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Cartas ao Editor

Pneumoconiose mista por silicatos e metais duros associada à síndrome de Sjögren primária por silicatos

Mixed pneumoconiosis due to silicates and hard metals associated with primary Sjögren's syndrome due to silica

Pedro Gonçalo de Silva Ferreira, António Jorge Correia Gouveia Ferreira, Lina Maria Rodrigues de Carvalho, António Segorbe Luís

Ao Editor:

Descrevemos aqui o caso de um homem de 75 anos que apresentava queixas de dispneia de esforço progressiva (grau II/III pela escala modified Medical Research Council) e tosse seca persistente ao longo dos últimos três anos. Havia trabalhado durante 35 anos como soldador profissional, realizando solda de ligas metálicas, polimento das peças soldadas com jateamento de areia e granalha de aço e prática regular de isolamento de utensílios fixos com fibras de amianto.

Orientado na esfera de cuidados primários durante o primeiro ano, veio a desenvolver lesões cutâneas descamativas cíclicas nos membros, com aspecto de liquenificação/descamação, fenômeno de Raynaud, síndrome sicca e perda ponderal de 5 kg. Ao exame físico mostrava-se eupneico, com SpO2 de 95%, apresentando crepitações inspiratórias basais à auscultação e ausência de hipocratismo digital.

A radiografia de tórax evidenciava alterações intersticiais de tipo reticular. A TC torácica demonstrou adenopatias mediastínicas calcificadas em "casca de ovo", reticulação interlobular, bronquiectasias de tração e espessamento de septos, com áreas em padrão de vidro fosco, consolidação alveolar de distribuição peribroncovascular e zonas de espessamento pleural (Figura 1).



O paciente foi submetido a biópsia cutânea, que mostrou alterações de padrão liquenoide sem especificidade apurável. O lavado broncoalveolar (LBA), realizada ao nível do lobo médio (brônquio direito 4a), revelou celularidade total de 130.000 células/mL, com 40% de linfócitos e 16% de neutrófilos, com estudo microbiológico e citopatológico negativos. A imunofenotipagem mostrou predomínio de linfócitos T CD8 (razão CD4/CD8 = 0,68) e de linfócitos B (20%). A fração inorgânica não revelou corpos de asbesto e foi enviada para doseamento de metais duros e silicatos pela técnica de espectrometria de emissão atômica em plasma indutivamente acoplado. Essa pesquisa mostrou níveis elevados de sílica, cobre, cobalto, cromo, rubídio, molibdênio e zinco.

Analiticamente evidenciava hemoglobina de 11,6 g/dL, parâmetros inflamatórios normais, creatinina de 1,0 mg/dL e sedimento urinário inativo. Apresentava uma 2-microglobulina de 6,56 mg/L, enzima de conversão de angiotensina de 127 U/L, hipergamaglobulinemia policlonal IgG e IgA, e presença de anticorpos antinucleares positivos com títulos elevados de anti-SSA60 e anti-SSB. A xeroftalmia foi comprovada por teste de Schirmer (olho direito, 9 mm; olho esquerdo, 7 mm).

Funcionalmente, apresentava um padrão restritivo moderado (índice de Tiffeneau, 80; VEF1, 70,9%; CVF, 66,8%; CPT, 64,6%; e VR, 68,4%) com diminuição moderada da DLCO (51,2% do previsto) e baixa distância percorrida na prova de marcha com dessaturação de 5%.

A biópsia pulmonar cirúrgica evidenciou focos de proliferação fibroblástica, macrófagos de pigmentação antracótica e partículas birrefringentes sugestivas de silicatos, associados a células gigantes multinucleadas ao longo de eixos broncovasculares e septos interlobulares, com descamação macrofágica alveolar e fibrose pleural difusa generalizada (Figura 2).



Foi firmado o diagnóstico de pneumoconiose mista por sílica, metais duros e asbesto, associada à síndrome de Sjögren (SS) primária com possível envolvimento parenquimatoso pulmonar. Iniciou tratamento com prednisolona 0,5 mg/kg em ciclo de quatro meses com melhoria da dispneia de esforço e remissão completa das lesões cutâneas, embora apenas com tênue melhoria radiológica e da DLCO.

O diagnóstico paralelo da SS primária de início tardio, cumprindo os critérios propostos pelo Grupo de Consenso Euro-Americano, pode ser relacionado com o longo período de exposição à sílica, de acordo com alguns raros casos reportados na literatura.(1-3) De fato, a intensa exposição à sílica mostrou poder conduzir ao desenvolvimento de processos autoimunes numa fração dos trabalhadores expostos, designadamente esclerose sistêmica,(4) artrite reumatoide(4) e SS primária. (1-4) Nesse contexto, a linfocitose alveolar foi já correlacionada com o envolvimento pulmonar por SS e conotada com prognóstico desfavorável.(5) No caso em consideração, o achado de infiltração linfocitária peribroncovascular com proporção relevante de linfócitos B pode relacionar-se com infiltração parenquimatosa imputável à SS. A exclusão correta de linfoma foi essencial.

O componente pneumoconiótico, expresso radiologicamente por alterações inflamatórias já com comprometimento fibrótico, é manifestado histologicamente pela reação fibroblástica perisseptal e peribroncovascular, assim como pela presença de macrófagos com pigmento antracótico e partículas birrefringentes. Os aspetos encontrados de descamação alveolar e reação de células gigantes constituem os tipicamente observados na doença pulmonar por metais duros.(6-8) As áreas de fibrose pleural difusa são relacionáveis com a exposição ao asbesto.

A histologia típica da doença parenquimatosa induzida por metais duros corresponde ao padrão de fibrose intersticial com reação de células gigantes e focos de pneumonia intersticial descamativa com ou sem bronquiolite obliterante. (6-8) Pontualmente, poderá haver uma disposição sarcoide ou somente um padrão de pneumoconiose do tipo poeira mista.

A análise mineralógica pulmonar é útil na detecção etiológica de partículas em pneumoconioses.(7) No presente caso, a pesquisa de silicatos e metais duros em LBA foi feita recorrendo a espectrometria de emissão atômica em plasma indutivamente acoplado. Esse tipo de informação permite documentar exposições ocupacionais, muitas vezes mistas, várias décadas após o seu término, auxiliando na determinação etiológica de algumas doenças respiratórias ocupacionais.(9) Apesar de a análise direta em biópsia/necropsia pulmonar constituir o indicador mais direto para estudos de acumulação de partículas, o LBA apresenta maior simplicidade e boa concordância para com os resultados obtidos de tecido.(9) A biópsia torna-se, contudo, indispensável em casos que imponham a distinção com sarcoidose.

Os metais duros de maior aplicação industrial são carbonetos de tungstênio, de molibdênio e de cromo - sendo o cobalto e o níquel elementos de ligação - e podem induzir tanto respostas imunológicas antígeno-específicas no pulmão como respostas imunes inatas caracterizadas por inflamação, frequentemente desencadeadas por lesão oxidativa.(8) Dos elementos detectados a partir de LBA do paciente, tanto a sílica como o cromo, molibdênio, cobalto e zinco foram já associados à fibrose pulmonar ou pneumoconiose. (10) Sabe-se, porém, que altas concentrações de partículas em tecidos ou fluidos orgânicos indicam exposição relevante mas não obrigatoriamente doença. No entanto, quando enquadradas em circunstâncias de forte exposição e contexto clínico, radiológico e histológico sugestivos, como no presente caso, as determinações de metais duros são um elemento valioso no diagnóstico e na compreensão patogênica de pneumoconioses menos habituais.(7)

Dado o largo contingente de trabalhadores envolvidos, a melhor compreensão das repercussões sobre a função pulmonar induzidas por exposição a fumos de soldadura será importante para o desenvolvimento de melhores estratégias de prevenção.

Pedro Gonçalo de Silva Ferreira
Pneumologista, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
António Jorge Correia Gouveia Ferreira
Pneumologista, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
Lina Maria Rodrigues de Carvalho
Diretora, Departamento de Anatomopatologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal
António Segorbe Luís
Diretor, Departamento de Imunoalergologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal


Referências

1. Puisieux F, Hachulla E, Brouillard M, Hatron PY, Devulder B. Silicosis and primary Gougerot-Sjögren syndrome [Article in French]. Rev Med Interne. 1994;15(9):575-9. http://dx.doi.org/10.1016/S0248-8663(05)82502-0
2. Astudillo L, Sailler L, Ecoiffier M, Giron J, Couret B, Arlet-Suau E. Exposure to silica and primary Sjögren's syndrome in a dental technician. Rheumatology (Oxford). 2003;42(10):1268-9. http://dx.doi.org/10.1093/rheumatology/keg334 PMid:14508049
3. Kirwan JR. Out-patient workload. Rheumatology (Oxford). 2003;42(10):1269-70. http://dx.doi.org/10.1093/rheumatology/keg335 PMid:14508050
4. Sanchez-Roman J, Wichmann I, Salaberri J, Varela JM, Nu-ez-Roldan A. Multiple clinical and biological autoimmune manifestations in 50 workers after occupational exposure to silica. Ann Rheum Dis. 1993;52(7):534-8. http://dx.doi.org/10.1136/ard.52.7.534 PMid:8394065 PMCid:PMC1005094
5. Dalavanga YA, Voulgari PV, Georgiadis AN, Leontaridi C, Katsenos S, Vassiliou M, et al. Lymphocytic alveolitis: A surprising index of poor prognosis in patients with primary Sjogren's syndrome. Rheumatol Int. 2006;26(9):799-804. http://dx.doi.org/10.1007/s00296-005-0092-1 PMid:16344933
6. van den Eeckhout AV, Verbeken E, Demedts M. Pulmonary pathology due to cobalt and hard metals [Article in French]. Rev Mal Respir. 1989;6(3):201-7. PMid:2662276
7. Rüttner JR, Spycher MA, Stolkin I. Inorganic particulates in pneumoconiotic lungs of hard metal grinders. Br J Ind Med. 1987;44(10):657-60. PMid:3676118 PMCid:PMC1007897
8. Kelleher P, Pacheco K, Newman LS. Inorganic dust pneumonias: the metal-related parenchymal disorders. Environ Health Perspect. 2000;108 Suppl 4:685-96. PMid:10931787 PMCid:PMC1637664
9. Dumortier P, De Vuyst P, Yernault JC. Non-fibrous inorganic particles in human bronchoalveolar lavage fluids. Scanning Microsc. 1989;3(4):1207-16; discussion 1217-8. PMid:2561220
10. Selden A, Sahle W, Johansson L, Sorenson S, Persson B. Three cases of dental technician's pneumoconiosis related to cobalt-chromium-molybdenum dust exposure. Chest. 1996;109(3):837-42. http://dx.doi.org/10.1378/chest.109.3.837 PMid:8617099

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