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Artigo de Revisão

Efeito anti-inflamatório dos macrolídeos em doenças pulmonares da infância

Anti-inflammatory effects of macrolides in childhood lung diseases

Fernanda Luisi, Thays Dornelles Gandolfi, Arthur Dondonis Daudt, João Pedro Zelmanowicz Sanvitto, Paulo Márcio Pitrez, Leonardo Araujo Pinto

ABSTRACT

Macrolides are drugs that have antimicrobial effects, especially against intracellular pathogens. Various studies have shown that macrolides might also have anti-inflammatory effects. Macrolides inhibit the production of interleukins and can reduce pulmonary neutrophilic inflammation. Clinical trials have demonstrated beneficial effects of macrolides in various chronic lung diseases. The objective of this study was to review recent data in the medical literature on the anti-inflammatory effects of macrolides in childhood lung diseases by searching the Medline (PubMed) database. We used the following search terms: "macrolide and cystic fibrosis"; "macrolide and asthma"; "macrolide and bronchiolitis obliterans"; and "macrolide and acute bronchiolitis". We selected articles published in international scientific journals between 2001 and 2012. Clinical studies and in vitro evidence have confirmed the anti-inflammatory effect of macrolides in respiratory diseases. Some clinical trials have shown the benefits of the administration of macrolides in patients with cystic fibrosis, although the risk of bacterial resistance should be considered in the analysis of those benefits. Such benefits are controversial in other respiratory diseases, and the routine use of macrolides is not recommended. Further controlled clinical trials are required in order to assess the efficacy of macrolides as anti-inflammatory drugs, so that the benefits in the treatment of each specific clinical condition can be better established.

Keywords: Macrolides; Asthma; Cystic Fibrosis; Bronchiolitis.

RESUMO

Os macrolídeos são fármacos com efeitos antimicrobianos especialmente contra patógenos intracelulares. Vários estudos têm demonstrado possíveis efeitos anti-inflamatórios dos macrolídeos. Esses medicamentos inibem a produção de algumas interleucinas e podem reduzir a inflamação neutrofílica pulmonar. Ensaios clínicos têm demonstrado efeitos benéficos dos macrolídeos em diversas doenças pulmonares crônicas. O objetivo deste estudo foi revisar os dados recentes da literatura médica sobre os efeitos anti-inflamatórios dos macrolídeos nas doenças respiratórias da infância, através da pesquisa da base de dados Medline (PubMed) dos seguintes termos em inglês: "macrolide and cystic fibrosis"; "macrolide and asthma"; "macrolide and bronchiolitis obliterans"; e "macrolide and acute bronchiolitis" Foram selecionados artigos publicados em revistas científicas internacionais entre 2001 e 2012. Estudos clínicos e evidências in vitro comprovam o efeito anti-inflamatório dos macrolídeos em doenças respiratórias. Alguns ensaios clínicos demonstram benefícios na administração de macrolídeos em pacientes com fibrose cística; porém, o risco de resistência bacteriana deve ser considerado na análise desses benefícios. Tais benefícios são controversos em outras doenças respiratórias, e seu uso rotineiro não está indicado. Mais estudos clínicos controlados são necessários para avaliar a eficácia desses medicamentos como anti-inflamatórios. Dessa forma, poderemos definir melhor os benefícios dos macrolídeos no tratamento de cada uma das situações clínicas especificadas.

Palavras-chave: Macrolídeos; Asma; Fibrose Cística; Bronquiolite.

Introdução

Os macrolídeos reúnem um grupo de fármacos muito utilizados no tratamento de diversas doenças infecciosas. Esses fármacos atuam inibindo a síntese proteica e o crescimento bacteriano, fazendo com que proteínas vitais deixem de ser sintetizadas e causando a morte do patógeno. Alguns estudos apontaram que, independente de sua atividade antimicrobiana, os macrolídeos apresentam propriedades anti-inflamatórias e antivirais.(1,2) Estudos mais recentes têm avaliado essa classe de medicamentos como fármacos de ação imunomoduladora em várias doenças respiratórias; porém, sua indicação nessas situações ainda é relativamente controversa.(1,3,4) A origem da descoberta do mecanismo anti-inflamatório dos macrolídeos ocorreu na década de 1980 no Japão, quando o uso desse medicamento aumentou significativamente a sobrevida de pacientes com panbronquiolite difusa (PBD), uma grave doença pulmonar crônica, com intensa inflamação neutrofílica.(5)

Dentre seus efeitos mais relevantes estão a inibição da síntese e secreção de citocinas pró-inflamatórias e o aumento da secreção de citocinas anti-inflamatórias, assim como efeitos na atividade dos neutrófilos através da inibição da sua migração para os sítios de inflamação.(6,7) Os macrolídeos também podem inibir a degranulação dos leucócitos, reduzir a inflamação eosinofílica, ativar a fagocitose dos macrófagos(7) e ainda aumentar o transporte mucociliar, diminuindo a produção de muco in vivo(8,9) e in vitro.(6) Além disso, esses fármacos podem apresentar um efeito na imunidade adaptativa através da regulação de células T e da apresentação de antígenos. Estudos demonstram uma redução do número de linfócitos em lavados broncoalveolares, aumento da apoptose de linfócitos ativados e supressão da produção de citocinas pró-inflamatórias pelas células T.(7) Outros efeitos descritos foram a redução da secreção das células caliciformes, a redução da broncoconstrição através da diminuição da liberação da endotelina-1 e a inibição de respostas colinérgicas do músculo liso das vias aéreas.(2,8) Um resumo dos mecanismos anti-inflamatórios está descrito no Quadro 1.



Numerosas doenças pulmonares da infância apresentam os neutrófilos como células centrais ou adjuvantes no processo de formação e manutenção da inflamação (bronquiolite aguda, fibrose cística, asma, etc.), tendo sido uma área explorada com pesquisas sobre o efeito anti-inflamatório de macrolídeos nos últimos anos.(10,11) No presente artigo, descrevemos o efeito anti-inflamatório dos macrolídeos, avaliando e discutindo suas indicações em diversas doenças do trato respiratório em crianças, utilizando os dados mais recentes da literatura científica.

Métodos

Foram escolhidas quatro doenças respiratórias relevantes na prática pediátrica e que apresentam dados suficientes para indicar a presente revisão. Foi realizada pesquisa na base de dados Medline/PubMed, utilizando os seguintes termos em inglês: "macrolide and cystic fibrosis"; "macrolide and asthma"; "macrolide and bronchiolitis obliterans"; e "macrolide and acute bronchiolitis". Todas as buscas foram realizadas entre dezembro de 2011 e agosto de 2012, pesquisando artigos entre 2001 e 2012. Além disso, o termo "macrolides" foi trocado em novas buscas pelos três principais representantes da classe: "erythromycin", "azithromycin" e "clarithromycin". Foram utilizados os seguintes filtros: estudos clínicos em humanos, meta-análises ou guidelines, todos somente publicados em inglês. Alguns estudos experimentais também foram incluídos na discussão dos mecanismos anti-inflamatórios dessa classe de medicamentos.

Resultados

Observando os critérios descritos, obtivemos 34 artigos utilizando os termos "macrolide and cystic fibrosis" (sendo 26, 25 e 6 relacionados a eritromicina, azitromicina e claritromicina, respectivamente), 25 artigos com os termos "macrolide and asthma" (respectivamente, 16, 9 e 7 artigos relacionados), 24 artigos com os termos "macrolide and bronchiolitis obliterans" (respectivamente, 8, 8 e zero artigos relacionados) e 14 artigos com os termos "macrolide and acute bronchiolitis" (respectivamente, 3, 3 e 1). Esses artigos foram novamente selecionados a fim de excluir trabalhos sobrepostos e aqueles irrelevantes em relação ao tema da revisão (evidências de atividade anti-inflamatória desses fármacos). Os artigos restantes fazem parte das referências do presente estudo e são discutidos separadamente, considerando as evidências da eficácia anti-inflamatória in vitro/in vivo ou eficácia clínica em cada uma das doenças estudadas. Quando incluímos apenas ensaios clínicos (ECs), encontramos 4 ECs envolvendo apenas crianças com fibrose cística, 5 ECs envolvendo crianças e adultos e 1 estudo apenas com adultos. Os 4 ECs em pacientes com bronquiolite obliterante foram realizados em pacientes adultos. Em asmáticos, temos 1 EC envolvendo crianças e 1 envolvendo adultos. Em relação à bronquiolite aguda, foram encontrados 3 ECs envolvendo lactentes menores de 1 ano.

Discussão

Fibrose cística

A fibrose cística é uma doença sistêmica hereditária autossômica recessiva, com um grande comprometimento pulmonar. O defeito no gene regulador de condutância transmembrana da fibrose cística resulta em transporte epitelial de íons anormal, o que causa aumento da viscosidade do muco e consequente estase da secreção nos pulmões, contribuindo para um aumento na propensão de infecções respiratórias recorrentes, principalmente por Staphylococcus aureus, Haemophilus influenza e Pseudomonas aeruginosa. A infecção e a inflamação levam ao dano do tecido pulmonar, bronquiectasias e progressiva insuficiência respiratória. A fibrose cística apresenta diversas similaridades com a PBD.(12) Ambas são caracterizadas por sinusite crônica, inflamação neutrofílica das vias aéreas, suscetibilidade a infecções crônicas intrabrônquicas com patógenos específicos e deterioração progressiva da função pulmonar. A melhora do desfecho na PBD com o uso dos macrolídeos e o reconhecimento de vários efeitos anti-inflamatórios e imunomoduladores desses fármacos resultou na hipótese de benefício do uso dessa classe de antibióticos no tratamento da fibrose cística.(9,13) Os macrolídeos têm demonstrado efeitos positivos na função pulmonar em fibrose cística, além de reduzir a viscosidade da secreção e a adesão na via aérea da P. aeruginosa. Também mostraram reduzir a frequência de exacerbações pulmonares e estabilizar ou aumentar a capacidade respiratória.(14)

Em um estudo,(15) o impacto da azitromicina em 41 crianças com fibrose cística foi avaliado em um ensaio cruzado, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo com duração de 15 meses. Os pacientes receberam azitromicina ou placebo por 6 meses, seguido por um período de 2 meses de intervalo, e depois foram cruzados para o tratamento do outro grupo. O desfecho primário foi mudança no VEF1, e a dose do fármaco foi ajustada para o peso corporal (250 mg/dia se peso  40 kg; 500 mg/dia se peso > 40 kg). A melhora da função pulmonar foi observada em ambos os grupos com o uso da azitromicina. O VEF1 aumentou em 5,4% (IC95%: 0,8-10,5) em comparação ao grupo placebo. A CVF teve um aumento de 3,9% (IC95%: 2,5-9,2), e o FEF25-75% teve o aumento de 11,4% (IC95%: 1,19-23,7%) no grupo que usou azitromicina em relação ao placebo. O uso de outros antibióticos foi menor enquanto os pacientes estavam recebendo o tratamento com azitromicina. Nenhuma diferença significativa foi observada quanto à concentração de bactérias no escarro, tolerância ao exercício ou qualidade de vida. A terapêutica foi bem tolerada, sem evidências de eventos adversos significativos.(15)

Outro estudo avaliou 60 pacientes com fibrose cística clinicamente estáveis que receberam 250 mg/dia de azitromicina ou placebo durante 3 meses. Os pacientes randomizados para azitromicina mantiveram os níveis de função pulmonar nos 3 meses, enquanto os pacientes do grupo placebo tiveram um declínio de VEF1 e CVF de 3,62% e 5,73%, respectivamente. O grupo azitromicina também apresentou significativamente menos tempo de terapia endovenosa com antibióticos, menos dias em casa recebendo antibióticos i.v. (p = 0,04) e menos cursos de antibióticos i.v. (p = 0,02).(16)

Uma importante preocupação em relação ao uso crônico de macrolídeos em fibrose cística é em relação ao desenvolvimento de resistência bacteriana a essa classe de antibióticos. Um estudo avaliou a frequência de resistência aos macrolídeos em S. aureus e H. influenzae isolados de pacientes com fibrose cística entre 1999 e 2004, um período em que houve um grande aumento do uso de azitromicina em pacientes com fibrose cística. A resistência à eritromicina entre cepas isoladas de S. aureus aumentou de 6,9% para 53,8% naquele período, e a resistência à claritromicina entre cepas de H. influenzae aumentou de 3,7% para 37,5%. Culturas de pacientes recebendo azitromicina tiveram um número menor de positividade para ambos os agentes em relação a pacientes que não receberam azitromicina.(17)

Muitas questões não respondidas podem ser levantadas com relação ao modo de uso da azitromicina, como a dose, intervalo, tempo de duração do efeito e impacto do tratamento em longo prazo na progressão da doença e nos aspectos microbiológicos do pulmão. Em um EC, crianças foram randomizadas com o intuito de se testar diferentes doses de azitromicina (5 mg/kg/dia vs. 15 mg/kg/dia) por 6 meses. Não foram identificadas diferenças entre os grupos quanto a VEF1, escores clínicos, taxa de colonização por pseudomonas, exacerbações pulmonares ou necessidade de antibióticos. O aumento significativo do número de exacerbações e o declínio do VEF1 depois de cessado o uso de azitromicina em ambos os grupos sugere a limitação do efeito anti-inflamatório quanto ao tempo de uso.(18) Outro estudo analisou a administração diária (250 mg/dia) vs. administração semanal (1.200 mg/semana) de azitromicina. A melhora da função pulmonar foi equivalente nos dois grupos. O uso de doses mais altas uma vez por semana foi associado a um aumento moderado de efeitos adversos gastrointestinais.(19)

Já em uma revisão sistemática recente, foram analisados o estado clínico e os efeitos adversos de pacientes com fibrose cística que receberam tratamento com macrolídeos vs. placebo.(20) Foram incluídos 10 estudos (959 pacientes). Oito desses estudos compararam azitromicina a placebo, e 2 estudos compararam a diferença de doses de azitromicina. Quatro ECs (549 pacientes) demonstraram melhoras significativas da função pulmonar depois do tratamento com azitromicina, quando comparada ao placebo, em 6 meses, com uma diferença média nos 6 meses de 3,97% (IC95%: 1,74-6,19). Dados com um prazo maior do que 6 meses foram menos claros, mas a redução no número de exacerbações respiratórias manteve-se. Pacientes em uso de azitromicina tiveram duas vezes menos chance de ter exacerbações pulmonares (OR = 1,96; IC95%: 1,15-3,33), precisaram menos frequentemente de antibióticos orais e tiveram um maior ganho de peso e menor identificação de S. aureus nas culturas de amostras das vias aéreas. Efeitos adversos não foram comuns e não foram associados à azitromicina, embora um aumento da resistência aos macrolídeos tenha sido observado. Seis estudos foram analisados como tendo um baixo potencial para viés, e outros 4 apresentavam possíveis riscos significativos para vieses, mas não tiveram impactos importantes na conclusão dos resultados e dos desfechos. Os autores concluíram que a azitromicina tem um pequeno mas consistente efeito benéfico no tratamento da fibrose cística, com boa segurança de uso em até 6 meses, com um esquema de doses de 3 vezes por semana. Porém, considerando os poucos dados a longo prazo e a preocupação do desenvolvimento de resistência bacteriana aos macrolídeos, as atuais evidências não são fortes o suficiente para indicar a azitromicina para todos os pacientes com fibrose cística.(20)
Os efeitos do uso da azitromicina a longo prazo foram estudados em um seguimento(21) de pacientes com fibrose cística que haviam sido submetidos a um EC randomizado com azitromicina controlado por placebo. O uso de azitromicina ao final de 6 meses, apesar de não ter melhorado a função pulmonar agudamente, diminuiu o número de exacerbações pulmonares e o uso de novos antibióticos orais no tratamento, além de melhorar o ganho de peso. O uso ao final de 12 meses apresentou durabilidade do efeito quanto à taxa de exacerbações pulmonares e ao ganho de peso.

A claritromicina tem sido estudada em menor grau como terapia a longo prazo em pacientes com fibrose cística. Um pequeno estudo piloto com 10 adultos (19-26 anos) foi realizado nos EUA em pacientes com fibrose cística e infectados por P. aeruginosa, tratados com placebo por 3 semanas, seguido de tratamento com claritromicina (500 mg, 2 vezes ao dia); não houve diferenças significativas na contagem de neutrófilos ou nos níveis de IL-8, elastase e mieloperoxidase no escarro. Esses achados, segundo os autores, podem ser devidos ao número pequeno de pacientes ou ao curto tempo de duração do tratamento.(22) Entretanto, outro estudo com 27 crianças mostrou uma redução significativa de TNF-, IL-8, IL-4 e IFN- no escarro e no plasma, assim como um aumento da relação IFN-/IL-4 e da resposta dos linfócitos periféricos a fito-hemaglutinina após o tratamento com 250 mg/dia de claritromicina por 12 meses.(23) Já um experimento in vitro demonstrou que a azitromicina diminui a secreção de IL-8 apenas das células sem características de fibrose cística e que não apresentou efeitos anti-inflamatórios nas células epiteliais e glandulares de fibrose cística.(24) Um estudo duplo-cego mais recente, com claritromicina vs. placebo, não associou o uso de claritromicina de liberação lenta por 5 meses com melhora significativa de função pulmonar, ganho de peso, frequência de exacerbações pulmonares ou qualidade de vida em relação ao placebo.(25)

Os macrolídeos têm mostrado retardar o declínio da função pulmonar na fibrose cística. Os possíveis mecanismos de ação incluem ações diretas no patógeno e no hospedeiro. A diminuição da virulência de bactérias, em especial da P. aeruginosa, e um efeito bactericida tardio, assim como a diminuição da aderência na via aérea, motilidade e da produção de biofilme pelas pseudomonas são os possíveis efeitos no agente. As ações imunomoduladoras no hospedeiro incluem a supressão da resposta imune aumentada e da inflamação, inibição da produção de citocinas inflamatórias pelos macrófagos alveolares e diminuição da hipersecreção de muco.(11,23,26,27)

Diversos estudos têm demonstrado resultados positivos quanto à redução no número de exacerbações e à estabilização ou ao aumento da capacidade respiratória, enquanto outros estudos falharam em demonstrar esses efeitos (Quadro 2). A azitromicina pode ser usada com resultados benéficos na fibrose cística; porém, a melhor dosagem e o tempo de administração não estão bem estabelecidos.(28) Dois estudos parecem sintetizar as controvérsias e as indicações da azitromicina na fibrose cística: enquanto um estudo demonstrou benefícios significativos e relevantes em crianças colonizadas por P. aeruginosa, outro estudo, do mesmo grupo de autores do primeiro, não observou benefícios do uso da droga em pacientes sem infecção por P. aeruginosa.(29,30) Além disso, é fundamental avaliar a possibilidade de aumento da resistência aos macrolídeos e a outros antibióticos, assim como o impacto clínico da colonização por germes mais resistentes.(18-20)



Bronquiolite obliterante

A bronquiolite obliterante é uma doença inflamatória que acomete a porção final das vias aéreas, levando ao processo de obliteração da luz do bronquíolo. A bronquiolite obliterante é a principal causa de morte no pós-operatório de transplantes pulmonares. Essa é uma das complicações mais comuns de transplante de medula óssea (TMO) alogênico e, apesar de sua patogenia não ser completamente conhecida, acredita-se ser parte da reação enxerto contra o hospedeiro. Por outro lado, a bronquiolite obliterante pode ocorrer também em pacientes pediátricos não transplantados, sucedendo um processo infeccioso.(27,31) A bronquiolite obliterante tem como manifestações clínicas características a taquipneia, o aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, crepitações, sibilos e hipoxemia por, no mínimo, 30 dias após a ação do fator desencadeante. O agente infeccioso responsável pelo insulto inicial mais comum na bronquiolite obliterante pós-infecciosa é o adenovírus e ocorre particularmente em crianças.(31)

Aproximadamente 10% dos pacientes com doença do enxerto contra o hospedeiro desenvolvem bronquiolite obliterante, sendo o prognóstico da doença muito ruim (mortalidade em 3 anos de 65%). Os macrolídeos demonstraram diminuir a progressão da bronquiolite obliterante pós-TMO.(31) Um grupo de autores(33) conduziu um estudo observacional em 8 pacientes que foram submetidos a TMO e desenvolveram bronquiolite obliterante. Obtiveram resultados positivos com o uso da azitromicina, como a melhora da CVF em 21% e a do VEF1 em 20%. Outro estudo de caso(34) também apresentou resultados positivos, mas um EC randomizado não encontrou diferenças nos resultados entre os grupos placebo e azitromicina.(35)

A bronquiolite obliterante pós-transplante pulmonar é a variante prevalente em países desenvolvidos e em adultos, devido ao maior número de procedimentos. Sua patogenia e achados clínicos são muito similares aos da bronquiolite obliterante pós-TMO. O uso de macrolídeos parece inibir a progressão para bronquiolite obliterante após transplantes pulmonares, apresentando efeitos positivos na bronquiolite obliterante do tipo neutrofílica, mas não naquela fibroproliferativa.(14,31)

A eficácia do tratamento da bronquiolite obliterante com macrolídeos em pacientes pós-transplante foi testada em adultos e com medições de fatores distintos entre as pesquisas. Dois estudos que foram realizados com medidas semelhantes, ainda que não idênticas, apresentaram resultados diversos.(36,37) Um deles demonstrou, ao se realizar o acompanhamento de 146 pacientes com transplante de pulmão e sobrevida maior que 180 dias (sendo 102 pacientes tratados com claritromicina e 44 com a rotina normal de pós-operatório), que a claritromicina não reduziu a incidência de bronquiolite obliterante (76 pacientes em uso de claritromicina desenvolveram bronquiolite obliterante, enquanto 7 em rotina normal desenvolveram a doença), nem a incidência de complicações respiratórias (35 pacientes em uso de claritromicina vs. 18 em uso da rotina normal).(36) Outro estudo(37) demonstrou não haver melhora da capacidade respiratória ao comparar o volume expiratório máximo de 11 pacientes ao longo de um tratamento não-cego de azitromicina (250 mg, 3 vezes por semana) 10 meses. Os autores, no entanto, referiram que houve uma mudança na história natural da bronquiolite obliterante, uma vez que a doença não progrediu durante o período de acompanhamento.(37) Esse resultado contraria os achados de outros autores,(36) cujos pacientes desenvolveram a doença independentemente do uso de um macrolídeo (claritromicina), sem a alteração na história natural da doença. Com esses resultados, o uso de macrolídeos em pacientes com bronquiolite obliterante pós-transplante não tem seu papel bem definido.

A bronquiolite obliterante pós-infecciosa tem como principais fatores de risco a infecção por adenovírus e o uso de ventilação mecânica nas crianças; muitos casos têm sido relatados na América do Sul.(32) Essa doença possui um grande impacto clínico, como demonstra um estudo realizado em um hospital de Buenos Aires, Argentina, que verificou que a bronquiolite obliterante foi responsável por 14% do tempo total de internação de pacientes em um período de 10 anos.(38) Em pacientes com bronquiolite obliterante pós-infecciosa, não existem estudos testando a eficácia do tratamento com macrolídeos, algo fundamental a ser determinado devido ao grande impacto dessa doença em países em desenvolvimento.(39)

Asma

A asma é uma doença inflamatória crônica que tem como características principais a hiper-responsividade brônquica e a inflamação crônica das vias aéreas inferiores. Essas características são responsáveis pela limitação variável do fluxo de ar nas vias aéreas, causando episódios de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, muitas vezes associados a infecções respiratórias durante as exacerbações. A asma resulta em elevadas taxas de hospitalização no mundo, com prejuízo importante na qualidade de vida dos pacientes. A inflamação brônquica é a principal característica fisiopatológica da asma e pode estar presente mesmo em pacientes assintomáticos. Além do processo inflamatório, causando edema da mucosa e produção de muco, há também broncoespasmo, contribuindo ainda mais para a diminuição do calibre das vias aéreas.(1)

Os macrolídeos são conhecidos não só por seu efeito bacteriostático, como também pelo efeito anti-inflamatório neutrofílico.(5) A patogenia da asma é complexa, mas é reconhecida a importância das células inflamatórias e da secreção de citocinas pró-inflamatórias, sendo as principais células as Th2, eosinófilos e mastócitos.(40) Apesar de o efeito positivo dos macrolídeos ser controverso nos diversos estudos em asmáticos, a redução da inflamação neutrofílica de via aérea, do edema e da hiper-responsividade brônquica, assim como a inibição da produção de muco e a melhora da função pulmonar em asmáticos, foram benefícios associados à possível capacidade imunomoduladora dos macrolídeos.(1,27,40)

As exacerbações da asma estão relacionadas aos alérgenos e às infecções, e o rinovírus parece ser um dos principais agentes de exacerbações por vírus. Apesar de não ter sido demonstrado que os asmáticos tenham infecções virais mais frequentes que pacientes saudáveis, os sintomas parecem ser mais persistentes e intensos. Um defeito na produção de IFN parece estar relacionado à dificuldade de eliminação do vírus e de produção da morte celular.(7,14) Segundo um estudo,(41) o epitélio das vias aéreas dos asmáticos produz mais mediadores de inflamação que o epitélio normal quando infectado por vírus.

É certo que 40-80% das exacerbações de asma são desencadeadas por infecções virais, e essas induzem uma resposta, com influxo nas vias aéreas, de neutrófilos, eosinófilos, mastócitos, células CD4, células CD8 e produção de citocinas pró-inflamatórias.(7,14,42) Bactérias atípicas podem causar inflamação brônquica semelhante aos vírus, também levando a exacerbações da asma, além de poderem infectar as vias aéreas cronicamente e prejudicar o controle da doença.(7,43) Em relação às infecções bacterianas, um estudo aponta que quando organismos, como Chlamydophila pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae, são responsáveis por exacerbação da asma, o uso dos macrolídeos apontou uma melhora no controle da doença.(43)

Uma revisão recente(7) concluiu que o uso rotineiro de macrolídeos em asmáticos não controlados não mostrou diminuir os sintomas ou melhorar a função pulmonar. Entretanto, um fenótipo específico de asmáticos, determinado por PCR de amostras de broncoscopia conforme a presença e a diversidade de patógenos, pode se beneficiar do uso de macrolídeos.

Os efeitos benéficos dos macrolídeos também têm sido testados no tratamento da asma não associada a exacerbações infecciosas. A claritromicina e a azitromicina se mostraram eficientes em reduzir a inflamação das vias aéreas, e a claritromicina também foi associada à diminuição do edema das vias aéreas e da concentração de TNF-, IL-1 e IL-10 em aspirados nasais.(8,44,45) Um grupo de autores demonstrou que a azitromicina diminui a produção de IL-5 em linfócitos de crianças com asma atópica, sem afetar a produção de IFN-, mostrando um efeito benéfico da azitromicina na patogenia da asma.(40)

Mesmo com todas essas justificativas teóricas e baseadas em estudos experimentais ou mecanísticos,(46) o efeito positivo dos macrolídeos não tem sido consistente nos ECs publicados em asma (Quadro 3). Novos estudos sobre o efeito dos macrolídeos no manejo da asma são necessários. As pesquisas devem visar não só a comprovação da existência de um efeito anti-inflamatório no uso desses medicamentos em asma, mas também o impacto do benefício que esses medicamentos podem trazer à prática clínica.



Bronquiolite aguda

A bronquiolite aguda é a causa mais frequente de internação em lactentes. A bronquiolite aguda é caracterizada por uma extensa inflamação das vias aéreas inferiores, acompanhada por aumento da produção de muco e necrose das células epiteliais.(47) O diagnóstico clínico caracteriza-se por taquipneia, sibilância e infecção de vias aéreas superiores. A causa primária da bronquiolite aguda é a infecção por vírus respiratórios, principalmente o vírus sincicial respiratório, com ampla inflamação neutrofílica nas vias aéreas.(10,48) Rotineiramente, antibióticos não são recomendados no manejo da bronquiolite aguda, mas alguns pesquisadores propuseram o uso dos macrolídeos para o tratamento dessa doença.(47)

Em um estudo,(49) 21 crianças hospitalizadas com bronquiolite aguda moderada receberam claritromicina oral por 3 semanas e apresentaram melhora significativa com relação ao tempo de uso de oxigenoterapia, tempo de internação hospitalar e risco de readmissão hospitalar por 6 meses, indicando um efeito benéfico na gravidade da doença. Em contrapartida, em outro estudo,(50) 71 crianças receberam azitromicina por 3 dias e nenhum resultado significativo foi encontrado. Apesar de os estudos serem contraditórios, uma revisão(51) aponta para sérios vieses nos estudos citados, como o cegamento, a randomização, o poder da amostra e até mesmo a análise dos dados. Assim, o efeito do uso de macrolídeos na bronquiolite aguda ainda não é claro, exigindo a realização de ECs com um número de pacientes de tamanho adequado.

Recentemente, nosso grupo demonstrou que a o uso da azitromicina não influencia os desfechos clínicos em uma grande amostra de lactentes hospitalizados com bronquiolite aguda, mesmo quando estratificamos a análise para a identificação viral. Esses resultados sugerem que a azitromicina não deve ser utilizada em lactentes com o primeiro episódio de sibilância e podem contribuir para uma redução do uso de antibióticos em lactentes com bronquiolite aguda.(52)

Considerações finais

Um grupo de autores(53) demonstrou que a atividade anti-inflamatória e antimicrobiana dessa classe de antibióticos são independentes e podem ser separadas, o que possibilitaria a criação de novos agentes anti-inflamatórios, pensando, particularmente, no potencial risco de aumento de resistência bacteriana com o uso indiscriminado de macrolídeos em nível mundial. Muitos estudos comprovam o efeito anti-inflamatório dos macrolídeos nas doenças respiratórias. Alguns ECs demonstram benefícios na administração de macrolídeos em pacientes com fibrose cística. Em outras doenças respiratórias, os benefícios ainda são controversos, e o uso rotineiro não está indicado. No manejo das doenças respiratórias, os médicos devem avaliar cuidadosamente e individualmente os tratamentos prescritos, assim como analisar a capacidade da redução dos sintomas, do tempo de internação hospitalar e das sequelas, além de, é claro, monitorar o uso abusivo de agentes antimicrobianos e desenvolver novas estratégias para modificar a prática médica atual. Por fim, são necessários mais ECs randomizados e controlados, com um maior número de pacientes, que avaliem os efeitos desses medicamentos em cada situação clínica, para que se possam definir os benefícios dos macrolídeos no tratamento das doenças respiratórias.


Referências


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* Trabalho realizado no Centro Infant, Instituto de Pesquisas Biomédicas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Leonardo A. Pinto. Avenida Ipiranga, 6690, 2º andar, Instituto de Pesquisas Biomédicas, CEP 90610-000, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel. 55 51 651-1919. E-mail: leonardo.pinto@pucrs.br
Apoio financeiro: Thays D. Gandolfi é bolsista de iniciação científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Arthur D. Daudt é bolsista de iniciação científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido para publicação em 26/3/2012. Aprovado, após revisão, em 18/9/2012.




Sobre os autores

Fernanda Luisi
Fisioterapeuta. Doutora em Saúde da Criança, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Thays Dornelles Gandolfi
Acadêmica. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Arthur Dondonis Daudt
Acadêmico. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

João Pedro Zelmanowicz Sanvitto
Acadêmico. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Paulo Márcio Pitrez
Professor. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Leonardo Araujo Pinto
Professor. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.

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