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Recondicionamento pulmonar ex vivo: uma nova era para o transplante pulmonar

Ex vivo lung reconditioning: a new era for lung transplantation

Alessandro Wasum Mariani, Paulo Manuel Pêgo-Fernandes, Luis Gustavo Abdalla, Fabio Biscegli Jatene

ABSTRACT

Lung transplantation has come to be viewed as the best treatment option for various end-stage lung diseases. The low number of viable donors continues to be a major obstacle to increasing the number of lung transplants, resulting in high mortality among patients on the waiting list. Unlike transplantation of other solid organs, lung transplantation is primarily limited not by the absolute number of donors but by the viability of the donor lungs, which can be damaged by brain death and by treatments given in the ICU. There are various proposals of ways to increase the number of lung donors: intensification of donation campaigns, use of non-heart-beating donors, living lobar lung transplantation, and adoption of more flexible criteria for donors. However, the proposal that has attracted the most attention from lung transplant groups is ex vivo lung perfusion, especially due to the prospect of reconditioning previously discarded lungs. This system consists of perfusion and ventilation of the isolated heart-lung block using a modified cardiopulmonary bypass circuit. Various authors have been studying this technique due to the satisfactory results obtained and the prospect of an increase in the number of organs suitable for transplantation. Researchers in Sweden, Canada, Austria, England, Spain, and Brazil have extensive experience with the method and have introduced modifications to it. The objective of this article was to review the development of, state of the art in, and future prospects for the ex vivo model of lung perfusion and reconditioning.

Keywords: Lung transplantation; Transplantation conditioning; Perfusion; Organ preservation.

RESUMO

O transplante pulmonar consolidou-se como a melhor opção terapêutica para diversas pneumopatias terminais. O baixo número de doadores viáveis ainda persiste como uma grande limitação ao aumento do número de transplantes de pulmão, causando alta mortalidade na lista de espera. Diferentemente do transplante de outros órgãos sólidos, a maior limitação do transplante pulmonar não é o número absoluto de doadores e sim a viabilidade desses órgãos, que é reduzida devido às agressões ao pulmão ocasionadas pela morte encefálica e aos cuidados na UTI. Diversas são as propostas para o aumento do número de doadores: intensificação das campanhas de doação, o uso de doadores com coração parado, transplante pulmonar lobar intervivos e maior flexibilidade dos critérios para aceitação de doadores de pulmão. Todavia, a proposta que atrai a atenção de diversos grupos de transplante pulmonar é a perfusão pulmonar ex vivo, principalmente pela perspectiva de recuperação de pulmões inicialmente descartados. Esse sistema consiste na reperfusão e ventilação do bloco pulmonar isolado em um circuito de circulação extracorpórea modificado. Devido aos bons resultados apresentados e à perspectiva de aumento no número de órgãos aptos a transplante, diversos grupos têm estudado a técnica. Pesquisadores na Suécia, Canadá, Áustria, Inglaterra, Espanha e Brasil já possuem experiência sólida com o método e introduziram algumas variações. O objetivo deste artigo foi revisar o desenvolvimento, o estado da arte e as perspectivas futuras do modelo ex vivo de perfusão e recondicionamento pulmonar.

Palavras-chave: Transplante de pulmão; Condicionamento pré-transplante; Perfusão; Preservação de órgãos.

Introdução

O transplante pulmonar consolidou-se como a melhor opção terapêutica para diversas pneumopatias terminais. Esse grupo heterogêneo de enfermidades congrega doenças altamente incapacitantes e que possuem letalidade elevada, a despeito do considerável avanço nos tratamentos farmacológicos disponíveis.

Atualmente, a maior limitação ao desenvolvimento do transplante pulmonar é o baixo índice de doadores viáveis para transplante. Isso faz com que a fila de espera seja longa, incorrendo em alta mortalidade.(1) Diferentemente do que ocorre para outros órgãos sólidos, como fígado e rim, a maior limitação não é o numero total de doadores e sim a viabilidade de seus pulmões. Isso ocorre porque eventos relacionados com a morte encefálica (broncoaspiração, edema pulmonar, trauma torácico, entre outros) ou com o cuidado com o doador (hipervolemia, barotrauma, pneumonia associada à ventilação mecânica, entre outros) determinam a deterioração dos pulmões, impossibilitando a utilização desses órgãos para transplante. Encontramos na literatura baixas taxas de aproveitamento de pulmões para transplante, sendo elas próximas a 15% (6,1-27,1%).(2) Em nosso país essa realidade é agravada; segundo um estudo realizado em 2006 com os dados da Central de Transplantes do Estado de São Paulo, o índice de doadores utilizados para transplante pulmonar foi 4,9% dentre todos os ofertados.(3)

Diversas medidas foram propostas para o aumento do número de doadores efetivos; dentre elas, vale destacar a intensificação das campanhas de doação, o transplante intervivos,(4) o uso de doadores com coração parado(5) e a maior flexibilidade dos critérios para a aceitação de doadores de pulmão.(6) Todavia, atualmente, a proposta que atrai a atenção da maioria dos grupos de transplante pulmonar é a perfusão pulmonar ex vivo (PPEV) pela perspectiva de recuperação de pulmões inicialmente descartados.

O objetivo do presente artigo foi revisar o desenvolvimento, o estado da arte e as perspectivas futuras do modelo de PPEV e recondicionamento pulmonar.

Desenvolvimento do sistema

O sistema de PPEV conforme conhecemos começou a ser desenvolvido no final da década de 1990 quando o grupo sueco da Universidade de Lund, no intuito de aumentar o número de doadores viáveis para transplante, iniciou estudos para a utilização de doadores com parada cardíaca.(7). Steen et al. propuseram um circuito que tornasse possível uma avaliação funcional objetiva dos pulmões desses pacientes.

A perfusão pulmonar em circuitos mecânicos não é um conceito novo, sendo amplamente utilizada em estudos de fisiologia pulmonar para animais de pequeno e médio porte.(8,9) Porém, a PPEV de pulmões humanos apresentava uma limitação técnica importante devido a sua incapacidade de manter a integridade da barreira alvéolo-capilar, determinando o aumento da resistência vascular e a formação de edema, que levava a inexorável perda de função pulmonar.(7)

Através de estudos em porcos, aquele grupo de pesquisadores desenvolveu uma solução de reperfusão capaz de contornar a formação de edema e perda de função pulmonar, que ganhou o nome de Steen Solution® (Vitrolife; Gothenburg, Suécia). Essa solução foi composta como uma solução de preservação pulmonar extracelular e é feita de eletrólitos e dextrana acrescida de albumina. Entre suas características, destaca-se a alta pressão oncótica.(10)

O primeiro uso clínico da PPEV foi para a avaliação de pulmões provenientes de um doador em parada cardíaca. Após o bom desempenho do órgão no sistema, o mesmo foi transplantado para o receptor que aguardava em fila na Universidade de Lund.(11) O doador foi um homem de 54 anos que sofreu parada cardíaca após um infarto agudo do miocárdio. O transplante foi realizado com sucesso, sendo o receptor um paciente portador de enfisema pulmonar.

O sistema de perfusão descrito originalmente por Steen et al. consiste em uma caixa rígida e transparente de formato retangular (Figura 1) para o suporte do bloco pulmonar, com entrada e conexão do conjunto de tubos de circulação extracorpórea; uma bomba centrífuga; um trocador de calor; um oxigenador de membranas; e, para a monitorização do sistema, são utilizados um transdutor de pressão, um fluxômetro e um termômetro, bem como seus respectivos monitores. O perfusato desse circuito consiste de 1.500 mL de solução de Steen, acrescido de uma quantidade variável de concentrados de hemácias, resultando em um perfusato com um nível de hematócrito em torno de 15%. Para permitir a "desoxigenação" do perfusato através da membrana de troca gasosa, uma mistura de gases (nitrogênio, oxigênio e dióxido de carbono) é utilizada, sendo seu fluxo ajustado de forma a obter uma concentração de gases no perfusato que se assemelhe à do sangue venoso. Segundo o protocolo de Lund, o fluxo e a temperatura devem ser gradualmente aumentados. A ventilação inicia-se quando a temperatura atinge 32°C e o fluxo máximo nunca deve ultrapassar valores que determinem uma pressão de artéria pulmonar maior que 20 mmHg. A avaliação mais importante é obtida pela gasometria do perfusato colhido das veias pulmonares, quando a temperatura atinge 37°C.(11)



Steen et al., após o estabelecimento do modelo, vislumbraram outro emprego para o método além da avaliação de doadores com o coração parado. Baseando-se na ideia de que muitos dos pulmões não aceitos para transplante poderiam ser utilizados se uma avaliação adicional garantisse sua viabilidade, os autores propuseram, então, o uso da PPEV para a avaliação dos chamados doadores marginais. Em uma publicação de 2006, aquele grupo de autores avaliou seis doadores inicialmente não aceitos e relataram que, após a PPEV, houve melhora na capacidade de oxigenação pulmonar.(12) Um grupo de pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte nos EUA também publicou no mesmo ano um estudo com metodologia similar e resultado satisfatório.(13) Entretanto, durante a avaliação desses casos marginais, os autores se depararam com uma importante descoberta, a aparente "melhora" da função pulmonar após a reperfusão no sistema. As explicações para esse fato residem em algumas características do sistema, tais como a possibilidade do uso de manobras de recrutamento alveolar, limpeza mais efetiva das secreções brônquicas, remoção de eventuais coágulos da circulação pulmonar, redução do edema pulmonar devido à alta pressão oncótica do perfusato, remoção de células inflamatórias com eventual redução do grau de inflamação pulmonar e melhora da microvasculatura devido a propriedades da dextrana. Nasceu assim o conceito de "recondicionamento pulmonar ex vivo", pelo qual órgãos inicialmente não aptos ao transplante pulmonar podem ser "recuperados" após a reperfusão no sistema.(12)

Em 2005, após os bons resultados com os estudos experimentais em porcos, o grupo da Universidade de Lund realizou o primeiro transplante pulmonar usando um pulmão inicialmente rejeitado que foi submetido a recondicionamento pulmonar ex vivo.(14) O doador foi negado para transplante por apresentar contusão pulmonar bilateral à radiografia de tórax e gasometria arterial pré-captação com baixa PaO2 (última colhida, 67 mmHg, com FiO2 de 0,7). Os pesquisadores, então, realizaram a captação não diretamente para transplante, mas para a realização de avaliação ex vivo. Os pulmões foram submetidos a PPEV e assim permaneceram por aproximadamente 1 h, quando uma nova avaliação gasométrica foi realizada, demonstrando uma PaO2 = 391,5 mmHg e FiO2 = 100%. A avaliação macroscópica demonstrava, apesar de pontos hemorrágicos na superfície pulmonar, uma aparente boa complacência. O órgão foi, naquele momento, considerado apto para transplante e o receptor foi convocado.

No fim da PPEV, para preservar o pulmão, a equipe optou por deixar o órgão sob ECMO-tópico, realizada com a redução da temperatura do perfusato para 25°C, parada da ventilação e da perfusão. O órgão foi imerso em estado semi-inflado na mesma solução da perfusão, que foi mantida oxigenada e em recirculação em temperatura controlada de 8°C por aproximadamente 10 h até a chegada do receptor e a realização do transplante. O transplante foi unilateral à esquerda, sem intercorrências nos períodos intraoperatório e o pós-operatório imediato. A evolução tardia do paciente também foi satisfatória, com o óbito no décimo primeiro mês por condição não relacionada à PPEV (choque séptico).

O modelo canadense

O grupo canadense da Universidade de Toronto, animado com os bons resultados do grupo sueco, iniciou seus estudos com o modelo ex vivo objetivando a recuperação de órgãos não aptos a transplante. Uma característica marcante de suas pesquisas foi a preocupação em prolongar o tempo de perfusão. Para essa finalidade, o grupo estabeleceu em seu protocolo de perfusão as seguintes modificações: uso de perfusato acelular, ou seja, sem adição de hemácias, constituído somente por solução de Steen; fluxo de perfusão máximo calculado em aproximadamente 40% do débito cardíaco; e a manutenção da pressão de artéria pulmonar em 10-15 mmHg. O uso de um perfusato acelular facilita a logística por diminuir o custo, além de evitar um eventual conflito ético devido à utilização de hemoderivados para estudos de órgãos que nem sempre serão utilizados clinicamente. Os prejuízos do uso de sangue no perfusato incluem a hemólise ocasionada pelo trauma mecânico sofrido pelas hemácias e a atividade pró-inflamatória própria da transfusão. Essas modificações foram bem sucedidas para prolongar o tempo de perfusão ex vivo por até 12 h.(15) A ausência de glóbulos vermelhos não comprometeu a avaliação da função pulmonar, pois é alto o grau de difusão de oxigênio no perfusato com solução de Steen, permitindo assim a realização de gasometrias fidedignas. O grupo também desenvolveu um novo modelo de caixa de contenção em formato arredondado (Figura 2) e cânulas especificas (Figura 3) que permitem uma melhor conexão da artéria pulmonar e do coto do átrio esquerdo (ligação das veias pulmonares) com o circuito. Além disso, essas cânulas possuem cateteres de pressão embutidos. A cânula atrial permite que a perfusão seja realizada de forma fechada (Figura 4) e que a pressão do átrio seja mantida em 3-5 mmHg. Enquanto o protocolo sueco preconiza 1 h de perfusão normotérmica, o protocolo canadense preconiza pelo menos 4 h de perfusão normotérmica com parâmetros estáveis para que o órgão seja considerado apto a transplante. O Quadro 1 compara aspectos dos protocolos para PPEV das universidades de Lund e de Toronto.










A experiência brasileira

No Brasil, Pêgo-Fernandes et al. começaram seus estudos com a PPEV em 2008. Sua primeira publicação no Jornal Brasileiro de Pneumologia em 2009 descrevia a modificação do circuito visando a economia da solução utilizada para a reperfusão ex vivo.(16) O sistema de perfusão descrito foi formado por um conjunto de tubos, reservatório venoso e oxigenador de membrana, todos de modelo infantil (Figura 5). Completam o sistema um trocador de calor e uma bomba centrífuga (Braile Biomédica, São José do Rio Preto, Brasil). O bloco pulmonar permanece em uma caixa rígida transparente (Vitrolife) com uma sonda orotraqueal na traqueia e com cânula de perfusão (Vitrolife) introduzida no tronco da artéria pulmonar. O retorno da solução pelas veias pulmonares nos trabalhos experimentais era realizado diretamente para a caixa de contenção, sendo drenada para o reservatório venoso por gravidade. No protocolo de recondicionamento e uso clínico, utiliza-se o átrio fechado por cânulas especiais, conforme descrito pelo grupo de Toronto.(15) O sistema é preenchido somente com 1.500 mL de solução de Steen (Vitrolife). Nesse protocolo, a PPEV inicia-se com a solução na temperatura de 20°C e um fluxo inicial de 10% do calculado (a temperatura e o fluxo são gradualmente elevados). Quando a temperatura atinge 32°C, após 20 min do início, a ventilação é iniciada e um fluxo de gás (CO2 a 7% + N2 a 93%) é administrado ao sistema através do oxigenador de membrana para "desoxigenar" o perfusato, para que o mesmo tenha uma composição gasosa semelhante ao sangue venoso ao entrar na artéria pulmonar. O ventilador é mantido com volume corrente em 6-8 mL/kg, FR em 7 ciclos/min, FiO2 de 100% e pressão expiratória final positiva de 5 cmH2O. O fluxo e a temperatura continuam sendo elevados até a obtenção das seguintes metas: fluxo de 40% do débito cardíaco estimado e temperatura de 37°C, o que ocorre em aproximadamente 40-60 min. Caso a pressão de artéria pulmonar atinja 20 mmHg antes do fluxo máximo calculado, esse é mantido em um valor mais baixo. Após 60 min de PPEV, o perfusato que sai pelas veias pulmonares pode ser colhido para análise gasométrica. Usualmente são analisados os seguintes parâmetros: PaO2, PaCO2, resistência vascular pulmonar e complacência pulmonar. Os primeiros estudos desse grupo focaram no estabelecimento de um modelo adaptável a logística brasileira(17) e na capacidade de recuperação dos órgãos não aceitos para transplante.(18,19)



Uso clínico

Os primeiros casos de uso clínico em série foram publicados em 2009, envolvendo a evolução de seis pacientes transplantados com pulmões inicialmente rejeitados e submetidos a PPEV. Os resultados demonstraram 100% e 67% de sobrevida em três meses e em um ano, respectivamente, sendo os óbitos aparentemente não relacionados com a PPEV.(20)

Logo após, em 2010, o grupo de Toronto também publicou seus resultados com 16 pacientes transplantados utilizando pulmões submetidos a avaliação e recondicionamento ex vivo: não houve mortalidade em 30 dias e a incidência de disfunção primária do enxerto foi semelhante àquela em pacientes transplantados sem PPEV no mesmo período.(21) Uma nova publicação desse grupo foi realizada em 2011, na qual 23 pulmões não aceitos para transplante foram submetidos a recondicionamento ex vivo por 4 h. Dentre o total, 20 órgãos permaneceram estáveis no sistema, sendo, então, transplantados com bons resultados.(22)

Outros centros de transplantes já começam a publicar suas experiências com o uso clínico da PPEV. Dentre esses, o mais recente é do grupo austríaco que, em 2012, relatou que, em uma série de 13 pulmões avaliados ex vivo, 9 demonstraram melhora da PaO2 e foram, portanto, transplantados. O resultado pós-operatório, segundo os autores, foi similar ao encontrado aos transplantes realizados com doadores padrão.(23)

Na Inglaterra, Zych et al. avaliaram 13 blocos pulmonares; dentre esses, 6 apresentaram bons parâmetros e foram transplantados, com excelente sobrevida a curto prazo: 100% em três meses.(24)

Moradiellos et al. avaliaram pulmões de 8 doadores com coração parado que foram submetidos a PPEV; desses, 4 mantiveram boa função pulmonar e foram transplantados. Dois pacientes foram a óbito antes do primeiro ano após o transplante; todavia, as causas foram consideradas não relacionadas ao uso da PPEV.(25)

Trabalhos experimentais com PPEV

A PPEV se aplica não somente ao uso clinico, e diversos grupos a têm utilizado para estudos experimentais. Frank et al. utilizam a perfusão para investigar mecanismos fisiopatológicos da função pulmonar, como a formação de edema.(26) Sakuma et al. estudaram a ação de drogas com efeito na função pulmonar, demonstrando o papel da adrenalina intratraqueal e o uso de estimulação beta-adrenérgica para reduzir o edema pulmonar.(27) Inci et al. estudaram a adição de uroquinase no perfusato da PPEV, resultando em melhora da função pulmonar e redução da resistência vascular pulmonar.(28) O mesmo grupo estudou o tratamento da aspiração gástrica com surfactante em um modelo de PPEV.(29)

Mariani et al., através de pesquisa em pulmões humanos doados não aceitos para transplante, desenvolveram uma variação técnica do modelo de avaliação pulmonar na PPEV utilizando a divisão do bloco pulmonar e a posterior reconexão. Os autores denominaram essa variação de modelo experimental ex vivo com bloco pulmonar dividido.(30)

Modelo ex vivo em animais

Uma variação do modelo ex vivo também pode ser utilizada para estudos experimentais com animais de pequeno porte, facilitando a logística de pesquisa. Diversos questionamentos sobre o transplante de pulmão podem ser elucidados dessa maneira. Pierre et al. demonstraram, utilizando ratos, que a reperfusão gradual é menos lesiva que a reperfusão acelerada.(31)

Silva et al. comprovaram que, em ratos submetidos ao modelo de reperfusão ex vivo, as técnicas de preservação ocasionam um desarranjo da arquitetura pulmonar, ocasionando a lesão de isquemia por reperfusão.(32)

Pêgo-Fernandes et al. têm utilizado o sistema comercialmente conhecido como IL2 - Isolated Perfused Rat or Guinea Pig Lung System (Harvard Apparatus, Holliston, MA, EUA; Hugo Sachs Elektronik, Hugstetten, Alemanha). Esse sistema possibilita a ventilação e perfusão do bloco pulmonar, além de ser capaz de medir parâmetros hemodinâmicos e de mecânica ventilatória.(33) Foram publicados estudos para a avaliação do modelo propriamente dito(34) e da preservação pulmonar, seja pelo teste comparativo de soluções de preservação,(35,36) ou pela ação de aditivos nas soluções.(37)

Perspectivas futuras

Todos os grupos apostam no aumento do número de transplantes pela recuperação dos órgãos pela PPEV; todavia, propostas ainda mais engenhosas são feitas com o uso da PPEV, como o tratamento de determinadas condições que impossibilitem o transplante, como por exemplo, pneumonias e lesão pulmonar aguda.(38)

Outra perspectiva apontada é o melhor condicionamento do pulmão para transplante pela redução da atividade inflamatória. Alguns pesquisadores já prevêem a possibilidade de que todos os órgãos doados, mesmo aqueles inicialmente considerados aptos, passem por esse "condicionamento" por PPEV, o que determinaria um melhor resultado dos enxertos no pós-transplante.(39)

O modelo da PPEV com a ativação do metabolismo pulmonar em normotermia parece ser ideal para o tratamento e a monitorização de sua eficácia no pré-transplante. Além disso, os efeitos colaterais estão minimizados por não haver absorção sistêmica pelo receptor das drogas utilizadas. Soma-se a isso a perspectiva de prolongamento da PPEV por até vários dias, permitindo, assim, o tratamento prolongado de pulmões infectados.(40)

Os agentes anti-inflamatórios estão sendo estudados e alguns parecem promissores; dentre esses, destacamos estudos com proteína C ativada,(41) alfa-1 antitripsina(42) e IL-10.(43) O grupo de Toronto publicou um estudo no qual um adenovírus foi utilizado como vetor para a terapia gênica com IL-10 durante a PPEV com o objetivo de causar o aumento de IL-10 e consequente ação anti-inflamatória potente no órgão a ser transplantado.(44)

Considerações finais

A PPEV atualmente corresponde a um vasto e promissor campo para o transplante pulmonar, seja como forma de aumentar o número de doadores viáveis a transplante por suas propriedades, seja pelo seu uso para pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas que possam melhor condicionar o órgão no pré-transplante imediato, refletindo em resultados melhores no pós transplante.

Apesar de o uso clínico da PPEV estar se consolidando em diversos países, estudos de longo prazo ainda são aguardados para entendermos o real impacto do advento dessa técnica no desfecho dos transplantes pulmonares.

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. Marcos Naoyuki Samano a gentil contribuição com as ilustrações e sugestões.

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* Trabalho realizado no Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Manuel Pêgo Fernandes. Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, 2º andar, bloco II,
sala 9, Cerqueira César, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 2661-5248. E-mail: paulo.fernandes@incor.usp.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 31/1/2012. Aprovado, após revisão, em 13/9/2012.




Sobre os autores

Alessandro Wasum Mariani
Médico Assistente Doutor. Disciplina de Cirurgia Torácica, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo -FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Paulo Manuel Pêgo-Fernandes
Professor Associado. Departamento de Cardiopneumologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo -FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Luis Gustavo Abdalla
Médico Assistente. Grupo de Transplante Pulmonar, Instituto do Coração, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor/HC-FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

Fabio Biscegli Jatene
Professor Titular. Disciplina de Cirurgia Torácica, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo -FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.

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