Ao Editor:Necrose da gordura epipericárdica é uma causa rara, benigna e autolimitada de dor torácica aguda, com apenas 35 casos relatados na literatura.(1,2) Apresenta-se como dor torácica pleurítica de início recente em pacientes saudáveis e, portanto, é um importante diagnóstico diferencial de dor torácica aguda nesse grupo de indivíduos. A fisiopatologia tem sido rotulada de idiopática ou relacionada a dano agudo a esse tecido adiposo, secundário a torção vascular, trauma ou sangramento microvascular.
Relatamos o caso de uma paciente saudável de 23 anos de idade, usuária crônica de contraceptivo oral, que se apresentou ao departamento de emergência com história de dois dias de dor torácica pleurítica à direita, associada a dispneia leve. Não apresentava febre, tosse, sibilância, ou outros sintomas respiratórios. O exame físico realizado no departamento de emergência revelou saturação de oxigênio de 98% em ar ambiente, temperatura de 36,8°C, FC de 110 bpm, FR de 24 ciclos/min e pressão arterial de 110 × 65 mmHg. Os exames laboratoriais foram normais. O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal normal, ao passo que a radiografia de tórax mostrou ligeira opacidade paracardíaca direita e pequeno derrame pleural à direita (Figura 1A), e a TC revelou uma lesão encapsulada arredondada com atenuação de gordura na gordura epipericárdica direita com filamentos periféricos sutis, que são anormalidades típicas atribuídas à necrose da gordura epipericárdica (Figuras 1B e 1C). Embolia pulmonar foi descartada por meio de um protocolo com contraste. A paciente foi então tratada com anti-inflamatórios não esteroides, e seus sintomas resolveram em poucos dias. Quatro semanas depois, a TC de tórax mostrou resolução completa de todos os achados (Figura 2).
A necrose da gordura epipericárdica é uma entidade rara, relatada pela primeira vez em 1957 por Jackson et al.(3) Desde então, foram relatados outros casos semelhantes, e os estudos mais recentes têm caracterizado essa condição como benigna e autolimitada.
A camada epicárdica ou visceral de tecido adiposo encontra-se no sulco interventricular ao longo dos átrios e estende-se para a superfície pleural direita e esquerda. Pode ser mais proeminente em indivíduos obesos, nos quais pode cobrir completamente a superfície epicárdica.(1)
Embora a fisiopatologia da necrose da gordura epipericárdica ainda esteja em debate, propôs-se torção aguda de um pedículo vascular.(3) Com efeito, pequenas partes de tecido adiposo ligado ao coração por um pedículo foram encontradas em alguns pacientes submetidos a cirurgia cardíaca,(4) e uma torção aguda do pedículo vascular poderia levar a necrose. Outra explicação seria uma anormalidade estrutural pré-existente do tecido adiposo, a qual tornaria essa gordura vulnerável ao trauma causado pelas batidas do coração.(5) Além disso, supôs-se que fazer força ou levantar peso poderia provocar mudanças bruscas na pressão intravascular associadas à manobra de Valsalva, causando hemorragia no tecido adiposo fracamente ligado ao pericárdio.(1)
A apresentação mais comum da necrose da gordura epipericárdica é dor torácica pleurítica aguda. Não há predileção por idade ou gênero. A dor pode estar associada a vertigem, síncope, dispneia, taquicardia ou sudorese. O exame físico é geralmente normal. Em geral, a dor dura apenas alguns dias, mas pode persistir durante semanas e recidivar em episódios intermitentes.(6)
Enzimas cardíacas e outros exames laboratoriais tipicamente não apresentam anormalidades. O eletrocardiograma é caracteristicamente normal, mas ocasionalmente apresenta achados que sugerem a presença de pericardite em processo de resolução.(1)
Durante os primeiros dias, a radiografia de tórax pode ser normal ou revelar pequeno derrame pleural. Em seguida, uma massa arredonda mal definida aparece perto do ângulo cardiofrênico no lado da dor torácica. Esses achados são inespecíficos e levavam a cirurgia em virtude da ausência de imagens transversais ou da necessidade de descartar neoplasias malignas, tais como câncer de pulmão e lipossarcoma.(7) Os achados patológicos descritos incluem células adiposas necróticas circundadas por macrófagos, neutrófilos, ou tecido fibroso, com características semelhantes às de apendicite epiploica.
Desde 2005, quando foi descrito o primeiro caso de tratamento conservador bem-sucedido de necrose da gordura epipericárdica,(3) a TC tem desempenhado um papel importante no diagnóstico e acompanhamento. O achado típico é uma lesão encapsulada arredondada que contém gordura, com filamentos na gordura epipericárdica, que pode ser leve ou acentuada. Espessamento pericárdico e derrame pleural ipsilateral também podem estar presentes. Uma vez que esse achado esteja presente em um contexto clínico típico e outras causas de dor torácica aguda tenham sido descartadas, os médicos devem considerar a necrose da gordura epipericárdica como a causa da dor.(8)
Nossa paciente era uma jovem usuária de contraceptivos orais que apresentou dor torácica pleurítica grave à direita, que implica embolia pulmonar como o principal diagnóstico a ser descartado. A embolia pulmonar foi excluída, e a TC revelou a presença de necrose da gordura epipericárdica, o que levou ao diagnóstico correto e permitiu a instituição do tratamento conservador, com excelentes resultados. É imperativo que clínicos e radiologistas estejam cientes dessa condição, a fim de tratá-la apropriadamente em departamentos de emergência.
Karina de Souza Giassi
Radiologista Torácica, Hospital
Sírio-Libanês, São Paulo (SP) Brasil
André Nathan Costa
Pneumologista, Hospital Sírio-Libanês e Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração (InCor), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil
André Apanavicius
Pneumologista, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo (SP) Brasil
Guilherme Hipólito Bachion
Radiologista Torácico, Hospital
Sírio-Libanês, São Paulo (SP) Brasil
Rafael Silva Musolino
Pneumologista, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo (SP) Brasil
Ronaldo Adib Kairalla
Pneumologista, Hospital Sírio-Libanês e Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração (InCor), Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) BrasilReferências1. Baig A, Campbell B, Russell M, Singh J, Borra S. Epicardial fat necrosis: an uncommon etiology of chest pain. Cardiol J. 2012;19(4):424-8. http://dx.doi.org/10.5603/CJ.2012.0076 PMid:22825906
2. Runge T, Greganti MA. Epipericardial fat necrosis - a rare cause of pleuritic chest pain: case report and review of the literature. Arch Med Sci. 2011;7(2):337-41. http://dx.doi.org/10.5114/aoms.2011.22088 PMid:22291777 PMCid:PMC3258729
3. Pineda V, Cáceres J, Andreu J, Vilar J, Domingo ML. Epipericardial fat necrosis: radiologic diagnosis and follow-up. AJR Am J Roentgenol. 2005;185(5):1234-6. http://dx.doi.org/10.2214/AJR.04.1310 PMid:16247140
4. Jackson RC, Clagett OT, Mcdonald JR. Pericardial fat necrosis; report of three cases. J Thorac Surg. 1957;33(6):723-9. PMid:13429689
5. Lee BY, Song KS. Calcified chronic pericardial fat necrosis in localized lipomatosis of pericardium. AJR Am J Roentgenol. 2007;188(1):W21-4. http://dx.doi.org/10.2214/AJR.04.1989 PMid:17179322
6. Lacasse MC, Prenovault J, Lavoie A, Chartrand-Lefebvre C. Pericardial fat necrosis presenting as acute pleuritic chest pain. J Emerg Med. 2013;44(2):e269-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.jemermed.2012.05.032 PMid:22877971
7. Inoue S, Fujino S, Tezuka N, Sawai S, Kontani K, Hanaoka J, et al. Encapsulated pericardial fat necrosis treated by video-assisted thoracic surgery: report of a case. Surg Today. 2000;30(8):739-43. http://dx.doi.org/10.1007/s005950070088 PMid:10955740
8. Mazzamuto G, Ghaye B. Epipericardial fat necrosis. JBR-BTR. 2012;95(3):154-5. PMid:22880517