ABSTRACT
The aim of this study was to evaluate the completeness of tuberculosis reporting forms in the greater metropolitan areas of five Brazilian capitals where the incidence of tuberculosis was high in 2010-Salvador, Rio de Janeiro, Cuiabß, Porto Alegre, and BelÚm-using tabulations obtained from the Sistema Nacional de InformaþÒo de Agravos de NotificaþÒo (National Case Registry Database). The degree of completeness was highest in Porto Alegre and Cuiabß, whereas it was lowest in Rio de Janeiro, where there are more reported cases of tuberculosis than in any other Brazilian capital. A low degree of completeness of these forms can affect the quality of the Brazilian National Tuberculosis Control Program, which will have negative consequences for health care and decision-making processes.
Keywords:
Tuberculosis; Public health surveillance; Disease notification.
RESUMO
O objetivo deste estudo foi avaliar a completude das fichas de notificações de tuberculose de cinco capitais brasileiras com alta incidência regional de tuberculose em 2010 - Salvador, Rio de Janeiro, Cuiabá, Porto Alegre e Belém - através dos relatórios de tabulação do Sistema Nacional de Informação de Agravos e Notificações. Porto Alegre e Cuiabá apresentaram os melhores resultados, enquanto o Rio de Janeiro, capital com o maior número de notificações de tuberculose no país, apresentou o pior. A baixa completude desses formulários pode comprometer a qualidade do Programa Nacional de Controle da Tuberculose e repercutir na assistência e nos processos decisórios.
Palavras-chave:
Tuberculose; Vigilância da população; Notificação de doenças.
Estimam-se oito milhões de casos novos de tuberculose por ano no mundo, com dois milhões de óbitos. Mais de 95% dos casos ocorrem em países de terceiro mundo.(1) O Brasil é o 17º em número de casos entre os 22 países com maior incidência de tuberculose,(2) com 32 casos/100.000 habitantes por ano. A incidência da doença no país varia de acordo com a região geográfica, com menores taxas no Centro-Oeste, Sul e Nordeste (21,90, 33,18 e 38,77 casos/100.000 habitantes, respectivamente). No Sudeste, a incidência é de 40,98/100.000 habitantes, enquanto essa é de 47,77/100.000 habitantes no Norte. As maiores proporções de abandono de tratamento, de coinfecção pelo HIV, de incidência e de mortalidade por tuberculose ocorrem nas capitais. As maiores taxas de incidência entre os municípios do Brasil, em suas respectivas regiões, estão em Belém, na região Norte (94,09/100.000 habitantes); Rio de Janeiro, na região Sudeste (89,42/100.000 habitantes); Cuiabá, na região Centro-Oeste (85,65/100.000 habitantes); Salvador, na região Nordeste (72,62/100.000 habitantes); e Porto Alegre, na região Sul (44,39/100.000 habitantes).(3)
A tuberculose é uma doença de notificação compulsória no Brasil desde 1998. As fichas de notificação e acompanhamento são preenchidas pelas unidades assistenciais dos municípios e processadas pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).(4,5) A completude dos campos dessas fichas pode ser considerada um marcador de qualidade, possibilitando o conhecimento da dinâmica da doença, a definição de prioridades de intervenção e a avaliação do impacto das ações desenvolvidas.(5) Objetivando diminuir a morbidade e a mortalidade, assim como intensificar o controle da tuberculose, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) definiu os municípios prioritários para o controle da doença: capitais, cidades com mais de 100.000 habitantes e aquelas com incidência de tuberculose maior que 80% da média nacional ou com taxas de mortalidade por tuberculose superiores a 2,5 óbitos por 100.000 habitantes.(6) Estudos de vigilância da tuberculose demonstraram que, paradoxalmente, municípios prioritários apresentam uma baixa completude das fichas de notificação.(7,8) O objetivo do presente estudo foi determinar a completude das fichas de notificação e acompanhamento de tuberculose de cinco capitais brasileiras.
Para tanto, foi realizado um estudo descritivo avaliando-se os dados da base do SINAN, entre 2001 e 2010, dos municípios de Belém (PA), Rio de Janeiro (RJ), Cuiabá (MT), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS), obedecendo ao critério de seleção de se pesquisar as capitais com maior incidência regional de tuberculose em 2010. (3) A completude das fichas de notificação foi obtida nos relatórios de tabulação do SINAN, com geração automática de tabelas, por dois estudantes de iniciação científica, previamente capacitados, sob a supervisão dos pesquisadores. Foram excluídos os campos preenchidos como "ignorado", "em branco" e "em andamento". As variáveis avaliadas foram categorizadas em grupos: variáveis sociodemográficas - sexo, faixa etária e institucionalização -; variáveis clínicas - tipo de entrada, forma clínica da tuberculose (pulmonar ou extrapulmonar e, nos casos de tuberculose extrapulmonar, se essa era em um único sítio ou se havia formas extrapulmonares associadas [classificadas no presente estudo, respectivamente, como tuberculose extrapulmonar 1 ou 2)] e AIDS como comorbidade -; e variáveis de diagnóstico e de acompanhamento dos casos - primeira e segunda baciloscopias, baciloscopias realizadas no 2º e no 6º mês de tratamento, cultura de escarro, sorologia para o HIV e situação de encerramento. Para a análise da completude das fichas, foi utilizado o sistema de avaliação qualitativa do SINAN, com categorias que vão de 1 a 4, as quais significam, respectivamente, as proporções de completude de 0,0-25,0%, 25,1-50,0%, 50,1-75,0% e 75,1-100,0%.(9)
Entre 2001 e 2010, foram notificados 160.719 casos de tuberculose nas capitais avaliadas - 82.604 no Rio de Janeiro, 34.118 em Salvador, 22.836 em Porto Alegre, 17.132 em Belém e 4.029 em Cuiabá - correspondendo a 18% do total de casos no Brasil. As variáveis faixa etária e sexo foram classificadas como categoria 4 em todas as capitais, atingindo praticamente 100% de preenchimento, enquanto o campo institucionalização foi classificado como categoria 2 nas cinco capitais, variando de 31,6% a 48,4%. Nas Tabelas 1 e 2, são apresentadas as taxas de completude das diferentes variáveis nas cinco capitais avaliadas.
Os resultados do presente estudo evidenciam que, apesar de mais de 40% das variáveis avaliadas estarem na categoria 4 (75,1-100,0% de preenchimento), a proporção de variáveis com baixa completude (categorias 1 e 2) ainda foi elevada. Nenhuma das capitais avaliadas apresentou mais de 70% das variáveis na categoria 4, apesar da recomendação da Coordenação Nacional de Pneumologia Sanitária do Ministério da Saúde quanto ao preenchimento completo das fichas de notificação. As cidades do Rio de Janeiro e Belém apresentaram os piores níveis de completude, com quase 50% das variáveis nas categorias 1 e 2, seguidas por Salvador, com 40%. A completude foi melhor em Porto Alegre e Cuiabá. Esses resultados confirmam estudos anteriores, que evidenciaram uma baixa qualidade de vigilância em um terço dos municípios brasileiros entre os anos de 2001 e 2003(7) e menores proporções de completude das fichas de notificação em municípios com um maior número de casos de tuberculose.(7,8)
Apesar da elevada completude para a variável sorologia para o HIV (categoria 3 em uma capital e categoria 4 nas demais), observou-se baixa completude para a variável AIDS como comorbidade. O preenchimento do campo sorologia para o HIV como "não realizado" para a variável sorologia para o HIV variou de 22,9% a 65,3%, não cumprindo a recomendação do Ministério da Saúde para a realização desse teste em todos os pacientes com tuberculose.(10) No Brasil, o número de casos de tuberculose aumentou 12% após o início da epidemia de AIDS, e o risco de desfecho desfavorável (falha terapêutica, multirresistência e mortalidade) é aproximadamente três vezes superior nos pacientes com a coinfecção tuberculose/AIDS do que naqueles sem a coinfecção,(11) podendo atingir até 55,0%.(12) Dados incompletos quanto à situação de encerramento e á coinfecção por AIDS podem ser resgatados pela técnica de linkage (relacionamento de registros)(13) entre o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos CD4+/CD8+ e Carga Viral, o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos e o SINAN/AIDS. Entretanto, essa e outras técnicas de recuperação de dados epidemiológicos ainda não foram incorporadas à rotina dos técnicos das secretarias de saúde, sendo mais factível investir em melhorias na completude de dados dos formulários do SINAN.
Um dos cinco pilares do tratamento diretamente observado é o sistema de informação para avaliar a detecção de casos, o resultado do tratamento e o desempenho do programa de controle.(14) Baixas completudes refletem inadequações operacionais do PNCT e limitam a análise dos dados dos sistemas de informação em saúde, podendo comprometer as ações para o controle da doença.
Entre 2004 e 2007, o governo brasileiro investiu em capacitações, liberou mais recursos para o sistema de informação do PNCT e instituiu premiações para os municípios prioritários com mais de 90% de encerramento dos casos de tuberculose em 2004 e para aqueles que atingiram 75% dessa meta em 2006.(15) Apesar disso, possíveis explicações para a baixa completude observada nesses municípios podem estar relacionadas a inadequações no número de recursos humanos e na infraestrutura de informática, dificultando o fluxo e a atualização de dados. Além disso, a equipe de saúde pode ter uma percepção burocrática do preenchimento de fichas, dissociando essa ação da qualidade da assistência. Assim, é recomendável aos gestores adequar os sistemas de informação, assim como capacitar e sensibilizar os recursos humanos.
O presente estudo apresenta limitações, como a utilização de dados secundários e o número limitado de variáveis estudadas, mas os resultados encontrados são relevantes pelo fato de termos avaliado 18% de aproximadamente 900 mil casos de tuberculose notificados no Brasil nos últimos dez anos.
Concluindo, a avaliação dessas cinco capitais por um período de dez anos evidenciou que a completude das fichas de notificação de tuberculose foi inferior à recomendada pelo Ministério da Saúde. Essa situação pode comprometer a qualidade do PNCT, por interferir na assistência e nos processos decisórios, o que sugere a necessidade urgente de serem implantadas estratégias inovadoras que possam melhorar a completude das fichas de notificação de tuberculose em todos os níveis (nacional, estadual e municipal).
Referências1. World Health Organization. Global tuberculosis control: WHO report 2011. Geneva: World Health Organization; 2011.
2. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2012 Jan 24]. Notícias. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=1165
3. DATASUS [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2012 Jan 24]. Taxa de Incidência de Tuberculose. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2011/d0202.def
4. Brasil. Portaria GM/MS nº 2325 de 08 de dezembro de 2003. Define a relação de doenças de notificação compulsória para todo território nacional. Diário Oficial da União. Brasília, n° 240, p. 81, 10 de dezembro de 2003. Seção 1.
5. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2012 Jan 24]. O que é o Sinan. Available from: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/index.php?name=Tnet
6. Portal da Saúde [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. [cited 2012 Jan 24]. Nota técnica n° 15 CGPNCT/DEVEP/SVS/MS. [Adobe Acrobat document, 4p.]. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_prioritarios.pdf
7. Braga JU. Tuberculosis surveillance and health information system in Brazil, 2001-2003 [Article in Portuguese]. Rev Saude Publica. 2007;41 Suppl 1:77-88.
8. Moreira CM, Maciel EL. Completeness of tuberculosis control program records in the case registry database of the state of Espírito Santo, Brazil: analysis of the 2001-2005 period. J Bras Pneumol. 2008;34(4):225-9.
9. Ministério da Saúde. SINAN - Relatórios - Manual de operação. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
11. Sanchez M, Bartholomay P, Arakaki-Sanchez D, Enarson D, Bissell K, Barreira D, et al. Outcomes of TB treatment by HIV status in national recording systems in Brazil, 2003-2008. PLoS One. 2012;7(3):e33129.
12. Oliveira HB, Marín-León L, Cardoso JC. Perfil de mortalidade de pacientes com tuberculose relacionada à comorbidade tuberculose-aids. Rev Saude Publica. 2004;38(4):503-10.
13. Almeida MA, Alencar GP. Informações em Saúde: Necessidade de Introdução de Mecanismos de Gerenciamento dos Sistemas. Informe Epidemiológico do SUS. 2000;9(4):241-48.
14. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
15. Santos J. Brazilian response to tuberculosis control [Article in Portuguese]. Rev Saude Publica. 2007;41 Suppl 1:89-94.
Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e no Laboratório Avançado de Saúde Pública, Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz-Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Fernanda Rios-Grassi. Laboratório Avançado de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz-Bahia (FIOCRUZ-BA), Rua Waldemar Falcão, 121, Candeal, CEP 40296-710, Salvador, BA, Brasil.
Tel. 55 71 3176-2213 E-mail: grassi@bahia.fiocruz.br
Apoio financeiro: Louran Andrade Reis Passos é bolsista de iniciação científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Fundação Oswaldo Cruz-Bahia (FIOCRUZ-BA). Afrânio Lineu Kritski é bolsista de produtividade em pesquisa 1A e Bernardo Galvão-Castro Filho é bolsista de produtividade em pesquisa 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Recebido para publicação em 3/9/2012. Aprovado, após revisão, em 28/1/2013.
Sobre os autoresNormeide Pedreira dos Santos
Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil.
Monique Lírio
Médica Residente de Infectologia. Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Louran Andrade Reis Passos
Acadêmico de Medicina. Curso de Graduação em Medicina, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil.
Juarez Pereira Dias
Médico. Vigilância Epidemiológica, Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, Salvador (BA) Brasil.
Afrânio Lineu Kritski
Professor Titular. Programa Acadêmico de Tuberculose, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Bernardo Galvão-Castro
Médico Pesquisador. Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e Laboratório Avançado de Saúde Pública, Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz-BA, Salvador (BA) Brasil.
Maria Fernanda Rios Grassi
Médica Pesquisadora Orientadora. Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e Laboratório Avançado de Saúde Pública, Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, Fundação Oswaldo Cruz-BA, Salvador (BA) Brasil.