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Editorial

Sejamos cuidadosos prevenindo danos desnecessários aos pacientes

Let us be cautious and prevent unnecessary patient harm

Alan H. Morris

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Azevedo et al. discutem o caso de uma paciente com hipoxemia grave que foi submetida a extracorporeal membrane oxygenation (ECMO, oxigenação extracorpórea por membrana).(1) Foi utilizada uma técnica de ECMO moderna, e a paciente sobreviveu. Está claro que a ECMO é uma técnica de suporte dramática, e a sobrevivência de um paciente propenso ao óbito pode facilmente levar os clínicos a crer na eficácia da técnica. Contudo, a cognição e a crença humanas são processos complexos os quais têm limites importantes e frequentemente levam a conclusões incorretas.(2-4) A recente e nova epidemia de influenza H1N1 estava associada a muitos pacientes com hipoxemia grave e levou à aplicação renovada de suporte por meio de ECMO, o qual veio a ser utilizado durante o transporte de pacientes(5) e para o tratamento de pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) secundária à infecção pelo novo vírus influenza H1N1.(6)

Os proponentes da ECMO afirmam que os avanços modernos em tecnologia levaram a um impacto favorável na sobrevida dos pacientes.(7,8) Contudo, outros argumentam que a sobrevida de pacientes com SARA induzida pela nova influenza H1N1 e com hipoxemia grave tratados com ECMO é equivalente à de pacientes tratados sem ECMO.(9,10) Em resposta, MacLaren identificou três questões cruciais: deve-se aplicar a ECMO corretamente; deve-se aplicar a ECMO ao paciente apropriado; e, finalmente, é necessário definir quando, como e em quem se pode utilizar a técnica da melhor maneira.(11) Acredito que essas questões somente possam ser resolvidas com ensaios clínicos cientificamente rigorosos que incluam métodos detalhados para seleção de pacientes, condutas de suporte extracorpóreo e gerenciamento de importantes cointervenções clínicas. Sem isso, os clínicos não têm como saber quando, como ou em quem a ECMO pode ser aplicada da melhor maneira. Por exemplo, MacLaren et al. indicaram recentemente que complicações do paciente continuam a ocorrer, que ainda há incertezas e que ". . . não há uma forma eficaz de se prever a recuperação ou o óbito."(12)

Os dois únicos ensaios clínicos aleatorizados cientificamente rigorosos não conseguiram demonstrar os benefícios na sobrevida do suporte extracorpóreo.(13,14) Acredito que esses resultados cientificamente rigorosos devem ser substituídos apenas por resultados de ensaios clínicos aleatorizados cientificamente rigorosos obtidos por meio de tecnologia de ECMO moderna. Acredito, assim como outros, que a ECMO não deve ser amplamente utilizada em pacientes adultos com SARA até que esses novos dados demonstrem claramente a eficácia da ECMO na SARA.(15,16)

Os recentes avanços técnicos no suporte por meio de ECMO são óbvios.(12) Os novos circuitos extracorpóreos são mais simples e mais fáceis de usar e parecem ser mais seguros do que os utilizados nos ensaios clínicos aleatorizados dos anos 1970 e 1980.(13,14) Podem-se levantar questões legítimas sobre o valor atual dos resultados desses ensaios clínicos anteriores. É provável que respostas convincentes sejam fornecidas apenas por novos ensaios clínicos que obedeçam a padrões experimentais aceitos. Novos e rigorosos ensaios clínicos utilizando tecnologia moderna devem fornecer resultados que iluminem as questões cruciais articuladas por MacLaren et al. (em quem, como e quando se deve aplicar a ECMO).(12)

Atualmente não temos dados melhores para guiar as decisões sobre ECMO do que os fornecidos pelos dois ensaios clínicos do passado.(13,14) Muitos têm fortes crenças sobre a eficácia do suporte por meio de ECMO para pacientes com SARA grave. Essas fortes crenças não são novas. Em 1984, Gattinoni et al. relataram um aumento dramático da sobrevida com low frequency positive pressure ventilation-extracorporeal CO2 removal (LFPPV-ECCO2R, ventilação com pressão positiva de baixa frequência-remoção extracorpórea de CO2) utilizando suporte veno-venoso.(17) Posteriormente, meus colegas e eu completamos um ensaio clínico controlado aleatorizado sobre a LFPPV-ECCO2R. Esperávamos que a LFPPV-ECCO2R fosse um avanço significativo do tratamento. Em nossa discussão publicada, afirmamos o seguinte: "concluímos a partir de relatos publicados que havia uma probabilidade anterior de aproximadamente 0,5 de a LFPPV-ECCO2R ser uma terapia superior para SARA."(14) Contudo, nosso ensaio não conseguiu indicar uma vantagem de sobrevida da LFPPV-ECCO2R. Em uma carta ao editor, um grupo de autores afirmou que a LFPPV-ECCO2R ainda não estava otimizada e que a técnica ainda não estava pronta para um ensaio clínico.(18) Respondemos e perguntamos como se podia saber que a técnica de LFPPV-ECCO2R era benéfica (a conclusão dos que têm fortes crenças) quando ela ainda não estava adequadamente evoluída para permitir um ensaio clínico? Esses últimos debates publicados indicam que a incerteza em relação ao papel do suporte extracorpóreo é uma questão de longa data. Os que têm fortes crenças vem fazendo afirmações sobre a eficácia da ECMO desde o primeiro relato de sobrevida após o uso de ECMO com um pulmão de membrana.(19) Provavelmente não encontraremos resultados observacionais mais convincentes do que os de Gattinoni et al.,(17) que, em 1984, relataram uma sobrevida de 77% para pacientes que preencheram os critérios de ECMO dos anos 1970. Isso contrastou com a consistente sobrevida de 10% para tais pacientes nos centros de Boston e Salt Lake City, dois dos centros originais de ensaios clínicos sobre ECMO dos National Institutes of Health.(13) Não acredito que atuais estudos observacionais, relatos de caso ou crenças fortemente articuladas sejam mais convincentes do que esses resultados anteriores de Gattinoni et al.(17)

Não posso evitar a conclusão de que precisamos de novos ensaios clínicos cientificamente rigorosos realizados com a tecnologia de ECMO atual. Infelizmente, o recente ensaio clínico realizado no Reino Unido, embora impressionante, não obedeceu a padrões experimentais aceitos e não produziu dados cientificamente rigorosos.(20,21)

A alternativa aos resultados de ensaios clínicos confiáveis é aceitar pelo valor de face a afirmação de especialistas de que sua experiência "no manejo de pacientes adultos em uso de ECMO por insuficiência respiratória refratária", ou expressões semelhantes, demonstra, documenta e valida a eficácia da ECMO.(11) Infelizmente, essas crenças, por mais fortes e sinceras que sejam, frequentemente se mostram inválidas.(4) A experiência pode facilmente induzir a erro graças à ênfase seletiva e à lembrança que caracterizam a cognição humana. Muitos tratamentos do passado foram entusiasticamente apoiados e amplamente divulgados, mas depois se mostraram sem valor - ou até prejudiciais. Eles incluem evitar bloqueadores beta no tratamento de insuficiência cardíaca, utilizar insulina para esquizofrenia, utilizar vitamina K para infarto do miocárdio, utilizar reposição hormonal para a prevenção de doenças cardiovasculares, utilizar flecainida para taquicardia ventricular e imobilizar fraturas do escafoide.(22)

Vinte e cinco anos atrás, Roger Bone discutiu questões que dificultaram a interpretação de estudos observacionais sobre suporte extracorpóreo.(23) Essas questões continuam a fazer parte da controvérsia atual em torno do suporte extracorpóreo. Embora o suporte extracorpóreo seja uma técnica promissora, sua aplicação clínica na SARA requer uma base científica mais sólida do que a que existe atualmente. Espero que evidências novas e convincentes advindas de ensaios clínicos cientificamente rigorosos com a nova tecnologia de ECMO venham a indicar que a nova tecnologia de ECMO tornou realidade os prometidos benefícios do suporte extracorpóreo. Até que esses dados sejam publicados, ficamos sem nenhuma indicação clara do papel da ECMO em adultos com SARA grave.



Alan H. Morris
Professor de Medicina e
Professor Adjunto de Informática Médica, Universidade de Utah,
Salt Lake City, UT, e
Diretor de Pesquisa,
Divisão de Terapia Intensiva/
Pulmonar, Intermountain Medical Center,
Murray, UT, EUA.




Referências


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2. Miller G. The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing information. Psychol Rev. 1956;63(2):81-97.

3. Cowan N. The magical number 4 in short-term memory: a reconsideration of mental storage capacity. Behav Brain Sci. 2001;24(1):87-114; discussion 114-85.

4. Morris A. The importance of protocol-directed patient management for research on lung-protective ventilation. In: Dreyfuss D, Saumon G, Hubamyr R, editors. Ventilator-induced lung injury. New York: Taylor & Francis; 2006. p. 537-610.

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7. Park PK, Dalton HJ, Bartlett RH. Point: Efficacy of extracorporeal membrane oxygenation in 2009 influenza A(H1N1): sufficient evidence? Chest. 2010;138(4):776-8.

8. Park PK, Dalton HJ, Bartlett RH. Rebuttal from Dr Park et al. Chest. 2010;138(4):782.

9. Morris AH, Hirshberg E, Miller RR 3rd, Statler KD, Hite RD.
Counterpoint: Efficacy of extracorporeal membrane oxygenation in 2009 influenza A(H1N1): sufficient evidence? Chest. 2010 Oct;138(4):778-81; discussion 782-4.

10. Morris AH, Hirshberg E, Miller RR 3rd, Statler KD, Hite RD. Rebuttal from Dr Morris et al. Chest. 2010;138(4):783-4.

11. MacLaren G. Evidence and Experience in Extracorporeal Membrane Oxygenation. Chest. 2011;139(4):965; author reply 965-6.

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22. Doust J, Del Mar C. Why do doctors use treatments that do not work? BMJ. 2004;328(7438):474-5. Erratum in BMJ. 2004;328(7447):1066.

23. Bone RC. Extracorporeal membrane oxygenation for acute respiratory failure JAMA. 1986;256(7):910.

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