O conhecimento sobre a DPOC tem evoluído nos últimos anos, desde o primeiro documento da American Thoracic Society/European Respiratory Society, publicado em 1995,(1) até a publicação das recomendações do projeto Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.(2) O estímulo à pesquisa e os processos de difusão dos novos conceitos se desenvolveram de forma acelerada, e o tratamento recomendado passou a oferecer resultados satisfatórios, com resposta clínica perceptível e evidente melhora na qualidade de vida dos portadores.
Os medicamentos utilizados na condução dos casos permitiram que vislumbrássemos o controle sintomático e a redução dos riscos futuros da DPOC, com diminuição da prevalência e gravidade de exacerbações, bem como da gravidade da evolução da doença.
Neste numero do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Menezes et al. apresentam uma revisão sistemática de artigos publicados entre 2005 e 2009, abordando as medicações indicadas para o tratamento da DPOC.(3) Esse artigo nos mostra, de forma prática, como preparar uma revisão sistemática: a seleção de dados; a escolha das perguntas; a classificação das respostas obtidas; e a interpretação dos dados. Ainda nos esclarece as evidências sobre as ações conhecidas e descritas de cada medicamento, a fim de atingir os principais objetivos do tratamento da DPOC.
Nesse artigo, os resultados foram revisados levando-se em conta o impacto de cada medicamento nos principais marcadores da DPOC: sintomas, função pulmonar, exacerbações, qualidade de vida, mortalidade e efeitos adversos.
Com relação aos sintomas, a revisão conclui que o uso de broncodilatadores em forma isolada ou em associação entre classes produziu alívio dos sintomas, um achado que vai ao encontro daqueles relatados em revisões realizadas anteriormente sobre o mesmo aspecto.(4-6) As observações de que os broncodilatadores promovem melhora dos sintomas são mais contundentes nos pacientes classificados em moderados e graves. Foram encontrados dados que sugerem que os anticolinérgicos de longa duração apresentam menos resultados nos pacientes com DPOC leve ou moderada. Entretanto, os autores ressalvam que há poucos estudos a esse respeito e concluem que os broncodilatadores apresentam resposta clínica igualmente eficaz, considerando-se o efeito promovido pelos -adrenérgicos e antimuscarínicos. A associação entre corticoide inalatório e broncodilatadores de longa duração também mostrou melhorar o sintoma de dispneia. Os inibidores da fosfodiesterase 4, associados aos broncodilatadores, promoveram também nítida melhora no sintoma de dispneia.
Quando se analisou a ação dos broncodilatadores, isolados ou associados, na melhora da função pulmonar, a revisão observou o efeito sobre valores de VEF1 e CVF, bem como a atenuação do agravo da função pulmonar no decorrer do tempo. Novamente os dados encontrados confirmam os resultados de estudos publicados anteriormente.(6,7) Na análise do uso de corticoides inalatórios isoladamente ou associados a outro broncodilatador, observou-se que esses medicamentos promoveram melhora da função pulmonar. Tal achado vai de encontro aos de outras revisões sobre o uso de corticoide inalatório na DPOC. Yang et al.,(8) em uma revisão sistemática do mesmo tema, mostraram ausência de impacto do uso de corticosteroide inalatório na função pulmonar de pacientes portadores de DPOC. A associação de um inibidor da fosfodiesterase aos broncodilatadores promove melhora do VEF1 em relação ao placebo. Os agentes mucolíticos e antioxidantes não mostraram atuar sobre CVF e VEF1. Os antimuscarínicos parecem ter uma atuação um pouco melhor que a dos -adrenérgicos sobre a redução da queda progressiva da função pulmonar.
Quando se consideram os eventos de exacerbação da DPOC, observou-se grande heterogeneidade de achados, provavelmente pela adoção de diferentes definições de exacerbações. Os autores concluem que o uso de medicamentos deve ser direcionado a cada paciente, podendo ser usadas associações de medicamentos como -adrenérgicos e antimuscarínicos ou associações com corticoides inalatórios. Os inibidores da fosfodiesterase 4 promoveram redução das exacerbações nos grupos com sintomas frequentes de tosse e secreção e mais de duas exacerbações por ano.(9)
Os vários estudos revisados não mostram superioridade de um grupo de fármaco sobre o outro na melhora da qualidade de vida. As associações envolvendo as duas classes de broncodilatadores de longa duração e a associação de -adrenérgicos com corticoides inalatórios mostram, igualmente, melhora da qualidade de vida. Os autores observam que apenas um estudo envolvendo o uso de anticolinérgico utilizou a qualidade de vida como desfecho primário. Os inibidores da fosfodiesterase não mostraram melhora da qualidade de vida.
Considerando-se a análise dos estudos cujo desfecho principal foi a redução da mortalidade, os autores não encontraram resultados positivos. Destacam que em dois grandes estudos,(10,11) o uso de corticoide inalatório é citado como causador de pneumonia. A redução da mortalidade nos estágios avançados da DPOC, se existe, é muito discreta, e a ação sobre as formas mais precoces da DPOC ainda precisa ser mais bem estudada.
A revisão não encontrou diferenças nos efeitos adversos dos medicamentos estudados, comparados ao placebo. Destaca-se que os efeitos adversos mais comuns dos inibidores da fosfodiesterase foram diarreia e náuseas; a perda de peso ocorreu em 6-12% dos pacientes dos grupos que receberam a medicação estudada e foi significantemente maior do que no grupo placebo. Esses efeitos ocorreram nas primeiras semanas de tratamento e não levaram à suspensão da medicação.(12)
A revisão sistemática de Menezes et al. nos trouxe a tranquilidade para atuarmos na condução dos nossos pacientes, reiterando que os dados confirmam as recomendações das atuais diretrizes.(2)
A procura por melhores tratamentos acarreta na necessidade de continua atualização dos dados. A revisão sistemática de artigos que abordaram, entre 2009 e 2010, novas classes de medicamentos para o tratamento da DPOC mostrou um novo broncodilatador da classe dos -adrenérgicos de ultralonga duração, denominado indacaterol. Esse medicamento difere dos anteriores por apresentar duração mais longa, de 24 horas.(13) Estudos com um ano de duração mostraram que, nas doses apresentadas no Brasil, isto é, 150 µg e 300 µg, houve melhora do VEF1, redução das exacerbações e melhora da qualidade de vida.(14,15) Não ocorreu aumento dos eventos adversos em relação ao grupo placebo, e não houve impacto sobre a mortalidade.(13,15)
Tomando por base os dados da revisão em questão, podemos indicar os seguintes passos para o tratamento:
DPOC leve com poucos sintomas: uso de broncodilatadores de curta duração ou uso de um broncodilatador de longa duração
DPOC moderada com mais sintomas: uso de broncodilatadores de longa duração ou uso de associação de broncodilatadores
DPOC grave com sintomas: associação de broncodilatadores de longa duração ou associação de broncodilatadores com corticoides inalatórios
DPOC moderada ou grave com presença de sintomas e mais de duas exacerbações por ano: uso de associação de broncodilatadores de longa duração ou associação de broncodilatadores com corticoide inalatório ou associação de broncodilatadores com inibidores da fosfodiesterase 4
O uso de tal estratégia pode melhorar a qualidade de vida dessa população de pacientes.
Roberto Stirbulov
Professor Adjunto da
Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo,
São Paulo (SP) Brasil
Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT),
Brasília (DF) Brasil
Fernando Luiz Cavalcanti Lundgren
Coordenador de Residencia em Pneumologia do Hospital Otávio de Freitas,
Recife (PE) Brasil
Diretor da Comissão de DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT),
Brasília (DF) Brasil
Lider Nacional do Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)
Referências
1. Standards for the diagnosis and care of patients with chronic obstructive pulmonary disease. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(5 Pt 2):S77-121.
2. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease - GOLD [Homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. [cited 2011 Jul 8]. Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease updated 2010. Available from: http://www.goldcopd.org/uploads/users/files/GOLDReport_April112011.pdf
3. Menezes AM, Macedo SE, Noal RB, Fiterman JC, Cukier A, Chatkin JM, et al. Pharmacological treatment of COPD. J Bras Pneumol. 2011;37(4):527-43.
4. Rodrigo GJ, Nannini LJ, Rodríguez-Roisin R. Safety of long-acting beta-agonists in stable COPD: a systematic review. Chest. 2008 May;133(5):1079-87.
5. Ohar JA, Donohue JF. Mono- and combination therapy of long-acting bronchodilators and inhaled corticosteroids in advanced COPD. Semin Respir Crit Care Med. 2010;31(3):321-33.
6. Troosters T, Celli B, Lystig T, Kesten S, Mehra S, Tashkin DP, et al. Tiotropium as a first maintenance drug in COPD: secondary analysis of the UPLIFT trial. Eur Respir J. 2010;36(1):65-73.
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8. Yang IA, Fong KM, Sim EH, Black PN, Lasserson TJ. Inhaled corticosteroids for stable chronic obstructive pulmonary disease. Cochrane Database Syst Rev. 2007;(2):CD002991.
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12. Calverley PM, Sanchez-Toril F, McIvor A, Teichmann P, Bredenbroeker D, Fabbri LM. Effect of 1-year treatment with roflumilast in severe chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(2):154-61.
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15. Cope S, Capkun-Niggli G, Gale R, Jardim JR, Jansen JP. Comparative efficacy of indacaterol 150 µg and 300 µg versus fixed-dose combinations of formoterol + budesonide or salmeterol + fluticasone for the treatment of chronic obstructive pulmonary disease - a network meta-analysis. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2011;6:329-44.