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Artigo Original

Profilaxia para tromboembolia venosa em um hospital geral

Venous thromboembolism prophylaxis in a general hospital

Fernanda Fuzinatto, André Wajner, Fernando Starosta de Waldemar, João Luiz de Souza Hopf, Juliana Ferro Schuh, Sergio Saldanha Menna Barreto

ABSTRACT

Objective: To evaluate the use of venous thromboembolism (VTE) prophylaxis in a general hospital. Methods: A cross-sectional cohort study at the Hospital Nossa Senhora da Conceição, located in the city of Porto Alegre, Brazil, involving a random sample of patients admitted between October of 2008 and February of 2009. We included patients over 18 years of age and hospitalized for more than 48 h. The exclusion criteria were anticoagulant use, pregnancy, puerperium, and a history of thromboembolic disease. The adequacy of prophylaxis was evaluated in accordance with a protocol created by the Hospital and principally based on the American College of Chest Physicians guidelines, eighth edition. Results: We included 262 patients. The mean age was 59.1 ± 16.6 years. The most common risk factors were immobilization (in 70.6%), infection (in 44.3%), cancer (in 27.5%), obesity (in 23.3%), and major surgery (in 14.1%). The risk of VTE was classified as high and moderate in 143 (54.6%) and 117 (44.7%) of the patients, respectively. Overall, 46.2% of the patients received adequate prophylaxis, 25% of those with ≥ three risk factors for VTE and 18% of those with cancer, the differences between these last two groups and their counterparts (patients with < three risk factors and those without cancer) being statistically significant (p < 0.001 for both). Conclusions: Our data reveal that nearly all patients at our hospital were at risk for VTE, and that less than half received adequate VTE prophylaxis, which is in agreement with the literature. It is surprising that inadequate prophylaxis is more common in high-risk patients.

Keywords: Venous thromboembolism/prevention and control; Venous thrombosis/prevention and control; Heparin.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a prática de profilaxia para tromboembolia venosa (TEV) em pacientes em um hospital geral. Métodos: Estudo de coorte transversal conduzido no Hospital Nossa Senhora da Conceição, localizado na cidade de Porto Alegre (RS), com uma amostra constituída de pacientes internados selecionados randomicamente entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos e internados por mais de 48 h. Os critérios de exclusão foram pacientes em uso de anticoagulantes, história de doença tromboembólica, gestação e puerpério. A adequação da profilaxia foi avaliada seguindo as recomendações de um protocolo criado pela instituição e tendo como base principal a diretriz da American College of Chest Physician, oitava edição. Resultados: Foram incluídos 262 pacientes com média de idade de 59,1 ± 16,6 anos. Os fatores de risco mais comuns foram imobilização (70,6%), infecção (44,3%), câncer (27,5%), obesidade (23,3%) e cirurgia maior (14,1%). Na avaliação do nível de risco para TEV, 143 (54,6%) e 117 pacientes (44,7%), respectivamente, foram classificados como de risco alto e moderado. No geral, 46,2% dos pacientes tiveram profilaxia adequada, assim como 25% dos pacientes com três ou mais fatores de risco e 18% dos pacientes com câncer, e houve diferenças estatisticamente significativas entre esses grupos quando comparados àqueles com menos de três fatores de risco e sem câncer (p < 0,001 para ambos). Conclusões: Os dados demonstram que quase a totalidade dos pacientes do hospital estava em risco para TEV e que menos da metade deles recebeu profilaxia adequada, dados esses semelhantes aos da literatura. A inadequação da profilaxia é surpreendentemente maior em pacientes de alto risco.

Palavras-chave: Tromboembolia venosa/prevenção e controle; Trombose venosa/prevenção e controle; Heparina.

Introdução

A tromboembolia venosa (TEV), que reúne duas condições relacionadas - a trombose venosa profunda (TVP) e a tromboembolia pulmonar (TEP) - é a maior e mais frequente causa não reconhecida de morbidade e mortalidade em pacientes hospitalizados.(1) Além disso, a TEP é considerada a principal causa prevenível de óbito intra-hospitalar.(1,2)

A atual incidência de TEV sem intervenção profilática é desconhecida, visto a dificuldade de se montar um grupo controle/placebo. Devido a isso, trabalhos antigos ainda são referenciados, contando com a análise de uma população sem uso algum de profilaxia. Nesse contexto, estima-se que a incidência de TEV adquirida no hospital seja de aproximadamente 10-40% entre pacientes clínicos e cirúrgicos,(3,4) podendo chegar a 75% em pacientes com acidente vascular encefálico agudo e em cirurgias de quadril.(5,6) Embora a TEV seja frequentemente associada a trauma e cirurgia, a maioria dos casos ocorre em pacientes clínicos, com 50-70% dos eventos de TEP sintomática e 70% dos casos de TEP fatal.(7)

Quase todos os pacientes hospitalizados apresentam no mínimo um fator de risco para TEV, e aproximadamente 40% têm três ou mais.(7)

Entre os pacientes clínicos, os fatores de risco mais comumente encontrados são insuficiência cardíaca congestiva (em 25-31%), doença respiratória aguda grave (em 24-53%), infecção (em 20-54%) e obesidade (em 27-53%).(2) Outro agente importante é a própria hospitalização, que é considerada um fator de risco independente, podendo aumentar em oito vezes o risco de TEV,(2) assim como o câncer, que aumenta esse risco em seis vezes.(8) Ainda em relação aos pacientes oncológicos, a TEV é uma das complicações mais frequentes, sendo os de maior risco aqueles hospitalizados, em uso de quimioterapia(9) ou em pós-operatório.(10)

Quanto aos pacientes cirúrgicos, existe, somado ao risco clínico para a TEV, o risco relacionado ao tipo de cirurgia a que os mesmos estão sendo submetidos. Isso se torna importante uma vez que o risco cirúrgico para eventos tromboembólicos venosos é baixo em procedimentos ambulatoriais ou pouco invasivos e é mais elevado em cirurgias maiores.(11) A classificação do tipo de procedimento a que o paciente será exposto (se cirurgia menor ou maior) é a chave para a estratificação do risco cirúrgico para a TEV. A primeira publicação disponível sobre cirurgias maiores e menores data de 1917,(12) classificando como cirurgia maior todos aqueles procedimentos que requerem anestesia geral, que envolvem abertura de grandes cavidades, que colocam o paciente em risco de hemorragias graves ou em pacientes com risco de vida (cirurgias de urgência). Hoje em dia, temos ainda os procedimentos guiados por câmera e os realizados em cavidades fechadas (laparoscopia, toracoscopia, mediastinoscopia, artroscopia, cirurgias transuretrais, cirurgias por via vaginal, dentre outros). Para fins de risco para a TEV, esses são considerados como de perfil similar ao de cirurgias menores. Em um artigo de revisão,(13) há uma orientação de que a profilaxia de pacientes submetidos a cirurgias laparoscópicas seja direcionada somente ao risco individual clínico de cada paciente.

Entretanto, procedimentos laparoscópicos abdominais com mais de uma hora de duração apresentam um estado de hipercoagulabilidade tão intenso quanto ao de cirurgias abertas, conferindo um risco hipotético maior para a TEV.(14)

Quando pacientes oncológicos são submetidos a procedimentos cirúrgicos, o risco é duplicado para a TVP e triplicado para a TEP em comparação a pacientes sem câncer submetidos a procedimentos similares.(10)

Existem evidências de que a profilaxia primária reduz substancialmente a incidência de TEV sem aumentar o risco de sangramento importante.(1,7)

Em uma meta-análise,(15) o uso da profilaxia em pacientes clínicos hospitalizados com heparina não fracionada (HNF) reduziu em 64% os diagnósticos de TEP fatal, em 58% os de TEP sintomático e em 53% os de TVP sintomática. Resultados ainda mais relevantes são encontrados em pacientes cirúrgicos,(16,17) com reduções em 70% de TEP fatal, em 58-71% de TEP sintomático e em 75-79% de TVP. Entretanto, em um estudo prospectivo com 2.373 pacientes submetidos a cirurgias oncológicas,(18) demonstrou-se que a TEV foi a principal causa de morte nos primeiros 30 dias de pós-operatório mesmo com o uso de profilaxia em 82% dos pacientes. Desde 1977,(19) existem fortes evidências da especial importância da tromboprofilaxia nessa última situação.
Somado aos argumentos citados anteriormente, o uso rotineiro de profilaxia para a TEV reduz também os gastos totais.(3)

Ao longo da última década, diversas diretrizes foram publicadas visando aumentar a adesão às medidas profiláticas e aperfeiçoar as estratégias de profilaxia.(3,20) Mais recentemente, a revisão das recomendações do American College of Chest Physicians (ACCP) propôs uma abordagem mais agressiva, principalmente no que diz respeito a pacientes oncológicos internados e/ou com múltiplos fatores de risco para a TEV.(7)

Este estudo teve como objetivo avaliar a prática de profilaxia para a TEV em pacientes internados em um hospital geral brasileiro.

Métodos

Estudo de coorte transversal desenvolvido no Hospital Nossa Senhora da Conceição, localizado na cidade de Porto Alegre (RS), que é o maior hospital geral da região Sul do Brasil. É um hospital de ensino, vinculado ao Ministério da Saúde e com a totalidade de seus atendimentos voltada ao Sistema Único de Saúde, com 750 leitos para internação de adultos em diversas especialidades clínicas e cirúrgicas, fazendo exceção apenas a pacientes ortopédicos e neurocirúrgicos.

A amostra foi constituída de 262 pacientes selecionados randomicamente no período entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009, internados nas diversas unidades de internação clínicas e cirúrgicas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, incluindo também a UTI. A randomização foi realizada através do sorteio dos leitos, e o número de leitos de cada especialidade foi determinado considerando-se a proporcionalidade entre o número de leitos da especialidade e o número total de leitos do hospital. Os critérios de inclusão foram ter idade maior que 18 anos e estar internado por mais de 48 h em quaisquer das unidades citadas acima; os critérios de exclusão foram estar em uso de anticoagulantes devido a outras condições clínicas, ter doença tromboembólica já estabelecida e estar em gestação/puerpério.

A coleta dos dados dos pacientes selecionados e a avaliação do uso da profilaxia foram realizadas em um único momento através da revisão do prontuário e da prescrição. Não foi determinado um momento específico para a coleta dos dados durante a internação dos pacientes. A coleta dos dados foi realizada por residentes de medicina interna previamente treinados, e os médicos responsáveis pela prescrição dos pacientes não foram informados sobre a realização do estudo. As principais variáveis colhidas foram idade, sexo, nível de creatinina sérica, fatores de risco para TEV, contraindicações para o uso de heparina, tipo de cirurgia, tipo de anestesia, tipo de profilaxia prescrita e dose prescrita.

Os seguintes fatores de risco foram considerados: imobilização (mais da metade do dia confinado a cama ou cadeira, excluindo as horas de sono, por mais de 3 dias), uso de anticoncepcional oral ou de reposição hormonal, acidente vascular cerebral (AVC), câncer, uso de cateter venoso central, doença inflamatória intestinal, doença mieloproliferativa, doença pulmonar grave (anormalidades nos testes de função pulmonar, gasometria arterial ou ambas, em pacientes com insuficiência respiratória, DPOC descompensada, hipertensão pulmonar ou doença intersticial pulmonar), síndrome coronariana aguda, insuficiência cardíaca congestiva, infecção (pneumonia, sepse, infecção abdominal, pielonefrite ou infecção de pele complicada), internação em UTI, obesidade (índice de massa corporal ≥ 30 kg/m2), paralisia ou paresia de membros, quimioterapia, radioterapia, síndrome nefrótica e história de TEV ou de trombofilias.

As seguintes contraindicações foram avaliadas: presença de sangramento ativo, doença ulcerosa péptica ativa, história de trombocitopenia induzida por heparina, alergia a heparina, coagulopatia definida como plaquetopenia (contagem de plaquetas < 50.000/L) ou tempo de protrombina prolongado (taxa normatizada internacional > 1,5), acidente vascular cerebral hemorrágico recente, hipertensão não controlada (pressão arterial > 200/120 mmHg), retinopatia proliferativa e insuficiência hepática.

A instituição criou um protocolo hospitalar para orientar a prescrição da profilaxia para a TEV (Quadro 1). O protocolo foi criado através de reuniões com a equipe de médicos de medicina interna e de algumas especialidades do hospital, tendo como base principal a diretriz da ACCP,(7) oitava edição, e também com a revisão de alguns artigos pertinentes a cada especialidade.




Os pacientes foram estratificados pelo risco de TEV (baixo, médio e alto),
e a prescrição de cada paciente foi considerada adequada ou inadequada quando seguia as recomendações do protocolo ou não.

Na análise dos resultados, foram determinadas medidas descritivas para a prevalência de fatores de risco e a frequência de uso de medidas profiláticas para a TEV. O teste do qui-quadrado foi utilizado para estimar a presença de associação entre as variáveis de interesse, sendo utilizado um valor de p < 0,05 como índice de significância estatística.

O estudo foi iniciado somente após sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição, e os autores assinaram um termo de compromisso para o uso dos dados.

Resultados

A amostra foi constituída por 262 pacientes, sendo 137 homens (52,3%). A média de idade foi de 59,1 ± 16,6 anos.

Na Tabela 1 são relacionados os fatores de risco para a TEV mais encontrados entre os pacientes internados no hospital, sendo os principais imobilização (em 70,6%), infecção (em 44,3%), câncer (em 27,5%), obesidade (em 23,3%) e cirurgia maior (em 14,1%).
As principais especialidades responsáveis pelo cuidado aos pacientes foram as seguintes: medicina interna (22,1%), cirurgia geral (13,4%), urologia (7,6%), infectologia (7,3%), ginecologia (6,5%), pneumologia (6,5%) e cirurgia vascular (6,1%). Do total da amostra, 21,4% dos pacientes estavam em pós-operatório, e os outros 78,6% eram pacientes clínicos.





Em relação aos níveis de risco para a TEV, 143 pacientes (54,6%) foram classificados como de alto risco, 117 pacientes (44,7%) como de risco moderado e apenas 2 pacientes (0,8%) como de baixo risco.

Na Tabela 2 estão relacionados os métodos utilizados para a profilaxia de TEV. Não foi encontrada nesta avaliação nenhuma prescrição de heparina de baixo peso molecular (HBPM) para a profilaxia de TEV.





Quando analisamos a adequação da profilaxia em relação ao protocolo criado para o hospital, notamos que 141 pacientes (53,8%) tiveram prescrição inadequada e 121 pacientes (46,2%) tiveram prescrição adequada, considerando-se o nível de risco do paciente e a presença de contraindicações (Tabela 3).





A análise da adequação da profilaxia com a estratificação dos casos em pacientes clínicos ou em pós-operatório não apresentou uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,27). Apresentavam prescrição considerada como adequada 91 pacientes clínicos (44,2%) e 30 pacientes (53,6%) em pós-operatório.

Menos de 9,5% dos pacientes apresentavam contraindicações ao uso de heparina para a profilaxia de TEV. As principais contraindicações presentes na amostra foram sangramento ativo (em 5,0%) e coagulopatia (em 3,8%). No grupo de pacientes com contraindicações, a prescrição das medidas profiláticas estava incorreta 44,0% dos casos.

O perfil de gravidade dos pacientes foi avaliado pela análise do número de fatores de risco para a TEV. Apenas 4% não apresentavam nenhum fator de risco, e mais de 40% tinham três ou mais fatores de risco. No grupo com múltiplos fatores de risco, considerado de alto risco, 75,0% dos pacientes recebiam profilaxia para a TEV classificada como inadequada conforme o protocolo da instituição em comparação com 39,9% dos pacientes com menos de três fatores de risco (p < 0,001; Tabela 4). A proporção de pacientes com prescrição de profilaxia considerada inadequada entre os pacientes portadores de neoplasia foi maior. Embora também reconhecidos atualmente como pacientes de alto risco, somente 18% dos pacientes recebiam prescrição de heparina para a profilaxia para a TEV de forma adequada, diferença essa considerada estatisticamente significativa quando tais pacientes foram comparados ao grupo sem diagnóstico de neoplasia (p < 0,01; Tabela 4).





Discussão

O processo de avaliação do padrão de prescrições e das taxas de adequação da profilaxia para a TEV no hospital foi iniciado em 2008, principalmente a partir da publicação da oitava edição do consenso de prevenção de TEV da ACCP,(7) em junho do mesmo ano, com a criação de um protocolo para o hospital. Em nosso estudo, observamos que 53,8% das prescrições de profilaxia para a TEV estavam inadequadas conforme o protocolo da instituição. A maioria dos pacientes era de alto risco (54,6%), e aproximadamente 75% desses recebiam profilaxia para a TEV considerada inadequada. Em relação aos pacientes com neoplasias - por definição, de alto risco - 82% desses recebiam prescrição de heparina para profilaxia para a TEV de forma inadequada.
Apesar de todas as evidências disponíveis na literatura, a profilaxia para a TEV não é largamente praticada. Dados internacionais mostram que grande parte dos pacientes internados está em risco para a TEV, e somente aproximadamente metade desses pacientes recebe algum tipo de profilaxia.(21) O uso de profilaxia para a TEV varia de 3% a 70% em pacientes clínicos e de 0,2% a 92% em pacientes cirúrgicos entre os diversos países estudados.(22)

De acordo com agências que promovem a qualidade e a segurança em saúde, o uso adequado da tromboprofilaxia é considerado um indicador de qualidade da assistência hospitalar. Embora por vários anos estejam sendo publicados estudos mostrando que a utilização da profilaxia reduz a morbidade e a mortalidade em pacientes internados, ainda é grande o número de relatos de que essa intervenção esteja subutilizada nos hospitais.(23) No Brasil, são poucos os relatos de avaliação da taxa de utilização de medidas profiláticas. As avaliações realizadas em hospitais gerais, hospitais universitários ou hospitais privados relatam taxas muito aquém das ideais, chegando a valores tão baixos quanto 2,1% dos casos. Os melhores resultados relatados são de taxas que não atingem 50% dos pacientes nas enfermarias e 60% nas UTIs.(24-27)

A baixa importância dada à profilaxia de TEV pode ser devida a pouca valorização da TEV como entidade clínica, por essa ter apresentação clínica inespecífica e pela dificuldade de diagnóstico objetivo. Talvez a principal razão para a baixa utilização de medidas preventivas para a TEV seja o temor de sangramentos, principalmente no pós-operatório. Os nossos dados demonstram que menos de 10% dos pacientes apresentavam contraindicações para o uso da tromboprofilaxia, o que não justificaria as taxas de inadequação encontradas em nosso estudo.

O uso da profilaxia farmacológica em pacientes de baixo risco ou com
contraindicações pode trazer mais riscos do que benefícios. Nossos dados demonstram um número muito pequeno de pacientes de baixo risco, prejudicando a análise desses dados em nosso hospital. Entre os 25 pacientes que apresentavam contraindicações para o uso de profilaxia farmacológica, 11 (44%) estavam recebendo profilaxia considerada inadequada pelo protocolo.

O Hospital Nossa Senhora da Conceição dispõe de HNF e de uma HBPM, a enoxaparina, para a profilaxia de TEV. Nosso estudo demonstra que, entre os 197 pacientes que receberam prescrição de heparina para tromboprofilaxia, 195 utilizaram HNF e apenas 2 (1%) utilizaram outros tipos de profilaxia farmacológica. O uso de enoxaparina é controlado na instituição devido a seu maior custo. É importante destacar também que o hospital não atende pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas, de traumas ou neurocirurgias, o que explica a opção de não se utilizar HBPM.

Em relação à dose de HNF, não existem evidências suficientes para recomendar a posologia de 5.000 UI três vezes ao dia ao invés da mesma posologia duas vezes ao dia, uma vez que esses dois regimes nunca foram diretamente comparados em pacientes clínicos ou cirúrgicos. Em uma meta-análise incluindo 7.978 pacientes clínicos,(20) a taxa de eventos tromboembólicos foi menor no grupo que recebia heparina 5.000 UI três vezes ao dia quando comparado aquele que a recebia duas vezes ao dia, mas sem significância estatística. Naquele estudo, o risco de sangramento importante foi maior com a dose 5.000 UI três vezes ao dia (p < 0.001). Quanto aos pacientes cirúrgicos, em uma meta-análise de 34 estudos,(16) sugeriu-se uma maior eficácia na prevenção de TEV com o uso de HNF na dose 5.000 UI três vezes ao dia quando comparado ao seu uso duas vezes ao dia, sem aumentar as taxas de sangramento importante.

A literatura atual(4,7) recomenda o uso de profilaxia com HNF 5.000 UI três vezes ao dia em pacientes com risco elevado para tromboembolia, assim como em pacientes com múltiplos fatores de risco ou pacientes oncológicos. Adotar essa recomendação em um cenário hospitalar com pacientes de alto risco provavelmente ocasionou uma piora na adequação do uso da profilaxia. Considerando esses achados, devemos definir novas estratégias para melhorar os desfechos a partir das evidências mais recentes, o que inclusive reforça o desafio que tem uma grande instituição hospitalar em manter suas práticas e processos atualizados.

Devido ao grande número de pacientes com profilaxia inadequada em nosso hospital, compatível com publicações prévias,(24-27) torna-se necessária a implementação de medidas efetivas para a melhoria
desses índices.

Um grupo de autores(28) publicou um estudo avaliando a prescrição de profilaxia para a TEV no qual médicos recebiam um alerta eletrônico sobre os fatores de risco para a TEV. Esse estudo mostrou melhores taxas de tromboprofilaxia (33.5% vs. 14.5%, p < 0,0001) no grupo de estudo do que no grupo controle e demonstrou uma redução das taxas de TVP e TEP sintomáticas em 41% (risco relativo = 0,59; IC95%: 0,43-0,81; p < 0,001).

De acordo com a última diretriz do ACCP,(7) todos os hospitais deverão ter uma posição ativa para desenvolver e adicionar medidas de prevenção
de TEV. Estratégias passivas, como a distribuição de materiais educativos ou a realização de eventos educacionais isolados, são medidas de pouca adesão e não são recomendadas como estratégias únicas. Medidas ativas devem incluir o uso de sistemas informatizados, auditorias periódicas e feedback quanto ao funcionamento das medidas
implementadas.

O protocolo criado para o Hospital Nossa Senhora da Conceição e utilizado para o julgamento da adequação da profilaxia foi o passo inicial
para a implementação de uma estratégia para melhorar esses dados.

Essa estratégia inclui o uso de prescrição eletrônica para o auxílio da avaliação do risco do paciente, assim como reuniões e auditorias frequentes com as equipes.


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* Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernanda Fuzinatto. Rua Martim Aranha, 100, apto. 203, bloco A1, CEP 90520-020, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3398-5229 ou 55 51 9201-5229. E-mail: ferfuzi@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 3/8/2010. Aprovado, após revisão, em 28/2/2011.




Sobre os autores

Fernanda Fuzinatto
Preceptora da Residência de Medicina Interna. Hospital Nossa Senhora da Conceição e Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

André Wajner
Preceptor da Residência de Medicina Interna. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Fernando Starosta de Waldemar
Coordenador dos Projetos de Qualidade Assistencial. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

João Luiz de Souza Hopf
Médico. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Juliana Ferro Schuh
Médica. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Sergio Saldanha Menna Barreto
Professor Titular. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

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