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Editorial

Fatores de risco nas lobectomias realizadas para tratar o carcinoma brônquico

Risk factors involved in performing lobectomy to treat bronchial carcinoma

Vicente Forte

Ainda a maior preocupação dos pneumologistas e cirurgiões torácicos está em descobrir que doente complicará ou morrerá ao ser submetido a uma ressecção pulmonar. Com a incidência de câncer de pulmão em crescimento se indica cada vez mais as seguintes ressecções pulmonares: segmentectomia, lobectomia com ou sem broncoplastia, pneumonectomia, que se podem associar com a toracectomia, a ressecção da veia cava superior e/ou da aorta e/ou da carina.

Aliam-se à maior complexidade das ressecções as mudanças nos padrões dos doentes, que são mais idosos, fumam ou fumaram bastante e têm uma ou mais de uma co-morbidade: graus variáveis de enfisema, hipertensão arterial, coronariopatia, diabetes, doença vascular periférica, renal, hepática ou cerebral.

Mesmo com todos esses riscos não podemos contra-indicar as ressecções pulmonares, porque ainda hoje a ressecção de todo tumor é o que oferece, isoladamente, o melhor resultado em cinco anos. No intuito de diminuir esses riscos temos que saber, com a maior precisão possível, o que vai ocorrer no intra e no pós-operatório.

Desconhecendo o que poderá ocorrer no pós-operatório, podemos realizar uma ressecção pulmonar que curará o doente, mas se for excessiva o tornará inválido pulmonar. Além disso, por desconhecimento, poderemos realizar ressecções pulmonares que certamente complicarão, com maior sofrimento para os doentes, que ficarão mais tempo internados, o que acarreta diminuição do número de leitos disponíveis e aumento dos custos hospitalares. Também não é aceitável que doentes com câncer de pulmão no estágio IA, em que a chance de cura é de 80%, compliquem ou morram porque no pré-operatório um ou mais fatores de risco foram negligenciados, e não tenha sido feita a correta profilaxia. É inadmissível, até antiético, que um grupo indique uma lobectomia para um doente no estágio IA, já que ela acarreta uma morbimortalidade muito acima de uma média bem estabelecida, nacional e internacionalmente. O correto conhecimento dos fatores de risco é importante para se diminuir cada vez mais a morbimortalidade e não para justificar o excesso de maus resultados.

Essa dificuldade em não saber com certeza o que poderá ocorrer com o nosso doente no intra e no pós-operatório motivou a pesquisa dos chamados fatores de risco. O estabelecimento preciso, estatisticamente significativo, de um ou mais de um fator de risco permite a adoção de medidas profiláticas (no pré, no intra ou no pós-operatório), que impedirão sua manifestação ou diminuirão seu impacto negativo.
Autores brasileiros, como Saad et al.,(1) Cataneo(2-3) e Stanzani et al.(4) realizaram trabalhos nessa linha de pesquisa.

Saad et al.,(1) em estudo prospectivo realizado em 145 doentes, buscaram variáveis que fossem causa de complicações pulmonares nas primeiras 72 horas de pós-operatório. Concluíram, após regressão logística, que as variáveis responsáveis pelas complicações foram: história de broncoespasmo, redução do índice de massa corporal, número de anos fumando e tempo de operação. A escala de PORT, nesse trabalho, não previu as complicações, mas ajudou na seleção dos doentes que tinham risco de complicar.

Cataneo(3-4), em sua excelente tese e em seu trabalho, procurou avaliar, dentre os testes mais acessíveis na pratica médica (teste de caminhada, de escada, espirometria), qual se compararia, na previsão de complicações, com o padrão ouro, a ergoespirometria. Concluiu que os testes de caminhada e de escada foram superiores à espirometria.

Stanzani et al.(4) realizaram um estudo prospectivo, com 50 doentes, a maioria submetida a lobectomia, mas tendo havido também lobectomia com broncoplastia, pneumonectomia e bilobectomia. Neste trabalho, as complicações cardiopulmonares foram da ordem de 46%, a mortalidade de 3,3% e o escape aéreo de 20,7%, resultados semelhantes aos de Sánchez et al.,(5) em trabalho publicado neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, que foram, respectivamente, de 44%, 2,9% e 20,6%.

No estudo de Stanzani et al.(4) buscou-se verificar se as escalas de Torrington e Henderson e de Epstein seriam capazes de prever as complicações. Concluíram que as duas escalas subestimaram (com valor estatisticamente significativo) a ocorrência de complicações pequenas e moderadas quando o risco foi considerado pequeno. Ambas as escalas previram corretamente, de forma significativa, a maior possibilidade de complicações nos doentes classificados como de alto risco.

Essa dificuldade das escalas até agora descritas, de preverem com certeza as complicações, está relacionada com a complexidade da sua aplicação, muitas variáveis que têm de ser avaliadas, e pouca relação com a ressecção pulmonar. Por terem sido delineadas para doenças clínicas ou tumorais ou operações abdominais (poucas ressecções pulmonares), não separam as ressecções mais simples (biópsia pulmonar) das mais complexas (pneumonectomias com ou sem carinoplastia e outras).

O excelente trabalho de Sánchez et al.(5) apresentado nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, no qual os autores buscaram a correlação entre várias co-morbidades e a incidência de complicações, é um estudo retrospectivo, mas os possíveis aspectos negativos desse tipo de análise e o grande número de variáveis analisadas são bem compensados pelo excepcional número de doentes operados e analisados (305) e por um correto estudo estatístico. Os autores mostraram na análise univariada que sexo, idade, tabagismo, quimioterapia pré-operatória, diabetes, volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), relação entre VEF1 e capacidade vital forçada, índice de massa corpórea (IMC) e escalas de PORT e de Charlson tiveram associação com a ocorrência de complicações.

Na análise multivariada, apenas o IMC e a escala de Charlson continuaram a se associar à ocorrência de complicações. A maioria das variáveis deixou de ser significativa na análise multivariada, porque se aprendeu como impedir seus efeitos negativos. Por exemplo, houve uma alta morbimortalidade no início da experiência com quimioterapia pré-operatória, que diminuiu acentuadamente quando se reduziu o volume e a fração de oxigênio do ar inspirado, junto com a administração de corticóide desde a indução anestésica e continuada por três dias. Com essas medidas as incidências de complicações com quimioterapia e sem quimioterapia, agora, são semelhantes.

A idade também foi excluída como fator de risco na análise multivariada, mas, para mim, a idade ainda é muito importante, sob dois aspectos:

a) do ponto de vista anatômico a artéria pulmonar, com o passar dos anos, adelgaça sua parede e torna-se aterosclerótica, o que aumenta o risco de ruptura ao se dissecá-la ou ligá-la

b) os exames de pré-operatório habitualmente realizados não conseguem revelar nos doentes idosos corretamente as condições das artérias coronárias e cerebrais. Em conseqüência dessa falha, pequenas hipotensões durante a operação, podem ocasionar infarte do miocárdio ou cerebral.

Acho que ainda não podemos excluir com certeza se a idade é ou não um fator de risco de complicações. Por outro lado, operando cada vez mais doentes com mais de 70 anos, aprendemos a minimizar os efeitos colaterais da idade. Durante a operação somos muito mais cuidadosos com a artéria pulmonar e no pós-operatório a analgesia com peridural tornou-se uma rotina, e com isso o doente tem menos dor, caminha no dia seguinte, e coopera mais durante a fisioterapia respiratória e motora.
Além disso, atualmente o diagnóstico e o tratamento da depressão são mais precoces e tornaram um fator importante na diminuição da morbidade.

Os autores verificaram que apenas duas variáveis, o IMC e a escala de Charlson mantiveram-se significativas na detecção de complicações no pós-operatório. Em relação ao IMC, vemos na Tabela 4 do artigo que as médias dos que complicaram foi de 23,8 e dos que não complicaram de 25,3, com pequena diferença, mas significativa. As médias estão acima do que consideraram baixo peso, IMC de 18,5, e vemos que 95% dos doentes que complicaram tinham IMC de 15 a 32,6, havendo, portanto, poucos com peso baixo. Não é habitual o doente com câncer de pulmão emagrecer. Quando isso ocorre o tumor é grande e geralmente necrosado ou abscedido, provavelmente liberando muito fator de necrose do tumor e outras toxinas. Mesmo o IMC tendo sido importante e significativo neste trabalho, acredito que, colocado de forma geral, não se consegue, através dele, prever as complicações. Os autores deveriam ter estabelecido qual o IMC mínimo para prever complicações.

Quanto à escala de Charlson, foi considerada uma única variável, mas na verdade é composta por muitas co-morbidades e, portanto, não simplificou a busca de poucos fatores de risco para serem analisados. A escala de Charlson nasceu para análise de co-morbidades em oncologia e, portanto, não é específica para ressecção pulmonar. Os autores terminam confirmando o que já conhecíamos, isto é, a diminuição do VEF1 e a relação entre VEF1 e capacidade vital forçada foram importantes na gênese das complicações e dos óbitos. Constataram que doentes com enfisema classificados como moderados e graves (VEF1 < 50%) complicaram e morreram mais.

Em relação às complicações pós-operatórias os autores mostraram que o escape aéreo (fístulas bronquíolo-alvéolo-pleurais) foi significativamente importante na gênese de outras complicações, do aumento da mortalidade e do tempo de internação. Essa constatação obriga os cirurgiões torácicos a buscarem novas soluções para impedir ou diminuir o escape aéreo. Se isso é obtido, o doente fica menos tempo acamado, menos dias com o(s) dreno(s) e tem menos dor e menos infecção e/ou empiema.

Esse trabalho de Sánchez et al.(5) certamente será muito consultado pelos pneumologistas e cirurgiões torácicos, para buscar dados que prevejam o que ocorrerá com o seu doente no intra e no pós-operatório. Entretanto, pensamos que ainda não temos uma escala própria para as ressecções pulmonares, gerada a partir da análise de um grande número de doentes, obtida por um estudo prospectivo, que consiga separar o mais importante fator, ou fatores, para cada tipo de ressecção: segmentectomia anatômica, lobectomia (e suas variantes), pneumonectomia, e as associadas às ressecções da parede torácica, da veia cava superior, do átrio esquerdo, da aorta e da carina. Stanzani et al.(4) já diziam na discussão de seu artigo: "Idealmente a nova escala deveria conter poucas variáveis, privilegiar aspectos clínicos, sem necessitar de cálculos matemáticos complexos, para atingir o escore de risco".

Finalmente, sempre devemos ter em mente que mesmo que se consiga descrever uma escala ideal, a mesma não será definitiva. Certamente, com o passar do tempo terá de ser revisada porque aspectos do diagnóstico, do tratamento e dos cuidados intra e pós-operatórios estão em constante avanço técnico e os doentes querem viver mais, mas também querem ter qualidade de vida. Também temos que estar conscientes de que as escalas de risco não são idealizadas para justificar nossos fracassos, mas sim para diminuír cada vez mais a morbimortalidade.

REFERÊNCIAS

1. Saad IAB, Capitani EM, Toro IFC, Zambon L. Clinical variables of preoperative risk in thoracic surgery. São Paulo Med J. 2003;12(3):107-10.
2. Cataneo DC. Testes preditores de risco cirurgico: qual o melhor? J Bras Pneumol. 2004;30(Supl 3):563.
3. Cataneo DC. Testes preditores de risco cirurgico: qual o melhor? [tese de Doutorado]. Faculdade de Medicina de Botucatu/UNESP. 2006
4. Stanzani F, Oliveira MA, Forte V, Faresin SM. Escalas de risco de Torrington e Henderson e de Epstein: aplicabilidade e efetividade nas ressecções pulmonares. J Bras Pneumol. 2005;31(4):292-9.
5. Sanchez PG, Vendrame GS, Madke GR, Pilla ES, Camargo JJP, Andrade CF, et al. Lobectomia por carcinoma brônquico: análise das co-morbidades e seu impacto na morbimortalidade pós-operatória. J Bras Pneumol. 2006;32(6)495-504.


Vicente Forte
Chefe da Disciplina de Cirurgia Torácica da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP -
São Paulo (SP) Brasil.


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