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Artigo Original

Viabilidade da realização de espirometria em pré-escolares

Feasibility of spirometry in preschool children

Tiago Neves Veras, Leonardo Araujo Pinto

ABSTRACT

Objective: To determine the rate at which satisfactory spirometry results are obtained (spirometry success rate) in preschool children. Methods: We analyzed the spirometry results of children ≤ 6 years of age. All tests were conducted between June of 2009 and February of 2010 in the Pulmonary Function Laboratory of the Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, located in the city of Joinville, Brazil. The spirometry program employed features an animated incentive (soap bubbles). The procedures were performed by a pediatric pulmonologist, in accordance with the reproducibility and acceptability criteria recommended by the American Thoracic Society. We attempted to achieve an expiratory time of at least 1 s. The following parameters were measured: FVC, FEV0.5, FEV1, and the FEV1/FVC ratio. Results: Our sample comprised 74 children. The spirometry success rate was 82%. Although the performance improved with age, the difference between younger and older children was not significant (p > 0.05). An average of 6.6 attempts/test were needed in order to achieve acceptable, reproducible curves. All 61 successful tests produced satisfactory FEV0.5 and FEV1 values. By calculating Z scores, we found that 21.6% of the children presented with an obstructive pattern. Conclusions: In our sample, the spirometry success rate was high, showing that spirometry is a valid method for assessing pulmonary function in preschool children. The high success rate in our sample might be attributable to the use of an incentive and to the fact that the tests were performed by professionals specializing in pediatrics.

Keywords: Spirometry; Feasibility studies; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: Determinar a taxa de sucesso na obtenção de resultados adequados de espirometria em pacientes pré-escolares. Métodos: Foram analisados os resultados de espirometrias de crianças menores que 6 anos. Todos os testes foram realizados no Laboratório de Função Pulmonar do Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, em Joinville (SC) entre junho de 2009 e fevereiro de 2010. O programa utilizado continha um incentivo de animação (bolhas de sabão).Os procedimentos foram realizados por um pneumologista infantil e obedeceram aos critérios de reprodutibilidade e aceitabilidade preconizados pela American Thoracic Society. Buscou-se atingir um tempo expiratório de pelo menos 1 s. Os seguintes parâmetros foram registrados: CVF, VEF0,5, VEF1 e relação VEF1/CVF. Resultados: Nossa amostra consistiu de 74 crianças. A taxa de sucesso foi de 82%, com melhora no desempenho do teste em idades mais avançadas, mas sem significado estatístico (p > 0,05). Em média, foram necessárias 6,6 tentativas durante o exame para a obtenção de curvas aceitáveis e reprodutíveis. Todos os 61 testes bem sucedidos tiveram resultados de VEF0,5 e VEF1 satisfatórios. Através de escore Z, constatou-se que 21,6 % das crianças apresentavam com padrão obstrutivo. Conclusões: A taxa de sucesso da espirometria foi alta em nossa amostra, mostrando que esse é um método válido de avaliação da função pulmonar em pré-escolares. O uso de métodos de incentivo e a realização do teste por profissionais treinados no trabalho com crianças podem estar associados à elevada taxa de sucesso em nossa amostra

Palavras-chave: Espirometria; Estudos de praticabilidade; Testes de função respiratória.

Introdução

O manejo de doenças crônicas, como a asma, na infância necessita de medicação adequada e de parâmetros objetivos para a avaliação de sucesso terapêutico.(1) As provas de função pulmonar são exames bem estabelecidos em crianças e adolescentes; todavia, representam um desafio na idade pré-escolar, seja pela falta de colaboração das crianças para a realização das manobras forçadas, seja pela necessidade de estratégias especiais da equipe médica para realizar os testes. A medida da função pulmonar torna-se importante não apenas como um parâmetro clínico, mas também como um instrumento de medida do adequado crescimento e desenvolvimento pulmonar infantil.(2)

A avaliação longitudinal através de provas de função pulmonar constitui uma importante peça no manejo adequado de enfermidades respiratórias crônicas. O aperfeiçoamento de estratégias para exames em neonatos e pré-escolares pode ajudar a compreender a evolução e a história natural de condições como a asma ou a doença pulmonar crônica do prematuro.(3)

As crianças com idades entre 2 e 6 anos podem ter dificuldades em compreender as explicações para a realização de manobras expiratórias adequadas(4) e se distraem facilmente durante a abordagem inicial.

Dessa forma, a equipe a qual realiza o exame deve ser muito atenciosa, entusiasmada e sabedora das limitações inerentes desse grupo etário. O ambiente do laboratório de função pulmonar deve ser aconchegante e lúdico com o objetivo de aumentar a interação com o paciente.

Nesse contexto, a espirometria representa a prova de função pulmonar mais difundida em adultos e crianças.(5-7) A maioria dos pré-escolares é capaz de realizar as manobras expiratórias forçadas, mas com um tempo expiratório em geral menor que 1 segundo.(6,8) Recentemente, a American Thoracic Society publicou diretrizes com relação às provas de função pulmonar em pré-escolares, nas quais reforça a importância de parâmetros como o VEF0,5 e VEF0,75.

Devido à carência de dados na literatura nacional, este estudo teve como objetivo determinar a taxa de sucesso na obtenção de resultados adequados de espirometria como prova de função pulmonar em pré-escolares acompanhados em um ambulatório de pneumologia pediátrica no sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo e transversal. Foram analisados os resultados de espirometrias realizadas entre junho de 2009 e fevereiro de 2010 no Laboratório de Função Pulmonar do Hospital Infantil Jeser Amarante Faria (HIJAF), em Joinville (SC). Foram incluídas todas as crianças com idade inferior a 6 anos que tentaram realizar manobras de espirometria. Os pacientes eram agendados após consultas ambulatoriais com um pneumologista ou um alergologista, através de um sistema de agendamento de consultas da prefeitura do município. Durante o agendamento, os pais ou responsáveis eram orientados a suspender as medicações em uso pela criança no dia anterior ao exame, em especial os broncodilatadores, anti-histamínicos, anticolinérgicos e antileucotrienos, a não permitir que essa ingerisse chás ou café e a adiar a realização do teste caso a criança apresentasse exacerbações.

No dia do exame, os pacientes eram triados pela equipe de enfermagem, sendo registrados o peso (kg), a estatura (cm) e o índice de massa corpórea. Após um período de repouso de 10 min, os pacientes eram encaminhados à sala de exame onde, juntamente com seus pais, eram orientados e apresentados ao aparelho. O exame era realizado por um médico pneumologista pediátrico, com o auxílio de um técnico de enfermagem. Durante o teste, eram realizadas técnicas para encorajar e ganhar a confiança da criança. Foram realizadas no máximo oito tentativas para cada etapa do teste.(8) Utilizava-se uma pinça nasal durante as manobras.

Eram registrados os valores absolutos e em percentual do previsto dos seguintes parâmetros: VEF0,5, VEF1, CVF e FEF25%‑75%, além do tempo expiratório (s) e PFE. Registrava-se também o número de tentativas necessárias para a obtenção de pelo menos três curvas aceitáveis e reprodutíveis,(2) tanto na etapa pré-broncodilatador, como na etapa pós-broncodilatador. Registravam-se, ainda, o motivo da indicação do exame e o sucesso ou o insucesso do procedimento.

Os critérios de aceitabilidade foram os seguintes: curvas sem artefato (tosse, obstrução do bocal, vazamento, fechamento da glote e manobra de Valsalva) na inspeção visual, início satisfatório da expiração, evidência de esforço máximo, término adequado (presença de platô no último segundo), obtenção de pico de fluxo e volume de retroextrapolação < 5% da CVF ou < 80 mL. Como critérios de reprodutibilidade, foram aceitas curvas nas quais os valores entre CVF e VEF1 não excedessem mais que 10% entre si. Para aumentar a confiabilidade dos testes, foram obtidas pelo menos três curvas aceitáveis, sendo duas dessas reprodutíveis. Caso os critérios não fossem atingidos após oito tentativas, optava-se pela interrupção do teste e escolhiam-se as três melhores curvas.
O espirômetro utilizado foi o MicroQuark Pony FC (Cosmed, Roma, Itália), com calibração diária realizada antes dos exames. O programa utilizado continha um incentivo de animação (bolhas de sabão) para facilitar o desenvolvimento do teste.

O programa utilizado para a criação e a análise do banco de dados foi o Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis quantitativas foram descritas por meio de medidas de tendência central e dispersão (média e desvio-padrão, respectivamente). Além disso, foram descritos os valores máximos e mínimos da prova de função pulmonar. As diferenças nas proporções foram avaliadas através do teste do qui-quadrado.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do HIJAF e, durante toda sua realização, seguiu as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos propostas pela Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Durante o período do estudo, foram realizadas 254 espirometrias, das quais 74 incluíam crianças em idade pré-escolar com menos de 6 anos.

A população apresentava uma média de idade de 4,80 ± 0,85 anos e mediana de 5 anos (variação: 2,92-6,00 anos; Tabela 1). A maioria das crianças do estudo tinha idade inferior a 5 anos (Tabela 2). Houve predomínio de crianças do sexo masculino, na proporção de. 2:1, não havendo diferenças significativas no desempenho do teste de acordo com o sexo (p > 0,05).







Foram obtidas curvas aceitáveis e reprodutíveis em 82,4% dos testes, representando um total de 61 crianças. A melhora no desempenho aumentava diretamente com a idade do paciente (Tabela 3). Houve uma tendência para uma diferença significativa quando comparadas as crianças com 3 e 6 anos (p = 0,069). Em média, nas manobras na etapa pré-broncodilatador, foram necessárias 6,6 tentativas para a obtenção de curvas aceitáveis, enquanto, nas manobras na etapa pós-broncodilatador, foram necessárias 5,1 tentativas (p > 0,05).





A principal indicação clínica para o exame foi o diagnóstico de asma, em 95,6% dos pacientes. Nas crianças com sucesso na espirometria, foram obtidos VEF0,5 e VEF1 em 100% dos casos (Tabela 4). O tempo expiratório médio da melhor manobra foi de 1,96 s, aumentando significativamente com a idade. Comparando-se com equações de referência para essa faixa etária,(8) através de escore Z, constatou-se que 21,6% das crianças apresentavam um padrão obstrutivo. O valor médio de volume de retroextrapolação foi de 42 mL.




Discussão

Em nosso estudo, obteve-se sucesso em realizar a espirometria em 82% dos pacientes em idade pré-escolar, o que configura a espirometria como um exame com viabilidade adequada e passível de fornecer informações clínicas relevantes. Por ser um teste não invasivo e de fácil execução quando realizado por pessoal habilitado, essa prova de função pulmonar tem aplicação clínica mais que justificada. Recentemente, o uso da espirometria em crianças e adolescentes tem crescido em importância pela propriedade de medir a função pulmonar. O uso de medidas objetivas, principalmente em adolescentes asmáticos, é justificado pela elevada discordância entre achados clínicos, exame físico e severidade da doença.(9,10)

Um grupo de autores atingiu taxas de sucesso de 78% em crianças com idade entre 4 e 5 anos, as quais foram capazes de realizar pelo menos duas manobras tecnicamente aceitáveis.(11) Outros autores obtiveram sucesso em 214 de 248 crianças saudáveis recrutadas para a realização do exame.(12)

Em nossa amostra, foram obtidos VEF0,5 e VEF1 da totalidade das crianças. Essa marca foi obtida graças ao esforço intensivo de estimular a criança a obter o máximo rendimento do teste. Esses dois parâmetros, associados a CVF, definem o padrão de função pulmonar, servindo para monitorar a evolução da doença e seu tratamento. Um grupo de autores, comparando crianças saudáveis com crianças com sintomas respiratórios, concluiu que as manobras expiratórias forçadas eram capazes de discriminar a severidade dos sintomas.(3)

Em 2007, dois estudos envolvendo crianças menores de 6 anos propuseram dados interessantes.(11,13) Em ambos, foram utilizadas equações com o parâmetro VEF em 0,75 s (VEF0,75), sendo esse talvez um parâmetro mais adequado para essa faixa etária. Isso ocorre devido ao fato dos pré-escolares terem vias aéreas proporcionalmente maiores que seus volumes pulmonares. Dessa forma, durante as manobras expiratórias, eles são virtualmente capazes de realizar a expiração forçada em menos de 1 s.(14)

Este estudo tem como limitações aspectos inerentes aos estudos descritivos. A amostra escolhida envolveu crianças com patologias respiratórias, impedindo a extrapolação dos resultados para crianças hígidas na mesma faixa etária. A realização do teste por um profissional experiente e interessado em obter o máximo de sucesso nos testes pode explicar o elevado índice de sucesso encontrado em nossa amostra.

Além disso, somente 4 crianças em nossa amostra pertenciam ao grupo etário que apresenta o maior risco de insucesso (≤ 3 anos de idade). Por outro lado, esse fato não invalida os resultados da amostra como um todo, tendo-se evidenciado um elevado índice de sucesso da espirometria quando realizada por um profissional treinado e habilitado.

No início da década de 90, em um estudo pioneiro, apenas 32% de uma amostra de pré-escolares conseguiram realizar manobras adequadas de VEF1.(15) A evolução dos espirômetros, as animações utilizadas e a discussão sistemática sobre o assunto possibilitaram questionamentos dos melhores parâmetros para a efetiva realização das medidas de função pulmonar nessa faixa etária. Em 2001, um grupo de autores propôs a medição de VEF0,5 e VEF0,75 como sendo os parâmetros mais apropriados para essa faixa etária.(16) A partir daí, vários autores, em crianças saudáveis ou naquelas com fibrose cística, têm obtido taxas de sucesso sempre superiores a 75% na realização da espirometria em pré-escolares.(17-19)

Polgar et al. realizaram uma revisão ampla das equações espirométricas, tomando como base uma população no estado de Michigan (EUA) e, em seguida, propuseram aquelas que eram mais coerentes e factíveis para uso na população norte‑americana, notadamente caucasianos.(20) Em nível nacional, Mallozi propôs equações tendo como base uma população de várias etnias no estado de São Paulo.(21) Os resultados obtidos nos dois estudos tiveram grande semelhança.(22)

A partir de estudos descritivos como este, fica explícita a necessidade de estudos nacionais com o objetivo de determinar valores de referência para a espirometria em pré-escolares saudáveis. Isso já foi realizado em populações de pré-escolares nos EUA,(8) no Reino Unido(23) e na Noruega.(18)

Conclui-se que a espirometria apresenta uma elevada taxa de sucesso em pré-escolares. A realização do teste por profissionais treinados especificamente para o atendimento a crianças pode estar associada à elevada taxa de sucesso descrito nesta amostra. Além disso, a utilização de métodos de incentivo deve ser estimulada e também pode estar associada a uma elevada taxa de sucesso. A espirometria é um método válido e útil na avaliação da função pulmonar em pré-escolares, especialmente utilizando-se parâmetros modificados, como VEF0,5 e VEF0,75. Considerando-se os dados apresentados, faz-se necessário o desenvolvimento de valores de referência em pré-escolares brasileiros para futuras aplicações na prática clínica e em estudos científicos.


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* Trabalho realizado no Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, Joinville (SC) Brasil.
Endereço para correspondência: Tiago Neves Veras. Rua Dona Francisca, 537, Centro, CEP 89201-250, Joinville, SC, Brasil.
Tel/Fax: 55 47 3027-1113. E-mail: tnveras@pneumoped.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/6/2010. Aprovado, após revisão, em 21/10/2010.



Sobre os autores

Tiago Neves Veras
Pneumologista Infantil. Hospital Jeser Amarante Faria, Joinville (SC) Brasil.

Leonardo Araujo Pinto
Professor. Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil e da Faculdade de Medicina da Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul (RS) Brasil.

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