Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11949
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Doença intersticial pulmonar em formas sugestivas de doença do tecido conectivo

Interstitial lung disease in suggestive forms of connective tissue disease

Aryeh Fischer

Os pacientes com as formas caracterizáveis de doença do tecido conjuntivo (DTC) estão em risco de desenvolver doença pulmonar intersticial (DPI), e há uma crescente compreensão de que a DPI pode ser a primeira ou única manifestação clinicamente relevante de uma DTC subjacente. (1-3) Pouco é compreendido-e há controvérsia muito maior-a respeito de DPI associada com formas sugestivas ou "indiferenciadas" de DTC.(2,3)

No presente número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Pereira et al. revisam o cenário clínico da positividade de auto-anticorpos em DPI e discutem como esses testes sorológicos podem ser interpretados.(4) Além disso, eles fornecem informações úteis sobre a avaliação de pacientes com DPI com suspeita de formas ocultas de DTC. Finalmente, os autores argumentam em favor da aplicação dos conceitos que foram formulados em um comentário recente sobre "DTC pulmão-dominante"(5): uma categoria provisória que descreve pacientes com DPI com uma faceta autoimune que não atendem os critérios estabelecidos para quaisquer formas de DTC caracterizáveis.

A identificação de DTC oculta em pacientes que apresentam o que é inicialmente considerado uma pneumonia intersticial idiopática (PII) pode ser um desafio. Às vezes, os pacientes que posteriormente desenvolvem uma DTC classificável não podem ser identificados antes do surgimento de manifestações sistêmicas específicas da DTC. Não há uma abordagem universalmente aceita para essas avaliações, e a prática atual inclui uma avaliação de características extratorácicas de DTC, a realização de testes de uma ampla gama de autoanticorpos circulantes e a consideração de aspectos radiográficos e histopatológicos específicos.(2,6) Vários centros também perceberam que uma avaliação multidisciplinar, incluindo consultas reumatológicas, pode ser útil.(7-9)

Uma série de estudos recentes tem mostrado que pacientes com PII muitas vezes apresentam aspectos extratorácicos sutis ou outras características clínicas sugestivas de um processo autoimune subjacente que ainda não satisfazem os critérios estabelecidos para quaisquer das formas caracterizáveis de DTC.(9-17) Às vezes, esses sinais e sintomas sutis ocorrem na ausência de anomalias sorológicas ou então autoanticorpos séricos altamente específicos para uma determinada DTC (por exemplo, anti-Jo-1 na síndrome antissintetase) podem estar presentes sem aspectos sistêmicos ou extratorácicos típicos. Existem outros cenários nos quais características radiológicas ou histopatológicas específicas são sugestivas de uma DTC subjacente e ainda a ausência de achados extratorácicos ou sorológicos impede a classificação confiável de DTC-DPI.

Em uma área sem consenso sobre a terminologia, os termos "DTC indiferenciada" (DTCI),(10,16) "DTC pulmão dominante"(5) e "autoimmune-featured DPI"(17) têm sido usados para descrever tais pacientes com formas sugestivas de DTC-DPI. Cada uma dessas categorias tem um conjunto único de critérios propostos e elas representam as ideias das equipes de investigação de diversos centros de referência para DPI, mas ainda precisam ser validados prospectivamente.

DTCI

As primeiras descrições de "doenças indiferenciadas" foram feitas no final dos anos 60 por Sabo.(18) Em 1980, LeRoy et al. propuseram o conceito de "síndromes do tecido conjuntivo indiferenciadas" para definir doença reumática recente que se manifesta principalmente pela presença de fenômeno de Raynaud e edema digital.(19) Subsequentemente, a DTCI foi definida como sinais e sintomas sugestivos de uma DTC (por exemplo, artralgias, artrite, fenômeno de Raynaud ,leucopenia, anemia, olhos secos e boca seca), com positividade de anticorpos antinucleares, mas sem preencher os critérios de classificação existentes para uma DTC específica.(20) Aproximadamente 60% dos pacientes com DTCI permanecerão como "indiferenciados", e a minoria desenvolve uma DTC classificável, diagnóstico esse que normalmente ocorre nos primeiros 5 anos após o diagnóstico de DTCI.(20) Embora a DTCI possa evoluir para qualquer DTC, na maioria das vezes ela evolui para lúpus eritematoso sistêmico. Uma característica distintiva importante da DTCI é a ausência de dano ou envolvimento de órgãos maiores.(20) Em 2007, um conjunto mais amplo de critérios para DTCI foi proposto e retrospectivamente aplicado a uma coorte de pacientes com PII avaliados em um centro de referência para DPI.(16) Os pacientes com diagnóstico definido como DTCI eram mais propensos a ser do sexo feminino, mais jovens, não fumantes e mais propensos a apresentar evidências radiográficas e histopatológicas de pneumonia intersticial não específica (PINE). Como cerca de 90% dos pacientes com PINE foram definidos como portadores de DTCI-DPI, os autores sugeriram que a maioria dos pacientes com PINE "idiopática" pode realmente ter uma doença autoimune e que a PINE idiopática poderia ser a manifestação de DTCI no pulmão.(16) Corte et al. exploraram a relevância clínica desses critérios mais amplos para DTCI em uma coorte de pacientes com PII de seu centro de referência para DPI.(10) Em seu estudo retrospectivo, aspectos de DTC foram muito comuns; 31% dos casos de PINE e 13% dos pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI) preencheram os critérios tradicionais para DTCI, e, surpreendentemente, 71% dos casos de PINE e 36% dos pacientes com FPI preencheram os critérios para DTCI mais amplos e menos específicos. A relevância clínica desses esquemas de classificação foi discutida, visto que o diagnóstico de DTCI por um dos conjuntos de critérios para DTCI não apresentam um significado no prognóstico.(10)

Autoimmune-featured DPI

Vij et al. descreveram uma coorte de pacientes com DPI predominantemente com pneumonia intersticial usual (PIU) que retrospectivamente haviam sido identificados como tendo uma forma sugestiva de DTC-DPI.(17) Entre 200 pacientes avaliados em um centro de referência para DPI, 63 foram considerados como tendo "autoimmune-featured DPI". Uma classificação de autoimmune-featured DPI exigia a presença de sinais ou sintomas sugestivos de uma DTC e testes sorológicos caracterizando um processo autoimune. A coorte que preencheu a definição de autoimmune-featured DPI tinha um perfil demográfico semelhante àquela de FPI: a maioria era mais velha (idade de 66 anos) e do sexo masculino. Os sintomas clínicos mais comuns foram olhos secos, boca seca ou doença do refluxo gastroesofágico. Naquele grupo, 75% dos pacientes autoimmune-featured DPI tinham um padrão de lesão pulmonar de PIU e sobrevida global semelhante à de pacientes com FPI e pior do que a em pacientes com formas classificáveis de DTC-DPI.(17)

DTI pulmão dominante

Em 2010, Fischer et al. propôs a classificação provisória de "DTC pulmão dominante".(5) O conceito (e essa classificação) foi concebido para ser aplicado em pacientes com DPI que não preenchessem os critérios para uma DTC caracterizável, e que apresentassem uma "nuance autoimune" da doença, manifestada por autoanticorpos específicos ou características histopatológicas. A presença de aspectos extratorácicos objetivos é importante, mas a sua ausência não deve impedir a classificação de DTC pulmão dominante.(5) Os benefícios de tal esquema de classificação incluem: 1) critérios objetivos e mensuráveis; 2) exclusão de sintomas não específicos (tais como olhos secos, mialgia, artralgia ou doença do refluxo gastroesofágico) e de marcadores inflamatórios não específicos com baixos títulos de autoanticorpos menos específicos; 3) uma noção de que a vigilância para o desenvolvimento de DTC caracterizável é garantida; e 4) uma ênfase de que tal classificação fornece um quadro pelo qual a história natural, a biopatologia, o tratamento e estudos de prognóstico podem ser utilizados.(5)

Determinação do problema

Por causa dos desfechos geralmente melhores associados à DTC-DPI e porque diferentes abordagens de tratamento são muitas vezes aplicadas em pacientes com DTC-DPI, determinar se essas formas sugestivas de DTC-DPI representam um espectro de DTC DPI - em vez de PII - é importante. Em essência, é importante saber se essas formas sugestivas de DTC-DPI têm uma história natural semelhante às formas classificáveis de DTC-DPI e se a abordagem do gerenciamento da doença deva ser semelhante ao de DTC-DPI ou ao de PII. As estratégias atuais para identificar e classificar esses pacientes são controversos e inadequados, há muito pouco diálogo interdisciplinar nessa arena, e o avanço desse campo fortaleceria os esforços para dirimir essas divisões. Além disso, a falta de consenso sobre a terminologia e os diversos conjuntos de critérios de classificação existentes limitam a capacidade de se realizar estudos prospectivos multicêntricos e multidisciplinares necessários para responder às muitas questões fundamentais sobre esse subgrupo de DPI.

Um caminho futuro

Em um esforço para ir além dos impasses atuais e abordar essas áreas de controvérsia, uma força-tarefa da American Thoracic Society/European Respiratory Society denominada "An International Working Group on Undifferentiated Forms of CTD-ILD" foi recentemente formada. Essa força-tarefa é composta por um painel internacional multidisciplinar de especialistas em DTC-DPI, incluindo investigadores dos centros que desenvolveram os diferentes critérios existentes para DTCI, DTC pulmão dominante e autoimmune-featured DPI. O objetivo principal dessa força-tarefa é desenvolver um consenso sobre a nomenclatura e os critérios para a classificação de formas sugestivas de DTC-DPI. A força-tarefa também irá identificar as principais áreas de incerteza que são dignos de mais pesquisas nessa coorte. Quando houver um consenso internacional e multidisciplinar envolvendo os critérios de classificação e nomenclatura dessas formas sugestivas de DTC-DPI, a plataforma necessária estará disponível para permitir o desenvolvimento de estudos multidisciplinares prospectivos e multicêntricos necessários para promover nossa compreensão desse subgrupo de DPI.



Aryeh Fischer
Professor Associado de Medicina, National Jewish Health, Denver, CO, EUA




Referências

1. Cottin V. Interstitial lung disease: are we missing formes frustes of connective tissue disease? Eur Respir J. 2006;28(5):893-6. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00101506 PMid:17074915

2. Fischer A, du Bois R. Interstitial lung disease in connective tissue disorders. Lancet. 2012;380(9842):689-98. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61079-4

3. Cottin V. Interstitial lung disease. Eur Respir Rev. 2013;22(127):26-32. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00006812 PMid:23457161

4. Pereira DA, Kawassaki AM, Baldi BG. Interpretation of autoantibody positivity in interstitial lung disease and lung-dominant connective tissue disease. J Bras Pneumol. 2013;39(6):728-741.

5. Fischer A, West SG, Swigris JJ, Brown KK, du Bois RM. Connective tissue disease-associated interstitial lung disease: a call for clarification. Chest. 2010;138(2):251-6. http://dx.doi.org/10.1378/chest.10-0194 PMid:20682528 PMCid:PMC3662187

6. Fischer A, du Bois RM. A Practical Approach to Connective Tissue Disease-Associated Lung Disease. In: Baughman RP, du Bois RM, editors. Diffuse Lung Disease---A practical approach. 2nd ed. New York: Springer; 2012. p. 217-37. http://dx.doi.org/10.1007/978-1-4419-9771-5_12

7. Castelino FV, Goldberg H, Dellaripa PF. The impact of rheumatological evaluation in the management of patients with interstitial lung disease. Rheumatology (Oxford). 2011;50(3):489-93. http://dx.doi.org/10.1093/rheumatology/keq233 PMid:20685802

8. Fischer A. Interstitial lung disease: a rheumatologist's perspective. J Clin Rheumatol. 2009;15(2):95-9. http://dx.doi.org/10.1097/RHU.0b013e31819b715d PMid:19265357

9. Mittoo S, Gelber AC, Christopher-Stine L, Horton MR, Lechtzin N, Danoff SK. Ascertainment of collagen vascular disease in patients presenting with interstitial lung disease. Respir Med. 2009;103(8):1152-8. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2009.02.009 PMid:19304475

10. Corte TJ, Copley SJ, Desai SR, Zappala CJ, Hansell DM, Nicholson AG, et al. Significance of connective tissue disease features in idiopathic interstitial pneumonia. Eur Respir J. 2012;39(3):661-8. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.00174910 PMid:21920896

11. Fischer A, Meehan RT, Feghali-Bostwick CA, West SG, Brown KK. Unique characteristics of systemic sclerosis sine scleroderma-associated interstitial lung disease. Chest. 2006;130(4):976-81. http://dx.doi.org/10.1378/chest.130.4.976 PMid:17035427

12. Fischer A, Pfalzgraf FJ, Feghali-Bostwick CA, Wright TM, Curran-Everett D, West SG, et al. Anti-th/to-positivity in a cohort of patients with idiopathic pulmonary fibrosis. J Rheumatol. 2006;33(8):1600-5. PMid:16783860

13. Fischer A, Solomon JJ, du Bois RM, Deane KD, Olson AL, Fernandez-Perez ER, et al. Lung disease with anti-CCP antibodies but not rheumatoid arthritis or connective tissue disease. Respir Med. 2012;106(7):1040-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2012.03.006 PMid:22503074 PMCid:PMC3753791

14. Fischer A, Swigris JJ, du Bois RM, Groshong SD, Cool CD, Sahin H, et al. Minor salivary gland biopsy to detect primary Sjogren syndrome in patients with interstitial lung disease. Chest. 2009;136(4):1072-8. http://dx.doi.org/10.1378/chest.08-2839 PMid:19429722 PMCid:PMC3662204

15. Fischer A, Swigris JJ, du Bois RM, Lynch DA, Downey GP, Cosgrove GP, et al. Anti-synthetase syndrome in ANA and anti-Jo-1 negative patients presenting with idiopathic interstitial pneumonia. Respir Med. 2009;103(11):1719-24. http://dx.doi.org/10.1016/j.rmed.2009.05.001 PMid:19497723 PMCid:PMC2857337

16. Kinder BW, Collard HR, Koth L, Daikh DI, Wolters PJ, Elicker B, et al. Idiopathic nonspecific interstitial pneumonia: lung manifestation of undifferentiated connective tissue disease? Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(7):691-7. http://dx.doi.org/10.1164/rccm.200702-220OC PMid:17556720 PMCid:PMC1994238

17. Vij R, Noth I, Strek ME. Autoimmune-featured interstitial lung disease: a distinct entity. Chest. 2011;140(5):1292-9. http://dx.doi.org/10.1378/chest.10-2662 PMid:21565966 PMCid:PMC3205845

18. Sabo I. The lanthanic or undifferentiated collagen disease. Hiroshima J Med Sci. 1969;18(4):259-64. PMid:5375831

19. LeRoy EC, Maricq HR, Kahaleh MB. Undifferentiated connective tissue syndromes. Arthritis Rheum. 1980;23(3):341-3. http://dx.doi.org/10.1002/art.1780230312 PMid:7362686

20. Mosca M, Tani C, Carli L, Bombardieri S. Undifferentiated CTD: a wide spectrum of autoimmune diseases. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2012;26(1):73-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.berh.2012.01.005 PMid:22424194=

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia