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Artigo Original

Diagnóstico tardio da sarcoidose é comum no Brasil

Delayed diagnosis of sarcoidosis is common in Brazil

Mauri Monteiro Rodrigues, Ester Nei Aparecida Martins Coletta, Rimarcs Gomes Ferreira, Carlos Alberto de Castro Pereira

ABSTRACT

Objective: To determine the frequency of and the factors related to delayed diagnosis of sarcoidosis in Brazil. Methods: We evaluated patients with a biopsy-proven diagnosis of sarcoidosis, using a questionnaire that addressed the following: time since symptom onset and since the first medical visit; and the number and specialty of the physicians visited. We divided the patients by the timeliness of the diagnosis-timely (< 6 months) and delayed ( 6 months)-comparing the two groups in terms of systemic and pulmonary symptoms; extrathoracic involvement; spirometric data; radiological staging; level of education; income; and tuberculosis (diagnosis and treatment). Results: We evaluated 100 patients. The median number of physicians consulted was 3 (range, 1-14). In 11 cases, sarcoidosis was diagnosed at the first visit. In 54, the first physician seen was a general practitioner. The diagnosis of sarcoidosis was timely in 41 patients and delayed in 59. The groups did not differ in terms of gender; race; type of health insurance; level of education; income; respiratory/systemic symptoms; extrathoracic involvement; and radiological staging. In the delayed diagnosis group, FVC was lower (80.3 ± 20.4% vs. 90.5 ± 17.1%; p = 0.010), as was FEV1 (77.3 ± 19.9% vs. 86.4 ± 19.5%; p = 0.024), misdiagnosis with and treatment for tuberculosis ( 3 months) also being more common (24% vs. 7%, p = 0.032, and 20% vs. 0%; p = 0.002, respectively). Conclusions: The diagnosis of sarcoidosis is often delayed, even when the imaging is suggestive of sarcoidosis. Delayed diagnosis is associated with impaired lung function at the time of diagnosis. Many sarcoidosis patients are misdiagnosed with and treated for tuberculosis.

Keywords: Sarcoidosis; Sarcoidosis, pulmonary/diagnosis; Tuberculosis.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a frequência do diagnóstico tardio de sarcoidose no Brasil e os fatores relacionados a esse atraso. Métodos: Avaliamos pacientes com diagnóstico de sarcoidose confirmado por biópsia utilizando um questionário que abordava o tempo entre o início dos sintomas e a data da primeira consulta médica; e o número e especialidades dos médicos consultados. Sintomas sistêmicos e pulmonares, envolvimento extratorácico, dados espirométricos, estadiamento radiológico, escolaridade, renda individual e diagnóstico/tratamento de tuberculose foram comparados entre os pacientes com diagnóstico precoce (< 6 meses até o diagnóstico) e tardio ( 6 meses). Resultados: Foram incluídos 100 pacientes. A mediana do número de médicos consultados foi 3 (variação: 1-14). O diagnóstico de sarcoidose foi feito na primeira consulta em 11 casos. Um clínico geral foi inicialmente consultado em 54 casos. O diagnóstico de sarcoidose foi precoce em 41 casos e tardio em 59. Não houve diferença entre os grupos no tocante ao gênero, raça, tipo de seguro saúde, escolaridade, renda, sintomas sistêmicos e respiratórios, envolvimento extratorácico e estadiamento radiológico. Os pacientes com diagnóstico tardio apresentavam menor CVF (80,3 ± 20,4% vs. 90,5 ± 17,1%; p = 0,010) e VEF1 (77,3 ± 19,9% vs. 86,4 ± 19,5%; p = 0,024), além de mais frequentemente receberem diagnóstico de tuberculose (24% vs. 7%; p = 0,032) e tratamento para tuberculose ( 3 meses; 20% vs. 0%; p = 0,002). Conclusões: O diagnóstico de sarcoidose é tardio em muitos casos, mesmo quando há achados de imagem sugestivos. O diagnóstico tardio está associado a menor função pulmonar na época do diagnóstico. Vários pacientes com sarcoidose recebem diagnóstico e tratamento de tuberculose.

Palavras-chave: Sarcoidose; Sarcoidose pulmonar/diagnóstico; Tuberculose.

Introdução

O diagnóstico de sarcoidose é estabelecido quando achados clínicos e radiológicos associam-se à presença histológica de granulomas e são excluídas outras causas desses achados.(1,2) O diagnóstico de sarcoidose é frequentemente retardado por diversas razões. A doença não é comum e pode afetar qualquer sistema orgânico. A apresentação clínica pode ser característica da doença(1,3,4) ou atípica.

Em países com um grande número de casos de tuberculose, como o Brasil, sempre se considera o diagnóstico de tuberculose em pacientes cuja biópsia mostre granulomas, e a doença é frequentemente tratada, mesmo sem comprovação bacteriológica. Assim como a tuberculose, a sarcoidose é mais comum nos lobos superiores, e fibrose do parênquima pode causar distorção arquitetural, retração hilar e redução do volume dos lobos superiores.(5) Na sarcoidose, pode haver achados sistêmicos, tais como febre, perda de peso e sudorese noturna, os quais podem induzir os médicos a estabelecer um diagnóstico equivocado de tuberculose.(6) A sarcoidose é assintomática em muitos casos. Quando há sintomas, são em geral inespecíficos. Finalmente, barreiras econômicas e a dificuldade de acesso a especialistas podem afetar o tempo até o diagnóstico. Nos Estados Unidos, em um estudo envolvendo 189 pacientes, houve diagnóstico tardio (> 6 meses após o início dos sintomas) em 31% dos casos.(7) A presença de sintomas pulmonares e achados radiológicos indicativos de doença mais avançada associaram-se a um tempo mais prolongado até o diagnóstico. Ao contrário, a presença de lesões de pele resultou em diagnóstico mais precoce.

O objetivo do presente estudo foi determinar a frequência do diagnóstico tardio de sarcoidose em pacientes atendidos em centros especializados no Brasil e os fatores relacionados a esse atraso.

Métodos

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, em São Paulo (SP). Consentimento informado foi obtido de todos os pacientes. Todos os pacientes incluídos no estudo apresentavam achados clínicos e de biópsia compatíveis com sarcoidose. Outras condições foram excluídas por meio de exames complementares, incluindo colorações especiais para micobactérias e fungos nas lâminas de biópsia. Os pacientes foram recrutados em três locais, todos em São Paulo (SP): o Ambulatório de Doenças Intersticiais do Hospital São Paulo (n = 68); o Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (n = 22) e a clínica privada de um dos autores (n = 10).

Um questionário padronizado foi aplicado no momento do diagnóstico ou retrospectivamente, até um ano após o diagnóstico. Os dados foram coletados entre junho de 2007 e maio de 2011.

Foram excluídos os pacientes que não se lembravam do tempo do início dos sintomas e do número de médicos consultados, bem como aqueles que não conseguiram realizar manobras adequadas para a espirometria.

Na avaliação inicial, os pacientes foram submetidos a anamnese, exame físico detalhado e exames complementares para verificar se havia acometimento de diversos órgãos pela sarcoidose.(1) As radiografias de tórax e as tomografias com data mais próxima da biópsia foram revistas. Os achados nas radiografias de tórax foram classificados de acordo com os critérios propostos por Scadding(8): estágio 0, sem envolvimento torácico; estágio I, adenopatia hilar isolada; estágio II, aumento hilar com doença pulmonar intersticial; estágio III, doença intersticial isolada e estágio IV, fibrose pulmonar.

Todos os testes espirométricos preencheram os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade propostos pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, e os resultados foram expressos em valores previstos para a população brasileira.(9,10) Os padrões anormais foram classificados em obstrutivo (relação VEF1/CVF reduzida com CVF normal), restritivo (CVF e VEF1 reduzidos com relação VEF1/CVF normal) e misto (CVF e relação VEF1/CVF reduzidas). A dispneia foi avaliada pelo índice de dispneia basal.(11) A dispneia foi considerada grave quando o escore era  6.

Os pacientes responderam a perguntas para que identificássemos a data de início dos sintomas, a data da primeira consulta médica, o número de médicos consultados (e sua especialidade) e a especialidade do médico que fez o diagnóstico de sarcoidose. Os médicos foram classificados em clínicos gerais ou generalistas (incluindo médicos de atendimento em emergências), pneumologistas, dermatologistas, oftalmologistas e outros.

A apresentação clínica da sarcoidose foi classificada nas seguintes categorias: assintomática (achados radiológicos anormais sem sintomas); sintomas pulmonares; sintomas cutâneos; sintomas oculares; sintomas sistêmicos (febre, perda de peso e sudorese noturna) e outros.

Os pacientes foram classificados em negros e brancos com base na cor da pele. O nível educacional foi classificado em analfabeto, escolar elementar, escolar secundário e universitário. A renda individual mensal foi quantificada em múltiplos de salário mínimo médio na época da duração do estudo: 1-3 (600-1.800 reais); 4-10 e > 10. Os seguros de saúde foram classificados em públicos e privados.

O diagnóstico da sarcoidose foi classificado em precoce (< 6 meses) e tardio (≥ 6 meses) com base no tempo decorrido desde a primeira consulta médica até a data da consulta na qual se estabeleceu o diagnóstico de sarcoidose.

As variáveis com distribuição normal foram expressas em média e desvio-padrão, e as sem distribuição normal foram expressas em mediana e variação. O teste do qui-quadrado foi usado para comparar os pacientes com diagnóstico precoce àqueles com diagnóstico tardio quanto às variáveis categóricas. No tocante às variáveis com distribuição normal, a comparação entre os grupos foi feita por meio do teste t de Student, e, no tocante àquelas com distribuição não normal, a comparação foi feita por meio do teste de Kruskal-Wallis ou Mann-Whitney. Correlações entre o tempo transcorrido desde o início dos sintomas até o diagnóstico e a CVF% foram realizadas por meio do teste de Spearman.

Uma análise preliminar de casos de sarcoidose mostrou que aproximadamente metade tinha diagnóstico tardio da doença. Considerando-se relevante uma diferença de 20% na frequência dos achados entre os dois grupos, com valores de α = 0,05 e potência (1 − β) de 0,80, seria necessária uma amostra de 97 casos.(12) As análises estatísticas foram realizadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Significância estatística foi estabelecida com um valor de p < 0,05 (bicaudal).

Resultados

Cem pacientes foram incluídos no estudo. Os achados gerais são mostrados na Tabela 1. Mulheres brancas constituíram a maioria da amostra. A média de idade foi de 48 anos, e a média de idade das mulheres foi maior que a dos homens (50,1 ± 12,1 anos vs. 43,9 ± 11,4 anos; t = 2,57; p = 0,012).



Do total de pacientes incluídos no estudo, 79% tinham assistência médica pública, 52% tinham nível superior e 60% tinham renda mensal abaixo de 2.000 reais.

A Tabela 2 mostra os achados clínicos, funcionais e radiológicos, bem como os locais que foram submetidos a biópsia e revelaram lesões granulomatosas. O diagnóstico foi feito por meio de achados incidentais na radiografia de tórax em 13% dos casos. Sintomas sistêmicos foram comuns: 46% dos pacientes referiram perda de peso, 35% referiram sudorese noturna e 20% referiram febre. Dispneia acentuada foi relatada por 19%.



A média dos valores de CVF e VEF1 na espirometria situou-se próximo ao limite inferior da faixa de referência, e a relação VEF1/CVF foi, em média, normal. Os valores espirométricos se situaram na faixa de referência em 44 casos; 29 casos foram classificados em restritivos, 19 em obstrutivos e 8 em mistos.

Em 49 casos, o diagnóstico de sarcoidose foi feito por meio de biópsia transbrônquica. Lesões cutâneas e adenopatias extratorácicas foram comuns, e 1/3 dos casos foram diagnosticados com base em biópsias desses locais.

A mediana do número de médicos consultados foi 3 (variação: 1-14). O primeiro médico consultado foi um clínico geral em 54 casos, um pneumologista em 13, um dermatologista em 7 e outros especialistas em 24. A sarcoidose foi diagnosticada na primeira consulta em apenas 11 pacientes; 6 pacientes foram diagnosticados por um dermatologista, 3 por um pneumologista e 2 por um clínico geral. Em 26 casos, cinco ou mais médicos foram consultados antes da realização do diagnóstico.

Todos os pacientes foram vistos em nossos centros, de modo que, ao final do estudo, todos os casos foram vistos por um pneumologista. Antes disso, 68 pacientes consultaram 90 pneumologistas, sendo o diagnóstico realizado em 28 casos (31%).

A mediana do tempo transcorrido desde o início dos sintomas ou desde um achado radiológico anormal até a primeira consulta foi de 1 mês; desde a primeira consulta até o diagnóstico foi de 7,5 meses e desde o início dos sintomas ou desde um achado radiológico anormal até o diagnóstico foi de 12 meses. Cinquenta e três pacientes consultaram um médico dentro de 1 mês após o surgimento dos sintomas, e 82 pacientes consultaram um médico dentro de 6 meses após o início dos sintomas.

Cinquenta e nove pacientes (59%) receberam diagnóstico tardio (≥ 6 meses após a primeira consulta), ao passo que os 41 restantes (41%) receberam diagnóstico precoce. O tempo transcorrido desde o início dos sintomas até a primeira consulta foi semelhante entre os dois grupos. A mediana do tempo de sintomas foi de 1 mês no grupo com diagnóstico precoce e de 2 meses no grupo com diagnóstico tardio (z = 0,24; p = 0,81).

O tempo transcorrido desde o início dos sintomas até a primeira consulta e desde o início dos sintomas até o diagnóstico não diferiu entre os gêneros, raças, tipos de seguro de saúde, níveis educacionais ou rendas (dados não mostrados).

A Tabela 3 mostra a comparação dos dois grupos de pacientes (pacientes com diagnóstico precoce e pacientes com diagnóstico tardio) quanto aos achados clínicos, funcionais e de imagem. Os pacientes com diagnóstico tardio tinham maior média de idade, menor CVF e VEF1 e foram mais frequentemente diagnosticados e tratados como portadores de tuberculose. Dos 59 casos com diagnóstico tardio, 24 (40,7%) tinham distúrbio espirométrico restritivo, comparados a 6 (14,6%) daqueles com diagnóstico precoce (p = 0,005).

Sintomas sistêmicos e respiratórios e a frequência de envolvimento extratorácico não diferiram entre os pacientes com diagnóstico precoce e aqueles com diagnóstico tardio. Não houve diferença entre os pacientes com diagnóstico precoce e aqueles com diagnóstico tardio no tocante aos estágios radiográficos. A TC estava disponível para avaliação em 97 pacientes. Após a aplicação da classificação de Scadding à TC, 50 pacientes apresentaram mudança de estágio, 36 deles para um estágio mais elevado. Pela TCAR, apenas 1 dos 8 casos classificados em estágio 0 com base na radiografia simples permaneceu neste estágio.



Em 21 casos, os estágios mudaram de I, II ou III para o estágio IV. Não houve diferença entre os pacientes com diagnóstico precoce e aqueles com diagnóstico tardio no tocante aos estágios tomográficos (Tabela 3). Quando os estágios foram agrupados em 0/I/II vs. estágios III/IV e comparados em relação ao diagnóstico (precoce ou tardio), novamente não se observou diferença.

Dezessete pacientes receberam diagnóstico de tuberculose, nenhum deles com confirmação bacteriológica. Todos os 17 inicialmente receberam tratamento para tuberculose, 12 deles durante 3 meses ou mais. Como esperado, os pacientes tratados durante 3 meses ou mais tiveram diagnóstico mais tardio (Tabela 3). Dez pacientes foram diagnosticados como portadores de tuberculose por pneumologistas, 4 o foram por clínicos gerais e 3 o foram por outros profissionais. Dos 17 pacientes com diagnóstico de tuberculose, 15 (88,2%) apresentaram sintomas sistêmicos, contra 44 (53,0%) dos 83 pacientes sem diagnóstico de tuberculose (χ2 = 7,24; p = 0,007).

Discussão

O presente estudo confirma que o atraso diagnóstico é comum na sarcoidose. O diagnóstico de sarcoidose foi retardado por 6 meses ou mais em aproximadamente 60% dos casos. Apenas 11% dos pacientes foram diagnosticados pelo primeiro médico consultado. Em 26% dos casos, cinco ou mais médicos foram consultados antes da confirmação diagnóstica de sarcoidose.

No estudo que inspirou o presente trabalho,(7) pacientes com sintomas pulmonares apresentavam maior tempo transcorrido desde o início dos sintomas até o diagnóstico, bem como maior tempo transcorrido desde a primeira consulta médica até o diagnóstico; a presença de envolvimento cutâneo associou-se a um tempo menor até o diagnóstico de sarcoidose. No presente estudo, esses achados não influenciaram o tempo até o diagnóstico.

O tempo até o diagnóstico de sarcoidose (desde o início dos sintomas e desde a primeira consulta médica) não foi afetado pelo gênero, raça, renda individual e tipo de seguro de saúde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,(13) a renda individual mensal média em São Paulo na época do estudo era de aproximadamente 850 reais, semelhante ao valor médio encontrado no presente estudo (aproximadamente 800 reais).

Na maioria dos casos, um médico generalista foi o primeiro médico consultado, mas o diagnóstico de sarcoidose foi feito na primeira consulta em apenas 1 caso. Pneumologistas foram consultados na primeira visita em 13 casos, e o diagnóstico de sarcoidose foi feito em apenas 3 deles.

Dois vieses merecem consideração no presente estudo. O primeiro é o viés de recrutamento; os indivíduos deste estudo podem não ser representativos dos pacientes com sarcoidose em geral. No tocante à idade e ao gênero, nossos achados são semelhantes aos de dois estudos epidemiológicos, um na Holanda e o outro no Japão.(14,15) No estudo denominado A Case Control Etiologic Study of Sarcoidosis,(16) o qual envolveu uma grande amostra representativa norte-americana de pacientes com sarcoidose, foram observadas algumas semelhanças e diferenças em comparação ao presente estudo. Como em nosso estudo, a média de idade foi maior em mulheres, e as proporções de envolvimento da pele, linfonodos extratorácicos e envolvimento ocular foram muito semelhantes nos dois estudos. Entretanto, em nossa amostra, mais pacientes tinham doença em estágios III e IV (36% vs. 16%) e a proporção de pacientes com sarcoidose em estágio I foi menor (21% vs. 40%).(16)

No Brasil, não houve ainda um estudo populacional sobre sarcoidose. Dois estudos realizados em centros de referência em duas cidades distintas (Porto Alegre e Rio de Janeiro) mostraram achados gerais em pacientes com sarcoidose.(17,18) Os dois estudos mostraram que a doença é mais comum em pacientes do sexo feminino, com maior número de casos nos estágios II e III. Em um dos estudos,(18) houve diagnóstico prévio de tuberculose em 6 de 100 casos. O tempo transcorrido até o diagnóstico não foi referido nesses estudos. Portanto, o presente estudo assemelha-se a outros estudos brasileiros conduzidos em centros de referência, mas as amostras investigadas provavelmente não são representativas da sarcoidose na população geral. É possível que casos em estágios mais precoces não tenham sido encaminhados a esses centros. Entretanto, no presente estudo, o número de pacientes nos estágios I e II (n = 28) foi o mesmo nos grupos com e sem diagnóstico tardio, indicando que o menor número de pacientes nesses estágios em nosso estudo em comparação a estudos populacionais não explica os achados encontrados.

Outro viés de nosso estudo é que, em muitos casos, os questionários foram aplicados retrospectivamente, o que pode ter levado a um viés de recordação. Nós tentamos minimizar esse viés excluindo pacientes que não se lembravam de detalhes de seus casos. Contudo, essa é uma tarefa subjetiva, e o número de pacientes excluídos com base nesse critério não foi registrado.

A CVF foi menor em pacientes nos quais o tempo transcorrido desde o início dos sintomas até o diagnóstico foi maior. Esse achado sugere que o retardo no diagnóstico da sarcoidose pulmonar resulta em agravamento da disfunção pulmonar na ausência de tratamento. Infelizmente, os resultados da função pulmonar em longo prazo, após tratamento eventual, não foram registrados.

No presente estudo, não encontramos uma relação entre os estágios radiográficos e o retardo no diagnóstico. A TCAR é superior à radiografia de tórax para a detecção de nódulos e de aumento dos linfonodos mediastinais,(19) mas esses achados não foram úteis para um diagnóstico mais precoce. Na ausência de confirmação patológica, achados clínicos e radiológicos podem ser úteis para o diagnóstico no estágio I (confiabilidade de 98%) ou II (89%), mas são menos precisos para pacientes em estágio III (52%) ou 0 (23%).(1,3) Linfadenopatia hilar bilateral assintomática sem achados sistêmicos ou com sintomas agudos (uveíte, poliartrite ou eritema nodoso) é altamente sugestiva de sarcoidose,(4,20) e a comprovação histológica é portanto desnecessária. Uma combinação de nódulos pulmonares com adenopatia hilar/mediastinal deveria despertar suspeita imediata de sarcoidose. Nesse contexto, se os nódulos têm uma distribuição linfática na TCAR, o diagnóstico de sarcoidose é ainda mais reforçado. Em uma revisão retrospectiva de 91 casos com adenopatia hilar e nódulos pulmonares do nosso registro de doenças pulmonares intersticiais, a sarcoidose foi diagnosticada em 76 (84%), a silicose em 10 (11%) e outras doenças em 5 (5%; dados não publicados). No presente estudo, essa combinação não se mostrou útil para um diagnóstico mais precoce.

Houve diagnóstico equivocado de tuberculose em 17 pacientes, 12 dos quais foram tratados durante mais de 3 meses e 4 completaram o tratamento-padrão de 6 meses estabelecido no Brasil. Esse tempo de tratamento mais curto provavelmente reflete uma reconsideração do diagnóstico após a ausência de resposta ao tratamento para tuberculose.

No período do presente estudo, nos três centros envolvidos, apenas 1 paciente tratado inicialmente como portador de sarcoidose (excluído do presente estudo) teve tuberculose comprovada na evolução.

Em pacientes com sarcoidose, o único achado associado com diagnóstico mais frequente de tuberculose foi a presença de sintomas sistêmicos. Perda de peso, febre e sudorese noturna são achados comuns na sarcoidose.(6) Fadiga, outro achado comum na sarcoidose,(21) não foi avaliada no presente trabalho.

Os riscos do tratamento da sarcoidose como tuberculose não são desprezíveis.(22) Além disso, formas de acometimento potencialmente graves, tais como a sarcoidose cardíaca, podem não ser detectadas por falta de investigação sistemática. Dez dos 17 pacientes tratados como se tivessem tuberculose tinham adenomegalia hilar bilateral, um achado raro em tuberculose e que deveria sugerir o diagnóstico correto.

Um estudo avaliou a utilidade da PCR em fragmentos de biópsia para separar pacientes com sarcoidose daqueles com tuberculose.(23) A PCR foi positiva em todos os 31 casos com tuberculose e em 20 dos 104 com sarcoidose. Uma análise quantitativa foi capaz de separar os dois grupos, porém esses achados devem ser confirmados em outros centros.

Em suma, o diagnostico de sarcoidose é tardio em muitos casos, mesmo quando há achados de imagem sugestivos. O diagnóstico tardio se associa a menor função pulmonar na época do diagnóstico. Em alguns casos, os pacientes recebem diagnóstico e tratamento de tuberculose, o que retarda o diagnóstico correto. Os médicos generalistas e mesmo os pneumologistas deveriam estar mais familiarizados com os achados sugestivos de sarcoidose.

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* Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Carlos A. C. Pereira. Avenida Iraí, 393, conj. 34, Moema, CEP 04082-001, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 5543-8070. E-mail: pereirac@uol.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 15/4/2013. Aprovado, após revisão, em 16/7/2013.




Sobre os autores

Mauri Monteiro Rodrigues
Médico Assistente. Departamento de Doenças do Aparelho Respiratório, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Ester Nei Aparecida Martins Coletta
Professora. Departamento de Patologia, Universidade Federal de São Paulo; e Médica. Departamento de Anatomia Patológica, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Rimarcs Gomes Ferreira
Professor. Departamento de Patologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Carlos Alberto de Castro Pereira
Orientador de Pós-Graduação. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

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