Ao Editor:Relatamos o caso recente de uma mulher de 74 anos, sem história ocupacional ou tabágica de relevo, atendida no serviço de urgência com queixa de dispneia por esforços com duas semanas de evolução. Não apresentava evidência de infecção respiratória recente, edemas periféricos ou ortopneia. Relatava uma história de hipertensão arterial e osteoporose, estando medicada com ramipril, fluvastatina e ibandronato.
Ao exame físico mostrava-se apirética, eupneica, com SpO2 de 98%, pressão arterial de 116/68 mmHg, FC de 91 bpm, auscultação cardíaca regular sem sopros e com abolição dos sons respiratórios na base direita, acompanhados de macicez à percussão e abolição do frêmito toracovocal nessa topografia.
A radiografia de tórax apresentava uma opacidade em toalha ao nível da metade inferior do hemicampo direito, compatível com derrame pleural volumoso e aparentemente livre.
Foi realizada uma toracocentese diagnóstica inicial que revelou um líquido exsudativo, de tipo serosanguinolento (pH, 7,33; proteínas, 4,5 g/dL; desidrogenase lática, 728 UI/mL; glicose, 38 mg/dL; albumina, 3,0 g/dL), de predomínio linfocitário (60%) e com adenosina desaminase de 10,6 UI. A primeira pesquisa citopatológica foi negativa, assim como o estudo microbiológico.
Apresentava níveis de enolase neuroespecífica de 16 U/mL e de cancer antigen (CA)-125 de 124 U/mL. A gasometria indicava ligeira hipoxemia em ar ambiente. A broncoscopia flexível realizada mostrou somente um espessamento da emergência do brônquio lobar superior direito, cuja biópsia mostrou hiperplasia de células basais.
A segunda citopatologia do líquido obtido após uma nova toracocentese levou a suspeita de adenocarcinoma papilar de origem desconhecida. A TC de tórax (Figura 1) evidenciou derrame pleural direito sem espessamentos pleurais nodulares evidentes ou adenopatias mediastino-hilares, sendo a avaliação do parênquima pouco conclusiva dada a atelectasia associada ao derrame.
A essa altura, as hipóteses de trabalho eram a possibilidade de um adenocarcinoma papilar da tireoide com envolvimento pleural metastático, adenocarcinoma papilar do pulmão com metástase pleural e tireoidiana ou adenocarcinoma papilar do pulmão com metástase pleural síncrona a adenocarcinoma papilar da tireoide.
Com base nessas hipóteses, o líquido pleural foi testado para a expressão de marcadores tumorais, incluindo squamous cell carcinoma (SCC), Cyfra 21.1, CA 19.9 e tiroglobulina (TG), tendo a paciente sido orientada para a realização de toracoscopia médica e de estudo ecográfico da glândula tireoide.
A ecografia tireoidiana mostrou hiperplasia nodular heterogênea, tendo a biópsia aspirativa do maior nódulo revelado carcinoma papilar "primitivo/secundário", posteriormente confirmado em peça de tireoidectomia total como carcinoma papilar primitivo da tireoide com expressão imuno-histoquímica de TG, TTF-1, CK19 e galectina-3 (Figura 2).
A pesquisa de marcadores tumorais no líquido pleural foi negativa para tiroglobulina, porém positiva para Cyfra 21.1 e CA 19.9. A toracoscopia médica revelou alterações nodulares inespecíficas ao nível da pleura parietal, tendo as biópsias pleurais obtidas revelado metástases de adenocarcinoma papilar do pulmão, partindo da expressão de TTF-1, vimentina, CK7 e negatividade para TG.
A repetição de TC, após a drenagem do líquido, permitiu descortinar uma formação nodular subpleural no segmento medial do lobo médio, com efeito de realce ao contraste, suspeita de constituir a lesão pulmonar primitiva.
Consubstanciou-se, assim, a presença de adenocarcinoma papilar da tireoide síncrono à existência de adenocarcinoma papilar do pulmão em estádio IV com metástase pleural. A paciente foi submetida a pleurodese e iniciou quimioterapia com cisplatina e gemcitabina, com resposta parcial após três ciclos.
No carcinoma papilar da tireoide, apesar de a disseminação à distância ser rara, já foram relatados casos de apresentações como derrame pleural maligno,(1-5) sendo que, em alguns, o diagnóstico final foi apenas confirmado por análise de peça de tireoidectomia total.(1) Já o adenocarcinoma pulmonar é o tipo de neoplasia que mais frequentemente metastiza para a pleura, acarretando prognóstico sombrio,(6) sendo a variante de diferenciação papilar pouco usual. Existem casos relatados associados a metástases tireoidianas.(5,7,8)
Realçamos que, no presente caso de diagnóstico simultâneo de neoplasias síncronas com o mesmo padrão de diferenciação, a determinação etiológica do envolvimento pleural maligno é de acrescida importância dado que, mesmo para doença disseminada, é assinalável a diferença de sobrevivência média entre o adenocarcinoma papilar da tireoide (56% em 5 anos) e o adenocarcinoma papilar do pulmão com disseminação pleural (média de 3-5 meses).
Em situações de difícil discriminação diagnóstica como a do presente caso, o estudo de expressão imuno-histoquímica constitui um elemento diferenciador fulcral. Em particular, visto que há expressão de TTF-1 tanto no pulmão quanto na tireoide, a utilização de marcação para TG quer no líquido pleural, quer sobretudo na peça histológica, pode auxiliar no exercício de diagnóstico diferencial.(9)
Pedro Gonçalo de Silva Ferreira
Residente em Pneumologia, Hospital e Centro Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
Paulo Matos
Residente em Pneumologia, Hospital e Centro Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
António Jorge Gouveia Ferreira
Pneumologista, Hospital e Centro Universitário de Coimbra, Coimbra, PortugalReferências1. Pérez Vega C, Lecube Torelló A, Narváez García J, Vilaseca Momplet J. Pleural metastasis as presenting form of papillary thyroid microcarcinoma: an exceptional case [Article in Spanish]. Rev Clin Esp. 2003;203(4):217-8. http://dx.doi.org/10.1157/13045550 PMid:12681214
2. Vassilopoulou-Sellin R, Sneige N. Pleural effusion in patients with differentiated papillary thyroid cancer. South Med J. 1994;87(11):1111-6. http://dx.doi.org/10.1097/00007611-199411000-00010
3. Vernon AN, Sheeler LR, Biscotti CV, Stoller JK. Pleural effusion resulting from metastatic papillary carcinoma of the thyroid. Chest. 1992;101(5):1448-50. http://dx.doi.org/10.1378/chest.101.5.1448 PMid:1582317
4. Jung KH, Seo JA, Lee J, Jo WM, Kim JH, Shim C. A case of papillary thyroid cancer presenting as pleural effusion. Tuberc Respir Dis (Seoul). 2008;64(4):314-17. http://dx.doi.org/10.4046/trd.2008.64.4.314
5. Berge T, Lundberg S. Cancer in Malmö 1958-1969. An autopsy study. Acta Pathol Microbiol Scand Suppl. 1977;(260):1-235. PMid:269649
6. NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology. Non Small Cell Lung Cancer version 2.2010. Fort Washington: National Comprehensive Cancer Network; 2010.
7. Singh R, Lehl SS, Sachdev A, Handa U, D'Cruz S, Bhalla A. Metastasis to thyroid from lung carcinoma. Indian J Chest Dis Allied Sci. 2003;45(3):203-4. PMid:12866639
8. Nakhjavani MK, Gharib H, Goellner JR, van Heerden JA. Metastasis to the thyroid gland. A report of 43 cases. Cancer. 1997;79(3):574-8. http://dx.doi.org/10.1002/(SICI)1097-0142(19970201)79:3<574::AID-CNCR21>3.0.CO;2-
9. Porcel JM, Vives M, Esquerda A, Salud A, Pérez B, Rodríguez-Panadero F. Use of a panel of tumor markers (carcinoembryonic antigen, cancer antigen 125, carbohydrate antigen 15-3, and cytokeratin 19 fragments) in pleural fluid for the differential diagnosis of benign and malignant effusions. Chest. 2004;126(6):1757-63. http://dx.doi.org/10.1378/chest.126.6.1757 PMid:15596670