Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
13560
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Critérios diagnósticos e seguimento em hiperplasia de células neuroendócrinas do lactente: uma série de casos

Diagnostic criteria and follow-up in neuroendocrine cell hyperplasia of infancy: a case series

Vivianne Calheiros Chaves Gomes, Mara Cristina Coelho Silva, José Holanda Maia Filho, Pedro Daltro, Simone Gusmão Ramos, Alan S. Brody, Edson Marchiori

ABSTRACT

Objective: Neuroendocrine cell hyperplasia of infancy (NEHI) is a form of childhood interstitial lung disease characterized by tachypnea, retractions, crackles, and hypoxia. The aim of this study was to report and discuss the clinical, imaging, and histopathological findings in a series of NEHI cases at a tertiary pediatric hospital, with an emphasis on diagnostic criteria and clinical outcomes. Methods: Between 2003 and 2011, 12 full-term infants were diagnosed with NEHI, based on clinical and tomographic findings. Those infants were followed for 1-91 months. Four infants were biopsied, and the histopathological specimens were stained with bombesin antibody. Results: In this case series, symptoms appeared at birth in 6 infants and by 3 months of age in the remaining 6. In all of the cases, NEHI was associated with acute respiratory infection. The most common initial chest HRCT findings were ground-glass opacities that were in the middle lobe/lingula in 12 patients and in other medullary areas in 10. Air trapping was the second most common finding, being observed in 7 patients. Follow-up HRCT scans (performed in 10 patients) revealed normal results in 1 patient and improvement in 9. The biopsy findings were nonspecific, and the staining was positive for bombesin in all samples. Confirmation of NEHI was primarily based on clinical and tomographic findings. Symptoms improved during the follow-up period (mean, 41 months). A clinical cure was achieved in 4 patients. Conclusions: In this sample of patients, the diagnosis of NEHI was made on the basis of the clinical and tomographic findings, independent of the lung biopsy results. Most of the patients showed clinical improvement and persistent tomographic changes during the follow-up period, regardless of the initial severity of the disease or type of treatment.

Keywords: Lung diseases, interstitial/diagnosis; Lung diseases, interstitial/treatment; Tomography, X-ray computed.

RESUMO

Objetivo: A hiperplasia de células neuroendócrinas do lactente (HCNEL) é uma forma de doença pulmonar intersticial da infância caracterizada por taquipneia, retrações, estertores e hipóxia. O objetivo deste estudo foi descrever e discutir os achados clínicos, histopatológicos e de imagem em uma série de casos de HCNEL em um hospital pediátrico terciário, enfatizando critérios de diagnóstico e desfechos clínicos. Métodos: Entre 2003 e 2011, 12 lactentes nascidos a termo foram diagnosticados com HCNEL, com base em critérios clínico-tomográficos e acompanhados por 1-91 meses. Quatro lactentes foram submetidos a biopsia pulmonar, e as amostras histopatológicas foram coradas com anticorpo para bombesina. Resultados: Nesta série de casos, os sintomas surgiram ao nascimento em 6 lactentes e em até 3 meses de idade nos outros 6. Em todos os casos, HCNEL estava associada com infecção respiratória aguda. Os achados iniciais em TCAR de tórax foram opacidades em vidro fosco em lobo médio e língula, em 12 pacientes, e em outras regiões medulares, em 10. O aprisionamento aéreo foi o segundo achado mais frequente, em 7 pacientes. As TCAR de controle (realizadas em 10 pacientes) revelaram resultados normais (em 1) e melhorias (em 9). Os achados de biopsia foram inespecíficos, e os resultados para bombesina foram positivos em todas as amostras. A confirmação de HCNEL baseou-se principalmente em achados clínico-tomográficos. Os sintomas melhoraram durante o seguimento (média, 41 meses). Quatro pacientes apresentaram cura clínica. Conclusões: Os achados clínico-tomográficos permitiram o diagnóstico de HCNEL nesta série de pacientes, independentemente dos resultados de biopsia pulmonar. A maioria mostrou melhora clínica e persistência das alterações tomográficas durante o seguimento, independentemente da gravidade inicial da doença ou do tipo de tratamento.

Palavras-chave: Doenças pulmonares intersticiais/diagnóstico; Doenças pulmonares intersticiais/terapia; Tomografia computadorizada por raios X.

Introdução

Em 2005, Deterding et al.(1) descreveram a hiperplasia de células neuroendócrinas do lactente (HCNEL) em um estudo com 15 lactentes com sintomas de doença pulmonar intersticial (DPI), tais como taquipneia persistente, retrações, hipoxemia e crepitações no primeiro ano de vida. Os mesmos autores haviam anteriormente usado o termo taquipneia persistente do lactente para descrever essa condição.(2) As biópsias pulmonares dos 15 lactentes revelaram alterações mínimas e inespecíficas, não obstante os sintomas clínicos pronunciados. O único achado histopatológico específico foi um aumento das células claras nas vias aéreas distais, representando células neuroendócrinas pulmonares (CNEP), confirmado por imuno-histoquímica com coloração de anticorpos para bombesina.(1)

As CNEP são células epiteliais granulares distribuídas nas vias aéreas de condução. As CNEP produzem substâncias vasoativas (bombesina, calcitonina e serotonina) que podem causar broncoconstrição, vasoatividade, diferenciação epitelial e proliferação de células mesenquimais adjacentes (células musculares lisas e fibroblastos).(1,3) As CNEP são numerosas no pulmão fetal e neonatal; no entanto, seu número diminui sobremaneira durante o primeiro ano de vida.(1) Essas células têm funções complexas e estão envolvidas na diferenciação e maturação do pulmão fetal, na adaptação neonatal, na regeneração pulmonar e na carcinogênese.(3) Há relatos de hiperplasia de CNEP em diversas doenças pulmonares pediátricas, bem como em adultos; entretanto, o significado da hiperplasia de CNEP e os mecanismos envolvidos são desconhecidos.(3,4)

Fan et al.(5) recentemente classificaram a HCNEL como uma forma única de DPI em lactentes. Em 2007, Deutsch et al.(6) propuseram um novo sistema de classificação de doenças pulmonares difusas em crianças menores de 2 anos de idade. Seu estudo multicêntrico foi realizado na América do Norte e descreveu 18 novos casos de HCNEL com achados clínicos e histopatológicos semelhantes aos da série original.

A HCNEL tem uma apresentação clínica e tomográfica característica. Clinicamente, lactentes com HCNEL apresentam taquipneia, retrações, hipoxemia e crepitações. A TCAR de tórax mostra um padrão característico de opacidade em vidro fosco (OVF) nas regiões centrais dos pulmões, especialmente no lobo médio e língula, além de aprisionamento aéreo.(7,8) Recentemente, o termo "síndrome de HCNEL" tem sido usado em alguns centros para diagnosticar essa entidade, por meio apenas de critérios clínicos e tomográficos.(9) O objetivo do presente estudo foi relatar e discutir os achados clínicos, histopatológicos e de imagem em uma série de casos de HCNEL em um hospital pediátrico terciário, com ênfase em critérios diagnósticos e desfechos clínicos.

Métodos

Doze lactentes com HCNEL, diagnosticados por meio de critérios clínicos e tomográficos (TCAR) ou de exame histopatológico de tecido pulmonar, foram acompanhados de março de 2003 a abril de 2011. Os lactentes foram atendidos em um hospital terciário (o Hospital Infantil Albert Sabin) em Fortaleza (CE). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do hospital (Protocolo nº 068/2010). Os pais ou responsáveis assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Para diagnosticar casos de HCNEL, usamos um protocolo padronizado para crianças menores de 2 anos de idade com suspeita clínica de DPI infantil (DPII). A síndrome de DPII requer a presença de pelo menos três dos quatro critérios a seguir: sintomas respiratórios (tosse, respiração rápida ou difícil, intolerância ao exercício); sinais (taquipneia em repouso, ruídos adventícios, retrações, hipocratismo, insuficiência de crescimento, insuficiência respiratória); hipoxemia; alterações difusas na radiografia ou CT de tórax.(5,10) Foram excluídas todas as crianças com DPI de causa conhecida ou associada a doenças sistêmicas.

Os critérios para o diagnóstico de HCNEL foram a presença de taquipneia persistente, retrações, crepitações e baixa saturação de oxigênio, além de OVF, especialmente no lobo médio e língula, e aprisionamento aéreo na TCAR.(9,10)

O protocolo padronizado incluiu as seguintes variáveis: sexo, condição neonatal, história familiar/história de exposição ambiental, idade de início dos sintomas, fatores precipitantes, sinais e sintomas iniciais, uso de oxigênio suplementar, achados histopatológicos, achados de imagem, tratamento, progressão da doença e duração do acompanhamento.

Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação completa, que incluiu hemograma, gasometria arterial, oximetria transcutânea (em repouso, durante o exercício e durante o sono), ecocardiograma com medida indireta da pressão arterial pulmonar, medição dos níveis séricos de imunoglobulinas, teste do suor, exame radiológico do trato gastrintestinal superior, testes sorológicos para infecções virais e exames de imagem do tórax (radiografia e TCAR). Todos os lactentes foram submetidos a exames de imagem no momento do diagnóstico, e 10 deles foram novamente submetidos a TCAR em consultas de acompanhamento. Na TCAR, foi usada uma técnica sequencial com um protocolo de baixa dose de radiação (120 kV, 40 mAs). Todos os pacientes foram sedados com hidrato de cloral a 10% (1 mL/3 kg de peso corporal), e as imagens foram obtidas durante a respiração tranquila. Durante a fase inspiratória, foram obtidos de seis a dez cortes de 1 mm com o paciente na posição supina. De 2006 em diante, foram também obtidas imagens de TC na posição lateral em ambos os lados durante a fase expiratória, conforme descrito por Lucaya et al.(11) Foram obtidas de quatro a seis imagens, resultando em doze cortes de 1 mm com intervalo de 10-20 mm. Todas as imagens foram revistas em consenso por dois radiologistas pediátricos experientes.

As imagens de CT iniciais e de controle foram usadas para identificar o número de lobos envolvidos; a língula foi considerada um lobo separado. As imagens de TCAR foram avaliadas quanto à presença, distribuição e extensão de OVF e aprisionamento aéreo. Os critérios para esses achados estão definidos no Glossário de Termos da Sociedade Fleischner.(12) Foram também investigadas quaisquer outras alterações pulmonares. A presença de aprisionamento aéreo foi avaliada apenas em imagens de TCAR expiratória. Os quatro primeiros pacientes da presente série de casos foram submetidos a biópsia pulmonar a céu aberto guiada por TCAR de tórax com o consentimento dos responsáveis. Foi realizada a imuno-histoquímica com coloração de anticorpos para bombesina. Os testes de função pulmonar foram realizados em pacientes cooperativos com mais de 6 anos de idade.

A presença de OVF nas regiões centrais dos pulmões envolvendo pelo menos quatro lobos pulmonares (incluindo o lobo médio e a língula), associada a aprisionamento aéreo, foi considerada um achado tomográfico característico de HCNEL.(9) Os lactentes que apresentaram envolvimento de menos de quatro lobos pulmonares foram diagnosticados por meio de biópsia pulmonar.

Resultados

Todos os lactentes (8 meninos e 4 meninas) nasceram a termo. Nenhum dos lactentes tinha história familiar de DPI, história de exposição ambiental ou história de exposição contínua a altitudes elevadas. Seis pacientes apresentaram sintomas respiratórios durante o período neonatal, sem necessidade de oxigenoterapia, e sua deterioração clínica, com aumento do trabalho respiratório e necessidade de oxigênio, iniciou-se aos 2-6 meses de vida, após um episódio de infecção respiratória aguda (IRA). Nesse contexto, IRA refere-se ao primeiro episódio de uma provável infecção viral nas vias aéreas superiores. Nos demais 6 pacientes, os sintomas de DPI surgiram aos 1-3 meses de idade, após um episódio de IRA. Dos 12 lactentes, 8 foram encaminhados ao ambulatório para esclarecimento de taquipneia persistente com diagnóstico prévio de bronquiolite viral aguda, asma, pneumonia, refluxo gastroesofágico ou doença cardíaca, e 4 foram hospitalizados no momento do diagnóstico, em virtude de desconforto respiratório com necessidade de oxigenoterapia. Todos os pacientes apresentaram taquipneia e retrações torácicas desproporcionais aos achados da radiografia de tórax, porém sem toxemia. Apenas 1 lactente apresentou tosse, embora esta não fosse uma queixa importante. Sete pacientes apresentaram crepitações, que foram transitórias na maioria. Nenhum dos lactentes apresentou sibilância. Apenas 5 lactentes apresentaram hipoxemia, sem hipertensão pulmonar ou hipocratismo basal. Embora 7 pacientes apresentassem problemas de alimentação (engasgo ou regurgitação), os testes diagnósticos não revelaram síndrome de aspiração que justificasse os sintomas respiratórios. Dos 12 lactentes, 6 apresentaram dificuldade em ganhar peso. O diâmetro anteroposterior do tórax estava aumentado (mais evidentemente a partir do sexto mês de vida em diante) em 8 pacientes. Pectus excavatum foi identificado em apenas 1 lactente. As principais características dos pacientes estão resumidas na Tabela 1.

A radiografia de tórax mostrou hiperinsuflação pulmonar em 9 pacientes, opacidades peri-hilares em 5 e aumento da trama broncovascular na região peri-hilar em 1. A TCAR inicial mostrou OVF nas regiões centrais dos pulmões (incluindo o lobo médio e a língula) em todos os casos, bem como em outras regiões centrais (em 11 casos). As regiões periféricas foram afetadas em 5 pacientes. Aprisionamento aéreo, especialmente nos lobos inferiores, foi o segundo achado mais frequente, em 7 pacientes. Dois a seis lobos foram afetados em cada paciente, cinco ou mais lobos sendo afetados em 10 casos. As únicas alterações tomográficas encontradas nesta série de casos foram OVF e aprisionamento aéreo (Figura 1). Os principais achados da TCAR estão resumidos na Tabela 2. A média de idade no momento da TCAR inicial foi de 9,4 meses (variação: 6-16 meses). O intervalo médio entre a primeira consulta ambulatorial e a primeira TCAR foi de 1 mês.

Os 4 primeiros pacientes incluídos na presente série de casos foram submetidos a biópsia pulmonar, 3 dos quais com menos de 10 meses de idade e 1 com 51 meses de idade. Os achados histopatológicos revelaram estruturas alveolares normais sem qualquer fibrose. Agregados linfoides peribrônquicos ligeiramente aumentados foram observados em 3 casos. A imuno-histoquímica revelou um número significativo de células positivas para bombesina nas paredes das pequenas vias aéreas, compatíveis com células neuroendócrinas.

A maioria de nossos pacientes (n = 7) não necessitou de oxigenoterapia. Apenas 2 dos 5 lactentes hipoxêmicos necessitaram de oxigenoterapia contínua. Um paciente necessitou de oxigenoterapia durante o sono por 24 meses. Três lactentes receberam oxigenoterapia apenas durante o sono ou durante episódios de IRA. A oxigenoterapia foi realizada para manter a saturação de oxigênio acima de 92%, medida por meio de oximetria transcutânea. Cinco lactentes foram tratados com corticosteroides sistêmicos: corticosteroides orais em 2; pulsoterapia mensal com metilprednisolona em 2; corticosteroides orais e hidroxicloroquina mais pulsoterapia com metilprednisolona em 1 (o paciente com a doença mais grave em toda a série de casos). A duração média da corticoterapia sistêmica foi de 15 meses (variação: 8-29 meses). Foi comum o uso prévio de broncodilatadores e corticosteroides orais; no entanto, a resposta clínica não foi satisfatória. Cinco lactentes não receberam nenhum tratamento específico exceto medicação antirrefluxo para mitigar a regurgitação ou vômito.

Todos os lactentes apresentaram melhora clínica progressiva e, após os 24 meses de idade, nenhum dependia de oxigenoterapia. Nenhum paciente foi hospitalizado por causa de problemas respiratórios ou sibilância recorrente. Durante o período de acompanhamento, nenhum dos pacientes apresentou hipertensão pulmonar ou hipocratismo. A maioria dos pacientes apresentou retrações persistentes, resolução das crepitações e redução do diâmetro anteroposterior do tórax com a idade. A dificuldade em ganhar peso persistiu em 4 dos 6 lactentes com essa queixa inicial. Os testes de função pulmonar (realizados em 3 pacientes) revelaram padrão ventilatório obstrutivo leve em 2 pacientes e padrão ventilatório obstrutivo grave em 1 paciente com grande deformidade torácica. A TCAR de controle realizada em 10 pacientes mostrou persistência de OVF em 9 pacientes, principalmente no lobo médio e língula, e aprisionamento aéreo em 5 pacientes, predominantemente nos lobos inferiores. O número de lobos afetados diminuiu durante o período de acompanhamento, e as alterações foram, de modo geral, menos intensas (Figura 2 e Tabela 2). A média do tempo transcorrido desde a TCAR inicial até a TCAR de controle foi de 36 meses (variação: 4-72 meses). Um paciente, cujas imagens de TCAR mostraram envolvimento inicial da língula e do lobo médio direito e áreas de aprisionamento aéreo, apresentou resolução tomográfica e clínica completa. Três pacientes apresentaram resolução clínica completa, apesar de ainda apresentarem alterações funcionais e tomográficas. A melhora clínica e tomográfica não se correlacionou com nenhum tipo de tratamento, embora os casos mais sintomáticos tenham apresentado maior número de lobos afetados na TC inicial. Apenas 1 lactente, que apresentou disfunção respiratória aos 2 meses e que estava com 11 meses de idade no fim do estudo, continuou a receber oxigenoterapia durante o sono, em virtude da tenra idade e do diagnóstico relativamente recente. Todos os pacientes estavam vivos no fim do estudo (média de idade: 50 meses; variação: 11-100 meses) e apresentaram melhora da deformidade torácica (aumento do diâmetro anteroposterior do tórax). Oito pacientes continuaram a apresentar disfunção respiratória leve, e 4 pacientes apresentaram cura clínica. Não houve nenhuma perda de seguimento em nossa série de casos. A duração média do período de acompanhamento foi de 41 meses (variação: 1-91 meses).

Discussão

Na última década, a HCNEL foi descrita como uma DPI que afeta lactentes apenas, com característicos achados clínicos (taquipneia, retrações, hipoxemia e crepitações) e tomográficos (OVF nas regiões centrais dos pulmões, especialmente no lobo médio e na língula, e aprisionamento aéreo) e bom prognóstico(9,10,13); resultados semelhantes foram encontrados em nossa série de casos, diferindo apenas na necessidade de oxigenoterapia, que foi menor que em relatos anteriores.

Relatos anteriores de HCNEL encontraram também uma predominância do sexo masculino, e a maioria dos indivíduos nasceu a termo e apresentou os primeiros sintomas até os 15 meses de idade.(1,6,14) Da mesma forma, todos os lactentes na presente série de casos nasceram a termo e a maioria era do sexo masculino; no entanto, 50% apresentaram sintomas no período neonatal, com início da doença mais precoce que em outras séries. A apresentação precoce da doença observada na presente série de casos sugere que uma possível causa genética esteja envolvida em sua patogênese, já que casos familiares têm sido descritos na literatura.(14) Os sintomas da doença associaram-se à IRA ou foram agravados por ela. Na verdade, a IRA pode ter precipitado o aparecimento da HCNEL ou agravado sintomas existentes. É possível que a HCNEL resulte de uma interação de fatores genéticos ou ambientais, incluindo as infecções virais. Outros autores relataram que a bronquiolite viral aguda associou-se ao aparecimento de sintomas em lactentes com mutação da proteína C associada a surfactante pulmonar (um tipo de DPII), mas raramente à HCNEL.(14-16) Outras DPIs podem produzir sintomas no período neonatal em lactentes nascidos a termo, tais como disfunção do surfactante, especialmente de mutações de ABCA3 e, em alguns casos, de mutações da proteína C do surfactante.(15,17,18) Mutações nessas proteínas podem resultar em achados clínicos que não podem ser facilmente diferenciados de outras formas benignas de DPI em lactentes, como a HCNEL.

A maioria dos lactentes na presente série de casos não necessitou de oxigenoterapia contínua, não obstante o aparecimento precoce de sintomas e a persistência de retrações. Essa apresentação fenotípica menos grave não foi descrita em séries anteriores.(1,14,19) Recentemente, Lukkarinen et al.(20) descreveram uma série de 9 casos de HCNEL, e apenas 33% dos pacientes apresentaram hipóxia. Manifestações clínicas (tais como dificuldade em ganhar peso e problemas de alimentação) são comuns, e queixas inespecíficas são frequentes em várias formas de DPII. Esses sintomas são provavelmente causados pelo desconforto respiratório, especialmente em lactentes jovens, e geralmente melhoram com a idade. Uma característica clínica importante, observada em quase 70% dos nossos pacientes, mas não relatada anteriormente, é o aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, sugerindo a presença de distúrbio obstrutivo. Embora nossos pacientes apresentassem um quadro que sugeria a presença de doença das vias aéreas (hiperinsuflação na radiografia de tórax e aumento do diâmetro anteroposterior do tórax), a ausculta pulmonar foi normal ou revelou crepitações do tipo "velcro", compatíveis com DPI. Durante o acompanhamento, alguns lactentes apresentaram melhora progressiva dos sintomas, que evoluiu para resolução completa, ao passo que a maioria dos pacientes apresentou disfunção respiratória leve persistente. Nossos achados corroboram os de outras séries e mostram que a HCNEL é uma doença intersticial infantil com bom prognóstico e longa duração.(1,6,14,19) Não se sabe se a HCNEL é uma doença infantil autolimitada ou se está relacionada com outras doenças em adultos, como a hiperplasia idiopática difusa de células neuroendócrinas pulmonares.(4,21) Um período de acompanhamento maior é necessário para que se possa determinar a evolução natural da HCNEL. Os lactentes mais gravemente afetados em nossa amostra receberam corticosteroides sistêmicos, mas não apresentaram melhora na resposta clínica. A melhora pareceu ocorrer com a idade, especialmente após os 2 anos de idade, e não como resultado de um tratamento específico. Como a HCNEL não tem características inflamatórias, é pouco provável que os pacientes se beneficiem do uso de anti-inflamatórios. Portanto, os últimos pacientes de nossa série não receberam corticoterapia.

A avaliação funcional das crianças em nossa série revelou um padrão obstrutivo sem resposta ao broncodilatador. Recentemente, Kerby et al.(22) descreveram um padrão de obstrução pulmonar significativa e aprisionamento aéreo em crianças pequenas com diagnóstico clínico e tomográfico de HCNEL, confirmado ou não por biópsia pulmonar. A melhora clínica com a idade está provavelmente associada à melhora funcional. Estudos baseados em séries maiores de casos de HCNEL podem ajudar a esclarecer a relação entre a gravidade funcional inicial e a melhora clínica ou radiológica.

Os achados histopatológicos nos lactentes submetidos a biópsia pulmonar revelaram alterações histológicas leves, e a imuno-histoquímica revelou um número significativo de células positivas para bombesina, compatíveis com células neuroendócrinas, semelhante aos achados descritos no relato original.(1) Ao contrário das pequenas alterações descritas nos resultados histopatológicos originais, Young et al.(19) encontraram inflamação em placas ou fibrose pulmonar em uma série de lactentes com HCNEL. No mesmo estudo, os autores examinaram a distribuição e frequência das células neuroendócrinas na HCNEL e outras doenças pulmonares e demonstraram que, não obstante a significativa proeminência de células neuroendócrinas na HCNEL, o achado não era específico para o diagnóstico. A grande variabilidade interindivíduos e intraindivíduos do número de células neuroendócrinas em casos típicos de HCNEL e o potencial de sobreposição com outras doenças pulmonares sugerem que o diagnóstico de HCNEL exige uma correlação clínica, radiológica e patológica. Recentemente, foram elaboradas diretrizes para o diagnóstico histológico de HCNEL.(23)

Brody et al.(9) mostraram que OVF nas regiões centrais dos pulmões é um achado característico da TCAR de tórax em crianças com HCNEL, com sensibilidade de 78% e especificidade de 100%. Cinco ou mais lobos foram afetados em 83% dos casos em nossa série, e o lobo médio e a língula foram afetados em todos os casos. De maneira semelhante aos achados de Brody et al.,(9) aprisionamento aéreo difuso ou em mosaico foi o segundo achado mais comum da TCAR de tórax. A presença desses achados tomográficos em lactentes com sintomas que sugeriam a presença de DPI levou ao diagnóstico de "síndrome de HCNEL". Na presente série de casos, todos os lactentes preencheram os critérios clínicos e tomográficos para o diagnóstico de HCNEL, o que nos permitiu dispensar a biópsia pulmonar na maioria dos casos.

Ainda há muita discussão sobre a necessidade de biópsia pulmonar em crianças com provável HCNEL, embora a maioria dos autores atualmente dispense biópsias em casos típicos de HCNEL.(9,13,19,22,24) Atualmente, recorre-se à biópsia pulmonar para o diagnóstico de casos suspeitos de HCNEL apenas em pacientes significativamente sintomáticos ou naqueles sem achados clínicos ou tomográficos característicos (Figura 3).

Até onde sabemos, nenhum estudo publicado até hoje incluiu uma descrição de imagens de TC de controle em pacientes com HCNEL. Na maioria dos nossos pacientes, as alterações tomográficas persistiram, embora em menor grau, independentemente da melhora clínica, da idade e da duração do acompanhamento.

O presente estudo tem algumas limitações, incluindo o pequeno tamanho da amostra. Não obstante o pequeno número de pacientes incluídos, nossa amostra de 12 lactentes com HCNEL pode parecer relativamente grande para uma única instituição, tendo em vista a raridade da doença. Outra limitação é a falta de um protocolo de acompanhamento radiológico. A fim de evitar radiação desnecessária, os protocolos radiológicos para HCNEL devem ser padronizados. A falta de avaliação funcional dos lactentes foi outra limitação de nosso estudo, já que o padrão funcional característico da doença (obstrução pulmonar significativa e aprisionamento aéreo) poderia somar-se às alterações tomográficas típicas na tentativa de corroborar o diagnóstico não invasivo de HCNEL.

Em suma, sugerimos que a HCNEL pode ser diagnosticada com base em achados clínicos e radiológicos. A presença de taquipneia persistente, retrações, crepitações e baixa saturação de oxigênio em um lactente sem achados auscultatórios que sugiram a presença de doença das vias aéreas, além de achados tomográficos de OVF nas regiões centrais dos pulmões, envolvendo pelo menos quatro lobos, especialmente o lobo médio e a língula, e aprisionamento aéreo, sugerem de maneira contundente a presença de HCNEL. Nessas circunstâncias, deve-se evitar a biópsia pulmonar.

Referências

1. Deterding RR, Pye C, Fan LL, Langston C. Persistent tachypnea of infancy is associated with neuroendocrine cell hyperplasia. Pediatr Pulmonol. 2005;40(2):157-65. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.20243 PMid:15965897

2. Deterding RR, Fan LL, Morton R, Hay TC, Langston C. Persistent tachypnea of infancy (PTI)--a new entity. Pediatr Pulmonol. 2001;Suppl 23:72-3. PMid:11886155

3. Cutz E, Yeger H, Pan J. Pulmonary neuroendocrine cell system in pediatric lung disease-recent advances. Pediatr Dev Pathol. 2007;10(6):419-35. http://dx.doi.org/10.2350/07-04-0267.1 PMid:18001162

4. Coletta EN, Voss LR, Lima MS, Arakaki JS, Câmara J, D'Andretta Neto C, et al. Diffuse idiopathic pulmonary neuroendocrine cell hyperplasia accompanied by airflow obstruction. J Bras Pneumol. 2009;35(5):489-94. PMid:19547861

5. Fan LL, Deterding RR, Langston C. Pediatric interstitial lung disease revisited. Pediatr Pulmonol. 2004;38(5):369-78. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.20114 PMid:15376335

6. Deutsch GH, Young LR, Deterding RR, Fan LL, Dell SD, Bean JA, et al. Diffuse lung disease in young children: application of a novel classification scheme. Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(11):1120-8. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200703-393OC PMid:17885266 PMCid:PMC2176101

7. Brody AS. Imaging considerations: interstitial lung disease in children. Radiol Clin North Am. 2005;43(2):391-403. http://dx.doi.org/10.1016/j.rcl.2004.12.002 PMid:15737375

8. Brody AS, Crotty EJ. Neuroendocrine cell hyperplasia of infancy (NEHI). Pediatr Radiol. 2006;36(12):1328. http://dx.doi.org/10.1007/s00247-006-0302-3 PMid:16957891

9. Brody AS, Guillerman RP, Hay TC, Wagner BD, Young LR, Deutsch GH, et al. Neuroendocrine cell hyperplasia of infancy: diagnosis with high-resolution CT. AJR Am J Roentgenol. 2010;194(1):238-44. http://dx.doi.org/10.2214/AJR.09.2743 PMid:20028928

10. Deterding R. Evaluating infants and children with interstitial lung disease. Semin Respir Crit Care Med. 2007;28(3):333-41. http://dx.doi.org/10.1055/s-2007-981654 PMid:17562503

11. Lucaya J, García-Pe-a P, Herrera L, Enríquez G, Piqueras J. Expiratory chest CT in children. AJR Am J Roentgenol. 2000;174(1):235-41. http://dx.doi.org/10.2214/ajr.174.1.1740235 PMid:10628485

12. Hansell DM, Bankier AA, MacMahon H, McLoud TC, Müller NL, Remy J. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246(3):697-722. http://dx.doi.org/10.1148/radiol.2462070712 PMid:18195376

13. Deterding RR. Infants and young children with children's interstitial lung disease. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2010;23(1):25-31. http://dx.doi.org/10.1089/ped.2010.0011 PMid:22332029 PMCid:PMC3269220

14. Popler J, Gower WA, Mogayzel PJ Jr, Nogee LM, Langston C, Wilson AC, et al. Familial neuroendocrine cell hyperplasia of infancy. Pediatr Pulmonol. 2010;45(8):749-55. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.21219 PMid:20623780

15. Thouvenin G, Abou Taam R, Flamein F, Guillot L, Le Bourgeois M, Reix P, et al. Characteristics of disorders associated with genetic mutations of surfactant protein C. Arch Dis Child. 2010;95(6):449-54. http://dx.doi.org/10.1136/adc.2009.171553 PMid:20403820

16. Mechri M, Epaud R, Emond S, Coulomb A, Jaubert F, Tarrant A, et al Surfactant protein C gene (SFTPC) mutation-associated lung disease: high-resolution computed tomography (HRCT) findings and its relation to histological analysis. Pediatr Pulmonol. 2010;45(10):1021-9. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.21289 PMid:20658481

17. Doan ML, Guillerman RP, Dishop MK, Nogee LM, Langston C, Mallory GB, et al. Clinical, radiological and pathological features of ABCA3 mutations in children. Thorax. 2008;63(4):366-73. http://dx.doi.org/10.1136/thx.2007.083766 PMid:18024538

18. Nogee LM. Genetic Basis of Children's Interstitial Lung Disease. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2010;23(1):15-24. http://dx.doi.org/10.1089/ped.2009.0024 PMid:22087432 PMCid:PMC3207222

19. Young LR, Brody AS, Inge TH, Acton JD, Bokulic RE, Langston C, et al. Neuroendocrine cell distribution and frequency distinguish neuroendocrine cell hyperplasia of infancy from other pulmonary disorders. Chest. 2011;139(5):1060-71. http://dx.doi.org/10.1378/chest.10-1304 PMid:20884725

20. Lukkarinen H, Pelkonen A, Lohi J, Malmström K, Malmberg LP, Kajosaari M, et al. Neuroendocrine cell hyperplasia of infancy: a prospective follow-up of nine children. Arch Dis Child. 2013;98(2):141-4. http://dx.doi.org/10.1136/archdischild-2012-302115 PMid:23161905

21. Davies SJ, Gosney JR, Hansell DM, Wells AU, du Bois RM, Burke MM, et al. Diffuse idiopathic pulmonary neuroendocrine cell hyperplasia: an under-recognised spectrum of disease. Thorax. 2007;62(3):248-52. http://dx.doi.org/10.1136/thx.2006.063065 PMid:17099078 PMCid:PMC2117154

22. Kerby GS, Wagner BD, Popler J, Hay TC, Kopecky C, Wilcox SL, et al. Abnormal infant pulmonary function in young children with neuroendocrine cell hyperplasia of infancy. Pediatr Pulmonol. 2013;48(10):1008-15. http://dx.doi.org/10.1002/ppul.22718 PMid:23169677

23. Dishop MK. Diagnostic pathology of diffuse lung disease in children. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2010;23(1):69-85. http://dx.doi.org/10.1089/ped.2010.0007 PMid:22332032 PMCid:PMC3269262

24. Guillerman RP. Imaging of Childhood Interstitial Lung Disease. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2010;23(1):43-68. http://dx.doi.org/10.1089/ped.2010.0010 PMid:22332031 PMCid:PMC3269227



* Trabalho realizado no Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza (CE) Brasil.
Endereço para correspondência: Vivianne Calheiros Chaves Gomes. Rua Desembargador Leite Albuquerque, 1060, apto. 1100, Aldeota, CEP 60150-150, Fortaleza, CE, Brasil.
Tel. 55 85 3261-1578. Fax: 55 85 3261-1578. E-mail: vccgomes@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/3/2013. Aprovado, após revisão, em 6/9/2013.



Sobre os autores

Vivianne Calheiros Chaves Gomes
Médica Pneumopediatra. Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza (CE) Brasil.

Mara Cristina Coelho Silva
Médica Pneumopediatra. Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza (CE) Brasil.

José Holanda Maia Filho
Médico Radiologista. Hospital Infantil Albert Sabin, Fortaleza (CE) Brasil.

Pedro Daltro
Doutorando em Radiologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Simone Gusmão Ramos
Médica Patologista. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Alan S. Brody
Médico Radiologista. Cincinnati Children's Hospital, Cincinnati (OH) EUA.

Edson Marchiori
Professor Associado de Radiologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia