ABSTRACT
Hypersensitivity pneumonitis (HP), or extrinsic allergic alveolitis, is an immunologically mediated disease resulting from the inhalation of organic substances that trigger an inflammatory response in the alveolar wall, bronchioles, and interstitium in susceptible individuals. Although HP is predominantly an occupational disease, seen in adulthood, cases in children have been described. The diagnosis of HP requires a high degree of suspicion. The treatment consists in avoiding contact with the antigen, and, in some cases, systemic corticosteroids might be necessary in order to prevent its progression to pulmonary fibrosis. We report the clinical cases of three children with a history of contact with birds and a family history of HP. All three patients presented with cough and dyspnea on exertion. The disease was diagnosed on the basis of the clinical history and ancillary diagnostic test results consistent with the diagnosis, including a predominance of lymphocytes (> 60%, CD8+ T lymphocytes in particular) in bronchoalveolar lavage fluid and a ground-glass pattern seen on HRCT of the chest. Early diagnosis is crucial in order to prevent HP from progressing to pulmonary fibrosis. Hereditary factors seem to influence the onset of the disease.
Keywords:
Alveolitis, extrinsic allergic; Bronchoalveolar lavage; Glucocorticoids.
RESUMO
A pneumonite de hipersensibilidade (PH), ou alveolite alérgica extrínseca, é uma doença imunologicamente mediada, resultante da inalação de substâncias orgânicas que desencadeiam uma reação inflamatória na parede dos alvéolos, bronquíolos e interstício em indivíduos susceptíveis. Apesar de ser uma doença ocupacional de predomínio na idade adulta, estão descritos casos em crianças. O diagnóstico de PH requer grande suspeição, e seu tratamento consiste na ausência de contato com o antígeno e, em alguns casos, pode ser necessária corticoterapia sistêmica, evitando-se a progressão para fibrose pulmonar. Relatamos três casos clínicos de crianças com história de contato com aves e história familiar de PH. Todos os casos se apresentaram com tosse e dispneia aos esforços. O diagnóstico foi possível por história clínica e exames auxiliares de diagnóstico compatíveis, incluindo lavado broncoalveolar com predomínio de linfócitos (> 60%, especialmente linfócitos T CD8+) e TCAR de tórax com padrão em vidro fosco. O diagnóstico precoce é fundamental na PH para se prevenir a evolução para fibrose pulmonar. Fatores hereditários parecem influenciar seu aparecimento.
Palavras-chave:
Alveolite alérgica extrínseca; Lavagem broncoalveolar; Glucocorticoides.
IntroduçãoA pneumonite de hipersensibilidade (PH) ou alveolite alérgica extrínseca é uma doença mediada imunologicamente e causada pela inalação de substâncias orgânicas que, em indivíduos susceptíveis, desencadeia uma reação inflamatória na parede de alvéolos, bronquíolos e interstício. (1-8) Apesar de ser uma doença ocupacional de predomínio na idade adulta, estão descritos casos em crianças, na sua maioria após a exposição a proteínas aviárias.(4,6)
A prevalência varia de 5-15% nos indivíduos expostos a um alérgeno,(1-3) e a frequência da doença relaciona-se com vários fatores (quantidade de alérgeno inalado, duração da exposição, natureza do antígeno e resposta imune do hospedeiro).(1,2) A hereditariedade pode ser importante, se verificando maior predisposição em famílias com HLA-DR7, HLA-B8 e HLA-DQw3 positivos.(2,6)
A PH pode ser classificada segundo a sintomatologia (aguda, subaguda ou crônica) ou segundo a natureza dinâmica da doença (aguda progressiva, aguda intermitente não progressiva ou doença recorrente não aguda).(1-3,5-6,8) A forma aguda corresponde a uma exposição intermitente e intensa ao alérgeno, que se assemelha a uma infecção respiratória de etiologia viral que resolve ao fim de 24-48 h.(1-3,5-7) A forma subaguda se caracteriza por dispneia aos esforços, astenia e perda ponderal, correspondendo a uma exposição continuada mas menos intensa ao alérgeno.(1-3,5-6) A forma crônica se caracteriza pela progressão para lesão pulmonar irreversível, com fibrose pulmonar,(1,3) correspondendo à inalação insidiosa e prolongada de baixas concentrações de antígeno, sem quadro agudo prévio.(1-3,5-7)
Não existe nenhum exame auxiliar de diagnóstico patognomônico, sendo a hipótese diagnóstica colocada perante um elevado índice de suspeição, história clínica, exame objetivo, estudo laboratorial, provas de função respiratória (PFR) e estudo de imagem.(1-4,6)
Os dados laboratoriais são inespecíficos - leucocitose, aumento da VHS e aumento dos níveis de proteína C reativa (PCR) e de imunoglobulinas. (1,2,4) Os testes cutâneos e a presença de anticorpos precipitantes para o antígeno são marcadores de exposição, mas a sua negatividade não exclui o diagnóstico.(1-4,6) As provas de provocação mediante a inalação do antígeno predisponente são o melhor método diagnóstico na persistência de dúvidas diagnósticas, mas essas devem ser realizadas em meio hospitalar.(1-4,6)
As PFR mostram geralmente um padrão restritivo, caracterizado por uma diminuição da CVF e da CPT. Na fase crônica é possível encontrar um padrão obstrutivo, estando a DLCO geralmente diminuída.(1-4,6)
O lavado broncoalveolar (LBA) apresenta um predomínio de linfócitos (> 60%), nomeadamente os linfócitos T supressores (CD8+), com uma diminuição do índice CD4/CD8 < 1% (raramente encontrado em crianças).(1-4,6)
As alterações na radiografia pulmonar surgem em função do grau de doença e relacionam-se pouco com a gravidade dos sintomas, variando de normal a um padrão nodular/reticulonodular (na forma aguda e subaguda).(1-6) A TCAR de tórax pode mostrar um padrão micronodular difuso (fase aguda) ou enfisema obstrutivo, lesões fibróticas intersticiais e imagens em vidro fosco (fase crônica),(1-7) sendo o exame de maior utilidade no diagnóstico.
O tratamento consiste na ausência de contato com o antígeno, podendo ser o único tratamento nas formas agudas. A corticoterapia sistêmica é o tratamento de escolha nas formas subagudas e crônicas.(1-4,6) O prognóstico varia da recuperação completa nas formas agudas e não progressivas à fibrose pulmonar nas formas crônicas. O grau de fibrose pulmonar no momento do diagnóstico é o principal fator prognóstico.(1,2)
Relato de casosCaso 1Relatamos o caso de um menino de 12 anos com história de asma e história familiar de PH. Residente em zona rural, tinha contato com pombos e canários, que agravavam os sintomas. Chegou ao serviço de urgência com tosse produtiva e febre com 2 dias de evolução, associadas a anorexia e perda ponderal. A radiografia torácica revelou um infiltrado peri-hilar bilateral, e o paciente teve alta após ser medicado com claritromicina, que foi substituída pela associação amoxicilina e ácido clavulânico por persistência da sintomatologia 5 dias mais tarde. Um mês depois, por manter tosse intermitente com períodos de agravamento e dispneia aos pequenos esforços, o paciente foi novamente atendido, apresentando cianose peribucal, palidez cutânea, hipoxemia (SpO2 = 85% em ar ambiente), tiragem global e diminuição global dos sons respiratórios, com estertores nas bases. Os exames complementares revelaram VHS de 36 mm/h; PCR de 22,8 mg/L; níveis de IgA e IgG elevados; teste Phadiatop® (Phadia, Uppsala, Suécia) inalatório e alimentar negativo; PPD de 0 mm; teste do suor de 34 mEq/L; radiografia torácica com infiltrado peri-hilar e basal de padrão reticulonodular bilateralmente (Figura 1); ecocardiograma sem alterações; TCAR de tórax com consolidação do espaço aéreo e broncograma aéreo em ambos os lobos inferiores, associados a padrão intersticial bilateral de distribuição difusa, padrão centrilobular com alguns micronódulos e áreas em vidro fosco; sorologia para Chlamydophila psittaci negativa; PFR indicando alteração ventilatória obstrutiva leve; defeito moderado na DLCO; e LBA com alveolite linfocítica intensa, com franco predomínio de CD8+ (relação CD4/CD8 < 0,3%). Realizou corticoterapia oral durante um ano com resolução completa da sintomatologia e das lesões à TCAR de tórax, bem como melhoria nos resultados de PFR ao fim de três anos de seguimento.
Caso 2Uma menina de 14 anos, residente em zona rural, com pássaros no domicílio e história familiar de PH. A paciente estava saudável até novembro de 2002, quando recorreu ao serviço de urgência por febre e tosse; ao exame objetivo, apresentava estertores e dificuldade respiratória. Realizou radiografia torácica, que revelou infiltrado intersticial. A paciente recebeu alta, sendo medicada com claritromicina e prednisolona. Retornou ao serviço ambulatorial uma semana depois, referindo dispneia aos pequenos esforços. Os exames complementares revelaram VHS de 24 mm/h; aumento do nível de IgG, mas sem alterações das outras imunoglobulinas; sorologias para Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae negativas; IgG e IgM negativas; radiografia torácica com aumento da trama broncovascular bilateralmente e infiltrado intersticial difuso de predomínio peri-hilar bilateral; TCAR de tórax com tênue adensamento do parênquima pulmonar de ambos os pulmões com distribuição ligeiramente heterogênea, revelando pequenos nódulos de limites mal definidos e alterações em vidro fosco (Figura 2); ecocardiograma e eletrocardiograma sem alterações; LBA com alveolite linfocítica intensa e neutrofílica discreta, com franco predomínio de CD8+ (relação CD4/CD8 < 0,1%). A paciente foi mantida sob corticoterapia inalatória durante 2 anos, com melhoria clínica progressiva.
Caso 3Um menino de 7 anos, cujos pai e avó paterna estavam sendo investigados pelo setor de pneumologia por suspeita de PH. Tinha história pessoal de situs inversus totalis e infecções respiratórias de repetição. Deu entrada no serviço de urgência por tosse produtiva com cinco meses de evolução, associada a dispneia aos esforços e de agravamento progressivo, sem melhoria com broncodilatador e corticoterapia inalatória. Foi relatada a existência de um periquito no domicílio desde o início da sintomatologia, bem como um galinheiro e uma oficina de tanoaria. Ao exame inicial, apresentava SpO2 de 84% em ar ambiente, tiragem subcostal e estertores bilaterais. Os exames complementares revelaram VHS de 30 mm/h; PCR de 1,41 mg/dL; aumento dos níveis de IgG, IgA e IgM; sorologias para Mycoplasma pneumoniae, Legionella pneumophila e Chlamydia pneumoniae (IgG e IgM) negativas; radiografia torácica com infiltrado peri-hilar e intersticial difuso bilateral; teste do suor de 32 mEq/L; PPD de 0 mm; precipitinas séricas para fezes e penas de aves negativas; ecocardiograma com situs inversus completo; TCAR de tórax com exuberantes alterações em vidro fosco em ambos os campos pulmonares, compatível com alveolite alérgica extrínseca (Figura 3); PFR indicando alteração obstrutiva grave sem resposta ao broncodilatador; LBA com alveolite linfocítica intensa e neutrofilia, com franco predomínio de CD8+ (relação CD4/CD8 < 0,1%). O paciente recebeu corticoterapia inalatória durante 2 anos, com melhoria clínica e radiológica progressiva.
DiscussãoOs pacientes descritos apresentavam história familiar de PH associada a um quadro clínico correspondente à forma de apresentação subaguda de PH, com padrão obstrutivo e sintomas como tosse, dispneia aos esforços, perda ponderal e, por vezes, febre, sintomas esses desencadeados ao fim de algumas semanas a meses de exposição a um antígeno.
Para o diagnóstico foi essencial um elevado índice de suspeição, bem como critérios analíticos e laboratoriais. Entre os critérios maiores, definidos por Schuyler et al.,(7) encontram-se os sintomas compatíveis, a evidência de exposição a antígeno mediante a história clínica, os achados radiológicos na radiografia e na TC compatíveis com PH e a presença de linfocitose no LBA. Dentre os critérios menores, destacam-se a existência de estertores nas bases e hipoxemia arterial. Apenas em um dos pacientes se documentou uma diminuição da DLCO. Em nenhum dos casos foi possível identificar anticorpos precipitantes para o antígeno. Apesar de esses serem marcadores objetivos de exposição, a sua negatividade não exclui em absoluto o diagnóstico.(1-4,6)
Nesses três casos foi possível verificar a presença de um padrão reticulonodular/intersticial difuso na radiografia torácica, bem como a existência de um padrão em vidro fosco, áreas em vidro fosco e micronódulos, característicos da forma subaguda.
A presença de linfocitose no LBA dos pacientes, bem como a existência de uma relação CD4/CD8 < 0,1% em dois deles, permitiu corroborar o diagnóstico de PH.
Dada a inexistência de forma grave da doença, o tratamento instituído em todos os pacientes foi a ausência de contato com o alérgeno e a utilização de corticoterapia oral/inalatória, que resultou em melhoria clínica progressiva, assim como a dos parâmetros ventilatórios e radiológicos.
A realização de biópsia pulmonar deve ser ponderada mediante sua relação custo-benefício, devendo ser considerada em raros casos nos quais haja dúvida no diagnóstico ou naqueles cuja evolução clínica ou resposta ao tratamento seja dúbia.(3)
A PH é uma patologia pouco frequente em crianças e apresenta sintomas inespecíficos. Para o seu diagnóstico, é importante a clínica e a investigação de exposição a alérgenos. Em todos os casos descritos havia história familiar de PH, apesar de não ter sido investigada a presença de HLA. Esses fatos levam-nos a acreditar que apesar de o alérgeno ser o principal fator desencadeante dessa patologia, a hereditariedade também se apresenta como um importante cofator. É fundamental o diagnóstico precoce de PH, o que permite se evitar complicações irreversíveis e graves, como a fibrose pulmonar.
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*Trabalho realizado no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.
Endereço para correspondência: Joana Filipa Almeida Cardoso. Rua Costa Fontes, 118, 4460-289, Matosinhos, Portugal.
Tel. 351 96 617-6396. E-mail: jfcardoso@yahoo.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 5/12/2012. Aprovado, após revisão, em 16/5/2013.
Sobre os autoresJoana Cardoso,
Médica Interna de Pediatria. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.
Isabel Carvalho
Assistente Hospitalar. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Porto, Portugal.