Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
19516
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Entendimento da mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica

Understanding mortality in bacteremic pneumococcal pneumonia

Catia Cillóniz, Antoni Torres

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) causada por Streptococcus pneumoniae é uma das principais causas de morbidade e mortalidade em crianças e idosos (adultos acima de 60  anos de idade) no mundo.(1,2) Dados de estudos comunitários mostram que a incidência global anual estimada de bacteremia pneumocócica nos Estados Unidos é de 15-30 casos por 100.000  habitantes; a taxa é maior para pessoas ≥ 65 anos de idade (50-83 casos por 100.000 habitantes) e para crianças ≤ 2 anos de idade (160 casos por 100.000 habitantes), com taxa de letalidade global variando de 20% (em adultos jovens) a 60% (em idosos). As comorbidades associadas também têm um papel importante.(3) Entre os adultos, 60-87% de todos os casos de bacteremia pneumocócica são atribuídos à pneumonia; entre as crianças pequenas, o sítio primário de infecção frequentemente não é identificado.(4,5)

A pneumonia pneumocócica bacterêmica é uma forma grave de pneumonia invasiva que constitui um subgrupo com características próprias. Aproximadamente 20% dos pacientes com pneumonia pneumocócica desenvolvem infecção da corrente sanguínea. Entre os adultos com pneumonia pneumocócica bacterêmica, as taxas de mortalidade variam de 10% a 30%.(6) Apesar dos avanços médicos, incluindo a maior disponibilidade de terapia antimicrobiana potente, a melhoria dos cuidados médicos e de enfermagem, e até mesmo a criação de UTIs, a mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica permanece inaceitavelmente alta.(7) O pensamento atual é que a mortalidade é maior entre os casos bacterêmicos do que entre os casos não bacterêmicos.(4) Porém, isso não é corroborado por dados da literatura.

Desde a publicação do estudo de Austrian e Gold em 1964,(8) vários estudos compararam portadores de PAC com e sem bacteremia pneumocócica quanto aos desfechos clínicos. Musher  et  al.(4) compararam 52 casos de PAC pneumocócica bacterêmica com 48 casos de PAC pneumocócica não bacterêmica e verificaram que a mortalidade nos primeiros 7 dias de internação foi significativamente maior entre os pacientes com PAC pneumocócica bacterêmica. Marrie  et  al.(9) examinaram 56 indivíduos com PAC pneumocócica bacterêmica e 394 indivíduos com PAC pneumocócica não bacterêmica (de qualquer etiologia). Esses autores verificaram que não houve diferenças significativas entre os dois grupos quanto a mortalidade global e tempo de internação hospitalar. Mais recentemente, Bordón  et  al.(10) forneceram dados da Community-Acquired Pneumonia Organization, confirmando que a bacteremia pneumocócica não aumenta o risco de desfechos ruins em pacientes com PAC.

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Palma  et  al.(11) apresentam os resultados de um estudo sobre o impacto que a bacteremia tem nos desfechos entre pacientes com PAC. O estudo de coorte incluiu 640 pacientes diagnosticados com PAC pneumocócica em um período de 4 anos. Os autores verificaram que, em comparação aos pacientes que tinham PAC pneumocócica não bacterêmica, os pacientes com PAC pneumocócica bacterêmica eram mais velhos, apresentavam mais comorbidades (principalmente cardiopatia e insuficiência renal crônica), estavam mais gravemente enfermos (segundo as pontuações obtidas na Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II e no pneumonia severity index), e foram internados em UTI com mais frequência. Porém, em concordância com os achados de Marrie  et  al.,(9) não houve diferença entre os grupos bacterêmico e não bacterêmico quanto a mortalidade por todas as causas. Os autores também demonstraram que a bacteremia não aumenta o tempo de internação hospitalar em pacientes com PAC pneumocócica.(11)

Alguns fatores reconhecidos podem facilitar o entendimento da mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica: o tempo até o início da antibioticoterapia, a adequação  da terapia inicial, e a modalidade de tratamento (monoterapia versus terapia combinada). Garnacho-Montero  et  al.(12) avaliaram 125 casos de PAC pneumocócica bacterêmica e verificaram que o mais importante fator relacionado à mortalidade é a rapidez com que se inicia a antibioticoterapia (idealmente nas primeiras 4 h após a admissão). Porém, essa informação não consta em muitos estudos, e é, portanto, bastante difícil entender por que a doença invasiva (bacteremia) não influencia a mortalidade. A adequação  da antibioticoterapia inicial é outro fator associado à mortalidade em pneumonia pneumocócica bacterêmica, conforme demonstrado por Lujan  et  al.(13) Dados relacionados a esse fator também não constam em muitos estudos. Além disso, há consideráveis evidências retrospectivas de que a terapia combinada aumenta a sobrevida em pneumonia bacterêmica.(14) Infelizmente, o estudo realizado por Palma  et  al.(11) não fornece dados sobre nenhum desses fatores.

Um fator adicional associado a mortalidade e morbidade em PAC pneumocócica bacterêmica é o sorotipo de S. pneumoniae causador da infecção. Por exemplo, Garcia-Vidal  et  al.(15) verificaram que o sorotipo 3 é um fator de risco independente para choque séptico, o que sem dúvida aumenta a mortalidade. Novamente, Palma  et  al.(11) não forneceram dados sobre esse fator.

Em conclusão, os resultados apresentados por Palma  et  al.(11) indicam que a bacteremia pneumocócica não é um preditor independente de desfechos clínicos ruins em pacientes com PAC, apesar da gravidade inicial dos pacientes com bacteremia. Porém, outros fatores importantes, tais como o tempo até o início da antibioticoterapia e a adequação  da terapia inicial, assim como o sorotipo pneumocócico, podem ter um papel crucial e devem ser levados em consideração.

Catia Cillóniz
Departamento de Pneumologia, Instituto Clínico de Doenças do Tórax, Hospital Clínico de Barcelona, Institut d'investigacions Biomèdiques August Pi i Sunyer  - IDIBAPS, Instituto de Pesquisas Biomédicas August Pi i Sunyer  - Universidade de Barcelona  - UB  - Ciber de Enfermedades Respiratorias  - CIBERES, Rede de Pesquisas sobre Doenças Respiratórias  - Barcelona, Espanha

Antoni Torres
Departamento de Pneumologia, Instituto Clínico de Doenças do Tórax, Hospital Clínico de Barcelona, Institut d'investigacions Biomèdiques August Pi i Sunyer  -   IDIBAPS, Instituto de Pesquisas Biomédicas August Pi i Sunyer  - Universidade de Barcelona  - UB  - Ciber de Enfermedades Respiratorias  - CIBERES, Rede de Pesquisas sobre Doenças Respiratórias  - Barcelona, Espanha

Declaração de conflito de interesses: Dr. Torres é membro do Conselho Consultivo da Divisão de Vacinas da Pfizer.



Referências

1. Whitney CG, Farley MM, Hadler J, Harrison LH, Bennett NM, Lynfield R, et  al. Decline in invasive pneumococcal disease after the introduction of protein-polysaccharide conjugate vaccine. N Engl J Med. 2003;348(18):1737-46. PMid:12724479. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa022823

2.
Jansen AG, Rodenburg GD, van der Ende A, van Alphen L, Veenhoven RH, Spanjaard L, et  al. Invasive pneumococcal disease among adults: associations among serotypes, disease characteristics, and outcome. Clin Infect Dis. 2009;49(2):e23- PMid:19522653. http://dx.doi.org/10.1086/600045

3.
Giner AM, Kuster SP, Zbinden R, Ruef C, Ledergerber B, Weber R. Initial management of and outcome in patients with pneumococcal bacteremia: a retrospective study at a Swiss university hospital, 2003-2009. Infection. 2011;39(6):519-26. PMid:22065426. http://dx.doi.org/10.1007/s15010-011-0218-1

4. Musher DM, Alexandraki I, Graviss EA, Yanbeiy N, Eid A, Inderias LA, et  al. Bacteremic and nonbacteremic pneumococcal pneumonia. A prospective study. Medicine (Baltimore). 2000;79(4):210-21. PMid:10941350. http://dx.doi.org/10.1097/00005792-200007000-00002

5. Prevention of pneumococcal disease: recommendations of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP). MMWR Recomm Rep. 1997;46(RR-8):1-24.

6.
Lynch JP  3rd, Zhanel GG. Streptococcus pneumoniae: epidemiology and risk factors, evolution of antimicrobial resistance, and impact of vaccines. Curr Opin Pulm Med. 2010;16(3):217-25. PMid:20375783.
7.
Feldman C, Anderson R. Bacteraemic pneumococcal pneumonia: current therapeutic options. Drugs. 2011;71(2):131-53. PMid:21275443. http://dx.doi.org/10.2165/11585310-000000000-00000

8. Austrian R, Gold J. Pneumococcal Bacteremia with especial reference to bacteremic pneumococcal pneumonia. Ann Intern Med. 1964;60:759-76. PMid:14156606.

9. Marrie TJ, Low DE, De Carolis E; Canadian Community-Acquired Pneumonia Investigators. A comparison of bacteremic pneumococcal pneumonia with nonbacteremic community-acquired pneumonia of any etiology--results from a Canadian multicentre study. Can Respir J. 2003;10(7):368-74. PMid:14571288. PMid:14571288.

10. Bordón J, Peyrani P, Brock GN, Blasi F, Rello J, File T, et  al. The presence of pneumococcal bacteremia does not influence clinical outcomes in patients with community‑-acquired pneumonia: results from the Community-Acquired Pneumonia Organization (CAPO) International Cohort study. Chest. 2008;133(3):618-24. PMid:18198264. http://dx.doi.org/10.1378/chest.07-1322

11. Palma I, Mosquera R, Demier C, Vay C, Famiglietti A, Luna C. Impact of bacteremia in a cohort of patients with pneumococcal pneumonia. J Bras Pneumol. 2012;38(4):422-30.

12. Garnacho-Montero J, García-Cabrera E, Diaz-Martín A, Lepe-Jiménez JA, Iraurgi-Arcarazo P, Jiménez-Alvarez

13. Lujan M, Gallego M, Fontanals D, Mariscal D, Rello J. Prospective observational study of bacteremic pneumococcal pneumonia: Effect of discordant therapy on mortality. Crit Care Med. 2004;32(3):625-31. PMid:15090938. http://dx.doi.org/10.1097/01.CCM.0000114817.58194.BF

14. Martinez JA, Horcajada JP, Almela M, Marco F, Soriano A, García E, et  al. Addition of a macrolide to a beta‑-lactam‑-based empirical antibiotic regimen is associated with lower in-hospital mortality for patients with bacteremic pneumococcal pneumonia. Clin Infect Dis. 2003;36(4):389-95. PMid:12567294. http://dx.doi.org/10.1086/367541

15. Garcia-Vidal C, Ardanuy C, Tubau F, Viasus D, Dorca J, Liñares J, et  al. Pneumococcal pneumonia presenting with septic shock: host- and pathogen-related factors and outcomes. Thorax. 2010;65(1):77-81. PMid:19996337. http://dx.doi.org/10.1136/thx.2009.123612
results from a Canadian multicentre study. Can Respir J. 2003;10(7):368-74. PMid:14571288. PMid:14571288.

10. Bordón J, Peyrani P, Brock GN, Blasi F, Rello J, File T, et  al. The presence of pneumococcal bacteremia does not influence clinical outcomes in patients with community‑-acquired pneumonia: results from the Community-Acquired Pneumonia Organization (CAPO) International Cohort study. Chest. 2008;133(3):618-24. PMid:18198264. http://dx.doi.org/10.1378/chest.07-1322

11.Palma I, Mosquera R, Demier C, Vay C, Famiglietti A, Luna C. Impact of bacteremia in a cohort of patients with pneumococcal pneumonia. J Bras Pneumol. 2012;38(4): XX-XX.

12. Garnacho-Montero J, García-Cabrera E, Diaz-Martín A, Lepe-Jiménez JA, Iraurgi-Arcarazo P, Jiménez-Alvarez R, et  al. Determinants of outcome in patients with bacteraemic pneumococcal pneumonia: importance of early adequate treatment. Scand. J Infect

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia