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Pneumonia tuberculosa: um estudo de 59 casos confirmados microbiologicamente

Tuberculous pneumonia: a study of 59 microbiologically confirmed cases

Jose Moreira, Jamila Belicanta Fochesatto, Ana L Moreira, Marisa Pereira, Nelson Porto, Bruno Hochhegger

ABSTRACT

Objective: To study the clinical, epidemiological, radiographic and endoscopic features of individuals with tuberculous pneumonia. Methods: We evaluated 2,828 consecutive tuberculosis patients treated at a public health center between December of 2005 and February of 2007. Of those, 59 (2.1%) had pulmonary involvement consistent with fistula between a lymph node and a bronchus. Results: Of the 59 patients studied, 43 (73%) were between 20 and 50 years of age, 31 (53%) were male, and 28 (47%) were Black. The most common symptoms were cough (in 100%), fever (in 88%), expectoration (in 81%), and weight loss (in 40%). Comorbidities were reported in 35 cases (59%), the most common being HIV infection (in 20%) and diabetes (in 15%). On chest X-rays, consolidation was observed, predominantly in the upper lobes (in 68%). The diagnostic confirmation (identification of AFB) was made through the sputum smear microscopy in the majority of the cases and by bronchoscopy (BAL examination or bronchial biopsy) in the remainder. Bronchial lesions were clearly indicative or suggestive of fistula in three cases and five cases, respectively. Conclusions: Tuberculous pneumonia presents as acute respiratory infection, initiating with a dry cough that is followed by fever. Chest X-rays show alveolar consolidation. In most cases, tuberculous pneumonia was accompanied by at least one comorbid condition, the most common being HIV infection, and the etiological diagnosis was made through sputum smear microscopy for AFB. Bronchoscopy findings were indicative of bronchial fistula in eight cases (13%).

Keywords: Mycobacterium tuberculosis; Pneumonia; Bronchial fistula; Lymph nodes.

RESUMO

Objetivo: Estudar os aspectos clínicos, epidemiológicos, radiológicos e endoscópicos encontrados em indivíduos com pneumonia tuberculosa. Métodos: Entre dezembro de 2005 e fevereiro de 2007, foram estudados 2.828 pacientes com tuberculose que foram consecutivamente atendidos em uma unidade de saúde pública. Desses, 59 (2,1%) tiveram envolvimento pulmonar compatível com fístula entre um linfonodo e um brônquio. Resultados: Dos 59 pacientes estudados, 43 (73%) tinham entre 20 e 50 anos de idade, 31 (53%) eram do sexo masculino, e 28 (47%) eram negros. Os sintomas mais frequentes foram tosse (100%), febre (88%), expectoração (81%) e perda de peso (40%). Comorbidades foram registradas em 35 pacientes (59%), especialmente a infecção por HIV (20%) e diabetes (15%). Na radiografia de tórax, a consolidação predominou nos lobos superiores (em 68%). A confirmação diagnóstica (presença de BAAR) foi feita principalmente por baciloscopia direta do escarro, seguida por broncoscopia (LBA e biópsia brônquica). Lesões brônquicas claramente indicativas ou sugestivas de fístula foram identificadas em três casos e cinco casos, respectivamente. Conclusões: A pneumonia tuberculosa apresenta-se como uma infecção respiratória aguda, com tosse seca seguida por febre. A radiografia de tórax mostra consolidação alveolar. Na maioria dos casos, a pneumonia tuberculosa foi acompanhada por pelo menos uma comorbidade, especialmente a infecção por HIV, e a confirmação etiológica foi obtida principalmente através do exame de escarro direto para BAAR. Os achados de broncoscopia foram indicativos de fístula brônquica em oito casos (13%).

Palavras-chave: Mycobacterium tuberculosis; Pneumonia; Fístula brônquica; Linfonodos.

Introdução

Embora a tuberculose possa se apresentar de diversas formas e afetar praticamente qualquer órgão, os pulmões são afetados em aproximadamente 80,0% dos casos. Os sítios extrapulmonares mais frequentemente afetados são a pleura, os linfonodos, os ossos, o trato geniturinário e o sistema nervoso central.(1,2)

Uma complicação da tuberculose ganglionar é a formação de fístula e a consequente migração de bacilos e material caseoso para outras estruturas, como as cavidades pleural, pericárdica e peritoneal, bem como para o brônquio ou a veia pulmonar. A principal característica radiológica da pneumonia tuberculosa é a consolidação da região pulmonar ao redor do brônquio afetado. Clinicamente, tosse seca irritativa tipicamente ocorre alguns dias antes do início da febre e do envolvimento pulmonar, que surgem depois que a fistula está completamente formada,(3) podendo evoluir para desfechos graves.(4)

De acordo com Schwartz,(5) há textos muito antigos sobre aberturas na parede traqueal ou brônquica secundárias a linfonodos tuberculosos adjacentes. Entretanto, relatos mais precisos começaram a surgir ao final do século XVIII, escritos por Morgagni (em 1761), Laluette (em 1780), Cayol (em 1810) e outros. Posteriormente, houve relatos, baseados principalmente em estudos de autópsia, de casos em crianças e adultos.

Dentre os 1.654 pacientes avaliados entre 1942 e 1954,(6-9) foram identificadas fístulas - de diversas dimensões - entre brônquios e linfonodos em 145 (8,7%). As primeiras observações endoscópicas de tais fístulas foram feitas no início do século XX, quando a endoscopia era uma ferramenta diagnóstica reservada para uso em casos clinicamente avançados.(10-12) Em duas séries de casos,(5,13) envolvendo um total de 3.800 pacientes submetidos a endoscopia, os autores identificaram 231 casos de fístulas brônquicas recentes com orifícios visíveis para um linfonodo e 199 casos de cicatrizes na parede bronquial indicativas de fístula prévia (6,1% e 5,2%, respectivamente). Mais recentemente, outros autores avaliaram as modificações ocorridas durante a evolução da tuberculose brônquica.(3,14)

Embora as fístulas brônquicas sejam tipicamente únicas, ocorrendo em um brônquio lobar ou segmentar, houve relatos de fístulas brônquicas múltiplas.(5) A infiltração de material caseoso nos pulmões promove uma reação inflamatória aguda e, consequentemente, consolidação alveolar.(15) Nesse estágio, os resultados do teste tuberculínico podem ser negativos, como ocorre em casos de derrame tuberculoso.(16) O linfonodo drenado pode permanecer como uma cavidade na parede brônquica perfurada, fechando-se mais tarde (deixando uma cicatriz fibrosa ou uma área de calcificação ou desaparecendo sem deixar vestígios).(5,14,17)

Após o estabelecimento da pneumonia tuberculosa, sua evolução dependerá basicamente do número de bacilos presentes no material caseoso aspirado do linfonodo para o pulmão. Se houver poucos germes (ou nenhum germe) na área de consolidação, a pneumonia pode resolver, uma condição previamente designada "epituberculose".(18,19)

Caso contrário, a presença de bacilos promove a progressão da doença, com cavidades necróticas adicionais e disseminação para outras regiões do pulmão. Além disso, pode haver lesões permanentes, como estritura brônquica ou bronquiectasia, particularmente quando o foco é no lobo médio ou língula, resultando em complicações tardias, como sangramento e pneumonia bacteriana recorrente.(20)

Os achados radiológicos e tomográficos na pneumonia tuberculosa são geralmente característicos de consolidação alveolar, cuja localização depende do brônquio envolvido. Opacidades do tipo árvore em brotamento são frequentemente vistas adjacentes à lesão principal.(21,22) Em alguns casos, pode-se observar linfadenopatia mediastinal no local afetado.(23)

A confirmação bacteriológica, com a identificação de Mycobacterium tuberculosis, dá-se por meio de baciloscopia, cultura do escarro, análise de amostras de LBA, broncoscopia aspirativa ou biópsia da lesão brônquica. Em duas séries de casos envolvendo um total de 93 pacientes, M. tuberculosis foi mais frequentemente identificada por meio de baciloscopia, especialmente quando foram conduzidos múltiplos exames.(24,25)

As formas não clássicas de tuberculose pulmonar, inclusive a pneumonia, são frequentemente vistas em indivíduos HIV positivos. Em uma recente série de casos de 231 pacientes com tuberculose pulmonar, 113 eram HIV positivos.(26)

O objetivo deste estudo foi analisar achados clínicos, epidemiológicos, radiológicos e endoscópicos em uma coorte de indivíduos adultos com pneumonia tuberculosa confirmada microbiologicamente.

Métodos

Foram estudados 2.828 pacientes com tuberculose atendidos consecutivamente em um centro de saúde pública na cidade de Porto Alegre (RS) entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2007. Do total de pacientes, 59 (2,1%) apresentaram quadro clínico e radiológico de consolidação pulmonar não cavitária, com confirmação microbiológica (identificação de BAAR por meio de baciloscopia, cultura de escarro, análise de amostras de LBA ou biópsia através de fibrobroncoscopia), e foram selecionados para inclusão no estudo. Para a baciloscopia, utilizamos o método de Ziehl-Neelsen, e as culturas foram realizadas em meio de Löwenstein-Jensen. Foram excluídos os pacientes com outras formas de tuberculose, bem como aqueles que não apresentaram confirmação microbiológica. A investigação radiológica, broncoscópica e microbiológica foi conduzida por profissionais experientes.

Os dados foram armazenados e analisados no programa Microsoft Excel 2003. Para comparar as proporções, foram usados a estatística descritiva e o teste do qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Dentre os 59 pacientes com pneumonia tuberculosa, houve discreta predominância de indivíduos do sexo masculino e de indivíduos brancos. Dos 59 pacientes, 43 (72,9%) tinham entre 20 e 50 anos de idade (Tabela 1).




Observou-se que 35 (59,3%) dos pacientes apresentaram pelo menos uma comorbidade, especialmente infecção por HIV e diabetes (Tabela 2). Os sintomas mais comuns foram tosse, geralmente seca no início, e febre (Tabela 3).







Em 38 (64,4%) dos pacientes, a contagem de leucócitos não se mostrou significativamente alterada, sendo observada leucocitose com discreto desvio à esquerda em 21 (35,6%). O teste tuberculínico com PPD (2 UT) foi negativo em 10 (38,5%) dos 26 pacientes submetidos ao teste.
Observou-se consolidação pulmonar nos lobos superiores, principalmente no direito, em 40 (67,8%) dos casos, uma frequência significativamente maior que a observada em outros locais (p < 0,001), embora o lobo médio tenha sido afetado em 9 casos (15,3%). Pequenos focos isolados, adjacentes à lesão principal, foram observados na maioria dos pacientes (Figura 1).



Obteve-se confirmação microbiológica principalmente por meio de baciloscopia, que foi positiva para BAAR em 41 (69,5%) dos 59 pacientes. Realizou-se broncoscopia em 18 pacientes (30,5%). Lesão da parede brônquica foi identificada e submetida a biópsia em 8 (44,4%) dos 18 pacientes. Os achados claramente indicaram a presença de fístula em 3 (16,7%), ao passo que em 5 (27,8%), os achados sugeriram a presença de fístula (evidência de cicatrização). Nos 8 pacientes, as alterações foram identificadas em grandes brônquios. Nos 18 pacientes submetidos a broncoscopia, fez-se o diagnóstico microbiológico por meio da análise das amostras da biópsia ou do LBA (Tabela 4).





Em 57 (96,6%) dos pacientes, o tratamento administrado foi a combinação rifampicina-isoniazida-pirazinamida, ao passo que em 2 (3,4%), o tratamento administrado foi a combinação estreptomicina-isoniazida-etambutol. Houve melhora clínica e radiológica progressiva, e a febre cedeu após 2-3 semanas de tratamento. Na maioria dos casos, as reações adversas foram mínimas, embora 3 dos pacientes (5,1%) tenham desenvolvido hepatite.

Discussão

No início, diferentemente do que ocorre na forma clássica de tuberculose pulmonar, a apresentação clínica típica da pneumonia tuberculosa é aguda, com tosse, febre e dor torácica, sendo frequentemente confundida com pneumonia bacteriana comum e tratada como tal. Isso ocorreu em dois dos casos avaliados no presente estudo. Entretanto, à medida que a doença evolui e o paciente não responde a antibióticos, estabelece-se o diagnóstico correto. Portanto, em casos de pneumonia, deve-se considerar a tuberculose, especialmente em regiões onde a doença é mais prevalente e em indivíduos HIV positivos.(26,27)

No sul do Brasil, há mais brancos que não-brancos.(28) Entretanto, no presente estudo, 28 (47,5%) dos casos de pneumonia tuberculosa ocorreram em negros. Tal achado vai ao encontro daqueles relatados em outros estudos.(24,25) Observamos que a prevalência de pneumonia tuberculosa entre pacientes ambulatoriais com tuberculose atendidos consecutivamente foi de 2,1%, uma prevalência menor que a relatada por Picon et al., de 7,8%.(24) Entretanto, os autores em questão avaliaram apenas pacientes, sua amostra era menor (n = 231) e a proporção de pacientes HIV positivos era maior em seu estudo.

Em nosso estudo, a presença de tosse seca antes dos demais sintomas respiratórios e dos sintomas sistêmicos sugeriu o diagnóstico clínico de pneumonia tuberculosa. A presença de bloco de consolidação e pequenos focos isolados adjacentes na radiografia também eram indicativos da condição. Embora a confirmação microbiológica geralmente se dê por meio de baciloscopia, é ocasionalmente necessário coletar amostras por meio de broncoscopia, como ocorreu no presente estudo. Já que esse tipo de lesão frequentemente contém poucos germes, podem ser necessários múltiplos exames de escarro para detectar BAAR.

Encontramos evidências de fístula recente ou prévia em 44,4% dos pacientes submetidos a exame broncoscópico, uma proporção similar àquela relatada em estudos prévios.(3,5,13,14) Deve-se ter em mente que a broncoscopia é tipicamente reservada para casos em que não haja confirmação prévia por meio de baciloscopia ou para casos mais avançados, nos quais a fístula talvez não possa ser observada tão facilmente.

Nas radiografias de tórax, observamos o predomínio de lesões nos lobos superiores, um achado que vai ao encontro daqueles relatados em outros estudos sobre tuberculose pulmonar.(21,22) Entretanto, em casos de pneumonia tuberculosa, consolidações no lobo médio e no inferior não são incomuns e refletem as variações na localização do linfonodo afetado que causa a fístula. No presente estudo, houve envolvimento do lobo médio em 15,3% dos casos, proporção menor que a encontrada em uma recente revisão de 85 casos.(29)

Os resultados do teste tuberculínico foram negativos em 38,5% dos pacientes submetidos ao teste, uma proporção significativamente maior que a relatada em uma série de 50 pacientes adultos com tuberculose pulmonar ativa (14,0%).(30) Essa elevada taxa de negatividade para o teste tuberculínico vai ao encontro dos achados de outros estudos e pode ser parcialmente atribuída ao número relativamente elevado de pacientes HIV positivos em nossa amostra. Entretanto, tal achado pode também ser interpretado como um resultado do sequestro de células T responsivas na grande área de inflamação, conforme descrito em casos de derrame pleural em pacientes com tuberculose.(16) Observou-se leucocitose com desvio à esquerda em apenas 35,6% de nossos pacientes com pneumonia tuberculosa, conforme previamente relatado,(23,24) o que é obviamente diferente do que ocorre em casos típicos de pneumonia bacteriana. Tanto a boa resposta ao tratamento com os antituberculosos utilizados como a baixa frequência de efeitos colaterais foram condizentes com o que se espera do manejo da tuberculose em geral.


Referências


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* Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Bruno Hochhegger. Rua João Alfredo, 558/301, Cidade Baixa, CEP 90050-230, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3314-3665. E-mail: brunohochhegger@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 27/5/2010. Aprovado, após revisão, em 25/11/2010



Sobre os autores

Jose Moreira
Professor. Programa de Pós-Graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Médico. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Jamila Belicanta Fochesatto
Pós-Graduanda. Programa de Pós-Graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Ana L Moreira
Professora. Programa de Pós-Graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Marisa Pereira
Médica. Centro de Saúde Pública no. 2, Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul - SSMA-RS - Porto Alegre (RS) Brasil.

Nelson Porto
Radiologista. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

Bruno Hochhegger
Radiologista. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.

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