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Relato de Caso

Actinomicose pulmonar na forma pseudotumoral: Uma apresentação rara

Pulmonary actinomycosis as a pseudotumor: A rare presentation

Hylas Paiva da Costa Ferreira, Carlos Alberto Almeida de Araújo, Jeancarlo Fernandes Cavalcanti, Roberta Lacerda Almeida de Miranda, Rachel de Alcântara Oliveira Ramalho

ABSTRACT

Some lung diseases are true diagnostic challenges due to their various clinical presentations. Actinomycosis is one such disease, potentially affecting various organs and systems. We report the case of a patient with pulmonary actinomycosis as a pseudotumor, which is usually only diagnosed by thoracotomy or thoracoscopy.

Keywords: Actinomycosis; Thoracic neoplasms; Bacterial infections and mycoses.

RESUMO

Algumas patologias pulmonares apresentam-se como verdadeiros desafios diagnósticos devido às suas diversas formas de apresentação. A actinomicose é uma dessas patologias, podendo atingir diversos órgãos e sistemas. Relatamos o caso de uma paciente com a forma pseudotumoral pulmonar da doença, cujo seu diagnóstico geralmente só é realizado através de toracotomia ou toracoscopia.

Palavras-chave: Actinomicose; Neoplasias torácicas; Infecções bacterianas e micoses.

Introdução

A actinomicose é uma doença rara e crônica com envolvimento torácico em 15-50% dos casos.(1) A actinomicose é caracterizada pela formação de abscessos e fibrose tecidual(2) e é causada por uma bactéria gram-positiva e anaeróbica facultativa que normalmente coloniza a boca, o cólon e o trato urogenital.(1,3-5) Essa bactéria foi primeiramente isolada em uma amostra de necropsia humana por Israel em 1878,(2,3) e o primeiro caso de actinomicose pulmonar foi descrito por Ponfick em 1882.(3) As espécies patológicas de Actinomyces sp. não existem livremente na natureza, mas são comensais e habitantes normais da orofaringe, do trato gastrointestinal e do trato genital feminino em humanos; consequentemente, os humanos são um reservatório natural de Actinomyces sp.,(2) não havendo relatos de transmissão interpessoal.(1,2,5)

Uma vez que o microrganismo envolvido não apresenta virulência, há a necessidade de haver uma solução de continuidade da mucosa para o desenvolvimento da infecção em tecidos adjacentes.(4,5)

As áreas cervicofacial, torácica, abdominal e pélvica, assim como o sistema nervoso central, são as mais comumente acometidas,(1,2) e seu tratamento de escolha se baseia em terapia prolongada à base de penicilina.(1)


Relato de caso


Paciente de 26 anos, sexo feminino, internada para a investigação de massa tumoral em lobo superior esquerdo, com invasão mediastinal e de parede torácica. Queixava-se de dor torácica há 60 dias, sem irradiação, que não melhorava ao uso de analgésicos, acompanhada de febre diária, dispneia, queda do estado geral e tosse produtiva com expectoração mucoide. Negava perda ponderal, hemoptise, cefaleia e outros sintomas neurológicos.

Foi encaminhada ao serviço de cirurgia torácica para investigação diagnóstica. A ressonância magnética mostrava uma lesão de contornos irregulares com captação de contraste, medindo aproximadamente 9,2 × 7,2 × 6,0 cm, ocupando a totalidade do lobo superior esquerdo, com invasão mediastinal e da parede torácica, e envolvendo a artéria carótida comum esquerda, a subclávia esquerda e parte do arco aórtico (Figura 1). Foi submetida à TC de tórax, a qual mostrou invasão das referidas estruturas e aderência da lesão aos corpos vertebrais, com invasão da fossa supraclavicular esquerda (Figuras 2 e 3).











A paciente foi submetida a duas biópsias transtorácicas guiadas por TC, com resultados inconclusivos (processo inflamatório crônico). Diante do diagnóstico inconclusivo, optamos pela realização de toracotomia exploradora, a qual demonstrou uma intensa hepatização do parênquima pulmonar no lobo superior esquerdo com uma massa endurecida e sangrante ao corte. O exame anatomopatológico de congelamento foi negativo para neoplasia. Foi realizada coloração especial (Gomori-Grocott sob impregnação argêntica) que evidenciou estruturas filamentares, com reação gigantocelular de tipo corpo estranho, favorecendo o diagnóstico de actinomicose pulmonar.

Foi iniciado o tratamento com penicilina cristalina, tendo a paciente apresentado piora clínica progressiva no sétimo dia de pós-operatório, com agitação psicomotora, insuficiência respiratória progressiva e necessidade de ventilação mecânica e de uso de drogas vasoativas. Por volta do trigésimo dia de internação, a paciente apresentou quadros convulsivos, com boa resposta ao uso de anticonvulsivantes. Seguiu em tratamento com penicilina cristalina, com melhora progressiva até sua alta, com a prescrição de amoxicilina em uso contínuo até o sexto mês. Até o presente momento, a paciente segue em acompanhamento com remissão total da doença, apresentando estrias fibróticas cicatriciais no lobo superior esquerdo.


Discussão

A actinomicose é uma doença infecciosa granulomatosa crônica,(6) causada por um microrganismo anaeróbico gram-positivo e filamentoso do gênero Actinomyces,(2,3,6) o qual faz parte da microbiota da cavidade oral e do trato gastrointestinal e urogenital.(1,4-6) Aproximadamente 30 espécies de Actinomyces sp. foram isoladas, sendo as mais comuns A. israelii, A. naeslundii, A. odontolyticus, A. viscosus, A. meyeri e A. gerencseriae,(3,5) sendo essas as espécies patológicas ao homem.(2)

O gênero Actinomyces já foi classificado como um fungo devido a sua ramificação filamentosa, mas atualmente é classificado como uma bactéria(2,5,7) que se apresenta de forma endêmica e com distribuição universal, sem preferência por sexo, idade, raça, ocupação ou época do ano. Actinomyces sp. não é causador de infecções oportunistas, mesmo sendo encontrado com maior frequência em pacientes com algum grau de imunodeficiência.(5) A actinomicose pulmonar geralmente decorre da aspiração de secreções orofaríngeas ou gastrointestinais para o trato respiratório,(8) sendo o alcoolismo, a higiene oral precária e as cáries dentárias favorecedores de tal patologia.(8)

Esse tipo de infecção geralmente envolve a região cervicofacial em aproximadamente 55% dos casos,(3,6,7,9,10) a região torácica em torno de 15% dos casos(1,3,6,7,9,10) e a região abdominal e pélvica em 20% dos pacientes,(3,6,7,9,10) além do sistema nervoso central, em uma menor proporção de casos.(3,9,10) Atualmente, sua incidência tem diminuído com a larga utilização de antibióticos.(5) Devido à apresentação incomum de grandes massas e invasão de estruturas adjacentes, o diagnóstico dessa infecção é difícil e facilmente confundido com algum tipo de neoplasia. A actinomicose pulmonar geralmente só é diagnosticada através de exames histopatológicos.(1,3,5,11,12)

O diagnóstico dessa patologia geralmente é atrasado devido a sua história natural indolente e ausência de sinais inflamatórios,(3), sendo definido pelo isolamento de Actinomyces sp. em amostras de tecidos adquiridos por toracotomia,(4,7-9) uma vez que essa patologia pode coexistir com neoplasia pulmonar, nocardiose e tuberculose.(1,2) Dessa forma, é necessária a cultura de tecidos, cujas colônias aparecem após 3-7 dias de incubação(2); porém, para um diagnóstico de certeza, essas culturas devem permanecer sob observação por até 21 dias.(2)

A actinomicose torácica é incomum e, quando ocorre, pode ser erroneamente diagnosticada como broncopneumonia ou como neoplasia pulmonar,(7) sendo muito mais comum em adultos do que em crianças, assim como em homens do que mulheres.(3,8,12) A actinomicose torácica pode envolver os pulmões e a pleura, assim como invadir o mediastino e a parede torácica.(2,5,7) A extensão contínua de um foco pulmonar crônico pode levar à formação de empiema e à destruição de costelas, da cintura escapular e do esterno por invasão.(2) O envolvimento de estruturas mediastinais raramente resulta em síndrome de veia cava superior, formação de fístula traqueoesofágica ou desenvolvimento de pericardite/miocardite.(2)

A doença pulmonar inicia-se de forma insidiosa com tosse, expectoração, febre e perda ponderal, podendo haver hemoptise e dor do tipo pleurítica.(1) Pode haver uma formação endobrônquica de tecido inflamatório com a obstrução do mesmo.(1) A presença de hemoptise é comum, ocorrendo em até 50% dos casos em algumas séries.(12)

A maior incidência em pacientes do sexo masculino é resultante de um maior número de casos de trauma facial, bem como a pior higiene oral nesses pacientes.(3,8) A actinomicose pulmonar responde por aproximadamente 15-45% de todos os casos relatados, e o envolvimento cardíaco é mais raro, com apenas 2% de envolvimento,(5) com A. israelii como a espécie mais comumente isolada na forma torácica.(7) Sua rota de infecção inclui aspiração de secreções da orofaringe ou de conteúdo gástrico; extensão direta de infecção cervicofacial para o mediastino, através dos planos faciais profundos do pescoço; infecção transdiafragmática ou retroperitoneal a partir do abdome; e, mais raramente, disseminação hematogênica.(2,7)

Os sinais e sintomas são inespecíficos e altamente variáveis,(4) sendo os mais comuns dor torácica, dispneia, febre, perda ponderal e tosse,(2,4,5,8,9,12) que algumas vezes são confundidos com sintomas de tuberculose ou de neoplasia.(2) O paciente ainda pode apresentar leucocitose com neutrofilia e anemia moderada.(1,9)

Não há sinais radiológicos para a actinomicose torácica,(4) podendo a radiografia de tórax mimetizar uma grande variedade de doenças, desde um infiltrado pulmonar, sugerindo uma pneumonia limitada, até um infiltrado micronodular e cavitações pulmonares ou grandes massas, sugerindo neoplasia, sendo o derrame pleural comum.(1,2,4,8,9) A TC de tórax pode revelar envolvimento de parede torácica, do mediastino e da pleura em casos avançados.(1,4,9) Uma imagem difusa sem respeitar limites anatômicos é altamente sugestiva de actinomicose pulmonar.(4)

O diagnóstico diferencial da actinomicose pulmonar inclui pneumonia recidivante, infarto pulmonar, neoplasia pulmonar, granulomatose de Wegener, nocardiose, sequestração pulmonar e cisto broncogênico.(12)


O prognóstico de infecções tratadas é excelente se o tratamento é instituído precocemente. A disseminação hematogênica é uma complicação relativamente frequente na forma torácica e avançada da doença,(1,4,5) podendo apresentar complicações menos frequentes, como empiema pleural, hemoptise e sinusite crônica.(4)

A ausência de suspeita diagnóstica dessa patologia pode piorar o prognóstico ou os resultados do tratamento, bem como levar o paciente a uma extensa cirurgia desnecessária.(4)

O gênero Actinomyces é suscetível a uma grande variedade de antibióticos in vitro, sendo a penicilina G a droga de escolha para o tratamento da patologia, com terapia instituída em altas doses (18-24 milhões UI/dia) por 2-6 semanas, seguida de amoxicilina oral por 6-12 meses.(1-4,6,7,8-10,12) Os pacientes alérgicos à penicilina podem alternativamente ser tratados com doxiciclina, eritromicina e cefalosporinas, que têm sido eficazes.(2,3,5,8,12) Entretanto, as cepas geralmente se mostram resistentes a ciprofloxacina.(3)

Há relatos de tratamento com bons resultados com o uso de levofloxacina,(1) e alguns autores sugerem que pacientes com actinomicose pulmonar podem ser candidatos individualizados de antibioticoterapia mais curta.(11)

O tratamento cirúrgico é controverso e deve se limitar à drenagem de abscessos, desbridamento de tecidos necróticos, curetagem óssea e drenagem de empiemas.(2,5) A mortalidade é relativamente baixa, dependendo do sítio de infecção e do diagnóstico precoce. Entretanto, há séries com relatos de mortalidade de até 28%.(4,5)

Em conclusão, a actinomicose é uma doença que se mostra como um desafio diagnóstico, de curso insidioso e de sintomas inespecíficos,(5,12) devendo ser lembrada quando pacientes com pobre higiene oral apresentam pneumonia crônica ou uma lesão pulmonar que sugira neoplasia pulmonar, mas com presença de broncograma aéreo e área de baixa atenuação à TC de tórax.(7,12)


Referências


1. Ferreira Dde F, Amado J, Neves S, Taveira N, Carvalho A, Nogueira R. Treatment of pulmonary actinomycosis with levofloxacin. J Bras Pneumol. 2008;34(4):245-8.

2. Smego RA Jr, Foglia G. Actinomycosis. Clin Infect Dis. 1998;26(6):1255-61; quiz 1262-3.

3. Bartlett AH, Rivera AL, Krishnamurthy R, Baker CJ. Thoracic actinomycosis in children: case report and review of the literature. Pediatr Infect Dis J. 2008;27(2):165-9.

4. Barikbin P, Grosser K, Hahn G, Fischer R, Suttorp M. Thoracic actinomycosis imitating a malignant chest wall tumor. Diagnosis: pulmonary actinomycosis. J Pediatr Hematol Oncol. 2007;29(5):345-6.

5. Acevedo F, Baudrand R, Letelier LM, Gaete P. Actinomycosis: a great pretender. Case reports of unusual presentations and a review of the literature.
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12. Murali G, Selcer U, Lippmann M. Life-threatening hemoptysis with thoracic actinomycosis. Two cases reports and review of the literature. Clin Pulm Med. 2004;11(2):112-6.



* Trabalho realizado no Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.
Endereço para correspondência: Hylas Paiva da Costa Ferreira. Rua Auris Coelho, 235, Lagoa Nova, CEP 59075-050, Natal, RN, Brasil.
Tel. 55 84 9623-0910. E-mail: endotorax@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 12/5/2010. Aprovado, após revisão, em 25/8/2010.



Sobre os autores

Hylas Paiva da Costa Ferreira
Professor de Cirurgia Torácica. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.

Carlos Alberto Almeida de Araújo
Professor de Cirurgia Torácica. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.

Jeancarlo Fernandes Cavalcanti
Professor de Medicina de Urgência. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.

Roberta Lacerda Almeida de Miranda
Médica Generalista. Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.

Rachel de Alcântara Oliveira Ramalho
Doutoranda em Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Natal (RN) Brasil.

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