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Artigo Original

Características epidemiológicas de pacientes com sarcoidose na cidade do Rio de Janeiro

Epidemiological characteristics of sarcoidosis patients in the city of Rio de Janeiro, Brazil

Vinicius Lemos-Silva, Paula Barroso Araújo, Christiane Lopes, Rogério Rufino, Cláudia Henrique da Costa

ABSTRACT

Objective: To analyze the epidemiological characteristics of sarcoidosis patients in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Methods: A descriptive, case-control study involving 100 sarcoidosis patients under outpatient treatment between 2008 and 2010 at the Pedro Ernesto University Hospital, located in the city of Rio de Janeiro, Brazil. The diagnosis of sarcoidosis was based on clinical, radiological, biochemical, and histopathological criteria. Results: There was a predominance of females in the 35-40 year age bracket (range, 7-69 years), who accounted for 65% of the sample, although there was a second peak at approximately 55 years of age. The most common symptom was dyspnea (in 47%), and the most common radiological findings were pulmonary and lymph node involvement (stage II; in 43%), followed by stage III (in 20%), stage I (in 19%), stage 0 (in 15%), and stage IV (in 3%). No pleural effusion or digital clubbing was observed at diagnosis. The tuberculin skin test was negative in 94 patients. Spirometric findings at diagnosis were normal in 61 patients; indicative of obstructive lung disease in 21; and indicative of restrictive lung disease in 18. The most common biopsy sites were the lungs (principally by bronchoscopy) and the skin, the diagnosis being confirmed by biopsy in 56% and 29% of the cases, respectively. Treatment with prednisone was initiated in 75% of the patients and maintained for more than 2 years in 19.7%. Conclusions: This study corroborates the findings of previous studies regarding the epidemiological characteristics of sarcoidosis patients.

Keywords: Sarcoidosis/epidemiology; Sarcoidosis/diagnosis; Sarcoidosis/therapy.

RESUMO

Objetivo: Analisar as características epidemiológicas de pacientes com sarcoidose na cidade do Rio de Janeiro. Métodos: Estudo descritivo, caso-controle, envolvendo 100 pacientes com sarcoidose acompanhados no Hospital Universitário Pedro Ernesto, localizado na cidade do Rio de Janeiro, entre 2008 e 2010. O diagnóstico de sarcoidose foi baseado em critérios clínicos, radiográficos, laboratoriais e histopatológicos. Resultados: A doença predominou em mulheres (65%), na faixa de 35-40 anos (variação: 7-69 anos), embora houvesse um segundo pico na população de aproximadamente 55 anos. A dispneia foi o sintoma mais comum (47%), assim como o achado radiográfico de comprometimento pulmonar e linfonodal (estágio II; 43%), seguido por estágio III (20%), estágio 1(19%), estágio 0 (15%) e estágio IV (3%). Nenhum paciente apresentou derrame pleural ou baqueteamento digital no diagnóstico. O PPD foi não reator em 94 pacientes. Os achados espirométricos no diagnóstico foram normais em 61 pacientes; indicativos de distúrbio ventilatório obstrutivo, em 21; e indicativos de distúrbio ventilatório restritivo, em 18. Os sítios de biópsia mais comuns foram os pulmões (principalmente por broncoscopia) e a pele, que confirmaram o diagnóstico em 56% e 29% dos casos, respectivamente. O tratamento com prednisona foi iniciado em 75% dos pacientes e mantido por mais de 2 anos em 19,7%. Conclusões: Este estudo corrobora vários achados relatados em outros estudos sobre as características epidemiológicas de pacientes com sarcoidose.

Palavras-chave: Sarcoidose/epidemiologia; Sarcoidose/diagnóstico; Sarcoidose/terapia.

Introdução

A sarcoidose é uma doença inflamatória multissistêmica, caracterizada histologicamente pela presença de granulomas não caseosos ricos em macrófagos e linfócitos T, especialmente CD4+.(1,2) Possui etiologia desconhecida, mas acredita-se que exista um agente ambiental, infeccioso ou não, responsável pelo desencadeamento da resposta inflamatória em um hospedeiro geneticamente suscetível.(1-5) O pulmão é o órgão mais frequentemente acometido.(3,4,6) Pode ocorrer remissão em 50% dos casos, mas alguns pacientes evoluem com doença crônica por décadas.(1,4)

De uma forma geral, a doença afeta todos os grupos étnicos e todas as idades, sendo mais comum antes dos 50 anos e predominando em mulheres.(7) Na literatura, são descritas diferenças epidemiológicas, radiológicas, laboratoriais e de manifestações clínicas, assim como diferentes respostas terapêuticas nos diferentes grupos étnicos.(4,6-8) A maior prevalência de sarcoidose é encontrada na Suécia (121/100.000 habitantes),(9) enquanto a Espanha possui as taxas mais baixas da região.(10) Nos EUA, a taxa de incidência anual variou entre 10,9/100.000 habitantes e 35,5/100.000, sendo maior em negros.(4) De forma semelhante, na África do Sul, a prevalência da doença em negros é entre 10/100.000 habitantes e 20/100.000, mas essa é menor que 10/100.000 habitantes em brancos.(10) Em um estudo recente, observou-se que a incidência média anual em mulheres negras americanas era de 71/100.000 habitantes.(11) Nos países asiáticos, a doença é mais rara; a prevalência da doença no Japão é de 1-2 casos/100.000 habitantes.(12) Na América Latina, há poucos estudos a respeito da prevalência da enfermidade, e, no Brasil, a incidência é estimada em 10/100.000 habitantes.(13)

O objetivo do presente estudo foi avaliar o perfil de uma população de pacientes com sarcoidose na cidade do Rio de Janeiro e comparar suas características com as de pacientes de outros países, onde já existem mais dados a respeito dessa doença.

Métodos

Estudo descritivo e de caso-controle, com protocolo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), protocolo nº 2302. Após a apresentação dos objetivos e métodos a serem empregados, os pacientes foram convidados a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido. O protocolo está em conformidade com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. No período entre 2008 e 2010, 111 pacientes com sarcoidose foram atendidos regularmente no ambulatório de doenças intersticiais da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia, integrante da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ, localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Desses pacientes, 100 aceitaram participar do estudo. Todos os pacientes continuavam em acompanhamento no ambulatório até o presente. O tamanho da amostra foi calculado considerando o nível de confiança (1 − ) de 95%, com intervalo de confiança de 9,39%. A incidência de sarcoidose na população brasileira ainda não foi estabelecida, mas estima-se que a incidência seja inferior a 10 casos/100.000 habitantes,(13) e que o número de casos de sarcoidose no estado do Rio de Janeiro seja de 1.200. Dessa forma, consideramos necessários para o estudo no mínimo 63 casos da doença. Foram utilizados para a descrição das variáveis qualitativas valores percentuais, médias ou medianas e seus respectivos erros-padrão.

Os indivíduos participantes foram convidados a responder a um questionário específico e realizaram exames complementares, como teste de função pulmonar, radiografia de tórax, TC de tórax, eletrocardiograma de alta resolução, teste tuberculínico com PPD, dosagem de cálcio sérico e urinário, dosagem de enzimas hepáticas, anti-HIV, anticorpo anticitoplasma de neutrófilos, fator reumatoide, anticorpo antinuclear, sorologia para doenças fúngicas (Histoplasma capsulatum e Paracoccidioides brasiliensis), exame oftalmológico e exame dermatológico. As provas de função respiratória (espirometria e espirografia) foram realizadas conforme os critérios da American Thoracic Society de 1991.(14) Os exames foram realizados com o espirômetro Vitatrace (Pró Médico Ltda., Rio de Janeiro, Brasil), com sistema de fole, acoplado ao aplicativo Spiromatic (Engelógica Engenharia de Sistemas Ltda, Rio de Janeiro, Brasil), e a interpretação das medidas foi realizada utilizando os valores teóricos de Knudson et al.(15) O diagnóstico de sarcoidose foi confirmado pelo achado anatomopatológico de granulomas não caseosos e pela exclusão de outras doenças granulomatosas infecciosas por culturas para fungos e bactérias. Achados radiográficos e laboratoriais compatíveis com a doença também contribuíram para o diagnóstico.

Resultados

Foram analisados os dados de 100 pacientes com sarcoidose, todos com diagnóstico histopatológico confirmado e em acompanhamento no ambulatório de doenças intersticiais da Disciplina de Pneumologia e Tisiologia da FCM/UERJ entre 2008 e 2010. Os pacientes que apresentaram perda de seguimento ou não tinham todos os exames à disposição para serem revisados não foram incluídos no estudo. A Tabela 1 resume os principais achados observados nesses pacientes.





A mediana de idade dos pacientes no momento do diagnóstico foi de 40 anos (variação: 7-69 anos), e 61% deles tinham menos de 40 anos na ocasião (Figura 1). Notamos um predomínio de pacientes femininas (56%). O tempo médio de acompanhamento médico era de 10,08 ± 7,05 anos.





Quanto ao aspecto étnico, a cidade do Rio de Janeiro apresenta uma miscigenação muito grande, o que dificulta a definição da etnia. Assim, separando os pacientes brancos dos não brancos (pardos e negros), verificamos que apenas 27% se definiram como brancos. Não houve a presença de outras etnias.

Com relação à ocupação, observamos um predomínio de donas de casa e de trabalhadores em funções administrativas. No entanto, 14% apresentavam algum grau de exposição à poeira relacionada ao ambiente de trabalho (5 bombeiros, 5 trabalhadores da construção civil, 1 sapateiro, 1 marceneiro, 1 polidor de pisos e 1 bióloga com exposição a amianto). Doze pacientes eram fumantes, e 26 tinham história de tabagismo, mas a maioria nunca havia fumado (65 pacientes).

Considerando os sintomas, 10 pacientes eram assintomáticos no momento do diagnóstico. A queixa mais comum foi dispneia (47%), seguida de artralgia (23%) e tosse seca (21%). A artrite foi rara, ocorrendo em apenas 2 pacientes com queixa de artralgia. As lesões cutâneas foram comuns (29%), mas, na maioria das vezes, não foram valorizadas pelos pacientes.

A espirometria realizada na primeira avaliação estava dentro dos parâmetros da normalidade em 61 pacientes, distúrbio ventilatório obstrutivo foi detectado em 21, e distúrbio ventilatório restritivo foi observado em 18.

A radiografia de tórax no momento do diagnóstico foi revisada pela equipe de profissionais que atende no ambulatório (Figura 2). Quase metade dos pacientes (43%) estava no estágio II (acometimento pulmonar e linfonodal) no primeiro atendimento médico. Os demais pacientes apresentavam radiografias compatíveis com estágio 0 (15%), estágio I (19%) e estágio III (20%). Três pacientes com sintomas da doença há mais de 1 ano foram diagnosticados no estágio IV.





Apesar de o pulmão ser o principal sítio de acometimento (66%), verificamos um percentual alto de manifestações extrapulmonares (80%). Os sinais e sintomas dos pacientes no momento do diagnóstico são apresentados na Tabela 2. A sarcoidose linfonodal foi observada em 43 pacientes, e a de lesões cutâneas foi observada em 29.





O pulmão foi o principal local de biópsia para definição do diagnóstico (56%), quase sempre através de broncoscopia. As lesões cutâneas foram biopsiadas e confirmaram o diagnóstico em 29 pacientes. A análise histopatológica de linfonodos periféricos foi definidora do diagnóstico em 21 pacientes, além de outros 3 que necessitaram realizar mediastinoscopia e de 3 que foram submetidos à punção de linfonodos no ângulo venoso. Sítios mais raros de biópsia foram o fígado (2%), coração (1%) e osso (1%). Dois pacientes realizaram teste de Kveim-Siltzbach. Alguns pacientes foram submetidos a biópsia em mais de um sítio (Figura 3).





As principais doenças associadas à sarcoidose nesta população foram hipertensão arterial sistêmica (26%) e diabetes mellitus (16%). Outras enfermidades evidenciadas foram nefrolitíase (7%); refluxo gastroesofágico, catarata, osteoporose e doença arterial coronariana (5% cada); asma, hipotireoidismo e glaucoma (4% cada); artrite reumatoide, colelitíase e depressão sintomática (3% cada); hepatite B, hepatite C, dislipidemia, DPOC e leiomioma (2% cada); anemia falciforme, prolapso retal, hipertireoidismo, aneurisma de aorta abdominal e epilepsia (1% cada).

Como esperado, o PPD foi não reator na quase totalidade dos pacientes (94 pacientes). Dois pacientes com PPD reator tinham história de tratamento de tuberculose no passado, embora nenhum com confirmação bacteriológica.

Baqueteamento digital foi observado em apenas 1 paciente, após anos de acompanhamento e com o surgimento de hipertensão arterial pulmonar.

O tratamento com corticoides foi realizado em 75 pacientes, sendo que 9 ainda não haviam completado 2 anos de acompanhamento no ambulatório. Alguns pacientes foram tratados na clínica de origem e foram referenciados ao ambulatório em uso de corticoides. Em nosso ambulatório, o tratamento com prednisona é realizado nos pacientes com acometimento de órgãos alvo, com dose inicial de, no máximo, 40 mg (< 1 mg/kg) e redução progressiva após 3 meses de tratamento. Pacientes com sarcoidose cutânea e/ou ganglionar não são, a priori, medicados com corticosteroides. Dos 66 pacientes acompanhados havia mais de 2 anos, 13 apresentaram recaídas dos sintomas quando a dose foi reduzida, e foi necessária a manutenção de uma quantidade mínima de prednisona ou a associação com imunossupressores, como azatioprina ou ciclofosfamida (12%), cloroquina (3%) ou talidomida (1%). A escolha do tratamento dependeu da gravidade da doença, dos órgãos acometidos, da presença de hipercalcemia, das complicações do tratamento prévio ou ainda da impossibilidade de se utilizar corticosteroides. A talidomida foi utilizada em 1 paciente com lesões cutâneas graves, que obteve melhora parcial.

Discussão

A sarcoidose é uma doença com características epidemiológicas que dependem da população estudada. Neste estudo, verificamos que os pacientes acompanhados apresentaram características semelhantes às já relatadas na literatura, especialmente no que tange à faixa etária mais acometida (61% dos pacientes tinham menos de 40 anos quando iniciaram o quadro) e ao predomínio do gênero feminino (56%).(16) É interessante que o aspecto bimodal da curva de faixa etária que verificamos em nossa população, com um segundo pico de incidência por volta dos 55 anos, já tinha sido descrito por alguns autores.(17-19)

O aspecto da etnia, no entanto, merece alguns comentários. O Rio de Janeiro é um estado brasileiro altamente miscigenado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),(20) 55,2% da população se consideram brancos, sendo os demais negros ou pardos, e quase não há a presença de outras etnias, como indígenas e descendentes asiáticos. Levando em consideração esses dados, para a definição da etnia dos pacientes utilizou-se o método de autodefinição, ou seja, foi perguntado ao paciente qual era a sua etnia. Dessa forma, é considerável o percentual de pacientes não brancos (73%), já que esse valor está bem acima dos dados do IBGE (45%) para a população do estado do Rio de Janeiro. Esse fato nos permite sugerir que a sarcoidose se manifesta predominantemente em pacientes negros e pardos na nossa população. Deve-se levar em conta, no entanto, que a população que procura atendimento nas instituições públicas, como a que realizou o estudo, provém de uma classe social mais carente, que se caracteriza por apresentar um percentual maior de indivíduos negros e pardos, o que pode causar confusão na análise dos dados. Outro levantamento brasileiro, realizado no estado do Rio Grande do Sul, com 92 pacientes, mostrou que a média de idade era semelhante à verificada na população carioca (41,8 ± 14,1 anos); no entanto, 84% dos pacientes daquele estado eram caucasianos.(16) É possível que algumas diferenças encontradas entre os dois estudos, como o maior número de pacientes com sintomas constitucionais na coorte do RS, sejam justificadas pelas características étnicas de cada população.

Em um estudo denominado A Case Control Etiologic Study of Sarcoidosis (ACCESS): Environmental and Occupational Risk Factors, baseado em dados coletados de 10 centros americanos, totalizando 736 pacientes com sarcoidose diagnosticada por histopatologia que foram comparados a um grupo controle de 706 indivíduos saudáveis, reportou-se uma associação negativa dessa doença com o hábito de fumar.(21) No entanto, outros estudos(22) não conseguiram confirmar esse efeito "protetor" do fumo. Em nosso estudo, verificamos um percentual de tabagistas ou ex-tabagistas semelhante ao da população brasileira em geral (35%),(20) fato esse que questiona a associação negativa do tabagismo com a sarcoidose em nossa população.

O aspecto profissional e a exposição ambiental dos pacientes têm sido relatados como potenciais desencadeadores da doença em pacientes geneticamente suscetíveis.(23,24) Após a tragédia do World Trade Center, alguns bombeiros que participaram do resgate às vítimas foram diagnosticados com algumas doenças pulmonares, entre elas a sarcoidose, sugerindo que algumas profissões possam apresentar um risco maior para o desenvolvimento da doença.(25) O estudo ACCESS citado no parágrafo anterior sugere, através de análise multivariável, a existência de uma associação positiva entre a exposição a inseticidas e aerossóis no ambiente de trabalho com o desenvolvimento de sarcoidose.(21) Essa mesma análise não confirmou essa relação positiva para os profissionais da área de saúde.(21) Em nossa coorte, observamos a ocorrência de exposição a poeiras em 14% dos casos, chamando a atenção para a presença de 5 bombeiros e 5 trabalhadores da construção civil, e que podem ter iniciado o quadro por conta dessa exposição. No entanto, outros estudos comparativos com grupos controles são necessários.

O estudo ACCESS(4) relatou que cerca de metade dos pacientes (51%) apresentava dispneia no momento do diagnóstico. Em nossa coorte, o percentual foi semelhante, com 47% apresentando essa queixa no momento do diagnóstico. A artralgia foi informada por 23 pacientes, mas a artrite de pequenas articulações só foi observada em 2 casos. Tosse seca fazia parte do quadro clínico de 21 pacientes e, em todos os casos, era acompanhada de dispneia. Nenhum paciente apresentou baqueteamento digital no momento do diagnóstico. As lesões cutâneas mais comumente observadas foram pápulas, em diversas localizações do rosto e do tronco, geralmente discretas e muitas vezes não percebidas pelo paciente. No entanto, conforme já publicado por outros autores,(26) uma diversidade de lesões foram diagnosticadas, incluindo lesões sobre cicatrizes, hipopigmentação, lesões em placas e lesões deformantes, como o lúpus pernio.

A alta frequência de pacientes no estagio II da doença já havia sido publicada. González et al. observaram que 34,7% de seus pacientes apresentavam lesão pulmonar e linfonodal no diagnóstico.(27) No estudo americano ACCESS, a maioria dos pacientes (39,7%) apresentava lesão apenas de linfonodos (estágio I), seguido de pacientes no estágio II (36,7%).(4) Nossa coorte apresentou percentual mais elevado de radiografias no estágio II no momento do diagnóstico (43%), mais próximo do relatado em outro estudo no Brasil (48%).(16) Se somarmos os percentuais de pacientes com lesão pulmonar (estágios II, III e IV), verificamos que 66% dos casos do Rio de Janeiro estavam nessa situação, em comparação com 52% dos pacientes apresentados no ACCESS. Sabe-se que a presença de lesão no parênquima pulmonar é um dos critérios para o início do tratamento com corticosteroides e está relacionado à doença mais agressiva. É possível que, pelo fato de sermos um centro de referência, tenhamos recebido um número maior de pacientes com doença mais avançada. Dentre os pacientes com lesão pulmonar, o envolvimento intersticial, com lesões nodulares, predominantemente central, acometendo o feixe peribroncovascular, foi o achado mais comum. Chama a atenção o fato de não termos nenhum caso com derrame pleural. Embora a literatura cite um percentual de 1-10%, a raridade dessa manifestação já foi apontada por alguns autores.(28)

Quase metade dos pacientes analisados (47%) apresentava queixa de dispneia, com ou sem tosse associada, mas apenas 39% apresentaram alguma alteração na espirografia realizada na época do diagnóstico. Além disso, deve-se levar em conta que 35% dos pacientes fumavam ou tinham história de tabagismo, o que certamente contribuiu para o aparecimento de padrão obstrutivo em alguns pacientes. Outros exames funcionais, como medida da CPR, medida da DLCO e medidas da pressão expiratória e inspiratória máximas, não foram realizados em todos os pacientes no momento do diagnóstico e, portanto, esses dados não foram analisados para o presente estudo.

O diagnóstico de sarcoidose foi confirmado por exame histopatológico com achado de granulomas não caseosos em todos os pacientes, conforme as recomendações atuais.(29) Os principais sítios de biópsia foram o pulmão, quase sempre através de exame broncoscópico (56%), e a pele (29%). Dessa forma, notamos que o diagnóstico da sarcoidose pode ser sugerido e confirmado pelo clínico (pneumologista e dermatologista) na maioria dos casos. Os demais casos necessitaram de exames relativamente simples para o cirurgião, como biópsia de linfonodos periféricos ou no ângulo venoso. A toracotomia para a realização de biópsia pulmonar a céu aberto foi realizada em 4 pacientes, e a mediastinoscopia foi realizada em 3.

A tuberculose é uma doença granulomatosa muito mais prevalente do que a sarcoidose em nosso meio e, em alguns casos, pode surgir confusão diagnóstica, principalmente quando o PPD é reator. Esse fato ocorreu em 6 pacientes; desses, 2 tinham história de tuberculose tratada no passado, mas não conseguimos a confirmação bacteriológica de nenhum dos 2 casos.

Embora o tratamento da sarcoidose seja relativamente simples, em um percentual razoável - em 13 (19,7%) dos 66 pacientes tratados que estavam em acompanhamento há pelo menos 2 anos - não foi possível suspender totalmente o uso de corticoides e/ou esses necessitaram do uso de outros medicamentos. O tratamento prolongado com corticosteroides está relacionado a efeitos colaterais já bastante conhecidos. Em nossa coorte, observamos principalmente hipertensão arterial sistêmica (26%), diabetes mellitus (16%), osteoporose (5%) e doenças oftalmológicas, como catarata (5%) e glaucoma (4%), que podem ter sido provocados ou agravados devido à medicação. Embora a literatura sugira que a hipertensão arterial pulmonar possa ocorrer em qualquer paciente com sarcoidose,(30) em nossa população essa só foi observada em 1 paciente com doença fibrosante e com evolução clínica desfavorável.

O presente estudo apresentou uma avaliação de 100 pacientes com sarcoidose, diagnosticados através de exame histopatológico, excluindo outras doenças, e acompanhados em um centro universitário de referência. A análise desta coorte de pacientes brasileiros corrobora vários achados relatados em outros estudos sobre as características epidemiológicas de pacientes com sarcoidose, revelando características da nossa população, o que pode auxiliar na compreensão da doença no Brasil.


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Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Cláudia Henrique da Costa. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Disciplina de Pneumologia e Tisiologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Avenida Vinte e Oito de Setembro, 77, 2º andar, Vila Isabel, CEP 20551-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel. 55 21 2587-6348. E-mail: ccosta.uerj@gmail.com
Apoios financeiros: Paula Barroso Araújo é bolsista de iniciação científica da UERJ e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Recebido para publicação em 2/2/2011. Aprovado, após revisão, em 24/5/2011.



Sobre os autores

Vinicius Lemos-Silva
Professor. Disciplina de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Paula Barroso Araújo
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Christiane Lopes
Acadêmica de Medicina. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Rogério Rufino
Professor Adjunto. Disciplina de Pneumologia e Tisiologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Cláudia Henrique da Costa
Professora Adjunta. Disciplina de Pneumologia e Tisiologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FCM-UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

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