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Artigo Original

Sistema de suporte à decisão clínica para um programa para profilaxia de tromboembolia venosa em um hospital geral de um país de renda média

A clinical decision support system for venous thromboembolism prophylaxis at a general hospital in a middle-income country

Fernanda Fuzinatto, Fernando Starosta de Waldemar, André Wajner, Cesar Al Alam Elias, Juliana Fernándes Fernandez, João Luiz de Souza Hopf, Sergio Saldanha Menna Barreto

ABSTRACT

Objective: To determine the impact that implementing a combination of a computer-based clinical decision support system and a program of training seminars has on the use of appropriate prophylaxis for venous thromboembolism (VTE). Methods: We conducted a cross-sectional study in two phases (prior to and after the implementation of the new VTE prophylaxis protocol) in order to evaluate the impact that the combined strategy had on the use of appropriate VTE prophylaxis. The study was conducted at Nossa Senhora da ConceiþÒo Hospital, a general hospital in the city of Porto Alegre, Brazil. We included clinical and surgical patients over 18 years of age who were hospitalized for ≥ 48 h. The pre-implementation and post-implementation phase samples comprised 262 and 261 patients, respectively. Results: The baseline characteristics of the two samples were similar, including the distribution of patients by risk level. Comparing the pre-implementation and post-implementation periods, we found that the overall use of appropriate VTE prophylaxis increased from 46.2% to 57.9% (p = 0.01). Looking at specific patient populations, we observed that the use of appropriate VTE prophylaxis increased more dramatically among cancer patients (from 18.1% to 44.1%; p = 0.002) and among patients with three or more risk factors (from 25.0% to 42.9%; p = 0.008), two populations that benefit most from prophylaxis. Conclusions: It is possible to increase the use of appropriate VTE prophylaxis in economically constrained settings through the use of a computerized protocol adhered to by trained professionals. The underutilization of prophylaxis continues to be a major problem, indicative of the need for ongoing improvement in the quality of inpatient care.

Keywords: Venous thrombosis/prevention & control; Venous thromboembolism/prevention & control; Heparin/therapeutic use.

RESUMO

Objetivo: Determinar o impacto da implantação de um sistema informatizado de suporte à decisão clínica combinado com seminários instrucionais na utilização de profilaxia para tromboembolia venosa (TEV) de forma adequada. Métodos: Estudo transversal em duas fases (antes e depois da implantação de um novo protocolo de profilaxia para TEV) para avaliar o impacto que a estratégia combinada teve na utilização adequada da profilaxia para TEV. O estudo foi conduzido no Hospital Nossa Senhora da Conceição, um hospital geral localizado em Porto Alegre (RS). Foram incluídos pacientes clínicos e cirúrgicos com mais de 18 anos com tempo de hospitalização ≥ 48 h. Nas fases pré e pós-implantação, foram incluídos 262 e 261 pacientes, respectivamente. Resultados: As características de base das duas amostras foram semelhantes, inclusive em relação à distribuição dos pacientes por nível de risco. Comparando-se os períodos pré e pós-implantação, verificou-se que a adequação da profilaxia para TEV aumentou de 46,2% para 57,9% (p = 0,01). Ao se observar populações específicas de pacientes, o uso adequado da profilaxia para TVE aumentou dramaticamente em pacientes com câncer (de 18,1% para 44,1%; p = 0,002) e em pacientes com três ou mais fatores de risco (de 25,0% para 42,9%; p = 0,008), populações essas que mais se beneficiam da profilaxia. Conclusões: É possível aumentar o uso de profilaxia adequada para TEV em cenários economicamente desfavoráveis através do uso de protocolos informatizados e de profissionais treinados. A subutilização da profilaxia permanece como um problema importante, destacando a necessidade da melhora continuada na qualidade da assistência hospitalar.

Palavras-chave: Trombose venosa/prevenção & controle; Tromboembolia venosa/prevenção & controle; Heparina/uso terapêutico.

Introdução

A tromboembolia venosa (TEV) compreende duas condições relacionadas - a trombose venosa profunda e a embolia pulmonar - e é responsável por um grande número de complicações em pacientes hospitalizados. A embolia pulmonar responde por 5-10% de todas as mortes em pacientes hospitalizados, o que faz da TEV a principal causa prevenível de óbito intra-hospitalar.(1,2)

A prevenção é a estratégia mais eficaz para reduzir a carga da TEV. Existem evidências consideráveis de que a profilaxia primária com heparina reduz a incidência de TEV sem aumentar o risco de sangramento importante.(3,4) Além disso, a profilaxia para TEV provou ser custo-eficaz, reduzindo os custos do tratamento e encurtando o tempo de hospitalização.(5)

Ao longo da última década, foram publicadas várias diretrizes visando à melhoria das estratégias de prevenção e ao aumento da utilização das mesmas.(5-7) Embora a maioria dos pacientes clínicos e cirúrgicos internados apresente múltiplos fatores de risco para TEV, grandes estudos prospectivos demonstraram que métodos de prevenção de TEV são subutilizados.(8,9) Em um estudo transversal multinacional, a proporção de pacientes hospitalares com risco para TEV variou de 36% a 73% e a proporção de pacientes em uso de profilaxia para TEV variou de 2% a 84%.(10) Isso ilustra a dificuldade de se traduzir na prática o conhecimento difundido na literatura. Essa situação também tem estimulado novas pesquisas para identificação de possíveis obstáculos limitadores da eficácia de medidas de prevenção de TEV e para avaliação de estratégias para implantação de mudanças.(11)

Estratégias passivas e medidas isoladas, como a distribuição de diretrizes e protocolos ou a realização de treinamento uma única vez, têm pouco impacto nas práticas, enquanto a utilização de múltiplas estratégias com ferramentas que trabalham nos vários estágios de difusão do conhecimento tem se mostrado altamente eficaz.(5,12,13) Sistemas informatizados de suporte à decisão clínica (SSDC) e lembretes de computador estão atualmente em uso como estratégias para melhorar a qualidade da assistência à saúde, sendo especialmente eficazes para a profilaxia de TEV.(14)

O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos que uma estratégia combinando a implantação de um SSDC e a organização de seminários instrucionais teve na utilização de profilaxia adequada para TEV. Levantamos a hipótese de que a apresentação, em tempo real, de diretrizes para a profilaxia de TEV aumentaria a proporção de pacientes em uso de profilaxia adequada.

Métodos

Elaborou-se uma estratégia para melhorar a profilaxia de TEV a qual envolveu a criação de um SSDC e a organização de seminários instrucionais. Realizou-se um estudo transversal em duas fases (antes e depois da implantação da nova estratégia) para avaliar a proporção de pacientes em uso de profilaxia adequada para TEV.

O estudo foi realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, que se localiza na cidade de Porto Alegre (RS) e é o maior hospital geral da região sul do Brasil. O hospital é vinculado ao Ministério da Saúde e tem a totalidade de seus atendimentos voltada ao Sistema Único de Saúde. É um hospital de ensino, com 750 leitos para internação de adultos em diversas especialidades clínicas e cirúrgicas, com exceção de ortopedia, trauma e neurocirurgia.

Em agosto de 2008, um grupo de médicos do departamento de medicina interna recebeu o desafio de desenvolver um protocolo de prevenção de TEV. O grupo criou um protocolo, adaptado a partir de diretrizes existentes, para orientar a prescrição da profilaxia para TEV. O consenso do American College of Chest Physicians, publicado em junho de 2008,(5) foi selecionado como a principal fonte de recomendações para o protocolo a ser implantado.

Foram revisadas as evidências atuais para esclarecer áreas de preocupação, tais como principais fatores de risco, contraindicações, profilaxia em pacientes pós-acidente vascular cerebral e alguns tipos de cirurgia.

Para incorporação de novas evidências, foram realizadas pesquisas nas bases de dados Medline e Cochrane e também reuniões com equipes de internistas e outros especialistas para discussão de artigos relativos à sua prática. Para lançamento das recomendações do protocolo, médicos de todos os departamentos do hospital foram convidados a participar de uma última reunião de consenso.

O protocolo de prevenção de TEV estabeleceu fatores de risco, contraindicações ao uso de heparina e medidas profiláticas adequadas de acordo com o risco do paciente para TEV. Adotou-se um modelo que poderia ser facilmente seguido pelo médico prescritor, utilizando-se um SSDC no qual o risco para TEV foi estratificado em três níveis. Cada nível de risco para TEV foi ligado a um menu de opções de profilaxia aceitáveis (Quadro 1). O protocolo não incluiu pacientes com trauma, neurocirúrgicos e ortopédicos. Além disso, foram excluídas gestantes e puérperas.



Nosso hospital dispõe de heparina não fracionada (HNF) e de heparina de baixo peso molecular (HBPM, enoxaparina) para a profilaxia de TEV. Em razão do maior custo da HBPM, apenas a HNF foi incluída no protocolo de prevenção de TEV, já que a HNF é o equivalente terapêutico da HBPM em termos de eficácia e segurança na população clínica e cirúrgica em geral.(5)

Foi estimado que, considerando-se uma prevalência de profilaxia adequada de 50% na primeira fase do estudo, seriam necessárias duas amostras com pelo menos 227 pacientes cada uma para detectar diferenças de pelo menos 15% nessa prevalência entre os dois períodos com precisão suficiente (alfa bicaudal = 0,05 e beta = 0,10).

Na primeira fase do estudo, realizada entre abril e julho de 2009 (antes da implantação do protocolo de prevenção de TEV), a amostra foi composta por 262 pacientes, enquanto a da segunda fase do estudo, realizada entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010 (após a implantação do protocolo), foi composta por 261 pacientes. Em ambas as fases, os dados foram coletados por seis residentes de medicina interna, previamente treinados nas técnicas adequadas, os quais revisaram prontuários e prescrições para obter os dados pertinentes. Nenhum médico assistente foi informado sobre o estudo.

Utilizou-se uma abordagem em dois estágios para implantar as estratégias e integrar o protocolo de prevenção de TEV como um SSDC obrigatório. Primeiro, foram realizados seminários de uma hora de duração para apresentar o protocolo, enfatizando-se a importância da profilaxia e suas indicações, e também para explicar como o SSDC iria funcionar. Residentes e médicos assistentes das diversas especialidades médicas foram convidados a participar. O protocolo foi então incluído como um módulo padronizado de prevenção de TEV em interface com o sistema eletrônico de entrada de prontuários do hospital.

O módulo padronizado de prevenção de TEV era ativado automaticamente no segundo acesso ao prontuário eletrônico após uma internação ou transferência entre unidades, sendo o primeiro acesso geralmente feito pelo médico responsável pela internação e o segundo, pelo médico assistente. Era solicitado que os médicos selecionassem um nível de risco para TEV para cada paciente de acordo com os perfis de risco pré-determinados (Quadro 1) e determinassem se havia alguma contraindicação à profilaxia farmacológica. Quando o nível de risco era selecionado, a dose recomendada de HNF era automaticamente adicionada à prescrição eletrônica para aquele paciente. Em pacientes com contraindicações, a HNF não era incluída na prescrição e o módulo padronizado de prevenção de TEV era automaticamente ativado a cada 48 h para identificar a persistência ou resolução da contraindicação. O médico também podia optar por não utilizar profilaxia em pacientes em uso de anticoagulação. Os médicos que optassem por não seguir as recomendações do protocolo eram requisitados a preencher um formulário justificando essa opção.

O principal desfecho foi o aumento da proporção de pacientes em uso de profilaxia adequada para TEV, comparando-se os períodos pré e pós-implantação. Em ambas as fases, os pacientes foram aleatoriamente selecionados entre os internados nas enfermarias clínicas ou cirúrgicas, incluindo a UTI. A aleatorização foi realizada por meio do sorteio dos leitos, sendo o número de leitos utilizados em cada especialidade proporcional à razão entre o número de leitos disponíveis para essa especialidade e o número total de leitos do hospital. Os critérios de inclusão foram idade maior que 18 anos e tempo de internação, em quaisquer das enfermarias, ≥ 48 h. Os critérios de exclusão foram uso atual de anticoagulantes, gravidez, puerpério e doença tromboembólica aguda prévia.

As principais variáveis estudadas, os fatores de risco e as contraindicações são citadas em um artigo publicado anteriormente.(15) Cada prescrição foi classificada como adequada ou inadequada com base em sua conformidade com o protocolo, após serem considerados o risco do paciente para TEV e a presença de contraindicações ao uso de heparina. Dois dos autores avaliaram a adequação da profilaxia, e casos duvidosos foram discutidos pelo grupo de pesquisa como um todo.

Os pacientes foram estratificados por enfermaria clínica ou cirúrgica e por risco de TEV (baixo, moderado ou alto). A diferença absoluta na proporção de pacientes em uso de profilaxia adequada para TEV entre os dois períodos e o intervalo de confiança de 95% para essa diferença foram calculados para cada estrato. As comparações entre os dois períodos em termos das características clínicas dos pacientes foram testadas utilizando-se o teste do qui-quadrado ou o teste t, conforme o caso. A análise incluiu todos os pacientes elegíveis. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Todos os dados foram analisados utilizando-se os programas Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), e WINPEPI, versão 11.4 (http://www.brixtonhealth.com/pepi4windows.html).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Nossa Senhora da Conceição, e todos os autores assinaram um termo de compromisso para o uso dos dados.

Resultados

Exceto em relação a alguns fatores de risco, as características de base dos pacientes foram semelhantes nas duas fases do estudo (Tabela 1). A distribuição dos pacientes por nível de risco também foi semelhante entre as duas fases. Na primeira e segunda fases, respectivamente, 21,4% e 20,3% dos pacientes eram pacientes pós-operatórios, sendo que os que haviam sido submetidos a cirurgias maiores representavam 66% e 45%, respectivamente.



Quase todos os pacientes incluídos no estudo foram classificados como apresentado risco moderado ou alto para TEV (43,4% e 55,4%, respectivamente). As principais contraindicações foram coagulopatia, sangramento ativo e doença ulcerosa péptica ativa. Nenhuma outra contraindicação foi identificada.

Comparando-se os dados pré e pós-implantação, verificou-se que adequação da profilaxia para TEV aumentou de 46,2% para 57,9% (Tabela 2). A diferença absoluta entre os dois períodos de estudo foi de 11,7% (IC95%: 3,2% a 20,3%), a qual foi estatisticamente significativa (p = 0.01).



Em pacientes com câncer, a utilização de profilaxia adequada para TEV aumentou de 18,1% na fase pré-implantação para 44,1% na fase pós-implantação (diferença absoluta, 26%; IC95%: 9,9% a 42,3%; p = 0,002). Como mostra a Tabela 2, também se observou um aumento significativo em pacientes com múltiplos fatores de risco (de 25,0% para 42,9%; diferença absoluta, 17,9%; IC95%: 4,8 a 30,9%; p = 0,008). Além disso, houve um aumento pós-implantação na utilização de profilaxia adequada para TEV em pacientes com alto risco para TEV (Tabela 3). Entre os pacientes cirúrgicos em pós-operatório (definidos como aqueles que haviam sido submetidos a procedimento cirúrgico nos últimos 30 dias), houve um pequeno aumento pós-implantação na utilização de profilaxia adequada para TEV (de 53,6% para 60,4%), o qual não foi estatisticamente significativo (diferença absoluta, 6,8%; IC95%: −13,6% a 27,2%; p = 0,6). Contudo, entre os pacientes clínicos, houve uma melhora significativa (de 44,2% para 57,2%; diferença absoluta, 13%; IC95%: 3,0% a 23,1%; p = 0,011).



Discussão

Nosso estudo demonstra que a implantação de um SSDC combinado com seminários instrucionais teve um efeito positivo nas práticas dos médicos, aumentando a proporção de pacientes em uso de profilaxia adequada para TEV.

Nossas amostras foram representativas do perfil de risco dos pacientes vistos em nosso hospital, a maioria dos quais é classificada como apresentando risco moderado ou grave para TEV, enfatizando a necessidade de implantação de medidas para melhorar a profilaxia de TEV. Nenhuma das amostras incluiu pacientes classificados como apresentando risco muito alto para TEV (pacientes com trauma, neurocirúrgicos e ortopédicos), pois tais pacientes não são tratados em nosso hospital. A maioria dos pacientes internados em nosso hospital é encaminhada a partir de serviços de emergência, o que deixa poucos leitos disponíveis para internações eletivas. Isso explica o baixo número de pacientes de baixo risco em nossas amostras. O aumento da utilização de profilaxia adequada para TEV foi mais pronunciado em pacientes com câncer e em pacientes com três ou mais fatores de risco para TEV, populações essas que mais se beneficiam da profilaxia.

Vários grupos de defesa da saúde recomendam medidas profiláticas para TEV. Essas recomendações incluem a avaliação do risco para TEV para cada paciente na admissão e regularmente durante a internação, especialmente após transferência para a UTI.(16) Em observância a essas recomendações, o SSDC criado em nosso hospital é automaticamente ativado no segundo acesso ao prontuário eletrônico após uma internação ou transferência entre unidades (ou seja, no primeiro acesso feito pelo médico assistente). Além disso, ele é acionado sempre que detectar que não houve prescrição de heparina.

Há estudos atualmente em andamento que visam à identificação das características que tornam um protocolo eficaz. Protocolos para profilaxia da TEV devem considerar muitos aspectos do processo de tomada de decisões: fatores de risco para TEV, a doença primária (causa da internação), imobilização do paciente e o tipo de cirurgia programado. Considerando-se esses aspectos, os protocolos devem incluir muitos recursos e ainda devem manter a coisas eficientes e simples o suficiente para o uso diário. Possíveis erros incluem listar opções para profilaxia de TEV sem oferecer nenhuma orientação sobre qual escolha é a mais adequada ou desejável, e também fornecer demasiadas informações, tornando o protocolo complicado demais. Alguns conjuntos de normas oferecem de quatro a seis níveis de risco para TEV, mas as evidências para a distinção dos níveis de risco, e também as diferenças entre os tipos de profilaxia, são muitas vezes fracas. Dois a três níveis de risco para TEV são suficientes.(17) Outro possível erro é oferecer profilaxia não-farmacológica para TEV como opção de primeira linha em pacientes sem contraindicações ao uso de métodos farmacológicos.

Na criação de nosso protocolo, consideramos todos esses possíveis erros e construímos uma ferramenta concisa que permite que os médicos tomem uma decisão rápida. Além disso, como o nível de risco e as contraindicações mudam frequentemente em pacientes agudamente enfermos, um link para o protocolo foi permanentemente disponibilizado no prontuário eletrônico para reavaliação. Quando contraindicações eram relatadas, o protocolo era automaticamente acionado para reavaliação em 48 h.

Vários estudos tentaram demonstrar a melhoria da adequação da profilaxia para TEV após a implantação de várias estratégias. Em um ensaio controlado aleatorizado envolvendo 6.371 pacientes hospitalizados, a utilização de alertas eletrônicos aumentou a utilização de heparina de 18,9% para 32,2%.(18) Em um estudo francês sobre pacientes ortopédicos, a utilização de alertas eletrônicos aumentou a adesão às diretrizes de 82,8% para 94,9%.(19) Kucher et al. demonstraram que a aplicação de um SSDC reduz as taxas de trombose venosa profunda e de embolia pulmonar.(20)

Até onde sabemos, nosso estudo é o primeiro a testar os efeitos de um SSDC para profilaxia de TEV em um país de renda média. No Brasil, estudos realizados nas cidades de São Paulo(21) e Salvador(22) mostraram que a distribuição de diretrizes escritas para os médicos não foi eficaz em aumentar a adesão às medidas profiláticas. Uma meta-análise que avaliou a eficácia de diferentes estratégias para aumentar a adesão a medidas profiláticas para TEV também mostrou que medidas passivas, tais como a distribuição de diretrizes, foram ineficazes.(13) Os autores daquele estudo verificaram que a utilização de múltiplas estratégias é mais eficaz do que a utilização de qualquer estratégia isoladamente. Entre os estudos avaliados naquela meta-análise, havia cinco que apresentaram taxas de adesão às diretrizes de mais de 90%. Todos os cinco utilizaram processos interativos de auditoria e feedback, e também incorporaram sistemas de alerta como lembretes de avaliação do risco para TEV.(13) Kawamoto et al. identificaram características de sistemas que são preditivas de apoio eficaz à decisão: geração de apoio à decisão automaticamente como parte do fluxo de trabalho clínico normal, no momento e local da tomada de decisão; utilização de computadores para fornecer apoio; oferecimento de recomendações específicas em vez de meras avaliações. Os autores verificaram que 94% dos SSDC que apresentavam essas características tiveram sucesso em melhorar as práticas dos médicos.(12)

Nossa estratégia envolveu a utilização de HNF por duas razões principais. Primeiro, pacientes que apresentam risco muito alto para TEV, para os quais as evidências da superioridade da HBPM são mais robustas, não são atendidos em nosso hospital. Segundo, embora análises econômicas tenham favorecido marginalmente a utilização da enoxaparina,(23,24) não há análises semelhantes sobre a prevenção de TEV no contexto aqui apresentado - apenas estudos abordando o tratamento de tromboembolia estabelecida.(25) Nossas avaliações locais, com foco nos custos hospitalares, apoiam a utilização da HNF, principalmente em razão das consideráveis diferenças em termos dos custos de aquisição de medicamentos.

Nosso estudo tem várias limitações. A principal delas é inerente ao delineamento observacional e à falta de uma população controle. Estudamos duas populações sequencialmente, e, portanto, é possível que alguma tendência temporal não reconhecida tenha influenciado nossos resultados.

Não é possível excluir fatores de confusão ocultos. Os dados foram obtidos a partir de revisões de prontuários, dificultando o controle de diferenças na coleta de dados. Além disso, avaliamos os efeitos da implantação do protocolo apenas em termos da utilização proporcional de profilaxia adequada para TEV e não avaliamos os desfechos dos pacientes. Contudo, alguns autores agora consideram preferível avaliar processos a desfechos quando se investiga a qualidade da assistência.(26)

Embora a utilização de um SSDC aumente a utilização de profilaxia adequada para TEV, ela ainda está longe da ideal. Mesmo com uma ferramenta simples e rápida, a avaliação errônea dos fatores de risco e contraindicações pode levar o médico a classificar incorretamente o nível de risco do paciente e fazer uma escolha inadequada com relação à profilaxia.

Outra grande limitação de nosso estudo é o fato de que utilizamos um protocolo que foi desenvolvido localmente a partir das diretrizes atuais e não foi validado prospectivamente. Na literatura, há muitos modelos de avaliação de risco para TEV, a maioria dos quais ainda não foi validada e é complexa.(27) Maynard et al. recentemente publicaram um estudo validando um modelo de estratificação de risco para TEV.(28) Os autores demonstraram que um modelo simples com três níveis de risco, implantado por meio de um SSDC, acompanhado por medidas educacionais, auditoria e feedback, aumentou a utilização de profilaxia adequada para TEV de 58% para 98% ao longo de um período de três anos e reduziu o número de eventos tromboembólicos ocorridos no hospital em estudo.(28)

Os resultados de nosso estudo mostram que é possível aumentar a utilização de profilaxia adequada para TEV em um hospital geral de um país de renda média por meio da implantação de um SSDC e da educação da equipe hospitalar. O mesmo SSDC pode ser útil em outras instituições, se o software for adaptado às condições locais. Nossos achados sugerem que outros hospitais no Brasil devem considerar a implantação de um SSDC para aumentar a utilização de profilaxia para TEV, já que estudos avaliando a utilização de protocolos não informatizados mostram que tais protocolos não trazem nenhum benefício.(21,22)

A subutilização da profilaxia para TEV permanece como um problema importante. Embora a estratégia utilizada no presente estudo tenha produzido resultados significativos, ela ainda não é ideal e exige treinamento contínuo da equipe, além de constante melhoria do SSDC.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao Dr. Paulo Bobek o apoio institucional permanente para este esforço. Agradecemos também a Marco Antonio Fish e sua equipe, do escritório de tecnologia da informação médica; ao Dr. Airton Stein o apoio da direção de ensino e pesquisa do hospital; e aos residentes que participaram no início do projeto: Juliana Ferro Schuh, Grasiele Bess e Josiane França.


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Trabalho realizado no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernanda Fuzinatto. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Serviço de Medicina Interna. Avenida Francisco Trein, 596, Cristo Redentor, CEP 91350-200, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel. 55 51 3357-2000. E-mail: ferfuzi@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 21/10/2012. Aprovado, após revisão, em 7/1/2013.



Sobre os autores

Fernanda Fuzinatto
Médica Preceptora do Programa de Residência em Medicina Interna. Hospital Nossa Senhora da Conceição e Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Fernando Starosta de Waldemar
Médico Chefe de Projetos de Melhoria de Qualidade. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

André Wajner
Médico Preceptor do Programa de Residência em Medicina Interna. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Cesar Al Alam Elias
Médico Internista. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Juliana Fernándes Fernandez
Médica Internista. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

João Luiz de Souza Hopf
Médico Internista. Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS) Brasil.

Sergio Saldanha Menna Barreto
Professor Titular. Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.

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