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Artigo Original

Terminologia da ausculta pulmonar utilizada em publicações médicas brasileiras, no período de janeiro de 1980 a dezembro de 2003

Pulmonary auscultation terminology employed in Brazilian medical journals between January of 1980 and December of 2003

Kamila Fernanda Staszko, Carla Lincho, Vivian da Cas Engelke, Nádia Spada Fiori, Karina Cirino Silva, Elisa Iribarren Nunes, Linjie Zhang

ABSTRACT

Objective: To evaluate the appropriateness of the use of auscultation terminology in Brazilian respiratory disease-related medical journals published between January of 1980 and December of 2003. Methods: A descriptive study was conducted, evaluating three medical journals: the Jornal de Pneumologia (Journal of Pulmonology), Jornal de Pediatria (Journal of Pediatrics) and Revista Brasileira de Medicina (Brazilian Journal of Medicine). Original articles and case reports about respiratory diseases were selected, and auscultation terminology was extracted from these articles. The appropriateness of terms used to describe adventitious sounds was assessed. Results: We found that the inappropriate use of terms was more frequent when intermittent sounds were described than when continuous sounds were described (87.7% versus 44.0%; p = 0.0000). No significant difference was observed between the inappropriate use of terms by pulmonologists and that observed for other specialists (56.5% versus 62.0%; p = 0.26). In addition, there were no significant differences among the various regions of the country or between the periods prior to and after the dissemination of international nomenclature. Conclusion: Inappropriate use of pulmonary auscultation terms describing adventitious sounds remains common and widespread in Brazilian medical publications.

Keywords: Auscultation; Lung/physiopathology; Lung diseases/diagnosis; Respiratory sounds; Terminology

RESUMO

Objetivo: Avaliar a adequação de uso de termos semiológicos da ausculta pulmonar em publicações médicas brasileiras sobre doenças respiratórias, no período de janeiro de 1980 a dezembro de 2003. Métodos: Realizou-se um estudo descritivo, analisando-se três revistas médicas: Jornal de Pneumologia, Jornal de Pediatria e Revista Médica Brasileira. Foram selecionados os artigos originais e relatos de casos sobre doenças respiratórias, de onde foram extraídos os termos semiológicos da ausculta pulmonar. Foi avaliada a adequação dos termos na descrição dos ruídos adventícios. Resultados: Encontrou-se maior inadequação no uso dos termos de ruídos descontínuos, comparado com o uso dos termos de ruídos contínuos (87,7% versus 44%, p = 0,0000). Não houve diferença significativa entre relatos de pneumologistas e de outros especialistas quanto à inadequação no uso dos termos (56,5% versus 62,0%, p = 0,26). Também não observamos diferença significativa entre as regiões do país e os períodos antes e após a divulgação da nomenclatura internacional. Conclusão: O uso inadequado dos termos para descrever ruídos adventícios na ausculta pulmonar continua sendo um fenômeno freqüente e geral nas publicações médicas brasileiras.

Palavras-chave: Auscultação; Pulmão/fisiopatologia; Pneumopatias/diagnóstico; Sons respiratórios; Terminologia

INTRODUÇÃO

A importância da ausculta respiratória é evidenciada desde a época da invenção do estetoscópio por Laennec, que possibilitou o diagnóstico mais preciso de doenças pleuropulmonares.(1) Ainda hoje ele se faz útil para a avaliação de pacientes com doenças respiratórias, mesmo após o grande avanço tecnológico no diagnóstico clínico. Entretanto, continua havendo muita confusão quanto ao uso da terminologia da ausculta pulmonar.(2-5) Isto motivou especialistas de vários países a se reunirem, em 1985, para normatizar a nomenclatura, objetivando sua simplificação, bem como sua adequação aos novos conceitos de acústica pulmonar.(6) A partir daí, novos termos da ausculta pulmonar vêm prevalecendo na literatura internacional.(7-9)

No Brasil, o impacto dessas modificações terminológicas na prática médica ainda é desconhecido. Um estudo recente demonstrou que as alterações terminológicas não foram incorporadas à prática por parte de médicos residentes e internos de um hospital universitário.(10) Um outro estudo inferiu que nem mesmo os pneumologistas estavam adaptados à atual nomenclatura.(11) Neste último, dos 131 relatos de casos analisados, 72 descreviam ausculta pulmonar equivocada, havendo 30 denominações diferentes para os sons pulmonares. Porém, a representatividade das amostras desses dois estudos é limitada, porque se originaram de um único hospital ou de uma única especialidade. Além disso, a evolução da adequação do uso dos termos da ausculta pulmonar, após divulgação da nova nomenclatura internacional, não foi estudada.

Objetivou-se, com este estudo descritivo, avaliar a adequação do uso dos termos semiológicos da ausculta pulmonar em publicações médicas brasileiras sobre doença respiratória.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo baseado em dados extraídos de revistas médicas brasileiras, no período de janeiro de 1980 a dezembro de 2003. Foram selecionadas três revistas médicas - uma de Pneumologia, uma de Pediatria e uma de Clínica Médica - obedecendo-se aos seguintes critérios: revista indexada num dos seguintes bancos de dados (MEDLINE, LILACS ou IMLA) e disponível na biblioteca da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. A coleta de dados foi realizada em duas etapas. Primeiramente foi feita a seleção de artigos potenciais para o estudo, em que seis acadêmicos do quinto ano do curso de Medicina compuseram três duplas para a seleção. Cada dupla de examinadores ficou responsável por uma revista e cada examinador analisou independentemente o título e o resumo de todos os artigos publicados para selecionar os artigos potenciais, ou seja, artigos sobre doenças respiratórias. Nesta mesma etapa, foram obtidos o número total de artigos e o número de artigos originais e relatos de caso. Após o fim do processo de seleção, os dois examinadores compararam os resultados obtidos e as divergências foram resolvidas por consenso. A seguir, foi feita a extração dos dados, em que os dois examinadores de cada dupla extraíram, independentemente, os dados sobre os termos da ausculta pulmonar e outros termos semiológicos conforme tabela predefinida. A busca desses dados focalizou-se nas seções "Métodos" e "Resultados" dos artigos que haviam sido selecionados previamente. Nesta etapa, as discordâncias também foram resolvidas pelo consenso entre os examinadores.

Os termos usados para descrever os ruídos adventícios na ausculta pulmonar foram classificados como adequados ou não, de acordo com os termos apresentados pela International Lung Sound Association (ILSA):(6) ruídos contínuos (sibilos e roncos) e ruídos descontínuos (estertores finos e grossos). As porcentagens de adequação do uso foram comparadas entre diferentes regiões do país e entre as diferentes especialidades médicas, considerando-se neste caso o primeiro autor dos artigos. Além disso, os dados foram apresentados e comparados em dois períodos (1980 a 1987; 1988 a 2003), com o objetivo de se avaliar o impacto da nomenclatura da ILSA, divulgada em 1987,(6) na utilização dos termos da ausculta pulmonar pelos médicos brasileiros.

Os dados provenientes das tabelas de extração dos dados foram digitalizados e a análise estatística foi feita, utilizando-se o programa Statistics for Windows 4.3 (Statsoft, Inc. 1993). O teste do qui-quadrado foi usado para análise dos dados categóricos. O erro a preestabelecido foi de 0,05.

RESULTADOS

Selecionaram-se três revistas para a realização deste trabalho: Jornal de Pneumologia, Jornal de Pediatria e Revista Brasileira de Medicina. Foram avaliados os artigos originais e relatos de caso, totalizando 2.557 artigos. Oitocentos e treze artigos abordavam doenças respiratórias (31,8%) e 283 descreveram termos da ausculta pulmonar, o que representou 34,8% dos artigos relacionados com doenças respiratórias.

A Tabela 1 mostra a descrição dos ruídos contínuos na ausculta pulmonar. Foram referidas seis nomenclaturas diferentes, totalizando 266 descrições dos termos. Sibilos apresentou maior número de descrições (36,1%), seguido de sibilância (26,3%) e roncos (19,2%). Já para os ruídos descontínuos, houve 154 descrições com vinte termos variados (Tabela 2). O termo estertores respondeu por 20,7% das descrições, seguido de estertores crepitantes (18,8%) e estertores subcrepitantes (13,7%).










A Tabela 3 mostra a inadequação da terminologia utilizada para o relato da ausculta pulmonar em relação aos tipos de ruídos, período de publicação e especialidade dos autores. Foi observada uma maior porcentagem de inadequações dos termos empregados para a descrição dos ruídos descontínuos em relação aos contínuos (87,7% versus 44%, p = 0,0000). Comparando-se os períodos de 1980 a 1987 e 1988 a 2003, não houve diferença significativa em relação à inadequação do uso dos termos para descrever ruídos adventícios (60,8% versus 59,7%, p = 0,85).
Também não foi observada diferença significativa entre pneumologistas e outras especialidades médicas (56,5 % versus 62%, p = 0,26).





Na Tabela 4 verifica-se a avaliação da inadequação de termos por Estados federativos. Considerando-se o número de publicações, os Estados foram agrupados em três regiões: Sudeste (SP, RJ, MG), Sul (PR, SC, RS) e Outros (SE, GO, MT, MS, BA, PE, CE, MA, AM). Não houve diferença significativa entre as regiões quanto à inadequação da aplicação dos termos dos ruídos adventícios da ausculta pulmonar (p = 0,39).





DISCUSSÃO

Apesar da importância da ausculta pulmonar para o diagnóstico das doenças respiratórias, este estudo mostrou que somente um terço dos artigos sobre doenças respiratórias utilizaram esses dados semiológicos. Isso indica que os mesmos não são muito valorizados nas pesquisas médicas.

Além disso, este trabalho mostrou a alta prevalência do uso incorreto dos termos para os sons adventícios, principalmente com relação aos ruídos descontínuos. Vinte termos diferentes foram descritos para os ruídos descontínuos, em oposição aos únicos dois termos propostos pela ILSA.(6) A grande variação dos termos utilizados para os ruídos descontínuos foi evidenciada também nos outros dois estudos brasileiros citados anteriormente.(10-11) Essa variedade de descrições, sem critérios claros de definição e sem referência bibliográfica bem estabelecida, não só torna a descrição da ausculta pulmonar subjetiva, como também dificulta o ensino acadêmico e as comparações desses dados semiológicos entre as publicações científicas. Conforme a nomenclatura da ILSA,(6) os ruídos descontínuos são classificados em estertores finos e estertores grossos. Os primeiros são produzidos pela abertura seqüencial de vias aéreas anteriormente fechadas. Na maioria das vezes estão relacionados à presença de líquido ou exsudato nos alvéolos, por exemplo, nas pneumonias, bronquiolite e insuficiência ventricular esquerda. Ocorrem no final da inspiração, são agudos (alta freqüência), de curta duração, não se modificando com a tosse, mas com a mudança de postura. Já os estertores grossos originam-se na abertura e fechamento de vias aéreas contendo secreção viscosa e espessa. Têm freqüência menor (sons graves) e maior duração que os finos. São audíveis no início da inspiração e em toda a expiração, além de sofrerem nítida alteração com a tosse. Os estertores grossos são freqüentes na bronquite crônica e nas bronquiectasias, nas quais há acúmulo das secreções nas vias aéreas maiores. Estas duas únicas nomenclaturas definem as características acústicas dos ruídos com maior objetividade e sua presença correlaciona-se bem com as patologias pulmonares.

Quanto aos ruídos contínuos, a situação é menos alarmante. Foram descritos seis termos diferentes em oposição aos dois termos propostos pela ILSA: sibilos e roncos. Os estudos anteriores demonstraram resultados semelhantes.(10-11) A menor inadequação dos sons contínuos, em relação aos descontínuos, provavelmente possa se fundamentar pela relativa facilidade de distinguí-los. Os roncos são sons graves (de baixa freqüência) e os sibilos são agudos (alta freqüência).

Este trabalho mostrou que a prevalência da inadequação descritiva dos ruídos adventícios no período após a divulgação dessa nova nomenclatura foi semelhante à do período anterior. Esses dados indicam que, muito embora a nomenclatura da ILSA tenha sido divulgada há vinte anos, ainda não foi incorporada à prática médica brasileira.

Foi observado que não houve diferença significativa na inadequação dos termos conforme as especialidades dos autores dos artigos. Tanto pneumologistas quanto não pneumologistas usaram, em expressiva quantidade, termos da ausculta pulmonar de forma inapropriada. Além disso, essa inadequação foi generalizada pelo país. Suas regiões apresentaram equivalência percentual no uso indevido dos termos da ausculta pulmonar.

Este trabalho não fornece dados para explicar as causas dessa desobediência. Propõem-se os seguintes fatores responsáveis por este fato: divulgação insuficiente da nomenclatura da ILSA, desconhecimento das vantagens dessa nova nomenclatura e falta de consciência da importância da padronização na descrição dos termos da ausculta pulmonar, tanto para a prática médica, quanto para o ensino acadêmico e pesquisa clínica.

Deve-se lembrar que, além de estertores (finos e grossos), existem outros ruídos anormais na ausculta pulmonar, com origem nas vias aéreas extratorácicas (estridor) ou com origem pleural (atrito pleural). Não foi encontrada a descrição desses termos nos artigos revisados neste trabalho.

Alguma limitação metodológica deste trabalho deve ser considerada na interpretação dos resultados. Foi definido a priori selecionar uma revista em cada três áreas da Medicina para representar as publicações médicas brasileiras: Pneumologia, Pediatria e Clínica Médica. Não foram incluídas as revistas de outras especialidades porque o número das publicações sobre doenças respiratórias geralmente é menos expressivo. O Jornal de Pneumologia e o Jornal de Pediatria são revistas indexadas e altamente representativas nas respectivas áreas. Quanto à área de Clínica Médica, existem duas revistas especializadas indexadas, mas não há coleção dessas revistas na biblioteca da nossa instituição.
Foi selecionada a Revista Brasileira de Medicina porque, entre as revistas de Medicina em geral, sua coleção na biblioteca da Fundação
Universidade Federal do Rio Grande estava praticamente completa. A representatividade dessa revista na área de Clínica Médica é questionável, porém o potencial viés originado dessa seleção pode ser considerado não significativo porque um número considerável das publicações dessa revista é da área de Clínica Médica.

Em resumo, o uso inadequado dos termos para descrever os ruídos adventícios na ausculta pulmonar, principalmente os ruídos descontínuos, continua sendo um fenômeno freqüente e generalizado nas publicações médicas brasileiras.

REFERÊNCIAS

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10. Sousa RL, Cruz CB, Lima Júnior ZB. Aplicação da semiotécnica pulmonar por médicos residentes e internos de um hospital universitário. Rev Bras Educ Med. 2002;26(1):35-8.
11. Auada MP, Vitória GL, Barros JA. A confusa nomenclatura da ausculta pulmonar brasileira. J Pneumol. 1998;24(3): 129-32.
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* Trabalho realizado na Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS) Brasil.
1. Acadêmicade Medicina da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS) Brasil.
2. Professor Adjunto do Departamento Materno-Infantil da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Linjie Zhang. Rua Visconde Paranaguá s/n, Centro - CEP: 96201-000, Rio Grande (RS) Brasil.
Tel: 55 53 3233-9945. Email: zhanglinjie63@yahoo.com.br
Recebido para publicação em 10/8/05. Aprovado, após revisão, em 9/2/06.

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