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Artigo Original

Manuseio de dispositivos inalatórios e controle da asma em asmáticos graves em um centro de referência em Salvador

Use of inhaler devices and asthma control in severe asthma patients at a referral center in the city of Salvador, Brazil

Ana Carla Carvalho Coelho, Adelmir Souza-Machado, Mylene Leite, Paula Almeida, Lourdes Castro, Constança Sampaio Cruz, Rafael Stelmach, Álvaro Augusto Cruz

ABSTRACT

Objective: To evaluate the use of inhaler devices by patients with severe asthma treated via the Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia (ProAR, Bahia State Asthma and Allergic Rhinitis Control Program), recording the frequency of their errors in performing key steps and the relationship between such errors and the lack of asthma control. Methods: A cross-sectional study involving 467 patients enrolled in the ProAR in the city of Salvador, Brazil. The devices evaluated were metered dose inhalers (MDIs), with or without a spacer, and dry powder inhalers (DPIs; Pulvinal® or Aerolizer®). For the assessment of the inhalation technique, a checklist was used; the patients were asked to demonstrate the technique so that an interviewer could observe all of the steps performed. For the assessment of asthma control, we used the 6-item asthma control questionnaire. Results: Most of the patients showed appropriate inhalation techniques when using the devices. When using an MDI, few patients made mistakes in the key step of "coordinating activation and inhalation" (5.2% and 9.1% with and without the use of a spacer, respectively). During Pulvinal® use, 39% of the patients did not inhale quickly and deeply, compared with only 5.8% during Aerolizer® use. Of the patients that made use of Aerolizer® alone, 71.3% appropriately performed all of the essential steps, and their asthma was controlled. Conclusions: Most of the patients in this sample, all of whom had been submitted to periodic checks of their inhalation technique (as part of the program), used the devices appropriately. Proper inhalation technique is associated with asthma symptom control.

Keywords: Asthma; Administration, inhalation; Metered dose inhalers; Dry powdered inhalers.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o manuseio dos dispositivos pelos asmáticos graves acompanhados no Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia (ProAR), registrando a frequência dos seus erros em passos essenciais e a relação desses com a falta de controle da asma. Métodos: Estudo de corte transversal com 467 pacientes em acompanhamento no ProAR, na cidade de Salvador (BA). Os dispositivos avaliados foram inalador dosimetrado (ID), em isolado ou com espaçador, e inalador de pó seco (IPS; Pulvinal® ou Aerolizer®). A avaliação da técnica inalatória foi realizada através de uma lista de verificação, sendo solicitado ao paciente que demonstrasse o uso para que um entrevistador observasse todos os passos realizados. Para a avaliação do controle da asma, utilizou-se o questionário de controle da asma com seis questões. Resultados: A maioria dos pacientes demonstrou técnicas inalatórias adequadas no uso dos dispositivos. Poucos erros foram observados na etapa essencial "coordenar disparo e inspiração" no uso de ID isolado e com espaçador (em 5,2% e em 9,1% dos pacientes, respectivamente). No uso de Pulvinal®, 39% dos pacientes não realizaram uma inspiração rápida e profunda, comparados a somente 5,8% no uso de Aerolizer®. Dos pacientes que utilizavam apenas Aerolizer®, 71,3% realizaram adequadamente todos os passos essenciais e estavam controlados. Conclusões: A maioria dos pacientes desta amostra, os quais eram submetidos a verificações periódicas da técnica inalatória no programa, utilizavam adequadamente os dispositivos. A técnica inalatória adequada está associada ao controle dos sintomas.

Palavras-chave: Asma; Administração por inalação; Inaladores dosimetrados; Inaladores de pó seco.

Introdução

A asma é uma doença inflamatória crônica de elevada prevalência mundial, que afeta aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo.(1) No Brasil, estima-se que 11,4% da população seja asmática,(2) representando a quarta causa de hospitalização pelo Sistema Único de Saúde.(3) Em Salvador (BA), registra-se uma prevalência de sibilância de 24% entre os adolescentes.(4)

Essa enfermidade causa impactos sociais e econômicos negativos, gerando redução da qualidade de vida, comprometimento das atividades diárias e elevados custos diretos e indiretos por visitas a salas de emergência, hospitalizações e consultas ambulatoriais não agendadas, além do absenteísmo na escola e no trabalho.(5)

O principal objetivo no tratamento da asma é o controle dos sintomas e a melhora da função pulmonar, sendo efetivo para esse desfecho o uso de corticosteroides inalatórios isolados ou combinados a agentes 2-agonistas de longa ação.(2) Todavia, o controle da asma não é fácil de ser obtido e apenas um pequeno subgrupo de pacientes asmáticos utiliza regularmente os medicamentos conforme a orientação.(6)

Diversos fatores, tais como os aspectos socioeconômicos da amostra estudada, o conhecimento sobre a própria doença, a má percepção da obstrução brônquica, as comorbidades associadas, os efeitos adversos e a habilidade para utilizar os diversos dispositivos inalatórios, podem influenciar na aderência ao tratamento e no controle dos sintomas da asma. Dispositivos para inalação pouco eficientes e técnicas de inalação inadequadas podem dificultar a deposição pulmonar dos agentes farmacológicos (corticoides e 2-agonistas) e elevar a frequência de efeitos adversos locais e sistêmicos.(7)

O Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia (ProAR) engloba a assistência, a pesquisa e a extensão. Esse programa é composto por uma equipe multiprofissional que envolve enfermeiros, médicos e farmacêuticos capacitados e empenhados em ensinar a técnica de inalação de forma adequada. Após a sua implantação, houve uma redução de 74% nas internações por asma na população de Salvador entre 2003 e 2006.(8)

O objetivo do presente trabalho foi avaliar a adequação do manuseio dos dispositivos inalatórios pelos pacientes admitidos no ambulatório central de referência do ProAR e a sua relação com o controle da asma.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional de corte transversal, realizado no período entre agosto de 2008 e dezembro de 2009. A amostra foi constituída por 467 pacientes com diagnóstico de asma grave, de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos, em acompanhamento no ambulatório central de referência do ProAR por um pneumologista por um período maior do que 1 ano e que faziam uso de corticoide inalatório regularmente por pelo menos 3 meses.

Todos os asmáticos selecionados submeteram-se ao protocolo estabelecido no programa de consultas com enfermeiros, médicos e farmacêuticos. Durante as consultas médicas, foram coletadas informações sobre as características sociodemográficas e clínicas, controle da asma e uso regular de medicamentos inalatórios nos últimos 3 meses. A aderência ao tratamento foi mensurada indiretamente pelo registro de dispensação de medicamentos e de consultas a assistência farmacêutica. Em seguida, entrevistadores treinados aplicaram o asthma control questionnaire com seis questões (ACQ-6)(9) e uma lista de avaliação da técnica inalatória de acordo com o dispositivo utilizado por cada paciente. O ACQ-6 consta da avaliação de sintomas de asma e de uso de broncodilatadores de alívio nos últimos 7 dias. Esse instrumento foi validado para língua portuguesa em nosso serviço e, naquele estudo, escores ≥ 1,5 foram aqueles que apresentaram melhor acurácia para identificar asma não controlada.(10)

Os dispositivos avaliados no presente estudo foram divididos em dois grupos: grupo inalador dosimetrado (ID), de forma isolada ou com o uso de espaçador, e grupo inalador de pó seco (IPS). Para a avaliação da habilidade em executar corretamente a técnica inalatória, solicitou-se ao paciente que simulasse as manobras de uso, explicitando oralmente todos os passos que realizava, a fim de avaliarmos todas as etapas. Para a avaliação, foi adotado um escore baseado no número de etapas corretamente executadas, utilizando uma lista de verificação das manobras, adaptada de Muniz et al.,(11) conforme a prática clínica e orientações fornecidas em bula (Quadro 1).




Concomitantemente a essa avaliação, estabelecemos quais eram as "etapas essenciais" para a execução das manobras de inalação e avaliamos especificamente a performance dos pacientes nessas etapas específicas. A terminologia utilizada foi aquela sugerida pela literatura internacional,(12-16) por indicar as etapas que podem influenciar significativamente na deposição da dose completa da droga nos pulmões, quando executadas incorretamente pelos usuários. Essas etapas estão relacionadas ao preparo da dose para a liberação completa do medicamento e à inalação da droga.

Foram consideradas etapas essenciais no presente estudo: para o grupo ID isolado e com espaçador sem válvula, "coordenar o disparo e a inspiração"; para o grupo IPS Pulvinal®, "girar o inalador em sentido anti-horário", "girar o inalador em sentido horário até ouvir um clique (ou estalido)", e "inspirar rapidamente e profundamente pela boca"; para o grupo IPS Aerolizer®, "colocar a cápsula no compartimento adequado", "pressionar os botões laterais do inalador", e "inspirar rapidamente e profundamente".

Para efeito de análise da associação entre a proporção de asmáticos com uso adequado dos dispositivos, acertos de etapas essenciais e controle da asma, foi avaliado apenas o subgrupo IPS Aerolizer®. Esse foi o dispositivo utilizado pela maioria dos indivíduos desta amostra e o único, no período em estudo, dispensado no ProAR que disponibilizava a associação de medicamentos de manutenção (broncodilatador de longa ação com o corticoide inalatório) em um mesmo dispositivo. Foram excluídos da análise indivíduos em uso de mais de um tipo de dispositivo. O critério de exclusão referente ao uso de mais de um dispositivo inalatório foi adotado apenas para a análise de associação entre a proporção de asmáticos com uso adequado do dispositivo e o controle da asma, considerando as etapas essenciais apenas. Esse critério foi estabelecido considerando que, ao utilizar mais de um dispositivo inalatório, poderia haver a adição de outras drogas que influenciariam no controle da asma.

A análise dos dados foi feita através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foram utilizados os parâmetros de estatística descritiva, adotando-se as medidas usuais de tendência central e de dispersão, e cálculos de frequências simples e relativas. O teste do qui-quadrado foi utilizado para analisar as diferenças entre as variáveis categóricas.

O cálculo do tamanho amostral baseou-se nas seguintes premissas: margem relativa de erro de 5%, IC95%, frequência de pacientes com manuseio adequado dos dispositivos de 29%, baseado em dados da literatura, e poder de 80%, o que indicou um tamanho amostral mínimo de 267 pacientes.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia. Todos os indivíduos que concordaram em participar foram incluídos no estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Foram incluídos 467 pacientes, dos quais 371 (79,4%) eram do gênero feminino e 96 (20,6%) do gênero masculino, com média de idade de 50,5 ± 13,7 anos. A proporção de pacientes com escolaridade até o ensino fundamental foi de 52,2%; 64,5% tinham renda menor do que dois salários mínimos, e 57,0% possuíam atividade laboral.

Quanto ao uso dos dispositivos inalatórios, foi observado que 446 pacientes (95,5%) utilizavam o IPS Aerolizer®, 142 (30,4%) utilizavam ID acoplado a um espaçador, 69 (14,8%) utilizavam o IPS Pulvinal®, e 38 (8,1%) utilizavam o ID em isolado. Os indivíduos avaliados utilizavam entre um e três tipos de dispositivos inalatórios (mediana = 1).

O desempenho na execução da técnica de inalação está descrito na Tabela 1. Observou-se que os asmáticos graves avaliados apresentaram bom desempenho no uso do ID com espaçador, IPS Aerolizer®, ID em isolado e IPS Pulvinal®, sendo observado "bom desempenho" em 75,3%, 73,5%, 55,3% e 52,5%, respectivamente (Tabela 1).





Com relação às falhas com o dispositivo ID em isolado e com espaçador, verificou-se que, para o ID em isolado, as maiores proporções de erros foram encontradas nas etapas "manter o bocal com a distância adequada dos lábios", "realizar expiração profunda antes de utilizar o dispositivo" e "realizar pausa inspiratória" em 84,2%, 55,2% e 34,2%, respectivamente, enquanto, para o ID com espaçador, destacaram-se "realizar expiração profunda antes de utilizar o dispositivo", "agitar o inalador" e "realizar pausa inspiratória" em 50,0%, 24,6% e 24,6%, respectivamente. Notou-se uma baixa proporção de erro na etapa essencial "coordenar o disparo e a inspiração" para os dois tipos de inaladores em 5,2% e 9,1%, respectivamente (Tabela 2).





No que se refere às falhas com os IPS, observou-se que, com o IPS Pulvinal®, as maiores proporções de erro ocorreram nas etapas "nivelar o pó de dentro da câmara", "realizar expiração profunda antes de utilizar o dispositivo" e "inspirar rapidamente e profundamente", em 91,5%, 59,3% e 39,0% dos indivíduos, respectivamente. A última etapa foi classificada como uma etapa essencial. No caso do uso de IPS Aerolizer®, destacaram-se as etapas "realizar expiração profunda antes de colocar o dispositivo na boca", "verificar a existência de resíduos de pó na cápsula" e "repetir a manobra caso identifique a existência de resíduos de pó na cápsula", representado por 54,7%, 55,3% e 52,0% dos indivíduos, respectivamente. Ressalta-se a baixa proporção de erros na etapa essencial "inspirar rapidamente e profundamente", em apenas 5,8% dos indivíduos (Tabela 2).


Dos pacientes em uso apenas do IPS Aerolizer®, 202 (88,2%) acertaram todas as etapas essenciais. As maiores proporções foram de pacientes do sexo feminino (78,2%), idade ≥ 45 anos (58,4%), nível educacional até o ensino fundamental (50,5%), tempo de duração dos sintomas da asma ≥ 10 anos (91,6%) e em uso regular dos medicamentos nos últimos 3 meses (78,7%). Esses resultados estão exibidos na Tabela 3. Nesse subgrupo de asmáticos que acertaram todas as etapas essenciais, verificou-se que, em 144 (71,3%), a asma estava controlada e, em 58 (28,7%), a asma não estava controlada, segundo os resultados do ACQ-6. Essa diferença mostrou-se significante (p = 0,04), demonstrando uma associação entre o uso adequado desse dispositivo e o controle da asma (Tabela 4).








Discussão

No presente estudo, foram avaliadas as manobras realizadas para o emprego dos dispositivos inalatórios pelos asmáticos graves admitidos em um programa para o controle da asma. De modo geral, observou-se um bom desempenho no manuseio dos IDs e IPS, sugerindo que os pacientes aprenderam a usá-los. Esse aprendizado pode estar relacionado à elevada taxa de adesão ao tratamento (> 80%), verificada em outro estudo com pacientes do ProAR.(15)

As diferentes etapas para utilização dos dispositivos foram avaliadas de acordo com as técnicas listadas nas bulas dos medicamentos e com a prática clínica, considerando o total de acertos e a lista de verificação adaptada de Muniz et al.(11) Algumas etapas são consideradas essenciais para o uso adequado dos diferentes dispositivos e foram revisadas por vários autores.(12-14,17,18) No presente estudo, foram adotados alguns dos critérios estabelecidos por esses autores para o uso de ID e IPS.

Para o uso de ID em isolado ou acoplado ao espaçador, observaram-se erros na etapa "coordenar disparo do dispositivo e a inspiração", ainda que em baixa proporção. Essa é a etapa reconhecida como a mais difícil de compreensão e mais frequentemente realizada de forma incorreta pelos pacientes, conforme estudos nacionais e internacionais.(11-15,19)

Os nossos resultados diferem dos da literatura por apresentarem baixas proporções de erros nessa etapa e podem estar relacionados ao acompanhamento em um centro de referência em asma e às periódicas orientações e revisões acerca da técnica inalatória, realizadas por enfermeiros, médicos e farmacêuticos durantes as consultas de acompanhamento. As atividades educativas diárias em salas de espera também são fatores contribuintes. Essas são realizadas pela equipe de enfermagem enquanto o paciente aguarda o atendimento. O uso dos dispositivos é demonstrado pelo profissional, e os asmáticos participam ativamente do processo, explicitando suas dificuldades, preferências e aceitação.

No presente estudo, os indivíduos selecionados foram solicitados a simular as manobras de uso do dispositivo. Esses resultados podem ter sido superestimados pelo fato de que a observação foi realizada a partir de etapas simuladas de uso de cada inalador, com informação explicita aos pacientes que estariam sob observação direta.

Quando o ID é usado de forma isolada, a dificuldade está nitidamente concentrada na etapa "manter o bocal com a distância adequada dos lábios". Com o uso de espaçador, não há a necessidade de realização dessa etapa, o que garante um fluxo unidirecional, menor perda do medicamento e melhor deposição do fármaco nas vias aéreas inferiores.(20) O uso do espaçador é reforçado pelos profissionais do programa e disponibilizado nas consultas de retorno. Todavia, 8,1% da presente amostra não o utilizavam.

Os novos IDs apresentam em sua composição propelentes que não danificam a camada de ozônio, como o hidrofluoralcano. O uso desse propelente resulta em aerossol dotado de partículas muito menores do que as geradas pelos inaladores antigos. Esse fato pode justificar as novas orientações em bula que não mais reforçam a necessidade de afastamento dos lábios do aparelho. Entretanto, não se deve descartar a necessidade do uso de espaçadores, principalmente quando são utilizadas doses elevadas de corticoides.(21) Ressalta-se que, no presente estudo, os agentes utilizados nos medicamentos dispensados pelo programa ainda não sofreram essa alteração.

Com o IPS Pulvinal®, notou-se que, apesar do bom domínio da técnica de inalação e da facilidade no preparo da dose, uma considerável proporção dos indivíduos não realizou uma inspiração rápida e profunda, etapa fundamental para a liberação do medicamento. Essa orientação é fornecida pela equipe multiprofissional e reforçada para todos que utilizam IPS. O nosso estudo ratifica observações anteriores de que muitos pacientes utilizam os IPS incorretamente, sendo um erro comum a ausência da inspiração rápida e profunda.(22)

A maioria dos pacientes no presente estudo utilizava o IPS Aerolizer®, que é considerado mais fácil de usar do que o ID por prescindir da sincronia entre o disparo e a inspiração.(18,22,23) Entretanto, muitos erros na realização das etapas "verificar a existência de resíduos de pó na cápsula" e "repetir a manobra, se ainda restar pó" foram observados. Isso pode ser um reflexo da falta de conhecimento ou de importância, atribuída por parte dos pacientes, na efetivação dessa etapa. Uma das vantagens desse tipo de inalador é a possibilidade de verificar a existência de resíduos de pó na cápsula e repetir o procedimento, a fim de garantir a inalação total da dose prescrita.(12,17,22,23) Essas etapas facilitam a compreensão do mecanismo do dispositivo, fazendo com que o paciente realize a técnica com mais segurança.

Apenas uma pequena proporção de indivíduos (11,8%) em uso somente do IPS Aerolizer® apresentou erros em etapas essenciais, resultados semelhantes àqueles observados em outros estudos.(12-14,17,18) Tem sido descrito que asmáticos graves apresentam maior aderência ao tratamento e maior conhecimento sobre a doença e sobre o uso de medicamentos quando comparados àqueles com formas menos graves da doença.(24)

No subgrupo dos indivíduos em uso apenas do IPS Aerolizer® que acertaram todas as etapas essenciais, observou-se uma maior proporção de asmáticos com controle da enfermidade, demonstrando que o uso adequado dos dispositivos é um dos preditores para o controle dos sintomas da asma. Esses resultados foram evidenciados em diversos estudos,(12,13,22) reforçando a associação entre a técnica correta de inalação e o controle da doença.

A realização adequada das etapas essenciais para o uso dos dispositivos foi um dos fatores influenciadores no controle dos sintomas da asma. Essas etapas estão relacionadas ao local correto para colocar a cápsula, a perfuração dessa para a posterior liberação do medicamento e a inspiração rápida e profunda. A efetivação da inspiração rápida e profunda é fundamental para o transporte completo do fármaco para o pulmão, sendo essa a etapa com maior proporção de erros dentre as essenciais no presente estudo. Esse fato pode ter contribuído para a falta de controle da asma entre aqueles que não a executaram corretamente, corroborando os achados de um grupo de autores,(18) que relataram que a inalação lenta é uma das razões para a distribuição parcial do fármaco no pulmão. Não foram observadas diferenças significativas quanto às características clínicas e sociodemográficas entre os subgrupos em uso apenas do IPS Aerolizer®. Entretanto, observou-se que os asmáticos graves que cometeram erros essenciais apresentavam menor escolaridade e idade superior a 45 anos. Esses resultados foram evidenciados em outro estudo que mostrou uma maior taxa de erro no uso dos IPS entre os indivíduos com idade mais avançada e com baixo nível educacional.(17)

A adesão ao tratamento foi mensurada indiretamente pelo registro de dispensação de medicamentos e de consultas a assistência farmacêutica. Verificou-se uma menor regularidade no recebimento dos medicamentos e no comparecimento às consultas da farmácia entre os indivíduos que cometeram erros nas etapas essenciais. Possivelmente, os asmáticos que compareceram regularmente para receber seus medicamentos foram submetidos mais frequentemente a revisões e correções acerca da técnica de inalação. Todavia, é necessário considerar que familiares podem comparecer para a dispensação do medicamento na farmácia, mesmo na ausência do paciente.

A asma quando não controlada pode causar a morte.(2) A técnica de inalação é um dos fatores influenciadores no controle dessa doença e deve ser avaliada pela equipe multiprofissional. Outros fatores, como comorbidades associadas, aderência ao tratamento e exposição ambiental, também devem ser investigados a cada consulta, pois são fatores que estão associados à ausência de controle dos sintomas.(25)

O presente estudo possui algumas limitações relacionadas à avaliação da técnica inalatória, já que os indivíduos simularam o uso, mas não a executaram; alguns pacientes utilizavam mais do que um tipo de dispositivo, o que requer manobras diferenciadas e que podem confundir o paciente. O método de verificação indireta da adesão ao tratamento, por meio do registro de dispensação de medicamentos e de consultas a assistência farmacêutica, também constituiu uma das limitações do estudo, visto que foram avaliados apenas os registros internos do setor de farmácia e os laudos de solicitação, avaliação e autorização de medicamentos, assim como os recibos de dispensação de medicamentos com a assinatura do paciente ou portador a cada dispensação. Ademais, devemos considerar como uma limitação o tempo variado de acompanhamento no programa, pois o indivíduo que participa a mais tempo do programa pode ter sido mais frequentemente submetido a orientações e atividades educativas relacionadas à técnica de inalação.

Em conclusão, os pacientes acompanhados pelo ProAR, que frequentam regularmente o programa e que são submetidos a sessões de orientação sobre as técnicas para o uso dos dispositivos inalatórios, instruções essas reforçadas com verificações periódicas pelos enfermeiros, médicos e farmacêuticos, desempenharam boas técnicas no uso de ID em isolado ou acoplado ao espaçador, assim como no uso de IPS, embora um subgrupo de indivíduos tenha apresentado erros nas etapas consideradas essenciais. Essa identificação facilita a aplicação de um processo educativo direcionado que deve ser desenvolvido em módulos dos programas de educação. Sugere-se, a partir dos resultados encontrados, que a técnica de uso de ID seja sistematicamente e regularmente revista pela equipe de saúde e, sempre que possível, que o uso do espaçador seja incentivado por facilitar o manuseio quando comparado ao uso de ID sem o espaçador. A técnica inalatória correta é importante para o controle dos sintomas, sendo influenciadora nesse desfecho.

Agradecimentos

Agradecemos a Anna Clara, Mayana Coelho, Paula Beatriz, Jamile Fontes, Lorena Maffra, Ricardo Libório e Luísa Barros o suporte na coleta de dados. Agradecemos a Enfermeira Carolina Machado a revisão do manuscrito, a toda equipe do ProAR, no qual foi realizado o estudo, e aos nossos pacientes toda compreensão e colaboração.

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* Trabalho realizado no Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Carla Carvalho Coelho. ProAR-UFBA, Rua Carlos Gomes, Edifício Centro de Saúde Carlos Gomes,
7º andar, CEP 40060-330, Salvador, BA, Brasil.
Tel/fax: 55 71 3321-8467. E-mail: anac_cc@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 6/6/2011. Aprovado, após revisão, em 21/9/2011.




Sobre os autores

Ana Carla Carvalho Coelho
Professora Assistente. Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

Adelmir Souza-Machado
Professor Adjunto. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia; Coordenador do Programa para o Controle da Asma
e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.

Mylene Leite
Doutoranda em Medicina e Saúde. Universidade Federal da Bahia; Pneumologista do Programa para o Controle da Asma e Rinite
Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.

Paula Almeida
Fisioterapeuta. Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.

Lourdes Castro
Pneumologista. Programa para o Controle da Asma e Rinite Alérgica na Bahia - ProAR - Salvador (BA) Brasil.

Constança Sampaio Cruz
Professora Adjunta. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil.

Rafael Stelmach
Professor Colaborador. Divisão de Pneumologia, Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo, São Paulo (SP) Brasil

Álvaro Augusto Cruz
Professor Associado. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

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