ABSTRACT
The World Health Organization (WHO) has recently recommended new technologies for the diagnosis of tuberculosis. The WHO recommendations include the development of a strategic plan for bringing the network up to grade; investment in supervision and quality control; and implementation of a system of laboratory environmental management. Without those measures having been taken, no new technology can be effectively incorporated. We surveyed the tuberculosis laboratory network in Brazil in order to identify possible bottlenecks for the incorporation of new technologies. We identified a lack of resources allocated to supervision and quality control; a low number of requests for cultures; a lack of effective laboratory information systems; and a lack of awareness regarding the future infrastructure needs of the laboratory network at the municipal level.
Keywords:
Quality control; Tuberculosis; Laboratories; Clinical laboratory information systems; Technology
RESUMO
Novas tecnologias para o diagnóstico da tuberculose foram recentemente recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Algumas recomendações da OMS incluem a elaboração de um plano estratégico para a adequação da rede, investimentos em supervisão e controle de qualidade, implementação de um sistema de gerenciamento de ambiente laboratorial, sem o que nenhuma nova tecnologia poderá ser eficazmente incorporada. Realizamos um levantamento da rede laboratorial de tuberculose no Brasil para identificar possíveis gargalos para a incorporação dessas tecnologias. Identificamos escassez de recursos para supervisão e controle de qualidade, baixa solicitação de culturas, ausência de sistemas eficazes de informação laboratorial e o desconhecimento da rede periférica municipal quanto às necessidades futuras na infraestrutura.
Palavras-chave:
Controle de qualidade; Tuberculose/diagnóstico; Laboratórios; Sistemas de informação em laboratório clínico; Tecnologia.
O diagnóstico da tuberculose continua a ser um desafio. Após mais de meio século utilizando-se a baciloscopia como principal ferramenta diagnóstica, novas técnicas, com base em biologia molecular, foram finalmente comercializadas. Algumas dessas técnicas estão sendo recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e parceiros internacionais, como o Xpert® MTB/RIF, que permite detectar simultaneamente, com elevada acurácia e rapidez, a presença do Mycobacterium tuberculosis e a resistência à rifampicina.(1,2)
Recentemente o Ministério da Saúde (MS) anunciou a incorporação dessa tecnologia na rede laboratorial do Sistema Único de Saúde.(3) Com vistas a informar o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) quanto à incorporação do Xpert® MTB/RIF da empresa Cepheid, dois municípios estão realizando um estudo de implementação, custo-efetividade e aceitabilidade do método. A adoção de outros novos testes, os chamados line probe assays, que incluem a "fita" da empresa Hain Lifescience,(1,2) também está em estudo no país.
Discutiremos aqui o potencial atualmente instalado nos diversos níveis hierárquicos do Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (SISLAB) e as suas principais fragilidades para atender as atuais recomendações do PNCT, com vistas a compreender possíveis gargalos para a incorporação de novas tecnologias diagnósticas no país e propor medidas para o fortalecimento da rede laboratorial. Nossas opiniões e conclusões baseiam-se na autoavaliação anual dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACENs), nas visitas técnicas realizadas em 2009-2010 pelo Laboratório Nacional de Referência (LRN), em entrevistas publicadas com atores da área de tuberculose e na revisão dos documentos oficiais (portarias, diretrizes, normas e recomendações do PNCT e da OMS).(1,4-7)
No Brasil, os testes diagnósticos de tuberculose são realizados, majoritariamente, no SISLAB,(7) constituído pelo LRN, 27 LACENs e mais de 3.000 laboratórios locais. Os laboratórios locais realizam baciloscopia, sendo que poucos também realizam cultura e teste de sensibilidade (TS) às drogas.
Apesar do grande desafio de coordenar uma rede em área continental, o LRN cumpre adequadamente muitas de suas atribuições, normatizadas na Portaria 2.031(6): padronização de técnicas, capacitação de recursos humanos, coordenação técnica da rede de laboratórios e realização de procedimentos laboratoriais de alta complexidade, como sequenciamento genético, genotipagem e TS para drogas de segunda linha. Entretanto, o LRN precisa incrementar as recentes parcerias científicas e intercâmbios e aprimorar a supervisão dos LACENs, prejudicada pela inadequação do sistema de informação e pela deficiência na equipe de supervisores. Entre 2009 e 2010, o LRN realizou a supervisão direta dos 27 LACENs; porém, com a atual equipe, será impossível manter essa atividade com a frequência desejada. Em 2011, o LRN integrou-se à equipe formada pelo PNCT e pela Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública (CGLAB) para a avaliação e o monitoramento anual dos programas estaduais e municipais de tuberculose. Essa experiência mostrou que a coordenação dos diferentes atores envolvidos nessa tarefa pode ser uma história de sucesso.
Quanto aos LACENs, apenas 8 julgam ter 20 ou mais pontos fortes entre os 25 critérios usados na autoavaliação. Os mais frequentemente apontados são baciloscopia descentralizada, utilização de procedimentos operacionais padrão, laboratório informatizado, equipe de profissionais organizada, boa organização do serviço, controle de qualidade (CQ) de reagentes e meios, profissionais qualificados, dimensão adequada e boas práticas de baciloscopia. O ponto fraco universalmente identificado é a precariedade do CQ da rede periférica. Tanto a releitura de lâmina como as visitas técnicas são insuficientes em praticamente todos os Estados, com uma média de cobertura de 22% (Quadro 1). Os LACENs com pior desempenho nesse quesito são aqueles com um maior número de laboratórios em sua rede, o que significa que as zonas metropolitanas mais populosas recebem menor cobertura de CQ. Essa dificuldade se deve, por um lado, à carga de trabalho excessiva, já que não há uma equipe própria para realizar essa atividade e, por outro, à escassez de recursos para transporte e diárias. Preocupa particularmente essa fragilidade, uma vez que qualquer outro teste que venha a substituir ou complementar a baciloscopia também necessitará de CQ.
A baciloscopia atinge 86% da meta esperada, com gargalos apenas nos municípios mais remotos. A cobertura de culturas, entretanto, é insuficiente (Quadro 2): o número de exames não atinge o esperado para as situações em que a realização de cultura e TS estão recomendadas.(5,8) Os laboratórios não estabelecem cotas, e todas as culturas e TS solicitados pelos profissionais da assistência são realizados. Portanto, por enquanto, não se trata de uma questão de oferta, e sim da reduzida solicitação de exames pelos médicos e enfermeiros, que não acreditam na capacidade e agilidade dos laboratórios. Esta credibilidade depende da capacidade laboratorial em responder a demanda e informar resultados de forma ágil. A descentralização das culturas para a rede de laboratórios municipais pode ser uma solução que permitirá agilizar o resultado e ampliar a capacidade instalada caso haja um incremento na demanda de realização de culturas no país, conforme as recomendações recentes do PNCT.(5) É consenso nos diferentes setores do MS que o investimento financeiro necessário para atender a um eventual aumento de demanda de culturas é baixo em relação ao orçamento da saúde no país.
Outra grave fragilidade que pode vir a impactar a incorporação de tecnologias é o quadro de recursos humanos. Embora os profissionais dos LACENs sejam regularmente capacitados e possuam um bom nível técnico, a grande maioria está próxima à idade de aposentadoria, o que requer capacitação para a urgente renovação do quadro. Para superar essa e outras fragilidades da rede laboratorial, um grupo técnico, composto por gestores do PNCT e dos LACENs, deve elaborar um plano estratégico a partir de uma análise criteriosa da rede, compreendendo o levantamento das necessidades de infraestrutura, biossegurança e recursos humanos, o número de exames realizados, a definição das metas de cada laboratório e dos algoritmos e necessidades no caso de incorporação de novas tecnologias. No caso da adoção do Xpert® MTB/RIF, por exemplo, é necessária uma rede elétrica estável, conservação dos insumos em espaço refrigerado e logística refinada de compra e distribuição, já que os cartuchos são importados e têm validade de apenas 12 meses.(9,10) Da mesma forma, o PNCT poderia constituir, no nível federal, um grupo permanente para a articulação com a rede estadual e para a elaboração de um plano de coordenação da rede, estabelecendo claramente as atribuições da CGLAB, do LRN e do PNCT, atualmente duplicadas.
Um dos principais gargalos do SISLAB, entretanto, não se encontra nas bancadas dos laboratórios. O sistema de informação é frágil. As diferentes instâncias do programa têm dificuldades para obter informações. As fichas de notificação de caso são preenchidas e atualizadas com atraso. Mais importante, o fluxo de informação é inadequado na base. A coleta da amostra nas unidades de saúde depende de um serviço motorizado regular, o que atrasa o recebimento do resultado nas unidades de assistência e, por consequência, o tratamento. Para superar esse gargalo, o MS criou um sistema informatizado chamado de Gerenciamento de Ambiente Laboratorial (GAL). Para os gestores locais, o GAL representa a possibilidade de identificação dos casos por região de cobertura das unidades de saúde em tempo real, e o consequente controle do encaminhamento desses casos. Para a assistência, o GAL viabiliza a rápida detecção de casos.
Os principais obstáculos para a implantação do GAL têm sido a equipe encarregada por sua implantação, insuficiente para o tamanho do país, e o serviço de provedor de Internet. Após dois anos do início de sua implantação, 5 LACENs ainda não o utilizam, e apenas 5 o implantaram em 100% de suas redes. Esse sistema só será universal se houver um investimento importante na formação de uma equipe de multiplicadores para cobrir todo o território nacional. Quanto ao acesso das unidades de saúde ao GAL, além do treinamento, será necessário investir no acesso à Internet. Essa informatização deveria incluir a criação de um número de identificação nacional para o sistema de saúde que permitisse correlacionar todas as informações de saúde do cidadão.
Em conclusão, a organização e o fortalecimento da rede nacional de laboratórios é um passo fundamental para o controle da tuberculose. A incorporação de novas tecnologias será ineficaz caso não se incorporem outros avanços tecnológicos, como o GAL, o acesso à Internet nas unidades de saúde e a revisão da logística da rede laboratorial. Enquanto não houver uma decisão política firme, por parte do MS, para a efetiva implementação do GAL, não se resolverá a questão de um diagnóstico rápido da tuberculose. Esse é um gargalo que inviabilizará o sucesso de qualquer nova tecnologia que venha a ser adotada. As tecnologias leves, como o treinamento dos profissionais de saúde que atuam nos laboratórios e na assistência, devem ser incorporadas simultaneamente. Ademais, novas tecnologias também demandam supervisão e CQ, o que significa investimento em recursos humanos e financeiros e o fortalecimento dos LACENs. Finalmente, caso as novas tecnologias se mostrem acuradas e viáveis, os exames clássicos deverão ser mantidos, para o controle de tratamento e a confirmação das resistências. Lembramos ainda que a detecção melhor e mais precoce da tuberculose resistente resultará no aumento da demanda aos serviços de referência, que deverão estar preparados para acolher o paciente. A engrenagem deve funcionar integralmente, e, para isso, é necessária a melhor integração entre a prática clínica e o laboratório, bem como entre os gestores e os profissionais, nos níveis federal, estadual e municipal.
O presente artigo foi redigido como parte das atividades do Projeto Inovações para o Controle da Tuberculose. Apenas os autores são responsáveis pelas opiniões contidas no artigo.
Referências1. World Health Organization. Policy Framework for Implementing New Tuberculosis Diagnostics. Geneva: WHO; 2010.
2. Migliori GB, Matteelli A, Cirillo D, Pai M. Diagnosis of multidrug-resistant tuberculosis and extensively drug-resistant tuberculosis: Current standards and challenges. Can J Infect Dis Med Microbiol. 2008;19(2):169-72. PMid:19352448. PMCid:2605858.
3. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2012 Jul 2]. Clipping SVS-27 de março de 2012. [Adobe Acrobat document, 9p.] Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/27032012.pdf
4. Stop TB Partnership (World Health Organization), Global Fund to Fight AIDS, Tuberculosis, and Malaria, and World Health Organization. Priorities in Operational Research to Improve Tuberculosis Care and Control. Geneva: World Health Organization; 2011.
5. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
6. Conde MB, Melo FA, Marques AM, Cardoso NC, Pinheiro VG, Dalcin Pde T, et al. III Brazilian Thoracic Association Guidelines on tuberculosis. J Bras Pneumol. 2009;35(10):1018-48. PMid:19918635.
7. Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz [homepage on the Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz [cited 2012 Jul 2]. Portaria GM/MS no 2031, de 23 de setembro de 2004. [Adobe Acrobat document, 6p.]. Available from: http://www.castelo.fiocruz.br/vpplr/laboratorio_referencia/portarias/PORTARIA_2031.pdf
8. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2012 May 10]. Situação da Tuberculose no Brasil. [Adobe Acrobat document, 34p.]. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/apresentacao_dia_mundial_tb_26_03_12.pdf
9. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization [cited 2012 Jul 2]. WHO policy statement: Automated real-time nucleic acid amplification technology for rapid and simultaneous detection of tuberculosis and rifampicin resistance: Xpert MTB/RIF. [Adobe Acrobat document, 36p.]. Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241501545_eng.pdf
10. World Health Organization [homepage on the Internet]. Geneva: World Health Organization [cited 2012 Jul 2]. Rapid implementation of the Xpert MTB/RIF diagnostic test: technical and operational "How-to"; practical considerations. [Adobe Acrobat document, 36p.]. Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241501569_eng.pdf
* Trabalho realizado no Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP), e na Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Alice da Silva Telles. Rua Cristiano Viana, 505, apto. 11, CEP 05411-001, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3068-2895. E-mail: atelles.msh@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro no contexto do Projeto Inovações para o Controle da Tuberculose (InCo-TB), uma parceria entre o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) e a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), com o apoio da Fundação Bill & Melinda Gates (#GH5254).
Recebido para publicação em 2/7/2012. Aprovado, após revisão, em 17/9/2012.
Sobre os autoresMaria Alice da Silva Telles
Pesquisador Científico Sênior. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo (SP) Brasil.
Alexandre Menezes
Vice-Presidente. Global Health Strategies, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Anete Trajman
Coordenadora. Mestrado Profissional em Ensino na Saúde, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro (RJ) Brasil;
e Professora Adjunta. McGill University, Montreal, Canadá.