ABSTRACT
Objective: To validate and develop an immunonephelometric assay for the determination of alpha-1 antitrypsin (AAT) levels in dried blood spots from COPD patients in Brazil. Methods: We determined AAT levels in serum samples and dried blood spots from 192 COPD patients. For the preparation of dried blood spots, a disk (diameter, 6 mm) was placed into a tube, eluted with 200 µL of PBS, and stored overnight at 4°C. All of the samples were analyzed by immunonephelometry in duplicate. We used the bootstrap resampling method in order to determine a cut-off point for AAT levels in dried blood spots. Results: The correlation coefficient between the AAT levels in serum samples and those in dried blood spots was r = 0.45. For dried blood spots, the cut-off value was 2.02 mg/dL (97% CI: 1.45-2.64 mg/dL), with a sensitivity, specificity, positive predictive value, and negative predictive value of 100%, 95.7%, 27.2%, and 100%, respectively. Conclusions: This method for the determination of AAT levels in dried blood spots appears to be a reliable screening tool for patients with AAT deficiency.
RESUMO
Objetivo: Validar e desenvolver um método de dosagem de alfa-1 antitripsina (AAT) por imunonefelometria em amostras de sangue em papel-filtro em pacientes com DPOC no Brasil. Métodos: Amostras de soro e de sangue em papel-filtro de 192 pacientes com DPOC foram utilizadas para a dosagem de AAT. Para a preparação das amostras de sangue em papel-filtro, um disco do papel com diâmetro de 6 mm foi colocado em um tubo e eluído com 200 µL de PBS, permanecendo por toda a noite a 4°C. Todas as amostras foram analisadas em duplicata por imunonefelometria. O método de reamostragem bootstrap foi utilizado para a determinação de um ponto de corte para o nível de AAT nas amostras de sangue em papel-filtro. Resultados: O coeficiente de correlação entre os níveis de AAT em soro e em sangue em papel-filtro foi de r = 0,45. Para as amostras em papel-filtro, o ponto de corte foi de 2,02 mg/dL (IC97%: 1,45-2,64 mg/dL), com sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo de 100%, 95,7%, 27,2% e 100%, respectivamente. Conclusões: Este método de determinação dos níveis de AAT em sangue em papel-filtro se mostrou uma ferramenta confiável para o rastreamento de pacientes com deficiência de AAT.
Palavras-chave:
Deficiência de alfa 1-antitripsina; Nefelometria e turbidimetria; Doença pulmonar obstrutiva crônica.
IntroduçãoA deficiência de alfa-1 antitripsina (AAT) é uma alteração genética autossômica codominante, resultante de mutações no gene SERPINA1 responsável pela síntese da proteína AAT.(1) É caracterizada por redução dos níveis plasmáticos da AAT circulante e está associada ao aumento do risco de enfisema pulmonar precoce,(2) doenças hepáticas e paniculite.(3)
A deficiência de AAT já foi considerada uma doença rara; entretanto, segundo dados epidemiológicos atuais, é uma condição genética altamente prevalente, mas frequentemente subdiagnosticada na prática clínica.(3-5) Estimativas de estudos desenvolvidos em oito países (Canadá, Holanda, Espanha, Reino Unido, Itália, Suécia, Nova Zelândia e Austrália) mostram que apenas 0,41% e 0,35% dos indivíduos com fenótipo PiZZ e SS, respectivamente, já tinham sido reconhecidos.(6) No Brasil, não existem dados epidemiológicos referentes à prevalência da deficiência de AAT, nem da frequência dos alelos deficientes.(7)
Recentes recomendações da Organização Mundial de Saúde, American Thoracic Society e European Respiratory Society preconizam a realização de testes quantitativos para a concentração plasmática de AAT, especialmente em pacientes com DPOC, doença hepática com etiologia desconhecida, paniculite necrosante, bronquiectasia com etiologia desconhecida ou história familiar de doença hepática, paniculite necrosante, DPOC e bronquiectasia.(8,9) O diagnóstico precoce é fundamental para o prognóstico de pessoas com deficiência de AAT, uma vez que a história natural do comprometimento pulmonar é diretamente afetada por fatores ambientais potencialmente modificáveis, como o tabagismo.(10,11)
O diagnóstico da deficiência de AAT é baseado na avaliação quantitativa dos níveis séricos de AAT e na determinação do fenótipo através da fenotipagem e/ou genotipagem.(12,13) Um dos problemas para a realização de programas de triagem refere-se ao manuseio e transporte do sangue. A implantação da técnica de sangue em papel-filtro possibilitaria a sua utilização em programas populacionais, pois é uma técnica minimamente invasiva, de fácil armazenamento e que permite o seu transporte de diferentes regiões para o laboratório central, sem necessidade de técnicas complexas e de alto custo para a conservação das amostras.(9,14) Além disso, essas amostras também podem ser utilizadas para a realização de fenotipagem e genotipagem, se necessário.(13,15) A técnica de sangue em papel-filtro para a dosagem da AAT ainda não foi desenvolvida no Brasil, e são poucos os laboratórios que dosam a sua concentração sérica. Considerando-se a extensão territorial do Brasil, é importante a implantação do método de sangue em papel-filtro no país.
Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo o desenvolvimento e a validação de um método de dosagem de AAT por imunonefelometria em amostras de sangue em papel-filtro em pacientes com DPOC no Brasil.
MétodosEste foi um estudo transversal que avaliou pacientes com DPOC recrutados no Ambulatório de DPOC do Centro de Reabilitação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo no período entre julho e setembro de 2011.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: ter diagnóstico de DPOC segundo os critérios da European Respiratory Society: apresentar VEF1/CVF em % do previsto após o uso de broncodilatador menor do que 88% para homens e menor do que 89% para mulheres(16); apresentar estabilidade clínica nas ultimas seis semanas(17); e ter idade igual ou superior a 40 anos. Foram excluídos do estudo pacientes com diagnóstico prévio de deficiência de AAT com sintomas clínicos de asma ou qualquer quadro inflamatório ou infeccioso não pulmonar que elevasse a concentração sérica de AAT.
Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre esclarecido. As dosagens de AAT foram realizadas pelo Centro de Diagnóstico Brasil, localizado na cidade de São Paulo. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo, protocolo número 0633/10.
Todos os pacientes incluídos no estudo tinham realizado espirometria recentemente (há menos de um ano) utilizando um espirômetro portátil, da marca Easy One® (NDD Medical Technologies, Chelmsford, MA, EUA, e Zurique, Suíça). Os valores de referência para o cálculo do percentual do previsto basearam-se nos padrões de referência do terceiro National Health and Nutrition Examination Survey.(18)
Após a avaliação da espirometria e dos critérios de inclusão e exclusão, os pacientes foram submetidos à coleta de sangue de duas formas: sangue colhido da veia cubital em um tubo com EDTA e centrifugado a 3.200 rpm durante 30 min, sendo o soro separado e armazenado à −20°C; e gotejamento do sangue periférico, obtido por uma picadura na região distal de um dos dedos da mão, sobre um papel-filtro (Whatman 903, lot W101; Whatman/GE Healthcare, Florham Park, NJ, EUA); o papel-filtro foi seco durante 12 h em ar ambiente e então armazenado à −20°C até o momento da análise.(19)
Para a análise das amostras de sangue em papel-filtro, os cartões foram perfurados com um diâmetro de 6 mm, e o círculo foi colocado em tubos Eppendorf com a adição de 200 µL de PBS. Essa solução permaneceu a 4°C por 12 h durante a noite que antecedeu a sua análise. No dia posterior, os papeis foram retirados da solução e, subsequentemente, a amostra foi centrifugada com rotação de 3.200 rpm durante 30 min para a separação dos resíduos do papel-filtro (parte sólida) do líquido da amostra, que é denominado eluato. Quanto ao soro, ele foi descongelado e centrifugado durante 30 min com rotação de 3.200 rpm. Tanto as amostras do soro quanto as do eluato foram analisadas em um equipamento Siemens BNII (Siemens Healthcare, Indianápolis, IN, EUA).
A calibração do equipamento foi realizada com o soro calibrador padrão SL de proteína N (Nephelometry; Siemens Healthcare). As curvas de calibração foram testadas com diferentes diluições (1:160; 1:80; 1:40; 1:20; 1:10; e 1:5). A margem de desvio da proteína padrão e o valor obtido foram aceitos entre uma variação de +5 a −5. Além disso, foram realizados controles diários com o padrão SL em diferentes concentrações de AAT: baixa (101,0 mg/dL); média (159,0 mg/dL); e alta (231,0 mg/dL).
Para a análise da concentração de AAT, foi utilizado o reagente antissoro N, que é um soro animal líquido produzido por imunização de coelhos com AAT humana altamente purificada (Siemens Healthcare).
As amostras do eluato e as amostras séricas foram colocadas em tubos de acrílico de 5 mL para serem analisadas pelo método de imunonefelometria. Esse método caracteriza-se pela emissão de um feixe de luz intenso sobre uma amostra que contém complexos imunes entre a proteína de AAT e anticorpos anti-AAT. O feixe de luz, ao entrar em contato com esse complexo imune, é refletido e captado por um fotômetro, sendo a intensidade da radiação refletida proporcional à quantidade de antígeno-anticorpo presente na amostra. Para as amostras séricas, o equipamento dilui automaticamente as amostras em 1:20, que é a concentração necessária para atingir o equilíbrio antígeno-anticorpo no ensaio. No entanto, as amostras de sangue em papel-filtro contêm um volume muito menor de soro, tornando a diluição desnecessária (1:1), conforme publicações anteriores.(19,20)
A análise estatística foi realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 18.0 para Windows (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram expressas como média e desvio-padrão, e as variáveis categóricas foram expressas como porcentagem. A correlação de Pearson foi aplicada para determinar a associação entre duas variáveis paramétricas, a saber, valores séricos de AAT obtidos em duplicata; valores do eluato medidos em duplicata; e valores de AAT sérica em relação aos valores do eluato.
Para a determinação do ponto de corte e do intervalo de confiança de 97% para as amostras de sangue em papel-filtro, foi utilizado o método de reamostragem bootstrap. Esse método consiste na técnica de reamostragem, pela qual os dados da amostra real (a amostra do estudo) são sorteados (com N − 1) para observações, sendo gerados intervalos de confiança para cada valor calculado. A amostra é sorteada 1.000 vezes, e são realizados 1.000 modelos para cada uma dessas amostras N − 1, aumentando o seu poder em casos de amostras pequenas e melhorando os estimadores de confiança quando a distribuição da amostra não é conhecida ou quando a distribuição populacional não é conhecida. O ponto de corte para as amostras de sangue em papel-filtro foi também caracterizado pela sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN).
ResultadosForam contatados 240 pacientes ao longo dos três meses do estudo. No entanto, somente 192 pacientes preenchiam os critérios de elegibilidade. Dos 48 indivíduos excluídos, 17 apresentavam exacerbações, 18 não preencheram os critérios espirométricos de DPOC, 5 apresentavam resposta ao broncodilatador e história compatível com asma, 3 apresentavam bronquiectasia, 2 apresentavam sarcoidose pulmonar, 2 apresentaram câncer pulmonar e 1 apresentava sequela de tuberculose pulmonar.
Os dados demográficos dos participantes do estudo estão descritos na Tabela 1. Não houve diferenças significativas entre os sexos. A média de idade da população estudada foi de 68,5 ± 9,6 anos. Os indivíduos eram, predominantemente, da raça branca.
As medidas da espirometria estão descritas na Tabela 1, e, como esperado para pacientes com DPOC, os valores da relação VEF1/CVF e de VEF1, em percentual do valor previsto, caracterizavam o distúrbio ventilatório obstrutivo.
A quantificação de AAT no soro e no eluato de sangue em papel-filtro foi realizada em duplicata para a avaliação da reprodutibilidade da amostra. A Figura 1 mostra a correlação entre as duas medidas da AAT sérica (r = 0,98), e a Figura 2A mostra a correlação entre as duas medidas do eluato de sangue em papel-filtro (r = 0,52).
Algumas amostras de eluato apresentaram turbidez em uma das duas medidas realizadas, interferindo no valor obtido de AAT e ocasionando disparidade entre as duas medidas da mesma amostra. Por esse motivo, realizamos uma segunda correlação entre as amostras que não apresentaram turbidez nas duas medidas do eluato (n = 116). A segunda análise apresentou uma correlação de r = 0,84 (Figura 2B). Entretanto, nenhum dos três pacientes com deficiência de AAT, conforme as medidas de AAT sérica, método considerado como o padrão ouro, foi incluído nessa análise, pois havia turbidez em uma das amostras da duplicata.
Para a análise da correlação entre a concentração de AAT sérica e a do eluato de sangue em papel-filtro, foi selecionado um dos valores dessa no soro e no eluato que não apresentasse turbidez. A correlação encontrada foi de r = 0,45 (Figura 3).
Para a determinação da sensibilidade e especificidade do método utilizando o eluato, foi utilizado o método de reamostragem bootstrap, comparando os valores de medição do soro (padrão ouro) com os valores encontrados no eluato de sangue em papel-filtro para a determinação de um ponto de corte para os valores obtidos no eluato; o valor encontrado foi de 2,02 mg/dL (IC97%: 1,45-2,64). Os valores de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN dos valores de eluato de sangue em papel-filtro estão demonstrados na Tabela 2. Todos os três pacientes com deficiência de AAT da amostra apresentavam dosagens de AAT inferiores a 1,80 mg/dL (62,6 mg/dL no soro); os dois valores (2,02 mg/dL e 2,64 mg/dL) apresentaram sensibilidade e VPN de 100%. Quando utilizamos o ponto de corte de 2,02 mg/dL, do total de 192 pacientes da amostra, 14 precisariam realizar o exame no soro para o diagnóstico dos 3 pacientes com deficiência de AAT. Entretanto, com o valor de 2,64 mg/dL, 32 pacientes precisariam realizar o exame no soro para o diagnóstico dos mesmos 3 pacientes.
DiscussãoO objetivo do presente estudo foi desenvolver e validar a técnica de dosagem da proteína AAT em eluato de sangue em papel-filtro pelo método de imunonefelometria em pacientes com DPOC. Optamos por criar um intervalo de confiança a partir do ponto de corte definido pela técnica de reamostragem bootstrap, avaliando a sensibilidade e a especificidade dos valores e a sua interferência na escolha clínica para a triagem de novos pacientes.
O teste quantitativo da AAT sérica é recomendado para o diagnóstico da deficiência de AAT.(9) Entretanto, esse teste não é realizado na grande maioria das cidades brasileiras; o manuseio, armazenamento, transporte e custos inviabilizam a sua utilização em larga escala. Em vista disso, a imunonefelometria de amostras de sangue em papel-filtro se torna uma atraente opção para a acessibilidade do teste,(21) já que o mesmo pode ser enviado pelo correio de qualquer lugar do Brasil para um laboratório central.(22) No presente estudo, as amostras de sangue em papel-filtro foram congeladas a −20°C, pois elas não foram analisadas logo após a sua coleta. Porém, as amostras de sangue em papel-filtro podem ser mantidas em ar ambiente durante o período de uma semana, assim como nas temperaturas de 4°C e −20°C durante quatro semanas.(19)
Os resultados de AAT das amostras séricas em duplicata foram altamente reprodutíveis (r = 0,98), mostrando a excelente estabilidade das amostras. A correlação entre a AAT sérica e a determinada a partir de amostras de sangue em papel-filtro foi baixa (r = 0,45), sugerindo que os valores em amostras de sangue em papel-filtro não podem ser comparados quantitativamente aos encontrados no soro. Esse achado difere dos encontrados por alguns autores, que observaram uma boa correlação entre a determinação em amostra de sangue em papel-filtro e a dosagem sérica de AAT. Wencker et al. realizaram a validação do método de imunonefelometria em 427 pacientes com doença pulmonar e encontraram uma correlação excelente dos valores obtidos em sangue em papel-filtro e os em soro (r = 0,95), sem nenhum resultado falso-negativo ou falso-positivo.(22) Esses resultados corroboram os achados de Costa et al. em 500 amostras séricas e em sangue em papel-filtro, que obtiveram uma boa correlação (r2 = 0,86).(19) Entretanto, os autores salientam que, apesar de as duas técnicas apresentarem boa correlação, o uso de sangue em papel-filtro não é um método quantitativo, mas semiquantitativo, sendo apropriado para a triagem, baseado em um ponto de corte, fornecendo resultados positivos ou negativos para a presença da proteína de AAT. Um grupo de pesquisadores italianos também validou o método com o uso de sangue em papel-filtro comparado com o método padrão no soro em 149 pacientes com concentrações séricas baixas ou muito baixas de AAT (0,16-0,53 g/L) e em indivíduos com AAT em níveis intermediários ou normais (0,54-2,93 g/L). Os coeficientes de correlação dos dois grupos foram r2 = 0,98 e r2 = 0,90, respectivamente.(20) No entanto, os autores não avaliaram seus resultados em relação a VPP e VPN para a avaliação de sensibilidade e especificidade.
O fato de haver uma reconhecida variação no método de imunonefelometria nos levou a calcular um intervalo de confiança, obtendo-se os valores mínimos e máximos em relação ao valor do ponto de corte. Para a elaboração desse intervalo, foi utilizado o método de reamostragem bootstrap, pois a população de indivíduos portadores da deficiência foi pequena. Essa análise possibilitou o aumento do poder amostral, pois ela refez o cálculo 1.000 vezes, encontrando o ponto de corte de 2,02 mg/dL e deixando o IC97% mais preciso (1,45-2,64 mg/dL). A partir desses resultados, foram avaliadas a sensibilidade, especificidade, VPP e VPN do ponto de corte estabelecido por esse tipo de amostragem (Tabela 2). Para o ponto de corte de 2,02 mg/dL obtido a partir de amostras de sangue em papel-filtro, encontramos uma sensibilidade e uma especificidade de 100% e 95,7%, respectivamente, com VPP e VPN de 27,2% e 100%, respectivamente. Com a utilização do valor máximo do intervalo de confiança, é possível que nenhum paciente com deficiência de AAT seja identificado como normal. Após uma detalhada revisão da literatura, não foi encontrado nenhum estudo que apresentasse valores de intervalo de confiança para os valores de AAT a partir de amostras de sangue em papel-filtro.
Para Kwon e Farrell, os testes de rastreamento devem ser altamente sensíveis, pois essa característica diminui a probabilidade de um indivíduo ter um resultado falso-negativo. A maior preocupação em testes de rastreamento são os resultados falso-negativos, pois, provavelmente, o indivíduo será identificado somente quando apresentar algum sintoma, às vezes já muito tardiamente, comprometendo o seu prognóstico.(23) Por outro lado, visando à detecção de todos os casos com a deficiência, estabelecendo-se um ponto de corte mais elevado, ocorrerá um maior número de casos falso-positivos. A desvantagem dos resultados falso-positivos na detecção de deficiência de AAT é evidente, pois mais exames séricos serão realizados.(24) Entretanto, é importante relembrar que o rastreamento para novos pacientes com deficiência de AAT deve começar pela realização de testes de triagem, e não terminar com eles.
Em relação ao ponto de corte dos valores obtidos a partir das amostras de sangue em papel-filtro para a triagem de pacientes com deficiência de AAT, encontramos na literatura dois estudos com valores distintos. Um estudo avaliou 300 pacientes com DPOC e 200 indivíduos saudáveis, e foi observado que todos os pacientes com deficiência de AAT tinham valores abaixo de 1,8 mg/dL em amostras de sangue em papel-filtro, que era equivalente a 100 mg/dL na concentração sérica.(19) Após aquele estudo, dois grupos de autores adotaram o mesmo ponto de corte sugerido por Costa et al.,(19) não encontrando resultados falso-positivos ou falso-negativos quando comparados a testes genéticos, mostrando que o valor estabelecido naquele estudo era altamente preciso.(15,22) Em 2006, Gorrini et al. avaliaram 114 pacientes e estabeleceram um ponto de corte de 1,13 g/L para amostras de sangue em papel-filtro, com sensibilidade e especificidade de 0,92 e 0,90, respectivamente.(20) Esses valores foram semelhantes aos demonstrados no presente estudo; entretanto, o ponto de corte estipulado na presente pesquisa foi consideravelmente maior, pois decidimos adotar uma sensibilidade de 100%, diminuindo muito a possibilidade de resultados falso-negativos.
A imunonefelometria em sangue em papel-filtro desenvolvida no presente estudo apresentou uma correlação moderada (r = 0,54) entre os dois valores da mesma amostra. Entretanto, algumas amostras apresentaram turbidez em um dos valores da duplicata, fator que reduz a reflexão da luz no momento da análise e, consequentemente, reduz os valores de AAT, o que pode ter interferido diretamente na correlação da duplicata em sangue em papel-filtro. Uma subanálise com somente as amostras que apresentaram os dois valores da duplicata no eluato sem turbidez apresentou uma boa correlação (r = 0,84). Nessa subanálise, nenhum paciente com deficiência de AAT foi incluído, o que faz com que esse achado possa não ser representativo para a população de indivíduos com deficiência de AAT. Nenhum estudo publicado na literatura comenta sobre a reprodutibilidade entre as amostras de soro e de sangue em papel-filtro, tampouco sobre a interferência da turbidez nas amostras, mas esse achado sugere que as amostras que apresentarem turbidez devem ser interpretadas com cautela.
Concluímos que a utilização de amostras de sangue em papel-filtro é uma excelente alternativa para a triagem de pacientes com deficiência de AAT, pois esse método mostrou alta sensibilidade e especificidade, com baixo VPP e VPN. Entretanto, o método não pode ser comparado quantitativamente aos valores séricos de AAT. Cremos ser obrigatória a escolha do valor superior do intervalo de confiança para minimizar os diagnósticos falso-negativos.Em vista disso, o método com o uso de sangue em papel-filtro é uma atraente solução para a atual situação de subdiagnóstico da deficiência de AAT no Brasil, pois permite uma triagem rápida, eficaz, pouco invasiva e de baixo custo no diagnóstico dessa deficiência. Novos estudos que investiguem a prevalência da deficiência de AAT são necessários para a implantação de programas específicos de tratamento e manejo dessa condição.
AgradecimentosAgradecemos ao Laboratório Centro de Diagnóstico Brasil que nos auxiliou com as dosagens de AAT. Agradecemos à Associação Brasileira de Deficientes de Alfa-1 Antitripsina por ter possibilitado que o Dr. Gildo Santos Júnior fosse para a Itália para aprender o método da dosagem de AAT em sangue em papel-filtro com os Drs. Ilaria Ferraroti e Maurizio Luizetti.
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* Trabalho realizado no Centro de Reabilitação Pulmonar, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - no Departamento de Biologia Molecular, Laboratório Afip; no Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil; e nos Departamentos de Bioquímica e Pneumologia, Hospital Universitário Vall d'Hebron, Barcelona, Espanha.
Endereço para correspondência: José Roberto Jardim. Rua Botucatu, 740, 3º andar, Pneumologia UNIFESP/EPM, CEP 04021-032, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 5572-4301. E-mail: jardimpneumo@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Laura R Zillmer foi bolsista de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Rodrigo Russo foi bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Recebido para publicação em 23/7/2013. Aprovado, após revisão, em 19/8/2013.
Sobre os autoresLaura Russo Zillmer
Fisioterapeuta Pesquisadora. Centro de Reabilitação Pulmonar, Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Rodrigo Russo
Médico Pesquisador. Centro de Reabilitação Pulmonar, Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Beatriz Martins Manzano
Fisioterapeuta Pesquisadora. Centro de Reabilitação Pulmonar, Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Ivan Ivanaga
Fisioterapeuta Pesquisador. Centro de Reabilitação Pulmonar, Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Oliver Augusto Nascimento
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Altay Alves Lino de Souza
Pesquisador. Disciplina de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Gildo Santos Júnior
Biomédico. Departamento de Biologia Molecular, Laboratório Afip, São Paulo (SP) Brasil.
Francisco Rodriguez
Pesquisador. Departamentos de Bioquímica e Pneumologia, Hospital Universitário Vall d'Hebron, Barcelona, Espanha.
Marc Miravitlles
Pesquisador. Departamentos de Bioquímica e Pneumologia, Hospital Universitário Vall d'Hebron, Barcelona, Espanha.
José Roberto Jardim
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.