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Relato de Caso

Metástase cutânea como primeira manifestação de adenocarcinoma pulmonar

Cutaneous metastasis as the initial manifestation of lung adenocarcinoma

Marcos Pantarotto, Liliana Lombo, Helena Pereira, Antonio Araújo

ABSTRACT

We report the case of a 58-year-old male patient who was referred for oncology consultation due to an epigastric mass that had been growing rapidly for three months. Diagnostic investigation revealed that the mass was a metastasis of stage IV lung adenocarcinoma. The patient received five cycles of chemotherapy with cisplatin and gemcitabine as a first-line treatment, which was interrupted due to major adverse events. Although the pulmonary disease stabilized, the cutaneous disease progressed. The patient then received pemetrexed as a second-line chemotherapy, together with concurrent external radiotherapy, which was well tolerated. There was complete remission of the epigastric mass. However, the patient died three months after the treatment. Here, we emphasize the importance of a multidisciplinary approach and of its role in individualizing the treatment.

Keywords: Lung neoplasms; Neoplasm metastasis; Antineoplastic combined chemotherapy protocols; Radiotherapy, computer-assisted.

RESUMO

Relatamos o caso de um paciente do sexo masculino de 58 anos de idade, que foi encaminhado para a consulta de oncologia por apresentar uma massa epigástrica de crescimento rápido em três meses de evolução. A investigação diagnóstica revelou tratar-se de um adenocarcinoma pulmonar metastático estádio IV. Recebeu cinco ciclos de cisplatina e gemcitabina como tratamento de primeira linha, que foi interrompido devido a efeitos adversos. Houve estabilidade da doença pulmonar e progressão cutânea. Recebeu pemetrexed como tratamento de segunda linha e radioterapia externa concomitante, com boa tolerância e regressão completa da massa epigástrica. Entretanto, o paciente faleceu três meses após o tratamento. Destacamos aqui importância da multidisciplinaridade e do seu papel na individualização do tratamento.

Palavras-chave: Neoplasias pulmonares; Metástase neoplásica; Protocolos de quimioterapia combinada antineoplásica; Radioterapia assistida por computador.

Introdução

Anualmente, mais da metade dos novos casos de câncer de pulmão na Europa representam doença metastática.(1) Em Portugal, estima-se uma incidência anual aproximada de 2.500 casos, com uma relação incidência/mortalidade de aproximadamente 100%, sendo a principal causa de morte entre as doenças oncológicas.(1,2) Até a data não existe evidência de uma forma eficaz de rastreio populacional,(3) sendo a cessação tabágica medida fundamental para a redução dos casos.(4)

A pele representa um local relativamente comum de surgimento de metástase dos tumores pulmonares,(5) e isso geralmente está relacionado com um pior prognóstico.(6,7)

Os médicos que lidam com essa patologia deverão estar atentos para a possibilidade de serem confrontados com metástases cutâneas como primeira manifestação do câncer de pulmão.(8)

Relato de caso

Um paciente do sexo masculino com 58 anos de idade, garçom, ex-fumante há 9 anos (40 maços-ano), foi encaminhado à consulta de oncologia médica pelo surgimento de uma massa epigástrica. Apresentava como antecedentes DPOC com alterações ventilatórias obstrutivas graves, e 7 anos antes havia sido submetido a uma gastrectomia parcial por úlcera gástrica perfurada. Encontrava-se medicado com um 2-agonista inalatório de longa duração.

Três meses antes da consulta, notou o aparecimento de um nódulo doloroso e endurecido na região epigástrica (Figura 1) sobre a cicatriz cirúrgica abdominal, com crescimento rápido. Queixava-se de anorexia (grau 3) e emagrecimento (cerca de 10 kg ou 16% do peso habitual nos 3 meses) e mostrava-se bastante incomodado com a restrição da vida social causada pelo fato de a massa ser visível sob a roupa. Negava agravamento da dispneia habitual. Ao exame físico, apresentava-se caquético, com um status de performance segundo a escala Eastern Cooperative Oncology Group igual a 1. Palpava-se uma massa endurecida e dolorosa na região epigástrica, com exsudação amarelada e eritema adjacente, medindo aproximadamente 15 cm de diâmetro. A auscultação pulmonar revelava abolição dos sons respiratórios no terço superior do hemitórax esquerdo.





Uma TC toracoabdominal revelou a presença de uma massa com limites imprecisos no segmento ápico-posterior do lobo superior do pulmão esquerdo (Figura 2a), com aproximadamente 2,2 cm nos seus maiores diâmetros, além da própria lesão epigástrica, que infiltrava o esterno.
Ambas as imagens coincidiam com hipercaptação do radiofármaco fluorine-18 fluorodeoxyglucose na TC por emissão de pósitrons. Foi realizada uma biopsia da massa abdominal, que revelou tratar-se de metástase de um adenocarcinoma. O exame imuno-histoquímico mostrou positividade difusa para citoqueratina-7 e thyroid transcription factor-1 e negatividade para citoqueratina-20, favorecendo-se um tumor primário pulmonar,(9,10) que foi estadiado segundo a classificação tumor-nódulo-metástase como cT1bN0M1b (estádio IV).





Iniciou o tratamento de primeira linha com cisplatina 100 mg/m2 dia 1 + gemcitabina 1.250 mg/m2 dia 1 e dia 8 cada 21 dias. Demonstrou má tolerância ao esquema, com múltiplas omissões ao ciclo de gemcitabina do dia 8 por toxicidade hematológica, com um episódio de neutropenia febril após o 2º ciclo e surgimento de trombocitopenia grau 2 após o 5º ciclo. Uma TC torácica de reavaliação mostrou estabilidade da doença pulmonar com progressão cutânea.

Modificou-se a estratégia de tratamento para quimioterapia de segunda linha com pemetrexed 500 mg/m2 cada 21 dias, associada a radioterapia externa, que consistiu na irradiação da massa epigástrica, com intuito paliativo, na dose total de 30 Gy, em 10 frações, utilizando-se 60Co (Figura 2b).

Efetuou 6 ciclos sem interrupções ou efeitos adversos significativos, verificando-se regressão completa da massa epigástrica (Figura 3).





Não houve recidiva da lesão cutânea após o tratamento com radioterapia ou surgimento de novos implantes secundários na pele.

Verificou-se a progressão da doença a nível pulmonar, hepático e ósseo em TC efetuada 2 meses após o 6º ciclo de pemetrexed. O paciente faleceu 3 meses após o término da quimioterapia de segunda linha, ou seja, aproximadamente 14 meses após o diagnóstico inicial.

Discussão

As metástases cutâneas são descritas em associação à maioria das neoplasias de origem visceral que causam metástases à distância. Embora não haja consenso na literatura sobre a sua frequência, são mais comumente relacionadas com os tumores primários da mama e do pulmão, sendo o tórax e o abdômen os locais mais comuns desse tipo de disseminação.(5,11,12)

As lesões cutâneas podem apresentar-se de diferentes formas, sendo mais frequentes os nódulos de consistência pétrea, aderentes a planos profundos, indolores, da cor da pele ou discretamente eritematosos, com ou sem ulcerações e com crescimento rápido. Como manifestação dos cancros da mama e da cavidade oral, podem apresentar-se também como nódulos de aspecto escleroso e inflamatório, assim como extensão direta do tumor primário.(13) Algumas lesões são intradérmicas e invadem o tecido celular subcutâneo, enquanto outras são superficiais, sem coloração ou localização específica que possa sugerir a sua natureza.(11,13) São geralmente observadas como manifestações tardias da doença neoplásica disseminada, podendo, contudo, ser a primeira manifestação clínica de doença maligna visceral.

No relato clínico em questão, devido a localização, dimensão e aparência da lesão cutânea, assim como suas implicações na autonomia do paciente, considerou-se relevante adaptar o tratamento de forma a contribuir para a diminuição do impacto físico e emocional. Para atingir esse objetivo, a abordagem multidisciplinar é fundamental.

Após os resultados insatisfatórios obtidos com a primeira linha de tratamento farmacológico, a radioterapia associada à quimioterapia de segunda linha com pemetrexed foi bem tolerada e proporcionou um melhor controle dos sintomas. Os autores acreditam que a estratégia de tratamento combinado possibilitou ao paciente uma melhor qualidade de vida.

Cabe ressaltar, contudo, que existe pouca evidência para suportar o uso em conjunto de radioterapia e pemetrexed. Não obstante, em uma comunicação recente de dois estudos de fase I,(14) demonstrou-se que essa modalidade terapêutica é bem tolerada, sugerindo um novo campo de estudo na associação da radioterapia às terapêuticas dirigidas a alvos moleculares(4) no câncer do pulmão.

Agradecimentos

O nosso agradecimento sincero às Dras. Marta Soares e Isabel Azevedo e às enfermeiras que compõem a Clínica do Pulmão do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto, que prestaram apoio incondicional para a elaboração deste relato.


Referências


1. Ferlay J, Parkin DM, Steliarova-Foucher E. Estimates of cancer incidence and mortality in Europe in 2008. Eur J Cancer. 2010;46(4):765-81.

2. Ferlay J, Shin HR, Bray F, Forman D, Mathers C, Parkin DM. Estimates of worldwide burden of cancer in 2008: GLOBOCAN 2008. Int J Cancer. 2010;127(12):2893-917.

3. Gopal M, Abdullah SE, Grady JJ, Goodwin JS. Screening for lung cancer with low-dose computed tomography: a systematic review and meta-analysis of the baseline findings of randomized controlled trials. J Thorac Oncol. 2010;5(8):1233-9.

4. Baumann M, Zips D, Appold S. Radiotherapy of lung cancer: technology meets biology meets multidisciplinarity. Radiother Oncol. 2009;91(3):279-81.

5. Coslett LM, Katlic MR. Lung cancer with skin metastasis. Chest. 1990;97(3):757-9.

6. Terashima T, Kanazawa M. Lung cancer with skin metastasis. Chest. 1994;106(5):1448-50.

7. Hoang T, Xu R, Schiller JH, Bonomi P, Johnson DH. Clinical model to predict survival in chemonaive patients with advanced non-small-cell lung cancer treated with third-generation chemotherapy regimens based on eastern cooperative oncology group data. J Clin Oncol. 2005;23(1):175-83.

8. Kamble R, Kumar L, Kochupillai V, Sharma A, Sandhoo MS, Mohanti BK. Cutaneous metastases of lung cancer. Postgrad Med J. 1995;71(842):741-3.

9. Capelozzi VL. Role of immunohistochemistry in the diagnosis of lung cancer. J Bras Pneumol. 2009;35(4):375-82.

10. Leonard N. Cutaneous metastases: Where do they come from and what can they mimic? Curr Diagn Pathol. 2007;13(4):320-30.

11. Krathen RA, Orengo IF, Rosen T. Cutaneous metastasis: a meta-analysis of data. South Med J. 2003;96(2):164-7.

12. Lookingbill DP, Spangler N, Sexton FM. Skin involvement as the presenting sign of internal carcinoma. A retrospective study of 7316 cancer patients. J Am Acad Dermatol. 1990;22(1):19-26.

13. Molina Garrido MJ, Guillén Ponce C, Soto Martínez JL, Martínez Y Sevila C, Carrato Mena A. Cutaneous metastases of lung cancer. Clin Transl Oncol. 2006;8(5):330-3.

14. Surmont V, Smit EF, de Jonge M, Aerts JG, Nackaerts K, Vernhout R, et al. Pemetrexed and cisplatin with concurrent radiotherapy for locally advanced non-small cell and limited disease small cell lung cancer: results from 2 phase I studies. Lung Cancer. 2010;69(3):302-6.




* Trabalho realizado no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto, Portugal.
Endereço para correspondência: Marcos Pantarotto. Instituto Português de Oncologia, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072, Porto, Portugal.
Tel. 351 22 508-4000 ramal 7685. Fax: 351 22 508-4001. E-mail: mpantarotto@med.up.pt
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/3/2010. Aprovado, após revisão, em 21/9/2010.



Sobre os autores

Marcos Pantarotto
Médico Residente de Oncologia Médica. Instituto Português de Oncologia
Francisco Gentil, Porto, Portugal.

Liliana Lombo
Médica Residente de Radioterapia. Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto, Portugal.

Helena Pereira
Diretora. Departamento de Radioterapia, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto, Portugal.

Antonio Araújo
Diretor. Clínica do Pulmão, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, Porto, Portugal.

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