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Contribuição da curva de fluxo-volume na detecção de obstrução da via aérea central

Contribution of flow-volume curves to the detection of central airway obstruction

Liliana Bárbara Perestrelo de Andrade e Raposo, António Bugalho, Maria João Marques Gomes

ABSTRACT

Objective: To assess the sensitivity and specificity of flow-volume curves in detecting central airway obstruction (CAO), and to determine whether their quantitative and qualitative criteria are associated with the location, type and degree of obstruction. Methods: Over a four-month period, we consecutively evaluated patients with bronchoscopy indicated. Over a one-week period, all patients underwent clinical evaluation, flow-volume curve, bronchoscopy, and completed a dyspnea scale. Four reviewers, blinded to quantitative and clinical data, and bronchoscopy results, classified the morphology of the curves. A fifth reviewer determined the morphological criteria, as well as the quantitative criteria. Results: We studied 82 patients, 36 (44%) of whom had CAO. The sensitivity and specificity of the flow-volume curves in detecting CAO were, respectively, 88.9% and 91.3% (quantitative criteria) and 30.6% and 93.5% (qualitative criteria). The most prevalent quantitative criteria in our sample were FEF50%/FIF50% ≥ 1, in 83% of patients, and FEV1/PEF ≥ 8 mL . L−1 . min−1, in 36%, both being associated with the type, location, and degree of obstruction (p < 0.05). There was concordance among the reviewers as to the presence of CAO. There is a relationship between the degree of obstruction and dyspnea. Conclusions: The quantitative criteria should always be calculated for flow-volume curves in order to detect CAO, because of the low sensitivity of the qualitative criteria. Both FEF50%/FIF50% ≥ 1 and FEV1/PEF ≥ 8 mL . L−1 . min−1 were associated with the location, type and degree of obstruction.

Keywords: Bronchoscopy; Maximal expiratory flow-volume curves; Sensitivity and specificity; Lung neoplasms.

RESUMO

Objetivo: Verificar a sensibilidade e especificidade das curvas de fluxo-volume na detecção de obstrução da via aérea central (OVAC), e se os critérios qualitativos e quantitativos da curva se relacionam com a localização, o tipo e o grau de obstrução. Métodos: Durante quatro meses foram selecionados, consecutivamente, indivíduos com indicação para broncoscopia. Todos efetuaram avaliação clínica, preenchimento de escala de dispneia, curva de fluxo-volume e broncoscopia num intervalo de uma semana. Quatro revisores classificaram a morfologia da curva sem conhecimento dos dados quantitativos, clínicos e broncoscopicos. Um quinto revisor averiguou os critérios morfológicos e quantitativos. Resultados: Foram incluídos 82 doentes, 36 (44%) com OVAC. A sensibilidade e especificidade da curva de fluxo-volume na detecção de OVAC foram, respectivamente, de 88,9% e 91,3% (critérios quantitativos) e de 30,6% e 93,5% (critérios qualitativos). Os critérios quantitativos mais frequentes na amostra foram o FEF50%/FIF50% ≥ 1 em 83% e o VEF1/PFE ≥ 8 mL . L−1 . min−1 em 36% dos doentes, e ambos se relacionaram com o tipo, a localização e o grau de obstrução (p < 0,05). Houve concordância dos revisores quanto à existência ou não de OVAC. Existe relação entre o grau de obstrução e o de dispneia. Conclusões: Os critérios quantitativos devem ser sempre calculados nas curvas de fluxo-volume de forma a detectar OVAC, dado a baixa sensibilidade dos critérios qualitativos. Os critérios FEF50%/FIF50% ≥ 1 e VEF1/PFE ≥ 8 mL . L−1 . min−1 foram relacionados com a localização, o tipo e o grau de obstrução.

Palavras-chave: Broncoscopia; Curvas de fluxo-volume expiratório máximo; Sensibilidade e especificidade; Neoplasias pulmonares.

Introdução

A obstrução da via aérea central (OVAC) é um processo patológico que conduz a limitação do fluxo aéreo ao nível dos espaços glótico, subglótico, traqueia e brônquios principais. O correto diagnóstico e tratamento da OVAC constituem um território de interesse e preocupação para os profissionais de saúde, dado o potencial para originar significativa morbidade e mortalidade.

A sua incidência e prevalência são desconhecidas; no entanto, as características epidemiológicas do câncer de pulmão em nível internacional e o aumento da sobrevivência com instituição de terapêuticas de maior eficácia apontam para um número crescente de doentes com invasão da via aérea proximal. Ernst et al.(1) salientam que 20 a 30% dos doentes com câncer de pulmão desenvolvem complicações relacionadas com OVAC, enquanto Cavaliere et al.(2) estimam que 35% das neoplasias do pulmão causam obstrução da traqueia e brônquios principais. Valores preocupantes encontram-se publicados por Miyazawa et al., que afirmam que a presença de OVAC pode atingir 50% dos doentes com neoplasia do pulmão.(3) Em Portugal, o número de óbitos por tumor maligno do pulmão, traqueia e brônquios principais aumentou de 1,5%, em 1981, para 2,28%, em 2008, o que permite especular um aumento de incidência de OVAC.(4)

Dada a ausência de especificidade e subjetividade dos sintomas que caracterizam a OVAC, impõe-se a implementação de métodos diagnósticos eficazes na avaliação da mesma. Diversos trabalhos evidenciam que a broncoscopia rígida ou flexível é necessária no diagnóstico definitivo de OVAC e que apenas com o uso dessas técnicas é possível visualizar e caracterizar diretamente a natureza, grau e extensão das lesões.(5−7) Embora esses exames possibilitem a aquisição de conhecimentos acerca da etiologia e do caráter estrutural da OVAC, eles são invasivos e não fornecem informações sobre a repercussão fisiopatológica. O estudo funcional respiratório, através da análise das curvas de fluxo-volume obtidas por manobras forçadas, constitui o método mais indicado.(1,8,9)

As curvas de fluxo-volume são uma expressão gráfica do fluxo aéreo determinado a diferentes volumes, sendo utilizadas desde o final da década de 60 do século XX para detecção de OVAC. Tornaram-se objeto de interesse quando alguns autores propuseram a relação entre fluxos expiratórios e inspiratórios forçados a 50% da CVF (FEF50%/FIF50%)  1 como o primeiro critério quantitativo de diagnóstico de OVAC.(10,11) Posteriormente, outros foram disponibilizados, nomeadamente o VEF1/PFE  10 mL . L−1 . min−1, o FIF50% < 100 mL e o VEF1/VEF0,5  1,5.(12,13) Em 2005, Pellegrino et al. sugerem que o critério VEF1/PFE  8 mL . L−1 . min−1 poderá indicar a presença de OVAC e aconselham a realização de exames complementares para a sua confirmação.(14) Existem igualmente alterações qualitativas ou morfológicas obtidas pela análise visual da curva de fluxo-volume que podem contribuir para o diagnóstico de OVAC e que englobam a existência de um planalto na porção inspiratória da curva de fluxo-volume (obstrução variável extratorácica), um planalto na porção expiratória da curva (obstrução variável intratorácica) e um planalto na porção inspiratória e expiratória (obstrução fixa).(11,12)

A maioria dos estudos sobre esse tema foi publicada há muitos anos, possuindo falhas metodológicas e ausência de uniformização. Também a evolução tecnológica recentemente verificada, nomeadamente no que se refere aos métodos de diagnóstico e à sofisticação dos novos espirômetros, não tem produzido avanços significativos nesse domínio. A noção generalizada de que os critérios quantitativos e qualitativos fazem suspeitar sempre da presença de OVAC carece de confirmação.

O objetivo principal do presente trabalho consistiu em avaliar se as curvas de fluxo-volume são um método sensível e específico na detecção de OVAC. Como objetivos secundários, procurou-se verificar se os critérios quantitativos se relacionam com a localização, o tipo e o grau de obstrução; se existe um critério quantitativo que melhor identifique a presença de OVAC; se pode existir OVAC sem que esta repercuta na morfologia da curva; e se existe relação entre o grau de obstrução e o grau de dispneia.

Métodos


Entre novembro de 2009 e abril de 2010 foi efetuado um estudo observacional, transversal e prospectivo. A população alvo foi constituída por doentes com indicação clínica para a realização de broncoscopia. Para a amostra, os doentes foram selecionados consecutivamente, sendo os critérios de inclusão: indicação clínica para a realização de broncoscopia (com ou sem suspeita de OVAC); capacidade de realização de provas funcionais respiratórias, em particular curva de fluxo-volume; consentimento informado de participação. Os critérios de exclusão englobaram: instabilidade hemodinâmica; incapacidade de realização das curvas de fluxo-volume, cumprindo o controle de qualidade; idade inferior a 18 anos; presença de contraindicações para a realização de broncoscopia ou curvas de fluxo-volume; recusa em participar do estudo. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, e todos os doentes assinaram um consentimento informado de participação, após os objetivos do mesmo lhes terem sido explicados, verbalmente e por escrito.

Cada doente foi submetido a um exame físico sumário e registro do grau de dispneia utilizando a escala Medical Research Council (MRC) com 5 graus.(15)

A broncoscopia foi realizada utilizando-se broncoscópio flexível (BF-P180, Olympus, Tóquio, Japão), que foi introduzido pela cavidade nasal ou oral com progressão até as cordas vocais e via aérea inferior, sendo visualizada a árvore brônquica alcançada pelo equipamento em toda a sua extensão e bilateralmente. Para o registro das alterações, foi utilizada a classificação proposta por Freitag et al. para indicação do grau, tipo e localização da obstrução.(16)

As curvas de fluxo-volume foram realizadas por um técnico de cardiopneumologia utilizando um pletismógrafo (Vmax 6200; SensorMedics, Yorba Linda, CA, EUA) previamente calibrado. Os procedimentos foram efetuados de acordo com as diretrizes propostas pela American Thoracic Society/European Respiratory Society Task Force de 2005.(14) Foram realizadas pelo menos três curvas de fluxo-volume, sendo duas delas reprodutíveis, cumprindo os critérios de controle de qualidade recomendados. A melhor curva foi escolhida pelo somatório da melhor CVF e melhor VEF1. Para cálculo dos valores inspiratórios, foi utilizada a curva que obteve o melhor esforço inspiratório, ou seja, maior FIF50%.

Para cada doente, as avaliações funcionais, clínicas e endoscópicas ocorreram com um intervalo máximo de uma semana. Os dados recolhidos foram registrados num formulário especialmente construído para este trabalho.

Subsequentemente foram retiradas cópias da morfologia das curvas de fluxo-volume (sem os parâmetros quantitativos), procedendo-se à sua compilação de forma aleatória. Para verificar a concordância entre a morfologia da curva e a identificação ou exclusão da OVAC, foi solicitado a quatro revisores com experiência na realização e interpretação de provas funcionais respiratórias e sem conhecimento das restantes avaliações (quantitativas ou broncoscópicas) que as classificassem quanto à sua morfologia através de uma escala de Likert: 1) nada sugestiva de OVAC; 2) pouco sugestiva de OVAC; 3) razoavelmente sugestiva de OVAC; 4) muito sugestiva de OVAC. Um quinto revisor independente realizou todos os cálculos quantitativos e qualitativos das curvas.

Para tratamento dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os testes utilizados incluíram o teste não paramétrico de Mann-Whitney, para variáveis ordinais medidas em duas amostras independentes, e os coeficientes de correlação de Pearson e Spearman, para variáveis nominais e ordinais. Para determinar a sensibilidade e especificidade da curva de fluxo-volume foi utilizado o teste de regressão binomial, sendo a variável dependente, obstrução confirmada por broncoscopia, e as variáveis independentes, cada um dos critérios quantitativos e qualitativos da curva. Para a caracterização da amostra foram utilizados testes de estatística descritiva. Quando aplicável, foram apresentados intervalos de confiança de 95% ou 99% dos testes em estudo.

Resultados

Durante quatro meses, foram selecionados consecutivamente 107 doentes. Desses, 25 (23%) foram excluídos por não preencherem os critérios de inclusão do estudo: 8 (32%) por não se conseguir determinar o grau de obstrução, 6 (24%) por não realizarem as curvas de fluxo-volume com qualidade, 9 (36%) por instabilidade hemodinâmica e 2 (8%) por se recusarem participar do estudo. Dos restantes 82 doentes, 36 (44%) tinham OVAC confirmada por broncoscopia. Os doentes foram divididos em dois grupos: com e sem OVAC. As características demográficas encontram-se descritas na tabela 1, verificando-se ausência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos com relação à média de idades, gênero e hábitos tabágicos. No que concerne aos diagnósticos que motivaram a realização de broncoscopia, no grupo de doentes com OVAC, 30 (83%) possuíam neoplasia pulmonar maligna e 6 (17%), patologia benigna, e no grupo sem OVAC, em 26 (56,5%) confirmou-se neoplasia maligna e, em 20 (43,5%), patologia benigna.




Foram averiguadas a sensibilidade e a especificidade da curva de fluxo-volume, quando se utilizaram os critérios quantitativos e qualitativos isoladamente e agregados (Tabela 2). Verificou-se que a utilização de todos os critérios quantitativos associados aos qualitativos manteve a especificidade elevada (89,8%), possibilitando um aumento da sensibilidade (93,9%).



Com o objetivo de verificar se os profissionais estão atentos aos aspetos morfológicos da curva de fluxo-volume, utilizaram-se o teste de contagem de frequências e a correlação de Spearman, no sentido de verificar a concordância entre os revisores. Os resultados mostram que todos os revisores se correlacionaram entre si, dirigindo-se no mesmo sentido com um IC95%, ou seja, ou se dirigiram no sentido de que havia obstrução ou no de inexistência de obstrução.

Estudou-se a correlação entre os critérios quantitativos e qualitativos com a localização da obstrução utilizando-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney e a correlação de Pearson (Tabela 3). Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os doentes que tinham presente o critério FEF50%/FIF50%  1 em todas as localizações, exceto no terço médio da traqueia. Os critérios VEF1/PFE  10 mL . L−1 . min−1 e VEF1/PFE  8 mL . L−1 . min−1 estavam presentes quando a obstrução se localizou no terço inferior da traqueia ou no brônquio principal direito (BPD; p < 0,05). O VEF1/VEF0,5  1,5 verificou-se quando a localização da obstrução foi nos terços médio e inferior da traqueia (p < 0,01). No que concerne aos critérios qualitativos, encontrou-se relação com as localizações nos terços médio e inferior da traqueia e no BPD (p < 0,01).



Para verificar uma possível relação entre os critérios quantitativos e qualitativos e o tipo de obstrução foram utilizadas as correlações de Pearson e Spearman (Tabela 4). Os resultados indicaram que os critérios FEF50%/FIF50%  1 e VEF1/PFE  8 mL . L−1 . min−1 se relacionaram com a obstrução do tipo intra e extraluminal. O critério VEF1/PFE  10 mL . L−1 . min−1 surgiu para obstruções do tipo extraluminal ou misto (p < 0,05), e o VEF1/VEF0,5  1,5 foi encontrado quando a obstrução foi do tipo extraluminal. Para os critérios qualitativos verificou-se a presença de alteração da morfologia da curva quando a obstrução foi do tipo intraluminal (p < 0,01).



Quanto à correlação entre os critérios quantitativos e qualitativos e o grau de obstrução, utilizou-se a correlação de Spearman (Tabela 5). Observou-se que os dois critérios que melhor se relacionaram com o grau de obstrução foram o FEF50%/FIF50%  1 e o VEF1/PFE  8 mL . L−1 . min−1. Quer para os critérios quantitativos, quer para os qualitativos, essa correlação foi positiva, ou seja, quanto maior o grau de obstrução, maior a possibilidade de se encontrarem as alterações morfológicas e os critérios quantitativos mencionados.



Para avaliação da presença de dispneia e a localização da obstrução, utilizou-se a correlação de Spearman. Verificou-se uma correlação entre a presença de dispneia e a localização da obstrução no terço superior da traqueia (p < 0,05), bem como com o grau de obstrução (p < 0,05), sendo essa correlação positiva, ou seja, quanto maior o grau de obstrução, maior o grau de dispneia referido pelos doentes.

Discussão

Este trabalho demonstrou que os critérios quantitativos da curva de fluxo-volume têm elevada sensibilidade e especificidade na detecção de OVAC e que os critérios morfológicos têm baixa sensibilidade mas elevada especificidade. Esses dados reforçam a necessidade de uma inspeção cuidadosa da morfologia da curva, mas a necessidade de uma avaliação quantitativa dos valores em todas as curvas é mandatória.

A avaliação e o tratamento dos doentes com OVAC requerem um profundo conhecimento da sua etiologia, fisiologia, diagnóstico e opções terapêuticas. O estudo de cada indivíduo deve abranger múltiplas vertentes, entre as quais se salienta o componente clínico (sinais e sintomas), a repercussão fisiopatológica (função respiratória) e o estudo por imagem (TC de tórax e técnicas endoscópicas da via aérea). A compilação desses dados, associada à etiologia, constitui um fator importante para estabelecer o prognóstico, determinar a necessidade de tratamento ou delinear uma futura intervenção terapêutica. Relativamente à etiologia, a população estudada englobou doentes com OVAC por estenose benigna, na sua maioria pós-intubação, e por estenose maligna, no contexto de invasão tumoral da via aérea proximal, o que confirma a elevada prevalência dessas patologias.(1,2)

Do ponto de vista fisiopatológico, a literatura refere que, quando a OVAC é ligeira, a diminuição do débito aéreo pode ser escassa ou nula, mantendo-se o doente assintomático em repouso ou dispneico para esforços, e que, perante obstrução marcada do calibre da traqueia, surgem sintomas em repouso.(1,5,9) Os nossos resultados comprovam, igualmente, uma relação entre o grau de dispneia e o de obstrução. Verificamos também a existência de associação entre a dispneia de qualquer grau avaliada pela escala MRC e a presença de obstrução localizada no terço superior da traqueia.

Um fator de extrema importância consiste no fato de esse sintoma ser comum a várias patologias do sistema cardiorrespiratório, pelo que a hipótese de OVAC não é muitas vezes aventada. A solicitação de curva de fluxo-volume é comum nesses doentes, evidenciando o nosso trabalho a presença de OVAC sem alterações qualitativas da curva. Podemos especular que esse resultado pode se dever ao número de fumantes que constituíam o grupo com OVAC. A carga tabágica elevada pode se traduzir em doença pulmonar obstrutiva crônica subjacente, passível de originar modificações na morfologia da curva de fluxo-volume, o que está em consonância com a literatura internacional.(1,16) A realização sistemática dos cálculos quantitativos permitiria aumentar a rentabilidade diagnóstica de OVAC.

Verificou-se uma boa correlação entre os indivíduos que fizeram a revisão morfológica das curvas de fluxo-volume relativamente à existência e ausência de OVAC, tendo ficado demonstrado que estavam sensibilizados para a presença de alterações morfológicas que pudessem conduzir a uma identificação da mesma. Esses resultados estão em concordância com os de Watson et al., que utilizaram uma metodologia similar para detectar alterações morfológicas na curva de fluxo-volume compatíveis com disfunção das cordas vocais.(17) Recentemente Sterner et al. avaliaram 2.662 curvas de fluxo-volume com o objetivo de perceber se as alterações da fase inspiratória seriam compatíveis com a presença de OVAC.(18) Em apenas 50% dos doentes foi confirmada a sua existência. Tal fato alerta uma vez mais para a necessidade do cumprimento dos critérios de qualidade com a verificação da quantitativa de todas as curvas de fluxo-volume.

Apesar de os critérios qualitativos terem sido identificados há cerca de 40 anos, identificaram-se dois outros estudos na literatura conduzidos com o objetivo de avaliar a sensibilidade da curva de fluxo-volume na detecção de OVAC: o de Miller et al.(19) e o de Modrykamien et al.(20)

O primeiro refere valores de 100% de sensibilidade e de 78% de especificidade para os critérios qualitativos. A diferença na metodologia utilizada, nomeadamente a população em estudo (100% de doentes com bócio e compressão extrínseca), pode ter explicado a diferença encontrada para os nossos resultados, pois os nossos doentes tinham maioritariamente patologia de origem maligna intraluminal.

O segundo trabalho demonstra que os critérios qualitativos possuem uma sensibilidade de 5,5% e especificidade de 93,6%. Esses resultados estão em concordância com os encontrados no nosso trabalho. A semelhança metodológica encontrada entre os dois estudos, nomeadamente nas características da população estudada, poderá ter originado essa aproximação de resultados.

Quando se relacionaram as alterações morfológicas e a localização da obstrução, os resultados apontam para uma correlação entre os critérios quantitativos e a localização da obstrução nos 2/3 inferiores da traqueia e no BPD. Esses dados estão em concordância com os de um estudo de Hira & Sing,(21) que encontraram alterações da morfologia da curva relacionadas com obstruções ao nível da traqueia.

Quanto à relação com o tipo de obstrução, apenas foi possível encontrá-la quando a obstrução é do tipo intraluminal. A maioria dos doentes com OVAC (75%) apresentava esse tipo de obstrução, e não encontrando estudos na literatura que suportem esses resultados, poder-se-á inferir que, devido à reduzida dimensão da nossa amostra com alterações desse tipo, outras relações não foram encontradas.

No que diz respeito aos critérios quantitativos, nossos resultados evidenciaram o FEF50%/FIF50%  1 como o mais frequente em doentes com OVAC (em 83%), à semelhança do publicado pelos estudos de Miller & Hyatt,(10) Yernault et al.(11) e também Das et al.,(22) que encontraram esse critério em 86,5% da sua amostra. Por outro lado, também foi verificado que esse critério se relaciona com todas as localizações de OVAC, exceto com a localização no terço médio da traqueia. O estudo de Rotman et al.(13) e o de Hira & Sing(21) foram semelhantes, relacionando esse critério com a presença de obstrução na variável extratorácica.

O segundo critério com mais prevalência neste estudo foi o VEF1/PFE  8 mL . L−1 . min−1 (em 36% da nossa amostra). Estudos prévios sugerem esse critério como de extrema importância na detecção de OVAC, como é o caso do de Miller et al.,(21) que encontraram uma especificidade de 94% e sensibilidade de 64% em doentes com OVAC por bócio. Resultados similares foram também encontrados por Brooks & Fairfax,(23) que identificaram a presença desse critério num trabalho que apresenta três casos de doentes com OVAC confirmada por broncoscopia flexível.

À semelhança do critério anterior, esse critério foi relacionado com OVAC no terço inferior da traqueia ou no BPD e também com as obstruções dos tipos intraluminal e extraluminal. Salienta-se uma vez mais que nossos resultados são originais, dado que não existem outros trabalhos identificados na literatura científica que procurem responder a essa questão.

A necessidade de estudos futuros sobre essa temática parece-nos importante. Algumas das nossas questões de investigação não puderam ser comparadas com estudos prévios devido à inexistência dos mesmos. Possivelmente a metodologia deste estudo, nomeadamente a dimensão da amostra, que não permitiu posicionar um número expressivo de doentes em todos os graus de obstrução e em todas as localizações da mesma, possa ter contribuído para os resultados do mesmo. No futuro, sugere-se um estudo com uma amostra de maiores dimensões, no sentido de criar grupos significativos de doentes com OVAC em diferentes localizações.

Este trabalho evidenciou que as curvas de fluxo-volume têm uma contribuição importante na detecção de OVAC e que as mesmas poderão conduzir a um diagnóstico mais célere, traduzindo-se em benefícios econômicos e predominantemente em benefícios na qualidade de vida do doente.

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*Trabalho realizado na Unidade de Fisiopatologia Respiratória, Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal.
Endereço para correspondência: Liliana Andrade e Raposo. Rua Cesário Verde, 39, 2º Direito, Queijas, 2790-491, Oeiras, Portugal.
Tel. 351 21 754-8547. E-mail: liliana.raposo@cardiocvp.net
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Recebido para publicação em 31/1/2013. Aprovado, após revisão, em 16/7/2013.




Sobre os autores

Liliana Bárbara Perestrelo de Andrade e Raposo
Técnica de Cardiopneumologia. Unidade de Fisiopatologia Respiratória, Serviço de Pneumologia, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, Lisboa, Portugal.

António Bugalho
Pneumologista Coordenador. Unidade de Pneumologia de Intervenção, Hospital Beatriz Ângelo, Loures, Portugal; e Centro de Estudo de Doenças Crônicas - CEDOC - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

Maria João Marques Gomes
Doutorada em Pneumologia. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

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