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Artigo Original

Aplicabilidade da escala London Chest Activity of Daily Living em pacientes em lista de espera para transplante de pulmão

Applicability of the London Chest Activity of Daily Living scale in patients on the waiting list for lung transplantation

Jocimar Prates Muller, Patrícia Ayres Guterres Gonçalves, Fabrício Farias da Fontoura, Rita Mattiello, Juliessa Florian

RESUMO

Objetivo: Avaliar a aplicabilidade da escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL), em pacientes em lista de transplante pulmonar. Métodos: Estudo transversal com 26 pacientes em lista de espera para transplante de pulmão, de ambos os sexos, entre maio e setembro de 2010 tratados no Programa de Reabilitação Pulmonar, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em Porto Alegre, RS. Todos os pacientes foram submetidos ao teste de caminhada de seis minutos (TC6) e a teste de função pulmonar e foram obtidos os escores das escalas LCADL e de Borg modificada para dispneia e fadiga das pernas. O teste alfa de Cronbach foi utilizado para verificar a consistência interna da escala LCADL. A análise de regressão linear foi utilizada para identificar associações entre o escore total em porcentagem da escala LCADL e as variáveis estudadas. Resultados: Segundo os resultados da LCADL, 69% dos pacientes indicaram que suas atividades de vida diária são muito comprometidas pela dispnéia. A consistência interna da escala LCADL foi de 0,89. Houve associações negativas estatisticamente significativas entre o escore total da escala LCADL e distância percorrida no TC6 (β = −0,087; p < 0,001) e trabalho realizado no TC6 (β = −0,285; p < 0,001), quando os dados foram ajustados por idade e VEF1. Conclusões: Esses achados sugerem que a escala LCADL é um instrumento útil para avaliar o desempenho funcional dos pacientes em listas de transplante pulmonar.

Palavras-chave: Atividades cotidianas; Transplante de pulmão; Dispneia.

Introdução

A prevalência das doenças respiratórias nos últimos anos cresceu substancialmente, tendo grande importância no quadro de morbidade e mortalidade da população. A DPOC é considerada um problema de saúde pública. Em 2006, a doença foi a quarta causa de óbitos no mundo, sendo que, até o ano 2020, estimativas demonstram que essa comorbidade passe a ser a terceira principal causa de mortalidade em todo o mundo.(1,2)

Nos pacientes com doenças pulmonares crônicas que apresentam um comprometimento grave e progressivo da enfermidade e um grau importante de inatividade, o transplante pulmonar é indicado como uma terapêutica fundamental, tornando-se uma opção de tratamento efetivo.(3) As indicações mais frequentes para essa intervenção são enfisema (36%), fibrose pulmonar idiopática (20%) e fibrose cística (16%).(4) Nos pacientes candidatos a transplante, a avaliação do nível de atividade física é uma ferramenta importante para quantificar o impacto da doença sobre as atividades de vida diária (AVD).(5)

A distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (DTC6) também é considerada um bom marcador de capacidade funcional nas AVD, e esse teste é recomendado na avaliação de pacientes com doenças pulmonares e cardiovasculares em resposta ao exercício, refletindo de maneira mais acurada as limitações às AVD, visto que fornece uma análise global dos sistemas respiratório, cardíaco e metabólico.(6) Outra forma de avaliar o estado funcional de um paciente é por meio do uso de escalas ou questionários.(7) A utilização de questionários ou escalas tem evidenciado o impacto da doença sobre o nível de atividade física e a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas, refletindo de forma indireta o grau de acometimento da doença sobre as AVD.(8) Atualmente, existem poucas escalas validadas para avaliar o comprometimento da capacidade funcional dos pacientes com pneumopatia crônica, particularmente nos pacientes que estão gravemente comprometidos e que são candidatos a transplante pulmonar.(9)

Uma ferramenta que se propõe a avaliar o grau de dispneia durante as AVD é a escala London Chest Activity of Daily Living (LCADL). A escala apresenta quatro domínios: cuidados pessoais, atividades domésticas, atividade física e lazer.(8,10) A LCADL é considerada um instrumento de baixo custo e de fácil aplicação, podendo essa ser uma ferramenta clínica factível para a avaliação e para o acompanhamento do comprometimento funcional devido à dispneia em pacientes com doenças pulmonares crônicas, assim como na avaliação antes e após medidas de intervenção. Esse instrumento já foi validado para sua aplicação em pacientes com DPOC; todavia, há uma escassez de estudos que avaliem essa escala em pacientes com doença pulmonar que já estão incluídos em lista de espera para transplante pulmonar. O objetivo do presente estudo foi avaliar a aplicabilidade da LCADL em pacientes em lista de espera para transplante de pulmão por meio da avaliação das propriedades psicométricas e da relação dessa escala com os resultados do TC6.

Métodos

O presente estudo transversal foi realizado com pacientes do Programa de Reabilitação Pulmonar, localizado no Pavilhão Pereira Filho do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em Porto Alegre, RS. Foram incluídos no estudo todos os pacientes em lista de espera para transplante de pulmão, de ambos os sexos, entre maio e setembro de 2010 e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Pacientes que apresentavam limitações cognitivas e motoras, assim como infecção respiratória nas três semanas antes das avaliações, foram excluídos do estudo.

A versão da escala de LCADL utilizada no presente estudo foi validada para uso no Brasil.(8) A escala apresenta 15 questões contempladas em quatro domínios: cuidados pessoais, atividades domésticas, atividade física e lazer. Cada questão dos domínios recebe um escore, apontado pelo paciente, que varia de 0 a 5, sendo que o maior valor representa a incapacidade máxima de realização das AVD devido a dispneia. O escore total pode variar de 0 até 75 pontos, sendo que, quanto mais alto for o valor, maior a limitação nas AVD. A escala conta ainda com a questão 16, que se refere a uma especificação do comprometimento das AVD devido a dispneia, em quaisquer situações, e o paciente deve responder essa questão assinalando uma das três alternativas: "muito", "pouco" ou "nada". A interpretação da escala LCADL foi baseada no escore total em porcentagem da escala. A aplicação dessa escala foi realizada pelo mesmo pesquisador em forma de entrevista.

O TC6 foi realizado segundo as recomendações da American Thoracic Society,(11) considerando-se equações de referência para adultos saudáveis.(12) O trabalho realizado durante o teste foi calculado por meio do produto da distância pelo peso corporal (kg).(13) Antes e após da realização do TC6, os pacientes foram avaliados por meio da escala de Borg modificada quanto à sensação subjetiva de fadiga nos membros inferiores e dispneia.

Os testes de função pulmonar seguiram os procedimentos técnicos e os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade segundo as normativas internacionais da American Thoracic Society/European Respiratory Society.(14) Foram realizadas curvas fluxo-volume através de um espirômetro (Koko; (Ferraris Respiratory, Louisville, CO, EUA). O parâmetro utilizado para a avaliação da função pulmonar foi o VEF1. Os dados estão representados em percentual do previsto a partir de valores de referência.(15)

A análise estatística foi realizada conforme descrito a seguir. A avaliação da distribuição das variáveis foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As variáveis contínuas são apresentadas como médias e IC95%; as medidas categóricas, em frequências absolutas e relativas. Possíveis associações entre a escala LCADL e as covariáveis (DTC6, trabalho realizado no TC6, idade, VEF1 e escala de Borg) foram calculadas por meio de análise de regressão linear (análises bivariadas e multivariadas). Para o modelo multivariado, consideraram-se inicialmente todas as covariáveis que apresentaram valores de p < 0,10 na análise univariada. O procedimento a seguir foi a exclusão, de maneira individual, das covariáveis que apresentassem valores críticos de p (valores não significativos). Esse procedimento foi repetido até que todas as variáveis restantes no modelo apresentassem valores de p < 0,05. A consistência interna da escala foi avaliada por meio do teste alfa de Cronbach, que avalia as correlações específicas entre os itens totais e por domínio. Para o cálculo desse teste, consideram-se adequados os valores de p  0,70.(16) Calculou-se também a proporção de pacientes com pontuação mínima e máxima (floor/ceiling effect).

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Protocolo 3293/10) em maio de 2010.

Resultados

Participaram do presente estudo 26 indivíduos, sendo 10 (38%) do sexo masculino, com média de idade de 48 ± 14 anos. A caracterização da amostra pode ser observada na Tabela 1.

Do total de pacientes participantes do estudo, 14 (54%) e 12 (46%) apresentavam distúrbio ventilatório obstrutivo e restritivo, respectivamente. Os pacientes incluídos no presente estudo apresentavam os seguintes diagnósticos: fibrose pulmonar, em 13 (50%); DPOC, em 4 (15%); fibrose cística, em 2 (8%); bronquiectasias, em 3 (12%), e outras, em 4 (15%).

A proporção média da pontuação total em porcentagem da escala LCADL foi de 36%. Do total de pacientes, 16 obtiveram um escore total da escala LCADL acima de 50%. Na questão qualitativa da escala LCADL, que se refere ao grau de comprometimento das AVD por dispneia, 69% da amostra respondeu que essas estavam "muito" comprometidas.

O valor de alfa global foi de 0,89 e, nos domínios, oscilou entre 0,72 e 0,94. Nenhum paciente apresentou efeito mínimo ou máximo.

Na análise univariada, as variáveis DTC6, escores da escala de Borg modificada e trabalho realizado no TC6 apresentaram associações significativas com o resultado percentual da escala LCADL (Tabela 2).

Na análise multivariada, a DTC6 (Figura 1) e o trabalho realizado no TC6 mostraram uma associação inversa e significativa com o resultado percentual total da escala LCADL (Tabela 3).

Discussão

O presente estudo teve por finalidade verificar a aplicabilidade da escala LCADL em pacientes em lista de espera para transplante de pulmão. Esse instrumento mostrou uma boa confiabilidade e uma associação com a DTC6 e o trabalho realizado no TC6. Os dados demonstraram que o escore total da escala LCADL apresentou uma associação inversa com esses dois parâmetros na população estudada. À medida que o paciente apresenta uma maior pontuação na escala, a DTC6 e o trabalho realizado no TC6 foram menores.

Carpes et al.(8) mostraram que a escala LCADL correlacionava-se com a DTC6 em pacientes com DPOC. Quando comparamos a pontuação da escala com os diferentes diagnósticos dos pacientes, não encontramos diferenças significativas. Todavia, podemos observar que os pacientes com DPOC apresentavam uma maior pontuação na escala em comparação com aqueles com outros diagnósticos. A falta de significância na diferença entre os diferentes diagnósticos pode estar associada à falta de poder para essa análise.

Estudos recentes relataram uma correlação negativa entre a intensidade do movimento nas AVD em pacientes portadores de DPOC em relação ao domínio cuidados pessoais e escore total da escala LCADL.(17) Os resultados apresentados sugeriram que quanto menor a intensidade do movimento nas AVD, maior será o escore total da escala LCADL, indicando uma maior incapacidade funcional do indivíduo em suas AVD. Quando avaliamos a associação entre o trabalho realizado no TC6 e o escore da escala LCADL, essa associação também se mostrou significativa. Um grupo de autores(13) propôs que o produto da DTC6 pelo peso corporal expressaria melhor o desempenho funcional no exercício do que a análise isolada da DTC6, pois o indivíduo executa um trabalho bem definido ao realizar a caminhada, uma vez que transporta o seu próprio corpo a uma determinada distância e durante um período de tempo.

No presente estudo, a escala LCADL apresentou alta consistência interna (alfa), com valor global de 0,90 e entre 0,72 a 0,94 nos domínios. Estudos anteriores demonstraram alta consistência interna da escala LCADL quando submetida a pacientes com DPOC. Um grupo de autores(18) desenvolveu a escala LCADL e a validou para pacientes com DPOC, relatando uma alta consistência interna ( = 0,98), o que demonstra que a escala é uma medida válida de dispneia durante as AVD. Outro grupo(10) mostrou que a versão da escala LCADL em português é reprodutível, apresentando um valor de alfa de 0,86.

No presente estudo, 69% dos pacientes da amostra obtiveram um escore total em porcentagem da escala LCADL acima de 50%, ou seja, apresentaram uma grave limitação por dispneia nas AVD. Um estudo recente sugeriu a utilização de um ponto de corte de 50%, sendo que o escore maior ou igual a esse percentual seria indicativo de grave limitação nas AVD por dispneia.(19) Também se pode considerar que grande parte da amostra estudada referiu que a dispneia interfere muito nas suas AVD, o que leva a crer que a dispneia pode causar grandes restrições para esses pacientes. A presença de dispneia tem sido considerada uma limitação grave para a realização de atividades físicas e sociais, tendo impacto direto na qualidade de vida dos pacientes portadores de enfermidades respiratórias crônicas, obstrutivas ou restritivas, levando ao aumento acentuado de morbidade e mortalidade.(20)

O resultado da escala de Borg modificada (dispneia) não apresentou uma associação significativa com o escore total em porcentagem da escala LCADL na análise univariada. Esse achado pode estar associado a pouca reprodutibilidade da escala de Borg, já relatada em outros estudos, devido à dificuldade dos pacientes em classificar o grau de dispneia devido à dessensibilização.(21) Nesse sentido, a escala LCADL pode ser uma boa ferramenta, de fácil aplicabilidade, na avaliação de pacientes em lista de espera para transplante pulmonar, especialmente aqueles com grande limitação das AVD, nos quais a dispneia é um sintoma incapacitante, inclusive para as atividades rotineiras.(7,18)

O VEF1 não se associou significativamente com o escore total em porcentagem da escala LCADL. Uma justificativa para esse achado é que o VEF1 fornece uma descrição útil da gravidade das alterações pulmonares da doença; no entanto, não avalia de forma sistêmica o impacto da doença no indivíduo em relação a sua capacidade de realizar as AVD devido à dispneia.(18,22)

A idade tampouco apresentou associação com a escala LCADL. Tais achados podem ser atribuídos ao fato de que as escalas de classificação funcional apresentam uma maior relação com sintomas e quadro clínico dos voluntários, não estando esses diretamente relacionados à idade.(19,23) Uma justificativa para a falta de associação entre a escala LCADL e a idade dos pacientes no presente estudo foi o fato de que não foram incluídos participantes com idade mais avançada. Um grupo de autores(24) encontrou uma correlação fortemente negativa entre a idade e a capacidade funcional, evidenciando que o avançar da idade compromete mais o aspecto físico do que o mental.

Uma limitação do presente estudo é o tamanho amostral. No entanto, apesar do número limitado de pacientes, foi possível avaliar que a escala LCADL apresenta um comportamento adequado em relação às propriedades psicométricas, assim como uma forte associação com as medidas objetivas DTC6 e trabalho realizado no TC6.

Concluindo, a escala LCADL forneceu evidências de confiabilidade instrumental, assim como associações com medidas objetivas convencionais para a avaliação do nível de atividade física. Devido ao bom desempenho da LCADL nos pacientes em lista de espera para transplante de pulmão, sugerimos que esse instrumento possa ser uma ferramenta válida e factível na avaliação da dispnéia durante as AVD.

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* Trabalho realizado no Serviço de Fisioterapia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Rita Matiello. Serviço de Fisioterapia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Hospital São José, Avenida Independência, 155, CEP 90035-074, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel. 55 51 3320-3000. E-mail: rimattiello@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 14/11/2011. Aprovado, após revisão, em 16/11/2012.

Sobre os autores
Jocimar Prates Muller
Coordenador. Serviço de Fisioterapia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil; e Professor. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS - São Leopoldo (RS) Brasil.

Patrícia Ayres Guterres Gonçalves
Fisioterapeuta. Serviço de Fisioterapia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Fabrício Farias da Fontoura
Fisioterapeuta. Programa de Reabilitação Pulmonar, Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Rita Mattiello
Fisioterapeuta. Centro Infant, Instituto de Pesquisas Biomédicas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

Juliessa Florian
Fisioterapeuta. Programa de Reabilitação Pulmonar, Pavilhão Pereira Filho, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

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