Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
6126
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Cartas ao Editor

Cardiomiopatia induzida por stress após acidente vascular cerebral isquêmico agudo durante broncoscopia flexível: uma rara sequência de complicações

Stress cardiomyopathy following acute ischemic stroke during flexible bronchoscopy: a rare sequence of complications

Sonja Badovinac, Marta Korsic, Branka Cucevic, Valentina Slivnjak, Andrea Vukic Dugac, Marko Jakopovic

Ao Editor:

A broncoscopia flexível é um procedimento de rotina usado em um amplo espectro de patologias das vias aéreas, com rara incidência de complicações graves. Gostaríamos de apresentar um caso de uma sequência rara e peculiar de complicações em uma paciente tratada em nossa clínica. Uma mulher de 74 anos de idade com angiossarcoma metastático na parede torácica - com múltiplas metástases pulmonares conhecidas - previamente tratada com quimioterapia e sem histórico médico de doenças vasculares foi admitida em nossa clínica por causa de hemoptise e febre. No momento da admissão, o estado neurológico da paciente era normal, e a paciente não apresentava sinais de dor torácica. O eletrocardiograma (ECG) basal não apresentou resultados significativos (Figura 1A). Os exames laboratoriais revelaram anemia normocítica (hemoglobina: 97 g/L; hematócrito: 0,295 g/L), leucocitose (10,9 × 109 células/L) e proteína C reativa elevada (219,4 mg/L). Não foram registrados sinais de comprometimento renal ou hepático. A fibrobroncoscopia foi indicada, e um coágulo sanguíneo foi encontrado no brônquio do lobo inferior esquerdo. Após a aspiração do coágulo, não houve sinais de sangramento ativo. Durante o procedimento, a paciente parou de reagir, apresentou midríase e parou de respirar, mas não apresentou alterações do ritmo cardíaco. A paciente foi intubada e inicialmente ventilada manualmente. Passou a respirar espontaneamente, mas permaneceu inconsciente durante as seis horas seguintes. No momento da admissão na UTI, sua pressão arterial era de 95/70 mmHg e sua saturação de oxigênio era de 93%. A paciente recebeu suporte de oxigênio, que foi interrompido quando sua pressão arterial tornou-se normal e a saturação de oxigênio ficou acima de 96%. Inicialmente, a paciente foi tratada com infusão intravenosa de solução salina glicosada, aspirina, corticosteroides sistêmicos e diazepam. A paciente apresentava desvio bulbar direito, espasmo tônico do braço direito e paralisia flácida no lado esquerdo. A paciente não apresentava sinal de Babinski à esquerda.



A ressonância magnética cerebral demonstrou lesões isquêmicas cerebrais no córtex frontal direito, sem sinais de hemorragia ou metástases cerebrais. Posteriormente, o ECG mostrou ondas T negativas profundas nas derivações anterolaterais (Figura 1B), com ligeira elevação da troponina (troponina T: 0,270 µg/L). Os achados da ecocardiografia transtorácica foram característicos: fração de ejeção de 45%, hipocinesia dos segmentos apicais e médios e hipercinesia dos segmentos basais do ventrículo esquerdo - a síndrome do balonamento apical (Figura 2). Foram realizados testes laboratoriais de controle, e não houve achados patológicos indicativos de comprometimento hepático ou renal secundário. O tratamento de suporte com um inibidor da enzima conversora de angiotensina, um betabloqueador, aspirina, e um diurético resultou em diminuição dos níveis de troponina dentro de 24 h (0,130 µg/L) e melhora clínica. A paciente ficou 4 dias na UTI, seguidos de 27 dias de internação hospitalar.



A paciente sofreu danos neurológicos graves, com hemiplegia esquerda, mas testes posteriores revelaram normalização dos achados cardiológicos e ECG normal (Figura 1C). Durante a hospitalização, não houve recorrência da hemoptise. A reabilitação neurológica da paciente foi realizada após a alta.

A broncoscopia flexível é uma técnica de diagnóstico e intervenção, amplamente usada para diversas patologias pulmonares. Introduzida no final da década de 1960, a broncoscopia flexível foi reconhecida como um dos pilares diagnósticos e terapêuticos da medicina pulmonar. É um procedimento seguro. Em um estudo retrospectivo recente, a taxa global de complicações graves foi de 0,5%.(1) As complicações mais comuns foram relacionadas à anestesia local (0,3-0,5%), hipoxemia (0,2-21,0%), arritmias (1-10%), sangramento após biópsia (0,12-7,50%), pneumotórax/pneumomediastino (1-6%) e febre (0,9-2,5%). A morte ocorre em 0,1-0,2% dos casos.(2) Uma das poucas complicações graves que podem excepcionalmente ocorrer durante o procedimento é o acidente vascular cerebral isquêmico secundário a ritmo cardíaco alterado, hipoxemia ou embolia aérea.(1,2)

A cardiomiopatia induzida por estresse, reconhecida como uma forma única de cardiomiopatia transitória e descrita pela primeira vez em 1990,(3,4) é um comprometimento cardíaco reversível que imita um evento cardíaco isquêmico agudo sem alterações morfopatológicas significativas das artérias coronárias.(3) A cardiomiopatia induzida por estresse tem as seguintes características: novas alterações do segmento ST no ECG (elevação e/ou inversão da onda T), modesta elevação de biomarcadores de lesão miocárdica (troponina I, troponina T e creatinoquinase MB), disfunção ventricular esquerda transitória, sinais ecocardiográficos de hipocinesia/acinesia e balonamento da parte apical do ventrículo esquerdo com redução da fração de ejeção ventricular esquerda.(4,5)

A cardiomiopatia induzida por estresse pode ocorrer após estresse mental ou físico agudo, hemorragia subaracnoide, acidente vascular cerebral isquêmico, grande trauma craniano, doença médica aguda, exacerbação de feocromocitoma e como resultado da administração exógena de catecolaminas.(6-9)

Os mecanismos patofisiológicos para o aparecimento dessas doenças não são completamente compreendidos, mas há evidência de níveis elevados de catecolaminas, o que indica uma ligação com estresse extremo prévio.(10) Todas as alterações são reversíveis, o tratamento de suporte é geralmente suficiente e pode-se esperar a normalização da função ventricular esquerda dentro de 1 a 3 meses.(8)

Nossa paciente apresentou uma sequência rara de complicações durante e após a fibrobroncoscopia. Sabe-se que complicações cerebrovasculares e cardiovasculares são mais comuns em pacientes oncológicos, mas essa sequência particular de complicações merece atenção. Como a paciente apresentou hemoptise, era extremamente importante que se estabelecesse o diagnóstico correto de cardiomiopatia transitória, em virtude do risco de sangramento recorrente caso a cardiomiopatia induzida por estresse tivesse sido confundida com síndrome coronariana aguda e a paciente tivesse recebido terapia anticoagulante. Portanto, estar ciente das possíveis complicações e familiarizar-se com elas, ter as ferramentas diagnósticas apropriadas e ter conhecimento do manejo são fundamentais para o sucesso do tratamento de tais eventos. Até onde sabemos, este é o primeiro relato de caso de tal sequência de complicações relacionadas à broncoscopia em um paciente.

Sonja Badovinac
Médica, Departamento de Doenças Respiratórias, Centro Hospitalar Universitário Zagreb, Faculdade de Medicina da Universidade de Zagreb, Zagreb, Croácia

Marta Korsic
Médica, Departamento de Doenças Respiratórias, Centro Hospitalar Universitário Zagreb, Faculdade de Medicina da Universidade de Zagreb, Zagreb, Croácia

Branka Cucevic
Chefe, Departamento de Oncologia Pulmonar, Centro Hospitalar Universitário Zagreb, Faculdade de Medicina da Universidade de Zagreb, Zagreb, Croácia

Valentina Slivnjak
Médica,Departamento de Cardiologia, Hospital para Reabilitação Médica Krapinske Toplice, Krapinske Toplice, Croácia

Andrea Vukic Dugac
Médica, Departamento de Doenças Respiratórias, Centro Hospitalar Universitário Zagreb, Faculdade de Medicina da Universidade de Zagreb, Zagreb, Croácia

Marko Jakopovic
Chefe, Departamento de Circulação Pulmonar, Centro Hospitalar Universitário Zagreb, Faculdade de Medicina da Universidade de Zagreb, Zagreb, Croácia


Referências

1. Pue CA, Pacht ER. Complications of fiberoptic bronchoscopy at a university hospital. Chest. 1995;107(2):430-2. http://dx.doi.org/10.1378/chest.107.2.430

2. Geraci G, Pisello F, Sciumè C, Li Volsi F, Romeo M, Modica G. Complication of flexible fiberoptic bronchoscopy. Literature review [Article in Italian]. Ann Ital Chir. 2007;78(3):183-92. PMid:17722491

3. Akashi YJ, Nakazawa K, Sakakibara M, Miyake F, Koike H, Sasaka K. The clinical features of takotsubo cardiomyopathy. QJM. 2003;96(8):563-73. http://dx.doi.org/10.1093/qjmed/hcg096 PMid:12897341

4. Prasad A, Lerman A, Rihal CS. Apical ballooning syndrome (Tako-Tsubo or stress cardiomyopathy): a mimic of acute myocardial infarction. Am Heart J. 2008;155(3):408-17. http://dx.doi.org/10.1016/j.ahj.2007.11.008 PMid:18294473

5. Gianni M, Dentali F, Grandi AM, Sumner G, Hiralal R, Lonn E. Apical ballooning syndrome or takotsubo cardiomyopathy: a systematic review. Eur Heart J. 2006;27(13):1523-9. http://dx.doi.org/10.1093/eurheartj/ehl032 PMid:16720686

6. Ako J, Sudhir K, Farouque HM, Honda Y, Fitzgerald PJ. Transient left ventricular dysfunction under severe stress: brain-heart relationship revisited. Am J Med. 2006;119(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.amjmed.2005.08.022 PMid:16431176

7. Lee VH, Oh JK, Mulvagh SL, Wijdicks EF. Mechanisms in neurogenic stress cardiomyopathy after aneurysmal subarachnoid hemorrhage. Neurocrit Care. 2006;5(3):243-9. http://dx.doi.org/10.1385/NCC:5:3:243

8. Bybee KA, Prasad A. Stress-related cardiomyopathy syndromes. Circulation. 2008;118(4):397-409. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.106.677625 PMid:18645066

9. Yoshimura S, Toyoda K, Ohara T, Nagasawa H, Ohtani N, Kuwashiro T, et al. Takotsubo cardiomyopathy in acute ischemic stroke. Ann Neurol. 2008;64(5):547-54. http://dx.doi.org/10.1002/ana.21459 PMid:18688801

10. Wittstein IS, Thiemann DR, Lima JA, Baughman KL, Schulman SP, Gerstenblith G, et al. Neurohumoral features of myocardial stunning due to sudden emotional stress. N Engl J Med. 2005;352(6):539-48. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa043046 PMid:15703419

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia