepção da saúde do paciente, ao se comparar com outros pacientes com FC. O questionário era simples, autoexplicativo e de fácil e rápida aplicação.
Nesse estudo, algumas limitações podem ser apontadas. Uma dificuldade em estudar a percepção da gravidade da doença pelo paciente reside na carência de instrumentos validados para tal fim.
Optamos pela estratégia de adaptar o questionário apresentado em um estudo.(18) Acreditamos que a objetividade e a simplicidade das opções propostas como referência para a gravidade da doença, bem como a facilidade de tradução para a língua portuguesa, tenham reduzido a possível interferência desse limitante. Além disso, o delineamento transversal não proporciona evidências suficientes para definir a seqüência temporal das associações entre percepção da gravidade da doença, percepção de autocuidado, grau de adesão ao tratamento e progressão objetiva da doença. Além disso, o fato de 2 pacientes terem se recusado a participar do estudo poderia ter contribuído para superestimar a relação da percepção da gravidade da doença com as medidas objetivas de gravidade, na hipótese de que isso teria ocorrido justamente por serem pacientes com prejuízo na percepção de seu estado de saúde.
Embora estudos recentes tenham demonstrado que a percepção da doença está associada com importantes desfechos nas enfermidades crônicas, essa ainda é uma área emergente de pesquisa clínica.(23) Esse estudo, realizado em um programa para adultos com FC, acrescenta informações de como esses pacientes percebem sua doença e seu autocuidado, mostrando suas relações com o grau de adesão ao tratamento e gravidade objetiva da doença. Essas informações podem contribuir na abordagem terapêutica multidisciplinar para melhorar a saúde do paciente com FC. Entretanto, por se tratar de um estudo transversal, essa população de pacientes deverá ser acompanhada prospectivamente para que possamos obter estimativas mais completas das alterações da percepção da gravidade da doença ao longo do tempo, e estudos de intervenções devem ser planejados para melhor determinar as implicações destas alterações sobre os desfechos clínicos, função pulmonar e qualidade de vida.
Como conclusão, esse estudo mostrou que a percepção da gravidade da doença pelo paciente com FC se correlaciona com medidas objetivas da gravidade da sua doença, como o escore clínico de Shwachman-Kulczycki, e com a avaliação funcional pulmonar. Entretanto, a percepção da gravidade da doença não se relaciona com o grau de adesão ao tratamento convencional autorrelatado.
AgradecimentosAgradecemos a todos os membros da Equipe de Adolescentes e Adultos com FC do HCPA sua colaboração.
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Sobre os autoresPaulo de Tarso Roth Dalcin
Professor Adjunto. Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Greice Rampon
Médica. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS -
Porto Alegre (RS) Brasil.
Lílian Rech Pasin
Médica Residente. Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Sinara Corrêa Becker
Fisioterapeuta . Equipe de Adolescentes e Adultos com Fibrose Cística do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Gretchem Mesquita Ramon
Psicóloga. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Viviane Ziebell de Oliveira
Psicóloga. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS -
Porto Alegre (RS) Brasil.Sobre os autores
Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo de Tarso Roth Dalcin. Rua Honório Silveira Dias, 1529, apto. 901, São João, CEP 90540-070, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3330-0521. E-mail: pdalcin@terra.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS.
Recebido para publicação em 23/1/2008. Aprovado, após revisão, em 26/5/2008.